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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

S. Tomé e as memórias do Batepá (4) – Zé Mulato, carrasco do Campo de Concentração de Fernão Dias - O Juiz que procedeu à “Revisão do Caso Batepá”, disse que “ o puseram numa posição que não era compatível com a sua qualidade de criminoso de direito comum. Suponho que fez muitos crimes” - O perigoso cadastrado era usado pelo Tribunal para atos coercivos, desde 1948 – Revelação inédita neste site


Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista -- Em próxima postagem a entrevista com o Juiz Victor Pereira de Castro.  - c

"FUI UMA MÁQUINA BRUTA A MATAR" - A uns matava-os a soco, outros a tiro, à paulada ou à machinada! Alinhava-os ao longo da vala para não me darem muito trabalho.Alguns ainda gritavam lá dentro, mas calava-os imediatamente, com umas quantas pazadas de terra. Nem era eu que as deitava, mas a outra "empreitada" que vinha logo  a seguir.  - ...Fui duro!... Bem sei... Tinha de ser...E não me pergunte se  estou arrependido,não senhor! Não estou!!.. - Outros amarrava-os  à cadeira dos choques eléctricos!... "até pulavam!...Até gritavam!... 


 
Disse o  Juiz: Victor Pereira de Castro:“Conheço pessoalmente. o José Mulato desde há dias porque o chamei para conversar sobre os acontecimentos. Conheço o José Mulato através de processos; foi um homem que teve muitos maus princípios; foi um homem que, muito novo, teve de dar contas à sociedade (e deu-as) por ter cometido um crime de homicídio, com o concurso de agravantes muito sérias. Estava a cumprir pena. Foram buscá-lo. Puseram-no numa posição que não era compatível com a sua natureza, a sua qualidade de criminoso de direito comum. Suponho que fez muitos crimes. Foi condenado por crimes muito graves que cometeu, e penso que sofreu uma das penas mais pesadas que foram dadas aos intervenientes dos acontecimentos.”  - Pormenores mais à frente"

COMEMORAÇÕES DO 3 DE FEVEREIRO, ENSOMBRADAS POR TUMULTOS POR MUDANÇA DE LOCAL  - Pena que assim tenha acontecido    -

 

 Diz Conceição Lima:  Pela primeira vez desde a proclamação da independência nacional, as comemorações oficiais do 3 de Fevereiro, Dia dos Mártires da Liberdade, passaram ao lado da localidade de Fernão Dias. E pela primeira vez, o acto central de uma das datas mais importantes do calendário nacional, quiçá a mais grave, decorreu sem a presença do Chefe do Estado." - Excerto de   Fernão Dias: as razões do protesto popular
(Nas antigas instalações de Fernão Dias - num dia pacifico)
 
Os factos são já publicamente conhecidos pelo que me abstenho de os referir. 
Senão apenas expressar  a minha estranheza pela ausência de informação, que não houve o cuidado de ser divulgada com mais antecedência. Por mais pesquisas que fizesse, pela Internet, só me chegavam notícias do ano passado. –

E também, por outro lado, algum desencanto, pelo que se passou - Até compreendo que se proporcionem as duas alternativas (mas também não foo o que se fez)  para quem, por esta ou por aquela razão, não podendo ou  não querendo  ir a Fernão Dias, possa optar por uma cerimónia no Museu Nacional ou na Praça da Independência.

Mas, de modo algum, que,  a romagem ao campo dos mártires da liberdade, possa ser esquecida ou subalternizada numa cerimónia meramente  protocolar de fato e gravata.

Pelo contrário, é um  acontecimento, com tantos anos como tem a independência, pelo  que deverá manter-se como evocação principal e inalterável: pois, só a ida ao local, vale pelas imagens; subsitue quaisquer discursos ou palavras de cunho oficial de cirucunstância – Ou será que já não se quererá ir  ali devido ao  estado de  abandono em que se encontra o monumento, ali erguido em memória dos mártires? – É lamentável o que se passou e  também o estado a  que este foi esquecido - Muito embora haja um  projeto para o mesmo local - Desde há 3 anos. 


