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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

S. Tomé e Príncipe – memórias do Batepá (5) – O Criminoso Carlos Gorgulho, ordenou a morte de centenas de santomense e ainda foi louvado e condecorado – Juiz Victor Pereira de Castro – Disse-me que “A confissão oficial do próprio governador de então, debita, salvo erro, 47 vidas. Serão exactamente essas as vítimas do Batepá? Não sei” - Claro, nem nunca mais se saberá: os mortos não falam

Jorge Trabulo Marques - Jornalista  - c

 
Entrevista, com Victor Pereira de Castro - mais à frente  – No Portugal de Salazar, não só houve o Batepá, em S. Tomé: - também houve o massacre da aldeia do Colmeal -Hoje aldeia fantasma mas que antes do massacre em 1956 tinha 14 famílias com no mínimo 60 habitantes – E que agora mais fantasma vai ficar com um descaracterizado empreendimento turístico nas ruínas que restam.


O que se passou tem de ser interpretado à luz da ignorância e das trevas da época - em que apenas uma reduzida elite, parasita e corrupta, vivendo à sombra do regime colonial e ditatorial, tirava proveito e fazia o que bem lhe apetecia - Há que não ignorar esse passado mas  olhar em frente, sem remorsos e com os olhos confiantes num futuro melhor: Portugal e S. Tomé falam a mesma língua - e ambos os povos foram vítimas do ignominioso e longo período colonial fascista. .E, afinal, muitos de nós cresceram e viveram à sombra da mesma bandeira -Porém,  a história não pode ser nem apagada nem esquecida: faz parte dos dois países

Os Massacres do  Batepá, que começaram num remoto lugarejo, com o mesmo nome, perdido no mato e que depois se estenderam a várias aldeias, vilas e aos habitantes da cidade, lamentavelmente não é caso único, que só o 25 de Abril lograria terminar. É também o  da mártir aldeia do Colmeal situada algures numa escondida encosta da Serra da Marofa, Figueira de Castelo Rodrigo, que prefiguraria , igualmente, uma das páginas mais negras da História da Lusitânia moderna sob jugo e ocupação portuguesa. - 

.Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista (em S. Tomé de 196363 - a 1975) - E empregado de mato, nomeadamente na dependência de Fernão Dias - da antiga Roça Rio do Ouro, atual Agostinho Neto


,Voltamos de novo às memórias dos massacres do Batepá - Já passaram três dias sobre as comemorações do    3 de Fevereiro, a mais trágica data de repressão e violência do período colonial, nas indefesas e pacificas populações de S. Tomé e Príncipe, embora haja forças internas politicas que a desejem apagar, não é, no entanto,  efeméride que apenas esteja presente no sentimento das más recordações do povo santomense,  nesta data e até continua a ser obecto de acesa discussão e polémica:

Amanhã, por exemplo, em Lisboa, está prevista na Casa Internacional de S. Tomé e Príncipe, .sita, na Rua de Assunção, Nºº 40 – 3D,   um debate, com inicio às  17 horas,  sobre os acontecimentos do Batepá,  onde se pretende realçar quanto contribuíram estes acontecimentos para o 25 de Abril em Portugal com o seguintes temas:

O Massacre de Batepá- Crónica de uma Guerra Inventada - S.Tomé e Príncipe 3 de Fevereiro 1953, sendo orador Rufino Espirito Santos, bem como  “Inicio da Luta Armada - Um caminho para a Dignidade,  Angola 4 de Fevereiro 1960”, com a intervenção de  Marilia E. Santos, bem como: "Eduardo Mondlane  - Um Símbolo das Independências  -, tendo como orador: Alberto Paulino Alface, antigo combatente da FRELIMO e 1º Secretário do Comité da FRELIMO em Lisboa 


Por outro lado, em S. Tomé, a polémica prossegue: dizem as últimas  notícias que "Um grupo de historiadores nacionais", referindo-se à mudança para o Museu Nacional das  celebrações da histórica Praia de Fernão Dias, onde há mais de 60 anos tradicionalmente os são-tomenses se concentravam para recordar os seus mártires, considera a decisão e a atitude do Governo como um atentado contra «aqueles que sofreram os efeitos do referido massacre, bem como seus familiares, incluindo sobreviventes ainda em vida»..Pormenores em 3 de Fevereiro : Historiadores acusam o Governo de irresponsabilidade  e de tentativa de deturpação da história ... - Télanon 

