Foi precisamente há 62
anos mas a lembrança desses ignóbeis
acontecimentos permanece ainda bem viva na memória dos escassos sobreviventes, mas não esquecida na memória coletiva de um Povo, que hoje recorda
as largas centenas de mortos que barbaramente foram espancados no Campo de Concentração
de Fernão Dias,
"esse senhor autorizava a colocação de marcas nos que iam .ser mortos em Fernando Dias, com tinta vermelha na camisa. E de madrugada, quando vinha a camioneta eram esses que a família perdia. Não duravam nem meia hora"
"esse senhor autorizava a colocação de marcas nos que iam .ser mortos em Fernando Dias, com tinta vermelha na camisa. E de madrugada, quando vinha a camioneta eram esses que a família perdia. Não duravam nem meia hora"
“Para este ano 2015,
ao contrário dos anos anteriores, o acto central terá lugar nas imediações
defronte a Museu Nacional e não na histórica Praia de Fernando Dias, entretanto
para este ano, não será realizado a habitual e tradicional marcha 3 de
Fevereiro com destino a Praia Fernando Dias. – Excerto do Jornal Transparência - Diário de São Tomé e Príncipe
A MEMÓRIA DESTES HOMENS E DE OUTRAS CENTENAS DE VÍTIMAS NÃO PODE SER APAGADA
ASSIM DESTE MODO QUALQUER DIA JÁ NINGUÉM SE LEMBRA
– TAL COMO EM PORTUGAL, ONDE O 1º DEZEMBRO FOI ESQUECIDO - Ao menos que se promovessem as duas alternativas - Seria mais sensato
“Enfurecidos
com a decisão do Governo de transferir o acto central da celebração do dia dos
mártires da liberdade para a capital do país, dezenas de habitantes da Praia de
Fernão Dias, pernoitaram na estrada que dá acesso ao pontão onde decorreu o
massacre.
Enfurecidos, os populares recordaram que desde a
independência nacional, Fernão Dias, local do massacre, foi sempre palco do
velório a 2 de Fevereiro e da missa3 de Fevereiro : Tumultos na Praia de Fernão Dias
A MEMÓRIA DESTES HOMENS E DE OUTRAS CENTENAS DE VÍTIMAS NÃO PODE SER APAGADA
Manuel dos Ramos – guardador de porcos em Fernão
Dias “. O meu pai era o Manuel João da Graça das Neves. Tinha o número 430. Vi
chegar aqui um senhor que trabalhava na Câmara. Veio ao meio dia e meio e à uma
hora morreu. Era o Sr. Tini da Câmara - Pormenores mais à frente
Manuel Carmona, trabalhador na Ribeira Peixe - Todo
o individuo que trabalhava na brigada,
nesse tempo vivia porque era Deus que queria. Comia feijão feito com milho sem
pisar. E desde manhã até há uma hora, com esta comida, corno podia um homem aguentar?
– Pormenores mais à frente
Bartolomeu Cravid - – Bartolomeu Cravid “Bateram-me. Puseram-me
numa cela, incomunicável, durante 45 dias -Pormenores mais à frente
Um local pantanoso, infestado de mosquitos, embora
a escassos metros da praia, onde muitos presos, ou eram imediatamente
acorrentados e lançados ao mar ou, ainda sob o peso de fortes grilhetas,
obrigados a carregar pesadas tinas de água ou grandes blocos de pedra, por
forma a que o seu extermínio ainda fosse mais doloroso, porque física e
psicologicamente mais sórdido e lento, quando não sufocados pelo terreno
movediço da lama para onde também eram atirados ou mortos vivos em valas
abertas pelos próprios prisioneiros, que eram obrigados a cavar a sepultura,
sob as prepotências e as arbitrariedades de um contratado angolano, um tal Zé
Mulato, um inqualificável verdugo que que as autoridades foram buscar à
cadeia, onde cumpria pena de assassínio, para chefiar o dito campo
de morte.
Em 1974, entrevistei
algumas das vítimas para a revista Semana Ilustrada, de Luanda, uma das quais
ainda com feridas por sarar numa das pernas, com que foi acorrentada - .
