Jorge Trabulo Marques - Jornalista - c
Entrevista, com Victor Pereira de Castro - mais à frente – No Portugal de Salazar, não só houve o Batepá, em S. Tomé: - também houve o massacre da aldeia do Colmeal -Hoje aldeia fantasma mas que antes do massacre em 1956 tinha 14 famílias com no mínimo 60 habitantes – E que agora mais fantasma vai ficar com um descaracterizado empreendimento turístico nas ruínas que restam.
O que se passou tem de ser interpretado à luz da ignorância e das trevas da época - em que apenas uma reduzida elite, parasita e corrupta, vivendo à sombra do regime colonial e ditatorial, tirava proveito e fazia o que bem lhe apetecia - Há que não ignorar esse passado mas olhar em frente, sem remorsos e com os
olhos confiantes num futuro melhor: Portugal e S. Tomé falam a mesma língua - e
ambos os povos foram vítimas do ignominioso e longo período colonial fascista. .E, afinal, muitos de nós cresceram e viveram à sombra da mesma bandeira -Porém,
a história não pode ser nem apagada nem esquecida: faz parte dos dois países
Os Massacres do Batepá, que começaram num
remoto lugarejo, com o mesmo nome, perdido no mato e que depois se estenderam a
várias aldeias, vilas e aos habitantes da cidade, lamentavelmente não é caso
único, que só o 25 de Abril lograria terminar. É também o da mártir
aldeia do
Colmeal situada algures numa escondida encosta da Serra da Marofa, Figueira
de Castelo Rodrigo, que prefiguraria , igualmente, uma das páginas mais negras
da História da Lusitânia moderna sob jugo e ocupação portuguesa. -
.Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista (em S. Tomé de 196363 - a 1975) - E empregado de mato, nomeadamente na dependência de Fernão Dias - da antiga Roça Rio do Ouro, atual Agostinho Neto
.Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista (em S. Tomé de 196363 - a 1975) - E empregado de mato, nomeadamente na dependência de Fernão Dias - da antiga Roça Rio do Ouro, atual Agostinho Neto
,Voltamos de novo às memórias dos massacres do Batepá - Já passaram três dias sobre as comemorações do 3 de Fevereiro, a mais trágica data de repressão e violência do período colonial, nas indefesas e pacificas populações de S. Tomé e Príncipe, embora haja forças internas politicas que a desejem apagar, não é, no entanto, efeméride que apenas esteja presente no sentimento das más recordações do povo santomense, nesta data e até continua a ser obecto de acesa discussão e polémica:
Amanhã, por exemplo, em Lisboa, está prevista na Casa Internacional de S. Tomé e Príncipe, .sita, na Rua de Assunção, Nºº 40 – 3D, um debate, com inicio às 17 horas, sobre os acontecimentos do Batepá, onde se pretende realçar quanto contribuíram estes acontecimentos para o 25 de Abril em Portugal com o seguintes temas:
Amanhã, por exemplo, em Lisboa, está prevista na Casa Internacional de S. Tomé e Príncipe, .sita, na Rua de Assunção, Nºº 40 – 3D, um debate, com inicio às 17 horas, sobre os acontecimentos do Batepá, onde se pretende realçar quanto contribuíram estes acontecimentos para o 25 de Abril em Portugal com o seguintes temas:
O
Massacre de Batepá- Crónica de uma Guerra Inventada - S.Tomé e Príncipe 3 de Fevereiro 1953, sendo
orador Rufino Espirito Santos, bem como “Inicio da Luta Armada - Um
caminho para a Dignidade, Angola 4 de Fevereiro 1960”, com a
intervenção de Marilia E. Santos, bem
como: "Eduardo Mondlane - Um Símbolo das Independências -, tendo como orador: Alberto Paulino Alface, antigo combatente da
FRELIMO e 1º Secretário do Comité da FRELIMO em Lisboa
Por outro
lado, em S. Tomé, a polémica prossegue: dizem as últimas notícias que "Um grupo de
historiadores nacionais", referindo-se à mudança para o Museu Nacional das celebrações da histórica Praia de Fernão Dias,
onde há mais de 60 anos tradicionalmente os são-tomenses se concentravam para
recordar os seus mártires, considera a decisão e a atitude do
Governo como um atentado contra «aqueles que sofreram os efeitos do referido
massacre, bem como seus familiares, incluindo sobreviventes ainda em vida»..Pormenores em 3 de Fevereiro : Historiadores acusam o Governo de
irresponsabilidade e de tentativa de deturpação da história ... -
Télanon
Enquanto,
o celerado José Mulato, que, antes de partir para Portugal, através da “porta
do cavalo” do aeroporto de S. Tomé, disfarçado com as suas habituais vestes de
caqui azul de carpinteiro) me confessara ter sido "uma
máquina bruta a matar", saindo-se com esta abominável expressão, sem o mínimo de remorsos: "matei mais de
mil!"; sim, enquanto esse criminoso, que o Governador Carlos
Gorgulho, foi buscar à prisão (do qual, aliás, já se servira, muito antes para
atos intimidatórios de cobranças e expropriações abusivas ou coercivas, não com vista
a defender os interesses do Estado mas os bolsos de corruptos altos
funcionários da Administração ou dos roceiros) sim, enquanto esse facínora, nomeado
capataz-mor das brigadas de recrutamento de trabalho forçado, e,
posteriormente, promovido a chefiar o Campo de Concentração de Fernando
Dias, pois bem, não obstante esta hedionda confissão, já o todo poderoso Governador, que, no dizer do
então comandante da Polícia e seu ajudante de campo, se portava, em vários
detalhes, como um ditador à maneira da Gestapo no tempo de Hitler na Alemanha”,
viria a confessar (na farsa do julgamento mandado instaurar pelo Salazarismo
para salvar as aparências) que apenas ordenara a matança de 47 vidas.