 REALIDADE HISTÓRICA , DEMASIADO NEGRA PARA SER BRANQUEADA



Enquanto, o celerado José Mulato, que, antes de partir para Portugal,  através da “porta do cavalo” do aeroporto de S. Tomé, disfarçado com as suas habituais vestes de caqui azul de carpinteiro) me confessara ter sido "uma máquina bruta a  matar",  saindo-se com esta abominável expressão,  sem o mínimo de remorsos: "matei mais de mil!"; sim, enquanto esse   criminoso,  que o Governador Carlos Gorgulho, foi buscar à prisão (do qual, aliás, já se servira, muito antes para atos intimidatórios de cobranças  e expropriações abusivas ou coercivas, não com vista a defender os interesses do Estado mas os bolsos de corruptos  altos funcionários da Administração ou dos roceiros) sim, enquanto esse facínora,  nomeado capataz-mor   das brigadas de recrutamento de trabalho forçado, e, posteriormente,  promovido a chefiar o Campo de Concentração de Fernando Dias, pois bem, não obstante esta hedionda confissão, já o todo  poderoso Governador, que, no dizer do então comandante da Polícia e seu ajudante de campo, se portava, em vários detalhes, como um ditador à maneira da Gestapo no tempo de Hitler na Alemanha”, viria a confessar  (na farsa do julgamento mandado instaurar pelo Salazarismo para salvar as aparências) que apenas ordenara a matança de  47 vidas.


Mesmo que assim fosse, mas foram largas centenas (há quem fale em alguns milhares), só por esse facto  - veja-se como a justiça do colonialismo poderia ser tomada a sério – ainda foi condecorado e levou dois rasgados louvores, a que mais adiante se fará referência.


Assim sendo, alguma vez os familiares das vítimas foram inimizados, com a devida justiça ou o país colonizador apresentou desculpas formais pelos massacre do Batepá? – Nem uma coisa nem outra

Atente-se, na gravidade das acusações de que foi  incriminado: por“crimes de homicídio, crimes de ofensas corporais, crimes de abuso de autoridade, ofensas corporais em presos, por exemplo, crimes.de ameaça, crimes de fogo posto, crimes de roubo”.

Contudo, mesmo após o 25 de Abril, dir-se-á que a chamada Revisão do Caso Batepá”, não foi além de mera formalidade.

 De resto, é o que hoje posso depreender das palavras do  Juiz Victor Pereira de Castro, nomeado pelo então “Governo da província, que,  interpretando uma justa reivindicação do povo, pediu ao Governo  Central  a revisão do  caso de Batepá.” 

Victor Pereira de Castro – O juiz que  já havia estado a chefiar a Justiça, em 1961  – Ao menos podiam ter escolhido um juiz que não tivesse um  currículo colonial – até, porque, naquela atura, também ainda não havia muito por onde escolher  – Ou não era o fascismo que os escolhia para os julgamentos dos presoss políticos, na maquiavélica farsa dos Tribunais Plenários?

Declarou-me o seguinte: “ Parece-me que não se deve falar em intenção de indemnizar. Parece-me que o problema é um problema moral para se poder efectivamente tentar a nível de indemnização; indemnização relaciona-se mais com atribuição material”

PROCESSOS: DESDE OS FILTRADOS A DESAPARECIDOS – Restaram pouco mais de 70  CONSEQUÊNCIA DO “APROVEITAMENTO DE UMA MÁQUINA “(..)PARA FINS QUE NÃO ERAM RAZOÁVEIS

Todavia, um dos sobreviventes, que entrevistei, em 1974, a que me referi em artigos anteriores, dizia o seguinte: “ O meu pai era o Manuel João da Graça das Neves. Tinha o número 430” – Claro que o número não ficava apenas por essa cifra” No entanto, declarava-me, na mesma data , o dito Juiz:

 Suponho que tenho aqui a minha frente, mais de 70 processos crimes relacionados com os acontecimentos do Batepá, filtrados através do próprio Tribunal da Comarca”.

Por isso mesmo – sublinhava: “Não podemos dizer que houve extravio de processos ~ Há processos que não aparecem . Quer dizer sabemos que não estão nos seus lugares, onde normalmente deviam estar. Mas nós esperamos..."