Trabalhos jornalísticos esses que me haveriam de custar graves dissabores,
violentas reações por parte, de alguns colonos. que me furaram os pneus do meu carro à navalhada, penduraram uma forca na porta de minha casa e me agrediram selvaticamente- Mas os pormenores ficam para outro dia, hoje do que venho falar especialmente
é apenas de alguns comoventes testemunhos, que então pude recolher, dois
dos quais em Fernão Dias, no local do famigerado campo de Concentração
Escasseava a mão de
obra barata..E o governador planeava construir grandes edifícios à custa
do trabalho forçado nas ilhas e mandou o ajudante de campo armado
em soldado nazi a comandar um grupo de milícias para ordenar o trabalho obrigatório.. Num
verdadeiro retorno aos primórdios do ignóbil e duro esclavagismo, até
que, numa remota aldeia perdida no mato, algures pela Vila da
Trindade, alguém se encheu de coragem e reagiu sobre o fogoso e arrogante
alferes, que teve a reação popular que merecia e à altura da leviandade e
do desprezo como olhava a população e impunha a sua vontade .
A partir daí o
Governador Gorgulho - para salvar a face dos seus
desmandos e prepotências, e, como os grandes erros, nunca vêm sós, para
justificar uns cometia outros, cada vez mais graves. passou acusar os
"rebeldes" de comunistas, através da imprensa e da rádio. E não
tardou que os colonos - incentivados ao ódio à dita
"hidra comunista", respondessem ao apelo dos muitos boatos
propalados
"Há notícias de
que foram avistados submarinos soviéticos ao largo e descarregadas armas
para apoiar a revolta dos negros insurretos contra a integridade desta
província ultramarina!" - Foram detidos e
presos vários suspeitos. O governo promete firmeza e mão pesada
aos criminosos! . Por toda a ilha
mobilizam-se milhares de voluntários."
- E, quilo que
poderia ter sido um caso isolado, depressa é rotulado de rebeldia comunista.
Face a tais atoardas
e falsos alarmes, as roças passam ao ataque: empregados de mato e
dos escritórios, feitores e administradores - e até capatazes negros -partindo
em jipes de todas os cantos da colónia, concentraram-se na Trindade, e,
fortemente armados, dirigem-se através dos caminhos do mato ao Batepá,
descarregando tiroteio forte e feio, (naquela e noutras aldeias)
sobre as populações indefesas e pacíficas - mães com os filhos às costas,
homens, mulheres e inocentes criancinhas, e até porcos, cabras e galinhas
-, tudo é imediatamente alvejado e varrido!
Tudo quanto é vivo e
apanhado pela frente, é vítima das maiores atrocidades e dos
disparos mortíferos das velhas máuseres alemãs hitlerianas - herança do
nazismo. A fúria assassina só
terminou, quando, em escassos cinco dias, rapidamente todas as munições se
esgotaram na ilha- Para trás, ficava um autêntico banho de sangue, aldeias
totalmente queimadas e destruídas e inúmeros cadáveres estendidos sobre o chão
fértil e verde da luxuriante floresta. E a paz , que ali reinava
dantes, dava lugar a um autêntico cenário de horrores:
VISITA AO LOCAL DOS TRÁGICOS
ACONTECIMENTOS – EM 1974 – 20 ANOS
DEPOIS - TENDO COMO GUIA DOIS
SOBREVIVENTES: Manuel dos Ramos e Manuel Carmona
Este o relato – “O local fica
perto da. sede da de pendência Fernão Dias, à Roça Rio do Ouro, à frente de um'
mar azul imenso, bordado de viçosos
coqueiros e de um capim que cresce exuberantemente e, por entre vestígios e recortes de antigas
construções, em tempos utilizados para servir a ponte de cais acostável
para os- barcos de longo curso que ali
atracam
A ponte destinada então, aquele
porto, encontra-se em ruínas, e o sítio onde se localizavam as tais
construções, são boje, praticamente, lugares de abandono, preenchidos, apenas,
na pequena planura que ali se ergue, por uns tantos pés de coqueiros, que após
terem servido de palco aos tristes como
lamentáveis acontecimentos no ano de
1953, ali foram plantados, talvez para quebrar a aridez e tristeza
ambiente
Há dias deslocámo-nos ali. Íamos
com o propósito de fazermos' algumas fotografias do local. Quando chegámos,
pedimos a um natural de S. Tomé, que guardava uma vara de porcos, para nos
indicar onde tinha sido, precisamente, o sitio, em que haviam decorrido os massacres
de 1953. Tratava-se do Sr. Manuel dos Ramos, de 62 anos, por sinal, também, uma
das vítimas. Não pudiamos ter tido melhor interlocutor e pessoa mais bem
informada para nos acompanhar e nos apontar os sítios onde foram concentradas largas dezenas de
santomenses e, sem dó nem piedade, torturados e mortos.