Mesmo
que assim fosse, mas foram largas centenas (há quem fale em alguns milhares),
só por esse facto - veja-se como a justiça do colonialismo poderia ser
tomada a sério – ainda foi condecorado e levou dois
rasgados louvores, a que mais adiante se fará referência.
Assim sendo, alguma vez os familiares das vítimas foram inimizados, com a devida justiça ou o país colonizador apresentou desculpas formais pelos massacre do Batepá? – Nem uma coisa nem outra
Atente-se, na gravidade das acusações de que foi incriminado: por“crimes de homicídio, crimes de ofensas corporais, crimes de abuso de autoridade, ofensas corporais em presos, por exemplo, crimes.de ameaça, crimes de fogo posto, crimes de roubo”.
Contudo, mesmo após o 25 de Abril, dir-se-á que a
chamada Revisão do Caso Batepá”, não foi além de mera formalidade.
De resto, é o que hoje posso depreender das palavras do Juiz Victor Pereira de Castro, nomeado pelo então “Governo da província, que, interpretando uma justa reivindicação do povo, pediu ao Governo Central a revisão do caso de Batepá.”
De resto, é o que hoje posso depreender das palavras do Juiz Victor Pereira de Castro, nomeado pelo então “Governo da província, que, interpretando uma justa reivindicação do povo, pediu ao Governo Central a revisão do caso de Batepá.”
Victor Pereira de Castro – O juiz que já havia estado a chefiar a
Justiça, em 1961 – Ao menos podiam ter escolhido um juiz que não tivesse um currículo
colonial – até, porque, naquela atura, também ainda não havia muito por onde escolher – Ou não era o fascismo que os
escolhia para os julgamentos dos presoss políticos, na maquiavélica farsa dos
Tribunais Plenários?
Declarou-me o seguinte: “ Parece-me que não se deve falar
em intenção de indemnizar. Parece-me que o problema é um problema moral para se
poder efectivamente tentar a nível de indemnização; indemnização relaciona-se
mais com atribuição material”
PROCESSOS: DESDE OS FILTRADOS A DESAPARECIDOS – Restaram
pouco mais de 70 CONSEQUÊNCIA DO “APROVEITAMENTO
DE UMA MÁQUINA “(..)PARA FINS QUE NÃO ERAM RAZOÁVEIS
Todavia, um dos sobreviventes, que entrevistei, em
1974, a que me referi em artigos anteriores, dizia o seguinte: “ O meu pai era o Manuel João da Graça das Neves. Tinha o
número 430” – Claro que o número não ficava apenas por essa cifra” No entanto, declarava-me,
na mesma data , o dito Juiz:
“Suponho
que tenho aqui a minha frente, mais de 70 processos crimes relacionados com os
acontecimentos do Batepá, filtrados através do próprio Tribunal da Comarca”.
Por isso mesmo – sublinhava: “Não podemos dizer
que houve extravio de processos ~ Há processos que não aparecem . Quer dizer
sabemos que não estão nos seus lugares, onde normalmente deviam estar. Mas nós
esperamos..."