E também - segundo declarações do   douto magistrado - “Não se deve falar em máquina montada para torturas. A  Administração podia estar muito mal montada, mas não tinha a intenção concreta de torturar; o que houve foi isto: um aproveitamento da máquina que normalmente serviria para fins úteis , aplicada ao serviço de fins que não eram razoáveis"

Além dos relatos, expostos em anteriores postagens, alguns dos quais por mim obtidos em 1974, desta vez venho divulgar  a entrevista que me foi concedida pelo Juiz Victor Pereira de Castro, responsável pela revisão do então chamado “Caso do Batepá –  Que  o  Governo da Província de S. Tomé e Príncipe, interpretando uma justa revindicação do povo, pediu ao Governo central a revisão do Caso Batepá “– Dizia então  uma nota oficiosa  - Entrevista, essa, nalguns aspetos, mais cautelosa de que esclarecedora; mesmo assim, não deixa de ser um documento importante. Pois julgo ter sido a única entrevista que concedeu 

ELOGIOS - Justificados?

Todavia, não se tomem em conta os elogios, que então  fiz, na introdução da entrevista – Pois, se soubesse, o que hoje sei  do desfecho que acabou por ter  a dita “Revisão do Caso Batepá” (sim, que não passou de uma pró-forma para tentar “serenar” as manifestações pós-25 de Abril) certamente que não teria começado por fazer uma análise tão elogiosa – Se bem que também ainda não tinha dados, nem depois cheguei a ter, já que ficaram retidos em arquivos que, mesmo passados, tantos anos, ainda permanecem vedados aos investigadores:

Iniciativa governamental que classificaria, no introito da entrevista, como “criteriosa e séria, coisa que ainda não se tinha feito, ou pelo menos tão corajosa e frontalmente como agora, por parte das autoridades portuguesas, que, para o efeito, encarregaram um jurista competente: o Dr. Victor Pereira de Castro.

Mas passemos ao seguimento da entrevista e às questões que começava por levantar:

1974 - “Por que se deram os acontecimentos do Batepá? Quais as causas de ordem económica, política e social que os terão motivado ?  E qual a finalidade do trabalho que está sendo levado a cabo pelo Dr. Victor Pereira de Castro, entidade incumbida pelo Governo, da revisão do caso Batepá ? 

Numa das últimas edições. de Semana Ilustrada, já apresentámos alguns depoimentos com pessoas que foram vítimas das violências então praticadas durante essa altura. De novo aqui estamos com outras declarações.
Não pretendemos, como talvez alguém julgue, reacender - sentimentos talvez já ocultos ou apagados. Não pretendemos semear o ódio. O nosso objectivo é puramente outro, tentar responder às perguntas atrás formuladas. Em segundo lugar, pretender, com a divulgação desses relatos a nu, minimizar um pouco do sofrimento e agonia de um povo, que, durante o regime anterior, nunca permitiu que o seu sofrimento e dor fossem ouvidos e  conhecidos por mais alguém se não por esse mesmo povo que sofreu. 

É pois este o nosso objectivo. Independentemente de qualquer ideia sensacionalista que talvez também alguém lhe pretenda atribuir. 

Assim, em conformidade com este nosso propósito, apresentamos de seguida a entrevista, com o dr. Victor Pereira de Castro, incumbido, pelo Governo Português, de proceder a revisão e uma análise do caso do Batepá . 

Quando chegar à altura em que o seu trabalho de investigação se completar, poderemos contar com uma entrevista talvez ainda mais importante. Por agora, contentar-nos-emos com o que nos declarou. Quanto a fotografias, só permitiu que fotografássemos a rima de processos que lá tinha sobre uma mesa e uma corrente de ferro que, há dias, lhe chegou às mãos e com que eram na altura acorrentados as pessoas presas.
De qualquer maneira o nosso agradecimento, pois, mesmo assim, foi bastante atencioso para connosco.

J.M – poderá dizer-me as razões por que foi escolhido para rever o caso do Batepá?
P.C. Ignoro. Não faço a mais pequena ideia da razão por que fui escolhido. Talvez por ter sido aqui juiz em 1961.
J.M. Nessa altura, já se tinha inteirado dos acontecimentos do Batepã?
P.C. Logo que cheguei a S. Tomé ouvi falar no Batepá.
J.M. Não se debruçou sobre o caso ?