Lá se encontravam ainda, junto à
praia conforme nos disse, os dois ta marinheiros onde diariamente eram
estendidos os cadáveres e dali transportados, por uma camioneta, para uma vala
comum, no cemitério da cidade.
Mostrou-nos, igualmente, o sítio
onde ele também esteve estendido no chão duro, cercado então por arame farpado,
e onde ficavam a aguardar o momento do interrogatório ou da pena capital.
Acompanhou-nos ao lugar, onde
ficava a casa que o chefe da brigada do campo de concentração e de trabalhos
Forçados utilizava para pro ceder às torturas, aos interrogatóri0.e: e
julgamento das inúmeras pessoas que para ali iam presas.
Por último, trouxe-nos ao lugar onde os presos
partiam brita para construção de uma pista para o aeroporto que a partir de ali
se pretendia iniciar e apontou-nos o pântano onde eram também forçados a trabalhar.
Na berma do mesmo, encontramos ainda uma argola de uma corrente de ferro, com
que eram amarrados.
“Mata ali e vai pôr junto desses tamarinos e tapa
com chapa”.
Tudo isto lhe ouvimos contar com palavras de emoção
e tristeza , ao recordar aqueles
horrendos episódios de que foi vitima e
assistiu
No
final, registamos o seguinte depoimento:
-
J. M. O sr. também foi, portanto, das pessoas que aqui esteve no campo de concentração,
não é verdade?
-
M.R. Sim senhor. Estive aqui a trabalhar.
-
J. M. Foi muito mal tratado:
- M. R. Bateram-me com um pau na cabeça e outro na nádega. Mas o ruim
da minha vida era a carga muito pesada
que tinha de transportar.
- JM. O sr. viu bater em alguém?
- M. R. Sim senhor! Vi chegar aqui um senhor que
trabalhava na Câmara. Veio ao meio dia e meio e à uma hora morreu. Era o Sr.
Tini da Câmara
- J.M. Disse-me que o seu pai também aqui
esteve. Ele morreu cá?
- M.R. Morreu em casa.
- J.M. Mas também foi morto durante os massacres
do Batepá?
- M. R. Não senhor. O meu pai veio de castigo. Tiraram depois o meu pai e
mandaram-no para casa, ·mas depois morreu devido à doença que aqui apanhou. .
- J. M. Com é que se chamava o seu pai?
- J. M. Com é que se chamava o seu pai?
- M. R. O meu pai era o Manuel João da Graça das
Neves. Tinha o número 430.
- J.M. Já
havia aqui muita gente condenada?.
- M. R.
Sim. Muita pessoa a trabalhar. Mas para
eu dizer a quantidade de pessoas que aqui
estavam a trabalhar é que eu não posso
dizer.
- J. M. Aquele lugar ali era para o julgamento: o que é que o Sr. .José fazia lá?
- M. R. Tudo. Com cacete e outras pancadas. Quem
não morreu, ficou. Quem morreu, morreu! Qualquer pessoa que vinha, ia para o Sr. José, fazer perguntas. Depois de
perguntar ele fazia conforme entendia.
- J. M. E ali, junto daqueles tamarinos, que se fazia?
- M. R. Lá! Mata ali e vai pôr junto desses
tamarinos e tapa com chapa.
- J. M. E depois os cadáveres eram enterradas ou lançados ao mar?
- M. R. Os que estavam em baixo de chapa, o carro,
por volta das três ou cinco horas
da tarde, carregava-os para cidade. Lá
é que se iam sepultar.
- J. M, Mas outros eram atirados ao mar, não eram?
- M. R. Dizem que atiravam ao mar, mas nunca vi
porque de noite ia dormir outra pessoa ficava a trabalhar. Mas dizem que morreu muita gente no mar e
outra foi enterrada.
DEPOIMENTO DE MANUEL CARMONA
Chama-se Manuel Carmona. Tem 42 anos de idade. É
natural de S. Tomé e, actualmente, é trabalhador rural na Roça Ribeira Peixe.
Disse-nos que também tinha sido uma das vitimas sobreviventes aos massacres do
Batepá - Respondeu-nos
do seguinte modo:
- M. C. Estava na minha casa deitado. Eram sete
horas da noite, e apareceu o carro, cheio de polícias, e com o Sr. José Mulato.
Fui pegado na minha casa, às sete horas de noite. Levei muita pancada por ordem
do Sr. José. Entre os que matavam destacava-se o cabo Rodrigues e outro homem
que parece que ainda se encontra em S. Tomé. E os capatazes, que mandavam nesse
tempo, e mataram bastante por ordem do Sr. José. Era o Gonçalves, Cidade,
Massêca, Jamba.