E também - segundo declarações do douto magistrado - “Não
se deve falar em máquina montada para torturas. A Administração podia estar
muito mal montada, mas não tinha a intenção concreta de torturar; o que houve
foi isto: um aproveitamento da máquina que normalmente serviria para fins úteis , aplicada ao serviço de fins que não eram razoáveis"
Além dos relatos, expostos em anteriores
postagens, alguns dos quais por mim obtidos em 1974, desta vez venho divulgar a entrevista que me foi
concedida pelo Juiz Victor Pereira de Castro, responsável pela revisão do então
chamado “Caso do Batepá – Que “o
Governo da Província de S. Tomé e Príncipe, interpretando uma justa
revindicação do povo, pediu ao Governo central a revisão do Caso Batepá “– Dizia então
uma nota oficiosa - Entrevista, essa, nalguns aspetos, mais cautelosa de que esclarecedora; mesmo assim, não deixa de
ser um documento importante. Pois julgo ter sido a única entrevista que
concedeu
ELOGIOS - Justificados?
Todavia, não se tomem em conta os elogios, que
então fiz, na introdução da entrevista – Pois, se soubesse, o que hoje
sei do desfecho que acabou por ter a dita “Revisão
do Caso Batepá” (sim, que não passou de uma pró-forma para tentar “serenar” as
manifestações pós-25 de Abril) certamente que não teria começado por fazer uma
análise tão elogiosa – Se bem que também ainda não tinha dados, nem depois cheguei a ter, já
que ficaram retidos em arquivos que, mesmo passados, tantos anos, ainda
permanecem vedados aos investigadores:
Iniciativa governamental que classificaria, no introito
da entrevista, como “criteriosa e séria, coisa que ainda não se tinha feito, ou pelo
menos tão corajosa e frontalmente como agora, por parte das autoridades
portuguesas, que, para o efeito, encarregaram um jurista competente: o Dr.
Victor Pereira de Castro.
Mas passemos ao seguimento da entrevista e às
questões que começava por levantar:
1974 - “Por que se deram os acontecimentos do Batepá?
Quais as causas de ordem económica, política e social que os terão motivado ? E qual a finalidade do trabalho que está sendo
levado a cabo pelo Dr. Victor Pereira de Castro, entidade incumbida pelo
Governo, da revisão do caso Batepá ?
Numa das últimas edições. de Semana Ilustrada, já
apresentámos alguns depoimentos com pessoas que foram vítimas das violências
então praticadas durante essa altura. De novo aqui estamos com outras declarações.
.
.
Não pretendemos,
como talvez alguém julgue, reacender - sentimentos talvez já ocultos ou
apagados. Não pretendemos semear o ódio. O nosso objectivo é puramente outro,
tentar responder às perguntas atrás formuladas. Em segundo lugar, pretender,
com a divulgação desses relatos a nu, minimizar um pouco do sofrimento e agonia
de um povo, que, durante o regime anterior, nunca permitiu que o seu sofrimento
e dor fossem ouvidos e conhecidos por
mais alguém se não por esse mesmo povo que sofreu.
É pois este o nosso objectivo. Independentemente
de qualquer ideia sensacionalista que talvez também alguém lhe pretenda
atribuir.
Assim, em conformidade com este nosso propósito, apresentamos de seguida a entrevista, com o dr. Victor Pereira de Castro, incumbido, pelo Governo Português, de proceder a revisão e uma análise do caso do Batepá .
Quando chegar à altura em que o seu trabalho de
investigação se completar, poderemos contar com uma entrevista talvez ainda
mais importante. Por agora, contentar-nos-emos com o que nos declarou. Quanto a fotografias, só permitiu que
fotografássemos a rima de processos que lá tinha sobre uma mesa e uma corrente
de ferro que, há dias, lhe chegou às mãos e com que eram na altura acorrentados
as pessoas presas.
De qualquer maneira o nosso agradecimento, pois,
mesmo assim, foi bastante atencioso para connosco.
J.M – poderá dizer-me as razões por que foi
escolhido para rever o caso do Batepá?
P.C. Ignoro. Não faço a mais pequena ideia da
razão por que fui escolhido. Talvez por ter sido aqui juiz em 1961.
J.M. Nessa altura, já se tinha inteirado dos
acontecimentos do Batepã?
P.C. Logo que cheguei a S. Tomé ouvi falar no Batepá.
J.M. Não se debruçou sobre o caso ?
P.C. Sim Li vários processos. Havia os que estavam
no tribunal em arquivo, que se relacionavam com o Batepá, e até havia processos
que estavam a· correr ainda.
J.M. A sua missão específica, neste momento?