P.C. Sim Li vários processos. Havia os que estavam no tribunal em arquivo, que se relacionavam com o Batepá, e até havia processos que estavam a· correr ainda.
J.M. A sua missão específica, neste momento? 

P.C. Fazer o inquérito aos acontecimentos do Batepá. Talvez a ver se consigo reconstituir todos os acontecimentos que se deram durante aquele período histórico.
J.M. E depois de reconstituir esses processos há a ideia, naturalmente de indemnizar todas as pessoas que foram lesadas, não é verdade?
P.C. A ideia não é minha; é do Estado. Estou a servir o Estado. O Estado mandou-me fazer um inquérito. Não me disse para quê. Não me disse qual era o fim. Disse-me para eu fazer um inquérito.
J.M. Mas de momento não se sabe qual é a finalidade desse inquérito?
P.C. Toda a gente pensa que o inquérito seja feito para algum fim útil.

J:M. Mas se nesse inquérito se apurar que há indivíduos com culpas e que ainda não foram condenados? Depois de vinte anos esses indivíduos poderão ainda ser condenadas pelo seu procedimento naquela altura ?
P.C. É um problema jurídico que vai ser muito discutido. Que tem que ser discutido. Saber efectivamente a partir de que momento conta o prazo de prescrição desses crimes.
Em termos normais, segundo as ideias correntes, a prescrição ao fim de vinte anos apaga os efeitos do crime. Haverá razões para que o prazo de prescrição conte a partir de uma data posterior aos acontecimentos ?
Não sei: Há quem entenda que sim. 

J.M. Existirão ainda muitos indivíduos que terão cometido crimes e que ainda não foram julgados?
P. C. Elementos directamente relacionados, com os crimes – “autores matérias desses crimes, pelo menos civis foram julgados no tribunal comum. De todos ? Não posso afirmar.
J.M. Portanto há uma ideia de indemnizar todas as pessoas que foram lesadas ? ...
P.C. Até aqui tem-se conseguido obstar que 0 problema do Batepá seja francamente debatido. Estou convencido que o Estado tendo conhecimento directo dos problemas, há-de querer efectivamente assumir a responsabilidade que têm também' os problemas.
J.M. Que tipos de crimes se terão cometido?
P.C. Os crimes que foram. Julgados e apreciados no Tribunal da Comarca, são crimes de homicídio, crimes de ofensas corporais, crimes de abuso de autoridade, ofensas corporais em presos, por exemplo, crimes.de ameaça, crimes de fogo posto, crimes de roubo.
P .C. Suponho que sim. Que há elementos oficiais que nos determinaram que houve muitos. A confissão oficial do próprio governador de então, debita, salvo erro,47 vidas. Serão exactamente essas as vítimas do Batepá?  Não sei. Ainda não temos elementos.

J.M. Analisando o caso à face do ambiente da época, sob o ponto de vista social, económico e político, que terá contribuído para o desenrolar desses acontecimentos?
P.C. É esse um dos temas de estudo, que tenho necessidade de encarar.
J.M. A população de S. Tomé pode confiar em absoluto no trabalho que está a levar a cabo, e na resolução final que o Estado irá tomar ?
P.C. A população de S. Tomé não tem razões nenhumas para confiar no meu trabalho, porque o meu trabalho pode sair imperfeito. Agora a população de S. Tomé o que pode ter é a ideia absoluta de confiar no Governo. 
J.M. Portanto, digamos, acha que depois dessa resolução do Governo, em tentar indemnizar a população que foi afectada, que essa mesma população continuará ainda com ressentimento s desses actos: Digamos foi uma mancha que jamais se apagará do povo ? 
P.C. Parece-me que não se deve falar em intenção de indemnizar. Parece-me que o problema é um problema moral para se poder efectivamente tentar a nível de indemnização; indemnização relaciona-se mais com atribuição material. Penso que à população de S. Tomé, a maior reparação moral que se pode dar é esta.  É a de se pôr a nu, ter a coragem de se descobrir, destapar precisamente esse período histórico. Pois não foi nada, nada feliz para nós. Essa é a maior reparação que se pode dar à população de S. Tomé.
Penso que é essa reparação que a população de S. Tomé mais aspira que lhe seja dada. Além dessa admito que efectivamente o Governo possa, em relação a vítimas que mais sofreram em termos materiais, ajudá-las. Mas também acredito que houve vitimas em S. Tomé, que nem sequer queiram ouvir falar em reparação material. Porque o sofrimento delas não tem preço. 