J. M. Que lhe fizeram, quando chegou à tal brigada
de trabalhos, em Fernão Dias'?
-
M. C. Padeci bastante Levei pancada demais.
-
J. M. Quanto tempo esteve nessa· tal brigada ?
-
M. C. Cinco meses. Vi muitos mortos, que foram pegados vivos , num bote grande
que os lançava ao mar. Eu próprio é que
vi, com a minha vista, em Fernão Dias, matar por ordens do Sr. José.
-
J. M. O Sr. acha que se deve fazer justiça a esses indivíduos que o trataram
mal e mataram outras pessoas, que ainda não foram julgados?
-
M.C. Acho . Ficaria muito satisfeito até …
-
J. M. Conhece muitas pessoas que o
tararam mal e que ainda cá estão?
-
M.C. Bem, outros morreram, os capatazes ainda cá estão. Até o que foi o chefe,
o autor da justiça , ainda está a viver
e outros ainda estão em S.
Tomé. Eu conheço-os…
-
J.M. Que lhes davam de comida , nessa brigada?
-
M.C.Todo o individuo que trabalhava na brigada, nesse tempo vivia porque era Deus
que queria. Comia feijão feito com milho sem pisar. E desde manhã até há uma
hora, com esta comida, como podia um homem aguentar? ·
-
J. M. Você dormiam normalmente, ou dormiam
muito mal?
-
M. C. Dormíamos uns em cima, outros em baixo, como arrumação de saco.
-
J. M. Acha que os tais senhores deviam ser julgados e estar presos?.
-
M. C. Não deviam estar, sequer, livres por um dia. Porque, nessa altura, em 53, esse senhor autorizava a colocação de marcas nos que iam .ser mortos em Fernando Dias, com tinta
vermelha na camisa. E de madrugada, quando vinha a camioneta eram esses que a família
perdia. Não duravam nem meia hora
-
J. M. Então ele não obedecia a ordens? Fazia aquilo, sua 'por vontade própria?
·
-
M. C. Recebia ordens de Sua Excelência que governava. ·
-
J. M. Mas ele é que mandava lá?
M.
C. Ele é que mandava. Na secção da brigada.
BARTOLOMEU
CRAVID
-
J.M._ Diz-se que o Sr. Cravid também foi uma das pessoas afectadas pelos acontecimentos
do Batepá. Que se passou então em relação à sua pessoa?
-
B. C. - Lembro-me que fui preso e que estive na cadeia 45 dias. ·
-
J.M. -Por que é que o prenderam?
J.M. -Por que é que o prenderam?
-
B. C. - Não sei explicar; o certo é que houve a ideia de arranjar mão-de-obra
gratuita. E daí' surgiram as prisões, mais prisões mas sem quaisquer razoes
para isso.
Procurava-se emprego e não sé encontrava. No
entanto, as rusgas sucediam-se e as pessoas que encontravam, eram presas. É,
claro, ao fim ao cabo houve um ou outro que reagiu sobre esses atitudes. Mas a verdade é que nem chegou a existir reaccão
nenhuma.
-
J.M – Na altura, trabalhava em quê?
-
B.C – No Tribunal.
-
J.M. - Portanto na altura em que foi preso. Mas em que suspeitas se basearam
para o prenderem?
-
B.C. - Naquela altura só se 'tratava de boatos, mais boatos. O individuo era apontado
de estar metido em reuniões. Mas a verdade é que nem sequer havia reuniões.
-
J.M. - Durante o tempo em que esteve preso foi muito mal tratado?
-
B.C - Fui. Bateram-me. Puseram-me numa cela, incomunicável, durante 45 dias.
-
J.M. - E a alimentação? De que constava?
-
B. C - De fuba com feijões, sem um mínimo de higiene. Enfim, tratavam-nos
piores que escravos.
-
J.M. --'Tinha lá muitos companheiros? .
-
B. C.. -· Sim. Tinha lá muitos companheiros. Muitos funcionários
públicos. ·
- J. M.
- Eram todos submetidos a igual tratamento?
- B. C. - Sujeitavam-nos aos mesmos tratos. Puseram-nos
descalços. Bastiam-nos ...
- J. M. - Com que é que os castigavam?
- B.C. – Com pauladas. Chicoteadas. Palmatoadas.