P.C. Fazer o inquérito aos acontecimentos do Batepá.
Talvez a ver se consigo reconstituir todos os acontecimentos que se deram
durante aquele período histórico.
J.M. E depois de reconstituir esses processos há a
ideia, naturalmente de indemnizar todas as pessoas que foram lesadas, não é
verdade?
P.C. A ideia não é minha; é do Estado. Estou a
servir o Estado. O Estado mandou-me fazer um inquérito. Não me disse para quê.
Não me disse qual era o fim. Disse-me para eu fazer um inquérito.
J.M. Mas de momento não se sabe qual é a
finalidade desse inquérito?
P.C. Toda a gente pensa que o inquérito seja feito
para algum fim útil.
J:M. Mas se nesse inquérito se apurar que há
indivíduos com culpas e que ainda não foram condenados? Depois de vinte anos
esses indivíduos poderão ainda ser condenadas pelo seu procedimento naquela
altura ?
P.C. É um problema jurídico que vai ser muito
discutido. Que tem que ser discutido. Saber efectivamente a partir de que
momento conta o prazo de prescrição desses crimes.
Em termos normais, segundo as ideias correntes, a
prescrição ao fim de vinte anos apaga os efeitos do crime. Haverá razões para
que o prazo de prescrição conte a partir de uma data posterior aos
acontecimentos ?
Não sei: Há quem entenda que sim.
P. C. Elementos directamente relacionados, com os
crimes – “autores matérias desses crimes, pelo menos civis foram julgados no
tribunal comum. De todos ? Não posso afirmar.
J.M. Portanto há uma ideia de indemnizar todas as
pessoas que foram lesadas ? ...
P.C. Até aqui tem-se conseguido obstar que 0
problema do Batepá seja francamente debatido. Estou convencido que o Estado
tendo conhecimento directo dos problemas, há-de querer efectivamente assumir a
responsabilidade que têm também' os problemas.
J.M. Que tipos de crimes se terão cometido?
P.C. Os crimes que foram. Julgados e apreciados no
Tribunal da Comarca, são crimes de homicídio, crimes de ofensas corporais,
crimes de abuso de autoridade, ofensas corporais em presos, por exemplo,
crimes.de ameaça, crimes de fogo posto, crimes de roubo.
P .C. Suponho que sim. Que há elementos oficiais
que nos determinaram que houve muitos. A confissão oficial do próprio
governador de então, debita, salvo erro,47 vidas. Serão exactamente essas as
vítimas do Batepá? Não sei. Ainda não
temos elementos.
J.M. Analisando o caso à face do ambiente da
época, sob o ponto de vista social, económico e político, que terá contribuído
para o desenrolar desses acontecimentos?
P.C. É esse um dos temas de estudo, que tenho
necessidade de encarar.
J.M. A população de S. Tomé pode confiar em
absoluto no trabalho que está a levar a cabo, e na resolução final que o Estado
irá tomar ?
P.C. A população de S. Tomé não tem razões
nenhumas para confiar no meu trabalho, porque o meu trabalho pode sair
imperfeito. Agora a população de S. Tomé o que pode ter é a ideia absoluta de
confiar no Governo.
J.M. Portanto, digamos, acha que depois dessa
resolução do Governo, em tentar indemnizar a população que foi afectada, que
essa mesma população continuará ainda com ressentimento s desses actos: Digamos
foi uma mancha que jamais se apagará do povo ?
P.C. Parece-me que não se deve falar em intenção
de indemnizar. Parece-me que o problema é um problema moral para se poder
efectivamente tentar a nível de indemnização; indemnização relaciona-se mais com
atribuição material. Penso que à população de S. Tomé, a maior reparação moral
que se pode dar é esta. É a de se pôr a
nu, ter a coragem de se descobrir, destapar precisamente esse período
histórico. Pois não foi nada, nada feliz para nós. Essa é a maior reparação que
se pode dar à população de S. Tomé.
Penso que é essa reparação que a população de S.
Tomé mais aspira que lhe seja dada. Além dessa admito que efectivamente o
Governo possa, em relação a vítimas que mais sofreram em termos materiais,
ajudá-las. Mas também acredito que houve vitimas em S. Tomé, que nem sequer
queiram ouvir falar em reparação material. Porque o sofrimento delas não tem
preço.
P.C. Suponho que tenho aqui a minha frente, mais
de 70 processos crimes relacionados com os acontecimentos do Batepá, filtrados
através do próprio Tribunal da Comarca.
J.M. Portanto, o seu trabalho, constitui,
essencialmente em rever esses processos?