- J.M. Vejo que tem aqui, à sua frente, um montão de processos. Que número calcula ?
P.C. Suponho que tenho aqui a minha frente, mais de 70 processos crimes relacionados com os acontecimentos do Batepá, filtrados através do próprio Tribunal da Comarca. 
J.M. Portanto, o seu trabalho, constitui, essencialmente em rever esses processos?
P.C. Não. O meu trabalho não é só limitado em rever os processos; é de coligir elementos que me permitam, efectivamente, ter uma ideia do próprio ambiente político, do ambiente social, do ambiente económico em que esses acontecimentos se integraram. 
Não se podem compreender isoladamente os acontecimentos de 3 de Fevereiro de 1953:
J.M. Tem encontrado esses elementos ao seu alcance e obtido as necessárias facilidades
P.C. Tenho tido as facilidades todas da parte da Administração, e tenho tido inúmeras dificuldades porque a maior parte dos elementos extraviaram-se, não estão nos seus devidos lugares. Estão escondidos em arquivos, que não somos capazes de decifrar, ou temos muitas dificuldades em decifrar.
P.C. Não podemos dizer que houve extravio de processos ~ Há processos que não aparecem . Quer dizer sabemos que não estão nos seus lugares, onde normalmente deviam estar. Mas nós esperamos... 


Em relação aos processos que estão no Tribunal não se nota extravio nenhum. Há processos que correram na Administração, há processos de inquérito, até processos normais de inspecção à Província, onde se procuram, onde até se suspeita que haja' elementos muito importantes, para a reconstituição histórica do ambiente. E esses processos temos tido muita dificuldade em localizá-los. Aliás há um processo, o processo do Tribunal Militar, que decorreu no Tribunal Militar especial de S. Tomé, que ainda não conseguimos até este momento descobrir. 
J.M. E na questão de contactos com as pessoas? Essas pessoas têm aparecido? Tem realmente prestado depoimentos?
P.C. Têm. Há pessoas que se me têm dirigido por escrito, contando a versão que têm dos acontecimentos; há pessoas, que me têm escrito para prestar declarações orais.
J.M. Portanto, até agora, o seu trabalho tem decorrido normalmente ? Para além do que disse não tem encontrado outras dificuldades nos elementos que precisa? 
P.C. São essas as dificuldades com que eu me debato; o trabalho em si é difícil ...
J.M. Para quando prevê concluir esse trabalho? 

P.C. Tenho de o concluir dentro de relativamente pouco tempo. Quero ver se em Setembro tenha o trabalho pronto. Quero dizer o trabalho de investigação, porque depois terei de fazer o relatório e será demorado. 
J.M. Esse trabalho será apresentado depois?
P.C. Ao Governo .
J.M. Durante os acontecimentos do Batepá, houve elementos que foram os instrumentos, digamos assim, do Governo, dessa máquina montada para torturar e martirizar ...
P.C. Não se deve falar em máquina montada para torturas. A Administração podia estar muito mal montada, mas não tinha a intenção concreta de torturar; o que houve foi isto: um aproveitamento da máquina que normalmente serviria para fins úteis "aplicada ao serviço de fins que não eram razoáveis. 