Parabéns aos jovens da ilha do Príncipe que resolveram celebrar o dia dos mártires da liberdade  com uma caminha ao Precipício  de Belmonte, um dos lugares mais paradisíacos da Ilha do Príncipe  de-fevereiro-celebrado-com-caminhas-%C3%A0-precip%C3%ADcio-do-belo-monte.htm

A FIGURA DO VERDUGO ZÉ MULATO – QUE O GOVERNO  COLONIAL USAVA, MUITO ANTES DE 1953

- Ao lado a imagem do  pântano de areias movediças,  infestado de mosquitos para onde eram atirados com pesadas argolas de ferro ao pescoço 

Era incontornável a pergunta acerca da figura e do processo do José Joaquim, mais conhecido por  Zé Mulato, a sinistra criatura, chefe das famigeradas brigadas de trabalho forçado e o carrasco dos interrogatórios e de torturas até à  morte no Campo de concentração de Fernão Dias, onde perderam a vida centenas de santomenses. Mas o conteúdo da entrevista deixo-a para a próxima postagem, sob pena de tornar este artigo demasiado extenso

Convirá dizer que ele já era citado em relatórios do Ministério do Ultramar, na década de quarenta, ou seja, muito antes de 1953 – Julgo ser a primeira vez que é tornada pública esta revelação, que pude extrair de antigos documentos

JUSTIÇA SEM JUSTIÇA - Que o usava para atos intimidatórios – Senão veja estas descrições  - 1948 

96 - Carlos Alberto de Alva Teixeira, foi intimado verbalmente ás 17 horas do dia 8-12_948 por um tal José, capataz de presos, para demolir e desalojar um terreno na Av 5 de Outubro, propriedade de sua mãe D, Joana Rodrigues Nascimento, registado na Conservatória sob o nº 8.681 no livro 5 a fls. 132, do  edifício e retirando a mobília, não tem até hoje recebido a justa indemnização.

99 - Outros munícipes  procuram-nos  com queixas e reclamações semelhantes, não quizeram dar elementos indispensáveis da sua identidade, alegando receio de represálias, citando para essas alegações exemplos, pelo que não me foi possível  dar seguimento ás suas pretensões. Pode ser que haja exagero neste receio, mas da minha observação fiquei com a suspeição de que nesta cidade de S.Tomé se usa por vezes de medidas de coação para o conseguimento de certas vantagens mais menos justificáveis do que se imagina ser o interesse do Estado.


114 - (...) Mas o pior de tudo, é que,  na Administração do Concelho são julgados, ninguém sabe  porque juízo, várias demandas entre nativos, frequentemente por factos que são crimes previstos no Código Penal. Na verdade na administração do Concelho não há Julgado Municipal ou Instrutor, porque é sede de Comarca, e não há também Tribunal Privativo da Indígenas, porque tal jurisdição foi considerada excluída de S.Tomé, como acima se diz. E então a formula seguida é resolução da s queixas dos nativos  na administração e ali são atendidos pelo administrador, 11doub1á" de Comandante de Polícia, maia polícia do que autoridade administrativa.

115 - Assim vê-se que no ano de 1948 ali foram apresentadas por esta forma 1.460 queixas verbais, 188 em papel selado e organizados 25 processos por crimes diversos. Alguns destas processos transitaram para o Tribunal da Comarca, mas outros não, é o que se pode depreender do arquivo; das queixas que não tiveram seguimento para o Tribunal não se sabe com segurança o andamento que lhe foi dado, havendo poucos despachos a esse respeito nos documentos verificados.

116 - A grande maioria destas queixas não tem qualquer despacho ou outro indício do andamento que tiveram, nos respectivos registos, ou então os despachos são imprecisos, incompletos, dando bem a sensação do desprezo com que estes assuntos, que tanto calam no espírito da população, são acolhidos por funcionários cheios de tédio, ou, como eles alegam, que teem tanto que fazer que não chegam a fazer nada. Um despacho diz assim - "Ouvidos e harmonizados" sem que ninguém possa saber ao certo o que se passou