P.C. Não. O meu trabalho não é só limitado em
rever os processos; é de coligir elementos que me permitam, efectivamente, ter
uma ideia do próprio ambiente político, do ambiente social, do ambiente
económico em que esses acontecimentos se integraram.
Não se podem compreender isoladamente os
acontecimentos de 3 de Fevereiro de 1953:
J.M. Tem encontrado esses elementos ao seu alcance
e obtido as necessárias facilidades
P.C. Tenho tido as facilidades todas da parte da
Administração, e tenho tido inúmeras dificuldades porque a maior parte dos
elementos extraviaram-se, não estão nos seus devidos lugares. Estão escondidos
em arquivos, que não somos capazes de decifrar, ou temos muitas dificuldades em
decifrar.
P.C. Não podemos dizer que houve extravio de
processos ~ Há processos que não aparecem . Quer dizer sabemos que não estão
nos seus lugares, onde normalmente deviam estar. Mas nós esperamos...
Em relação aos processos que estão no Tribunal não
se nota extravio nenhum. Há processos que correram na Administração, há
processos de inquérito, até processos normais de inspecção à Província, onde se
procuram, onde até se suspeita que haja' elementos muito importantes, para a
reconstituição histórica do ambiente. E esses processos temos tido muita
dificuldade em localizá-los. Aliás há um processo, o processo do Tribunal
Militar, que decorreu no Tribunal Militar especial de S. Tomé, que ainda não conseguimos
até este momento descobrir.
J.M. E na questão de contactos com as pessoas?
Essas pessoas têm aparecido? Tem realmente prestado depoimentos?
P.C. Têm. Há pessoas que se me têm dirigido por
escrito, contando a versão que têm dos acontecimentos; há pessoas, que me têm
escrito para prestar declarações orais.
J.M. Portanto, até agora, o seu trabalho tem
decorrido normalmente ? Para além do que disse não tem encontrado outras
dificuldades nos elementos que precisa?
P.C. São essas as dificuldades com que eu me
debato; o trabalho em si é difícil ...
J.M. Para quando prevê concluir esse trabalho?
P.C. Tenho de o concluir dentro de relativamente pouco tempo. Quero ver se em Setembro tenha o trabalho pronto. Quero dizer o trabalho de investigação, porque depois terei de fazer o relatório e será demorado.
J.M. Esse trabalho será apresentado depois?
P.C. Ao Governo .
J.M. Durante os acontecimentos do Batepá, houve
elementos que foram os instrumentos, digamos assim, do Governo, dessa máquina
montada para torturar e martirizar ...
P.C. Não se deve falar em máquina montada para
torturas. A Administração podia estar muito mal montada, mas não tinha a
intenção concreta de torturar; o que houve foi isto: um aproveitamento da
máquina que normalmente serviria para fins úteis "aplicada ao serviço de
fins que não eram razoáveis.
J. M. Como encara esses indivíduos que foram
mandados torturar as pessoas, que serviram de instrumentos a esse Governo?
P. C. Aos indivíduos que tivessem tido qualquer
grau de responsabilidade, de torturas feitas a presos, há a apreciação feita em
processos nos Tribunais e esses indivíduos foram condenados.
J.M. Mas a maior responsabilidade caberá,
evidentemente, à parte governamental ?
P.C. Não sabemos; esses indivíduos, quando foram julgados,
lançaram uma parte da responsabilidade para o Governo.
J.M. No entanto houve elementos que foram
condecorados pela sua accão desenvolvida nos acontecimentos do Batepá e, mais
tarde, julgados devido à sua intervenção nesses mesmos acontecimentos. Como
explica isso ?
P.C. Não. Há uma certa lenda em torno dos
acontecimentos do Batepá. Houve indivíduos que foram, no âmbito regional dos
acontecimentos, louvados pelo papel que desempenharam no decurso deles, e esses
indivíduos, ou alguns deles, não tenho bem presente, aliás é um dos elementos
que ainda não consegui, até porque não me parece assim de ponto muito
importante para encarar desde já, que foram louvados; parece-me que há alguns
que posteriormente foram condenados, pelo Tribunal da Comarca, pelo papel que
desempenharam nesses mesmos acontecimentos.
J,M. Corno acha que a população deverá condenar esses indivíduos que ainda hoje se
encontram em S. Tomé e tenham tomado parte activa nos acontecimentos do Batepá?