J. M. Como encara esses indivíduos que foram mandados torturar as pessoas, que serviram de instrumentos a esse Governo? 
P. C. Aos indivíduos que tivessem tido qualquer grau de responsabilidade, de torturas feitas a presos, há a apreciação feita em processos nos Tribunais e esses indivíduos foram condenados. 
J.M. Mas a maior responsabilidade caberá, evidentemente, à parte governamental ?
P.C. Não sabemos; esses indivíduos, quando foram julgados, lançaram uma parte da responsabilidade para o Governo.
J.M. No entanto houve elementos que foram condecorados pela sua accão desenvolvida nos acontecimentos do Batepá e, mais tarde, julgados devido à sua intervenção nesses mesmos acontecimentos. Como explica isso ?
P.C. Não. Há uma certa lenda em torno dos acontecimentos do Batepá. Houve indivíduos que foram, no âmbito regional dos acontecimentos, louvados pelo papel que desempenharam no decurso deles, e esses indivíduos, ou alguns deles, não tenho bem presente, aliás é um dos elementos que ainda não consegui, até porque não me parece assim de ponto muito importante para encarar desde já, que foram louvados; parece-me que há alguns que posteriormente foram condenados, pelo Tribunal da Comarca, pelo papel que desempenharam nesses mesmos acontecimentos. 
J,M. Corno acha que a população deverá  condenar esses indivíduos que ainda hoje se encontram em S. Tomé e tenham tomado parte activa nos acontecimentos do Batepá?
P.C. Eu tenho a ideia de que aqueles indivíduos que desempenharam papel activo nos acontecimentos, foram em virtude disso julgados, foram condenados, já deram a reparação que tinham de dar à sociedade; em termos puramente teóricos, não devem mais nada · em termos humanos,  em termos emocionais, não sei ... o problema é da população de S. Tomé. 

J.M. Haverá alguns elementos que, embora tendo tomado parte activa nesses mesmos acontecimentos, foram forçados pois se não tivessem aceitado essas ordens, teriam sido naturalmente mortos? 
P.C. É muito difícil à distância, ou até pode ser muito fácil à distância que estamos dos acontecimentos, dizermos qual teria sido o comportamento que as pessoas deviam ter durante eles; que é difícil é . sabermos o que concretamente seria possível fazer naquele ambiente que se criou em S. Tomé. É de registar que houve muitas pessoas, que estando em S. Tomé, não actuaram durante os acontecimentos .. Houve pessoas que estavam em S. Tomé e que não aceitaram o comportamento que se estava a ter perante as vítimas dos acontecimentos; houve também, admitimos perfeitamente que tivesse havido pessoas que se tivessem deixado levar pelos acontecimentos, até na convicção de que se estava a dar qualquer coisa de muito sério; e outras, até porque veio ao de cima a parte má que tinham, e que encontrou momento oportuno de se pôr em evidência.

- O autor deste site, como empregado de mato, em trabalhos de plantação de palmeiras em Fernão Dias

J.M. No caso do conhecido José Mulato. Ele é e sempre foi unica pessoa· muito discutida em S. · Tomé. É um individuo que, actualmente, pois, parece-nos, vive muito ordeira e honestamente do seu trabalho. Qual é a opinião pessoal que tem a respeito deste indivíduo, que se diz ter tomado parte muito activa no desenrolar dos acontecimentos do Batepá? _
 P.C. Conheço pessoalmente. o José Mulato desde há dias porque o chamei para conversar sobre os acontecimentos. Conheço o José Mulato através de processos; foi um homem que teve muitos maus princípios; foi um homem que, muito novo, teve de dar contas à sociedade (e deu-as') por ter cometido um crime de homicídio, com o concurso de agravantes muito sérias. Estava a cumprir pena. Foram buscá-lo. Puseram-no numa posição que não era compatível com a sua natureza, a sua qualidade de criminoso de direito comum. Suponho que fez muitos crimes. Foi condenado por crimes muito graves que cometeu, e penso que sofreu uma das penas mais pesadas que foram dadas aos intervenientes dos acontecimentos.

J.M Foi uma das pessoas, portanto, que sofreu a maior pena. Mas essa pena não terá modificado a pessoa, não lhe terá inspirado outro comportamento ? Pois, como sabe, a errar se corrige o homem. Ele hoje será um homem recuperado, arrependido desses procedimentos e que deve ser encarado pela população de outra maneira?
P.C. Teoricamente, um homem que cumpriu a sua pena espiou o crime; pensamos que as penas têm efeitos correctívos ? : É confundirmos aquilo que devia ser com aquilo que realmente poder ser : Não sei. Não sei se o José Mulato se modificou: Parece-me que está a ser um homem útil na sociedade. Diz que ele é uma pessoa bem comportada? É um bom trabalhador? São estes os factores positivos que se podem tomar em conta.
J.M. No que respeita ainda ao popular José Mulato é um indivíduo que já cumpriu a sua pena. Não virá a sofrer qualquer outra pena se se vier a apurar que ele teve mais culpas que aquelas que lhe foram imputadas nos processos que o levaram a essa condenação ?
P.C. Tenho a ideia que o José Mulato apanhou a condenação maior que lhe podia ter sido aplicada. Tenho a ideia : Concretamente não sei. Um dos processos precisamente o que tenho a frente, é o do José Mulato. 
 J.M .. E o processo maior?
P.C. Não. Há vários processos maiores. Este é um dos grandes. 