Diz o mesmo relator-inspetor: “Constou-me também que na execução desses trabalhos e do trabalho correcional os trabalhadores são entregues á condução de outros presos, muitas vezes criminosos de nomeada, que sobre os trabalhadores exercem grandes violências, 0 que já provocou a intervenção dos médicos do hospital em vista de ali aparecerem gravemente feridos ou contusos dos naus tratos e até por esse estabelecimento correu um processo por e8tupro na pessoa de uma menor de 11 ou 12 anos, presa ou filha de uma presa, que obrigou a tratamento hospitalar da vitima, praticado por um desses capatazes, preso por assassinato de um filho, tendo o processo sido mandado arquivar, sem qualquer procedimento"

QUANDO A BELEZA DE UMA ILHA É MANCHADA DE HORROR, DESTRUIÇÃO E MORTE

Além de alguns sobreviventes, cujos relatos transcrevi em anteriores trabalhos jornalísticos, neste site, embora com alguma relutância, e, diga-se, também com algum receio, pois desse homem tudo era possível, pude também entrevistar o famigerado Zé Mulato . A entrevista não chegou, no entanto, a ser publicada, não por falta de vontade  minha, mas por decisão editorial da revista Semana Ilustrada, atendendo à crueza das suas declarações e às reações de que vinha sendo alvo por alguns colonos. Contudo, as suas palavras, tendo-me soado, quase como o silvo das balas, com que crivou as suas vítimas, ou através da violência da barbárie de espancamentos, ficaram-me como que retidas na memória para sempre – Exercício esse que fiz, neste site,  há 3 anos, por ocasião da celebração do 36 º aniversário da independência de S. Tomé e Príncipe . A dado passo dizia eu o seguinte:

A paz  que ali reinava dantes, dava lugar a um autêntico cenário de horrores: por todo o lado havia a imagem e o cheiro da morte!...- E aqueles que conseguiram escapar,  feridos ou vivos, onde quer que se encontrassem, vertiam agora lágrimas de dor e de luto, de desespero e aflição.
Rara era a família santomense que não chorasse um dos seus mortos.
 - Porém, o macabro crime não tardaria também a atingi-los  da forma mais violenta e cobarde. Enceta-se a caça aos "culpados" e outro cenário cruel rapidamente vai ter lugar – No Campo de Concentração de Fernão Dias

Ouvi as declarações e os desabafos de algumas das vítimas que sobreviveram  ao massacre do Batepá  e às prisões  e  torturas de centenas de mortes que se seguiram.

Por fim,  também ouvi o principal carrasco, cujo diálogo registei para um pequeno gravador . Recebeu-me na sua oficina, cá fora, encostado à sua carrinha. Mas não foi fácil falar com o  corpulento Zé Mulato. E até me dirigi a ele com alguma relutância e   medo,  receando que pudesse ter a mesma atitude intempestiva  dos colonos e me agredisse - Não o fez fisicamente mas as suas palavras soaram-me a balas, a extrema violência e a  fusis!

Não queria falar e vi que também estava zangado comigo: "Você é um parvo!!..
Tinha obrigação de conhecer  melhor o preto!!..Eu sou negro e analfabeto e sei bem o que sou: conheço a minha rês!!" 
Mas depois de o deixar desabafar, lá foi desfiando alguns dos episódios, revelando pormenores dos seus cruéis atos, num tal  acontecimento macabro.

- Sim, já me haviam relatado os seus crimes, mesmo assim não esperava tão inesperada confissão. actos de tamanha impunidade e crueldade!
Descritos  com tão flagrante e  desbragada  sinceridade. Tão crassa frieza,  impiedade e desfaçatez, cujas palavras ainda  me não  saíram completamente dos ouvidos, tal a impiedade com que as pronunciou e  a impressão com que ainda  hoje as recordo. Sim, confessava-me ele num certo dia e com  palavras  de arrepiar:

"Em Fernão Dias eu era o capataz e fui uma máquina bruta a matar!!... Matei mais de mil!
Era eu quem mandava. Cumpria ordens!...O que querem agora que eu faça?!..
Querem que eu me mate ou querem que eu me deixe  matar por eles?!... 
Agora andam para aí a rondar-me a porta: o primeiro que aqui entrar, deixo-o aqui degolado, não sai daqui inteiro nem vivo!...Querem que lhes dê o  mesmo trato?!... 
A uns matava-os a soco, outros a tiro, à paulada ou à machinada! 
Alinhava-os ao longo da vala para não me darem muito trabalho.
Alguns ainda gritavam lá dentro, mas calava-os imediatamente, com umas quantas pazadas de terra. Nem era eu que as deitava, mas a outra "empreitada" que vinha logo  a seguir.