P.C. Eu tenho a ideia de que aqueles indivíduos
que desempenharam papel activo nos acontecimentos, foram em virtude disso
julgados, foram condenados, já deram a reparação que tinham de dar à sociedade;
em termos puramente teóricos, não devem mais nada · em termos humanos, em termos emocionais, não sei ... o problema
é da população de S. Tomé.
J.M. Haverá alguns elementos que, embora tendo
tomado parte activa nesses mesmos acontecimentos, foram forçados pois se não
tivessem aceitado essas ordens, teriam sido naturalmente mortos?
P.C. É muito difícil à distância, ou até pode ser
muito fácil à distância que estamos dos acontecimentos, dizermos qual teria
sido o comportamento que as pessoas deviam ter durante eles; que é difícil é .
sabermos o que concretamente seria possível fazer naquele ambiente que se criou
em S. Tomé. É de registar que houve muitas pessoas, que estando em S. Tomé, não
actuaram durante os acontecimentos .. Houve pessoas que estavam em S. Tomé e
que não aceitaram o comportamento que se estava a ter perante as vítimas dos
acontecimentos; houve também, admitimos perfeitamente que tivesse havido
pessoas que se tivessem deixado levar pelos acontecimentos, até na convicção de
que se estava a dar qualquer coisa de muito sério; e outras, até porque veio ao
de cima a parte má que tinham, e que encontrou momento oportuno de se pôr em
evidência.
- O autor deste site, como empregado de mato, em trabalhos de plantação de palmeiras em Fernão Dias
J.M. No caso do conhecido José Mulato. Ele é e sempre foi unica pessoa· muito discutida em S. · Tomé. É um individuo que, actualmente, pois, parece-nos, vive muito ordeira e honestamente do seu trabalho. Qual é a opinião pessoal que tem a respeito deste indivíduo, que se diz ter tomado parte muito activa no desenrolar dos acontecimentos do Batepá? _
J.M. No caso do conhecido José Mulato. Ele é e sempre foi unica pessoa· muito discutida em S. · Tomé. É um individuo que, actualmente, pois, parece-nos, vive muito ordeira e honestamente do seu trabalho. Qual é a opinião pessoal que tem a respeito deste indivíduo, que se diz ter tomado parte muito activa no desenrolar dos acontecimentos do Batepá? _
P.C.
Conheço pessoalmente. o José Mulato desde há dias porque o chamei para
conversar sobre os acontecimentos. Conheço o José Mulato através de processos;
foi um homem que teve muitos maus princípios; foi um homem que, muito novo, teve
de dar contas à sociedade (e deu-as') por ter cometido um crime de homicídio,
com o concurso de agravantes muito sérias. Estava a cumprir pena. Foram
buscá-lo. Puseram-no numa posição que não era compatível com a sua natureza, a
sua qualidade de criminoso de direito comum. Suponho que fez muitos crimes. Foi
condenado por crimes muito graves que cometeu, e penso que sofreu uma das penas
mais pesadas que foram dadas aos intervenientes dos acontecimentos.
J.M Foi uma das pessoas, portanto, que sofreu a
maior pena. Mas essa pena não terá modificado a pessoa, não lhe terá inspirado
outro comportamento ? Pois, como sabe, a errar se corrige o homem. Ele hoje
será um homem recuperado, arrependido desses procedimentos e que deve ser
encarado pela população de outra maneira?
P.C. Teoricamente, um homem que cumpriu a sua pena
espiou o crime; pensamos que as penas têm efeitos correctívos ? : É
confundirmos aquilo que devia ser com aquilo que realmente poder ser : Não sei.
Não sei se o José Mulato se modificou: Parece-me que está a ser um homem útil
na sociedade. Diz que ele é uma pessoa bem comportada? É um bom trabalhador?
São estes os factores positivos que se podem tomar em conta.
J.M. No que respeita ainda ao popular José Mulato
é um indivíduo que já cumpriu a sua pena. Não virá a sofrer qualquer outra pena
se se vier a apurar que ele teve mais culpas que aquelas que lhe foram
imputadas nos processos que o levaram a essa condenação ?
P.C. Tenho a ideia que o José Mulato apanhou a
condenação maior que lhe podia ter sido aplicada. Tenho a ideia : Concretamente
não sei. Um dos processos precisamente o que tenho a frente, é o do José
Mulato.
J.M .. E o processo maior?
J.M .. E o processo maior?
P.C. Não. Há vários processos maiores. Este é um
dos grandes.
J.M. Ainda sobre ele: acha que o seu caso deva ser
encarado num aspecto muito particular ?