J.M. Ainda sobre ele: acha que o seu caso deva ser encarado num aspecto muito particular ?
P.C. Não. O problema de José Mulato, aliás o problema de todo o criminoso, tem de ser encarado em termos jurídicos, em termos sociais, em termos económicos, em termos psiquiátricos. Não sei até que ponto o José Mulato, o comportamento do José Mulato, não é o comportamento que nasceu de um circunstancialismo social em  que se integrava : E preciso ver isso. Era um homem que teve maus princípios, suponho que foi filho de pai incógnito, aos 17 anos cometeu um crime passional em condições tais que lhe veio a ser aplicada uma pena mais grave: Em função,· da idade que tinha, estava a cumprir a pena; parece-me até que era um preso muito disciplinado, quando foram pegar nele e o puseram numa posição em que indivíduos sem grandes bases morais poderiam ser levados a cometer excessos. Ele cometeu-os: 
J.M. Logo a culpa é da parte de quem ?
P.C. Não sabemos quem tem culpa. Se fosse por mera advertência que ele tivesse sido chamado, a culpa era de negligência.' Se tivesse sido por intenção, a culpa já era muito mais de apreciar. Portanto não sabemos. As pessoas, e a vida às vezes…

CULPADOS COM PENAS LEVES OU ABSOLVIDOS – ATENDENDO À NATUREZA HEDIONDA DOS CRIMES  - AQUELES QUE OS DENUNCIARAM, LEVARAM COM A RIPADA

Foi o caso de Salgueiro Rego, que, por discordar das arbitrariardes do Governador Carlos Gorgulho, haveria de levar com um processo em cima – Mais tarde escreveria  um livro, a que dera o título Memórias de um ajudante-de-campo (em dois volumes), proibido nestas Ilhas, ao qual será dado destaque numa das próximas postagens

A dado passo escrevia o seguinte:.“Felizmente que o Ministro, a quem escrevi particularmente contando-lhe o que se passava, me mandou embarcar. Mas vieram atrás de mim oito dias de prisão tudo descrito no 1º volume das minhas memórias, castigo que o Ministro não teve coragem de anular sabendo-se de toda aquela pouca vergonha que por lá se passava e obrigou o Governo Central a mandar regressar os três culpados de toda aquela péssima cena que foi sem dúvida um dos factores do que estamos sofrendo em Africa. No meu quartel havia 50 soldados angolanos que tomavam parte em todas aquelas tristes cenas que tendo acabado o tempo e regressado às suas terras temam, contando, ajudado a criar a revolta que estalou e que felizmente tanto lá como em S. Tomé tudo se mantém agora nas mãos de dirigentes respeitáveis, compreensivos e justos tratando os negros como merecem.

O meu injusto castigo cumpri-o e não houve da parte de ninguém que mo tirasse porque, estou certo di1SS0, sabia-se que o Ministro do Exército em Conselhos de Ministros tudo fazia, e conseguiu, promover o Governador a oficial general e há pouco tempo a 2.° Comandante da Legião Portuguesa! !

Diz-se nestes louvores - para não ferir as susceptibilidades do Grande Governador Gorgulho que tão bem se portou - que a exoneração de governador da província de S. Tomé foi a seu pedido ! ! O que fez pena a toda a gente da terra ... 1

A folha oficial publicou também dois louvores a este oficial:

Um, do sr. Ministro do Exército: «Porque, perante uma grave tentativa de sublevação na província de S. Tomé, soube, na qualidade comandante militar, enfrentar os acontecimentos com a mais» «firme decisão, a despeito da defecção de parte do corpo de Polícia» «local, e demonstrou, além de bravura e valor excepcionais, notáveis» «qualidades de iniciativa na organização de forças para combater os sediciosos, conseguindo pela sua actuação e exemplo restabelecer prontamente a ordem e confiança no espírito da população da Ilha, e evitar, com a sua enérgica intervenção, grave desprestígio para a» «soberania nacional, no que demonstrou possuir qualidades de abnegação e coragem dignas de serem distinguidas».