O campo estava vedado de arame farpado….Mas houve quem fugisse. Houve uns macacos que se puseram andar!!. Por isso,  passei acorrentá-los para não se escaparem, e, às vezes,  para não me maçar  muito, mandava-os carregar água do mar em potes até se cansarem!.. E tinham que andar ligeiros, dar a volta pelos coqueiros  e a despeja-la ali de novo à beira  da praia!

Dei muitos murros e pontapés até se cagarem! Depois mandava-os abrir as covas  para outros os enterrarem! Não tenho pena de nenhum dos que matei!...Foram  uns  milhares de  "comunistas"  à  vida! ...Fui duro!... Bem sei... Tinha de ser...E não me pergunte se  estou arrependido,não senhor! Não estou!!.. - Outros amarrava-os  à cadeira dos choques eléctricos!... "até pulavam!...Até gritavam!... 

Eram uns tristes ... Coitados!...Passavam sede e fome!.. .Andavam magros como os cães!... Alguns caiam já mortos!... Eu sei...Foi duro!.. Eram meus patrícios!... Mas quem é que os mandava ser comunistas?!.. Houve muitos que sempre  negaram a morte do alferes  por mais verdoadas que levassem!

Oh! mas quando o cacete lhe caía nas costas!...Ou o chicote lhes zurzia na cabeça e no focinho!...Não havia língua que não se soltasse!
Abria-se-lhe logo a boca p´rá  verdade!!... E os desgraçados até  me davam vontade de rir quando de repente confessavam:
." - Perdoa-me Zé Mulato! Perdoa-me Zé Mulato!
Eu sou comunista! Eu sou comunista! … Não me mates!!Não me  mates!!!
Estou arrependido!..não me meto mais noutra!!"
- Era então quando lhe dava mais porrada!
Virava pau em cima deles!... Pau até partir ou rachar cabeça deles!.. Ainda mais os  espancava!!...

Comunistas? - pergunto eu. Sabiam lá os tristes massacrados o que era o comunismo!- Nem  ele próprio sabia. Mas, lá está... Zé Mulato era lesto e  mau!
Portava-se como todo o  mundo fosse seu. Cumpria as ordens que vinham de cima por inteiro e ainda abusava!... Queria lá saber do sofrimento alheio!...
O verdugo  era impiedoso e não hesitava!

"Depois duns  valentes choques eléctricos, aos mais renitentes, desapertava-lhe as fivelas, tirava-lhe os coletes e as correias, soltava-os,  ficavam doidos e tontos, pareciam macacos esgazeados!Atiravam -se direitos às paredes às cabeçadas! Até sangrarem-lhes os dentes!...Caiam no chão e  esperneavam!
E eu depois lá tinha de acabar com eles, com uns pontapés na cara! Esmagava-os!!...  O negro é rijo!... Custa a morrer! 
Eu também sou da mesma fibra..  e venha aí o primeiro  que me queira dar alguma cacetada! Senão os matasse nunca mais morriam e se acalmavam!
Dava em maluco!... Ainda ia ficar mais estragado do que eles!!..
Então era gritaria a toda a hora e  nunca mais se calavam!..

Mas Sô Zé Mulato tinha o perfil do carrasco ideal, nem ia ficar louco nem minimamente  se impressionava! - E, pelo que me disse, até achava muita graça e  piada - Porém, a tal cadeira  - só de se ver - era mesmo real e  macabra.

Sim, ainda vi a imagem cruel e fotografada desse abominável suplício!- Tive-a nas mãos mas não a pude publicar: o editor da Voz de São Tomé, (jornal do regime), essa e outras horrendas imagens não mas facultounem ele as publicou - espero  que estejam  guardadas em arquivo- Um tal militar (um tenente fascista)  encarregou-se de limpar os arquivos da PIDE e o que não interessava.

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