P.C. Não. O problema de José Mulato, aliás o
problema de todo o criminoso, tem de ser encarado em termos jurídicos, em
termos sociais, em termos económicos, em termos psiquiátricos. Não sei até que
ponto o José Mulato, o comportamento do José Mulato, não é o comportamento que
nasceu de um circunstancialismo social em
que se integrava : E preciso ver isso. Era um homem que teve maus
princípios, suponho que foi filho de pai incógnito, aos 17 anos cometeu um
crime passional em condições tais que lhe veio a ser aplicada uma pena mais grave:
Em função,· da idade que tinha, estava a cumprir a pena; parece-me até que era
um preso muito disciplinado, quando foram pegar nele e o puseram numa posição
em que indivíduos sem grandes bases morais poderiam ser levados a cometer
excessos. Ele cometeu-os:
J.M. Logo a culpa é da parte de quem ?
P.C. Não sabemos quem tem culpa. Se fosse por mera
advertência que ele tivesse sido chamado, a culpa era de negligência.' Se
tivesse sido por intenção, a culpa já era muito mais de apreciar. Portanto não
sabemos. As pessoas, e a vida às vezes…
CULPADOS COM PENAS LEVES OU ABSOLVIDOS – ATENDENDO
À NATUREZA HEDIONDA DOS CRIMES - AQUELES
QUE OS DENUNCIARAM, LEVARAM COM A RIPADA
Foi o caso de Salgueiro Rego, que, por discordar
das arbitrariardes do Governador Carlos Gorgulho, haveria de levar com um
processo em cima – Mais tarde escreveria um livro, a que dera o título Memórias de um
ajudante-de-campo (em dois volumes), proibido nestas Ilhas, ao qual será dado
destaque numa das próximas postagens
A dado passo escrevia o seguinte:.“Felizmente que o Ministro, a quem escrevi
particularmente contando-lhe o que se passava, me mandou embarcar. Mas vieram
atrás de mim oito dias de prisão tudo descrito no 1º volume das minhas
memórias, castigo que o Ministro não teve coragem de anular sabendo-se de toda
aquela pouca vergonha que por lá se passava e obrigou o Governo Central a
mandar regressar os três culpados de toda aquela péssima cena que foi sem
dúvida um dos factores do que estamos sofrendo em Africa. No meu quartel havia
50 soldados angolanos que tomavam parte em todas aquelas tristes cenas que tendo
acabado o tempo e regressado às suas terras temam, contando, ajudado a criar a
revolta que estalou e que felizmente tanto lá como em S. Tomé tudo se mantém
agora nas mãos de dirigentes respeitáveis, compreensivos e justos tratando os
negros como merecem.
O meu injusto castigo cumpri-o e não houve da
parte de ninguém que mo tirasse porque, estou certo di1SS0, sabia-se que o
Ministro do Exército em Conselhos de Ministros tudo fazia, e conseguiu,
promover o Governador a oficial general e há pouco tempo a 2.° Comandante da
Legião Portuguesa! !
Diz-se nestes louvores - para não ferir as susceptibilidades
do Grande Governador Gorgulho que tão bem se portou - que a exoneração de
governador da província de S. Tomé foi a seu pedido ! ! O que fez pena a toda a
gente da terra ... 1
A folha oficial publicou também dois louvores a
este oficial:
Um, do sr. Ministro do Exército: «Porque, perante
uma grave tentativa de sublevação na província de S. Tomé, soube, na qualidade comandante
militar, enfrentar os acontecimentos com a mais» «firme decisão, a despeito da
defecção de parte do corpo de Polícia» «local, e demonstrou, além de bravura e
valor excepcionais, notáveis» «qualidades de iniciativa na organização de
forças para combater os sediciosos, conseguindo pela sua actuação e exemplo
restabelecer prontamente a ordem e confiança no espírito da população da Ilha,
e evitar, com a sua enérgica intervenção, grave desprestígio para a» «soberania
nacional, no que demonstrou possuir qualidades de abnegação e coragem dignas de
serem distinguidas».
O outro, do sr. Ministro do Ultramar : «Pelos
relevantes serviços prestados no exercício do seu cargo, que desempenhou com»
excepcional actividade, tendo levado a efeito, pela sua tena1c.i.dade e esforço
incansável, um conjunto de importantes rea1lizações que muito contribuíram para
o notável progresso verificado em S.» «Tomé e Príncipe nos últimos anos».
Com estes louvores, tão justos e tão honrosos, até
devia ter sido condecorado com valor militar,
Torre Espada e uma promoção a general por Distinção ...