O outro, do sr. Ministro do Ultramar : «Pelos relevantes serviços prestados no exercício do seu cargo, que desempenhou com» excepcional actividade, tendo levado a efeito, pela sua tena1c.i.dade e esforço incansável, um conjunto de importantes rea1lizações que muito contribuíram para o notável progresso verificado em S.» «Tomé e Príncipe nos últimos  anos».

Com estes louvores, tão justos e tão honrosos, até devia ter sido condecorado com valor  militar, Torre Espada e uma promoção a general por Distinção ...

QUANTOS OS  QUE TOMBARAM NO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DE FERNÃO DIAS, NOS BRUTAIS INTERROGATÓRIOS, CASAS INCENDIADAS OU NAS RUSGAS?

É sabido que, em 5 de Fevereiro, foi o próprio Governador Gorgulho, a comandar as brigadas da escravatura e da morte – Mas não só:  por várias vezes também se dirigiu ao campo de Concentração de  Fernão Dias para obrigar os prisioneiros a confessar  a farsa do “comunista” golpe de Estado, obrigando os pobres desgraçados  a confissões através dos mais bárbaros atos de tortura, com pesadas correntes ao pescoço e à cintura, punições que iam ao macabro requinte de os obrigar a  acarretar água do mar para a terra.

Quantos tombaram? – Esta questão foi também levantada num estudo do investigador Gerhard Seibert, que, diz o seguinte: (tradução de francês) “Os vários dados sobre o número de vítimas do massacre  divergem bastante. 
Manuel Pinto de Almeida, o advogado, dos réus portugueses  que tentaram em 1955 escrever uma carta a Salazar " defendeu  que centenas de nativos foram massacrados em Fernão Dias e atirados ao mar "

63 “Capitão Salgueiro Rêgo (1967, p 13) afirma ter visto na prisão " Loucura [Cegada] que causou uma dúzia de mortes entre os negros. " Manjericão Davidson cita uma carta de um missionário americano que falou quase de duzentos mortos - 64  Edwin e Munger (1961, pp. 128-130) fala em sua carta  "dois mil vítimas" (Casualties). A mesma estimativa foi feita por um autor português em 1975 (Castro 1980, p. 219). Quando, em 1962, Miguel Trovoada, então líder do Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe (CLSTP) ex-presidente de São Tomé e Príncipe), disse na Quarta Comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas,  que centenas de pessoas foram massacradas - 65 O nacionalista  Mário Pinto de Andrade angolano,  persistiu em sua estimativa de mais de mil mortes durante o massacre  -66 - Em 1969, a revista Tricontinental LaHavana publicou um artigo anónimo informando que 1.032 pessoas exactamente foram mortos em menos de uma semana em fevereiro 1953 67 Este aumento também foi divulgada pelos nacionalistas e santomense e repetidas por inúmeros autores

68  Isto corresponde a cerca de três por cento do população nativa da época. O historiador René Pélissier, que visitou São Tomé, em 1966, (..) avalie o número real de vítimas entre cinquenta e cem - 69  Victor Pereira Castro,  que investigou o massacre imediatamente após 25 de abril de 1974, a pedido o ministro da coordenação inter-regional do momento, Almeida Santos, chegou à conclusão de que havia entre trinta e quarenta vítimas - 70 . No mesmo ano, um membro da PIDE em São Tomé certificou que  o número de mortos era inferior a quinhentos. No entanto, outras fontes bem informadas alegam que não mais de cem pessoas foram mortas durante a violência

71 O antropólogo Pablo Eyzaguirre, que fez a pesquisa em São Tomé em 1981, acredita que "dada a duração dos ataques, a mobilização de grupos hostis a Forros e condições de campos de trabalho forçado, calcula que o número de 1.032 mortes durante os problemas de Batepa é perfeitamente possível "(Eyzaguirre 1986 p. 333). Na verdade, ele nunca será possível saber o número exato de vítimas. Em nossa opinião, o número 1032 é principalmente um valor simbólico" - Mais pormenores em LE MASSACRE DE FÉVRIER 1953 À SÃO TOMÉ - Lusot
 

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