QUANTOS OS
QUE TOMBARAM NO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DE FERNÃO DIAS, NOS
BRUTAIS INTERROGATÓRIOS, CASAS INCENDIADAS OU NAS RUSGAS?
É sabido que,
em 5 de Fevereiro, foi o próprio Governador Gorgulho, a comandar as brigadas da
escravatura e da morte – Mas não só: por
várias vezes também se dirigiu ao campo de Concentração de Fernão Dias para obrigar os prisioneiros a
confessar a farsa do “comunista” golpe de Estado, obrigando os pobres desgraçados
a confissões através dos mais bárbaros
atos de tortura, com pesadas correntes ao pescoço e à cintura, punições que iam
ao macabro requinte de os obrigar a acarretar
água do mar para a terra.
Quantos
tombaram? – Esta questão foi também levantada num estudo do investigador
Gerhard Seibert, que, diz o seguinte: (tradução de francês) “Os vários dados sobre o número de vítimas do massacre divergem bastante.
Manuel Pinto de Almeida, o advogado, dos réus portugueses que tentaram em 1955 escrever uma carta a Salazar " defendeu que centenas de nativos foram massacrados em Fernão Dias e atirados ao mar "
Manuel Pinto de Almeida, o advogado, dos réus portugueses que tentaram em 1955 escrever uma carta a Salazar " defendeu que centenas de nativos foram massacrados em Fernão Dias e atirados ao mar "
63 “Capitão Salgueiro Rêgo (1967, p 13) afirma ter visto na prisão " Loucura
[Cegada] que causou uma dúzia
de mortes entre os negros. " Manjericão Davidson cita uma carta de um
missionário americano que falou quase de duzentos mortos - 64 Edwin e Munger (1961, pp. 128-130) fala em sua
carta "dois mil vítimas" (Casualties).
A mesma estimativa foi feita por um autor português em 1975 (Castro 1980, p. 219).
Quando, em 1962, Miguel Trovoada, então líder do Comité de Libertação de São
Tomé e Príncipe (CLSTP) ex-presidente de São Tomé e Príncipe), disse na Quarta
Comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas, que centenas de pessoas
foram massacradas - 65 O nacionalista Mário
Pinto de Andrade angolano, persistiu em sua estimativa de mais de mil mortes
durante o massacre -66 - Em 1969, a revista Tricontinental LaHavana publicou um artigo anónimo informando
que 1.032 pessoas exactamente foram mortos em menos de uma semana em fevereiro
1953 67 Este aumento também foi divulgada pelos nacionalistas e santomense e repetidas por inúmeros autores
68 Isto corresponde a cerca de três
por cento do população nativa da época. O historiador René Pélissier, que
visitou São Tomé, em 1966, (..) avalie o número real
de vítimas entre cinquenta e cem - 69 Victor
Pereira Castro, que investigou o
massacre imediatamente após 25 de abril de 1974, a pedido o ministro da
coordenação inter-regional do momento, Almeida Santos, chegou à conclusão de que havia entre trinta e quarenta vítimas - 70 . No mesmo ano, um membro da PIDE em São Tomé certificou que o número de mortos era inferior a quinhentos. No entanto, outras fontes bem informadas alegam que não mais de
cem pessoas foram mortas durante a violência
71 O antropólogo Pablo Eyzaguirre, que fez a pesquisa em São Tomé em 1981,
acredita que "dada a duração dos ataques, a mobilização de grupos hostis a Forros e condições de campos de trabalho
forçado, calcula que o número de 1.032 mortes durante os problemas de Batepa é
perfeitamente possível "(Eyzaguirre 1986 p. 333). Na verdade, ele nunca
será possível saber o número exato de vítimas. Em nossa opinião, o número 1032 é principalmente um valor simbólico" - Mais pormenores em LE MASSACRE DE FÉVRIER 1953 À SÃO TOMÉ - Lusot
SOBRE O MESMO ASSUNTO NESTE POST: Continuie a ler - E pode também consultar sobre o mesmo assunto http://canoasdomar.blogspot.com/2016/02/s-tome-e-principe-homenageou-hoje-os.html ....http://canoasdomar.blogspot.com/2015/01/memorias-do-bate-pa-1-auschwitz-em-s.html ....http://canoasdomar.blogspot.com/2015/02/s-tome-memorias-do-massacre-do-betepa-2.html ….http://canoasdomar.blogspot.com/2015/02/massacres-dos-batepa-3-hoje-s-tome.html ….http://canoasdomar.blogspot.com/2015/02/s-tome-e-as-memorias-do-batepa-4-ze.html …
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