Enfim…
- JM - Depois acabaram por o soltar, porque? · Como é
que chegaram à conclusão que não havia motivo para o terem preso? ·
- B. C. - Não sei se foi o Juiz que trabalhou Comigo.
Não sei explicar como é que isso se passou. O certo é que um dia qualquer chamaram-me
e soltaram-me.
- J.M. - E aos outros seus companheiros?
- B.C. - Um outro colega meu foi solto um dia antes: o Sr. Martins Fernandes de Castro.
- J.M. -
Como é que o Sr. Cravid interpreta a origem desses acontecimentos ? ·
- B. C. – Dá-me a entender que o Governador
Gorgulho tinha na ideia escravizar todos os naturais de S. Tomé. Não os queria,
até, como funcionários públicos. 'Deu-me· a entender que só os queria na
situação de contratados. De verdadeiros escravos.
- J.M. - Mas falou-se numa sublevação comunista ?
Que diz a este respeito? ·
- B.C. --
Que eu saiba, não houve nada.
- J. M. - Não seria talvez uma forma de ocultar ou
tentar justificar os actos cometidos nesses acontecimentos ? ·
- B. C. - Penso que o que ele queria era ter
qualquer justificação. Qualquer coisa para poder defender-se; justificar,
talvez, ao Governo Central, de que tinha havido qualquer coisa que lhe desse
razão para proceder assim.
- J. M. - Qual é a opinião que tem acerca desse Governador?
Há quem diga que ele fez muitas obras. Para além de todos esses actos que
permitiu, que fez realmente vastas obras em S. Tomé.' Qual o pensamento com que
ficou acerca dele?
- B.C. - Inicialmente
começou por trazer obras à terra; tanto mais que até chegou a ser conduzido a nosso pedido.
Chegámos até a oferecer-lhe uma espada.
Mas de um momento para outro virou-se totalmente. Porque é que mudou? Não sei.
O certo é que também estava muito mal orientado. Tinha maus colaboradores.
- J.M. - Acha, portanto, que essa tal mudança de atitude
se deveu a uma actuação dos seus colaboradores?..Elementos da cúpula
governativa ?
- 8. C. - Não. Foi mais dele. Se fosse bom, isso
nunca teria acontecido. Se fosse individuo sensato, e que também se interessasse pela vida dos outros, que eram
tão humanos como ele, não' se davam essas coisas; nada disso teria acontecido.
- J.M. - Esses acontecimentos tiveram inicio a 3
de Fevereiro de 1953. Prolongaram-se até quando?
- B. C. - Sim. Tiveram início nessa altura. Depois
fui preso, mais ou menos no dia 7 de Fevereiro. Fui solto 45 dias depois. 'Mas
antes de ser solto, chegou, o inspector Falcão da ex-PIDE. 'Esse senhor é que fez com
que a situação se suavizasse bastante. E mais tarde com· a vinda do Dr. Palma
Carlos.
- J.M. -Acha então ser verdade que um dos trabalhos
mais válidos que a ex-PIDE fez em S. Tomé, foi precisamente esse?
- B.C. Pois, se não fosse a sensatez no lnspector
Falcão, isso seria um caso muito sério. Se tivesse cá vindo outra pessoa a
investigar o assunto, nós estaríamos muito mal. Correria tudo à vontade do Sr.
Governador e a coisa piorava.
- J.M. - Quantas
pessoas calcula terem morrido, nessa altura? · · ·
- B.C- Ao certo não sei .Mas umas centenas de
pessoas morreram lá.
- J.M . Em que condições essas pessoas pereceram?
- B. C. - Uns asfixiados, outros com pauladas em
Fernão Dias. No mato, a tiro de espingardas. Enfim houve pessoas mortas e
torturadas nas mais bárbaras condições.
- J.M. - Além desses mortos que provocaram, que
outros danos mais terão causado à população?
- 8. C. - Muitas casas incendiadas. Muitas pessoas
roubadas e saqueadas. Muitas mulheres violentadas. Muitas crianças desonradas.
Enfim, desumanidades.
- J.M. – Um natural, na altura, era todo olhado da
mesma maneira, ou havia, digamos, certo sector que era respeitado?
- B. C. - Chegou-se a uma altura que não se
respeitava ninguém: só se respeitavam os criminosos: 0 José Mulato, o Chico … e
os capatazes das brigadas e mais nada. Com os naturais não havia um tratamento
de gente. Faziam-lhe pior que a um bicho.
- J.M. - Como é que interpreta o comportamento
desses indivíduos, de resto também naturais de S. Tomé? Eram simples peças
da máquina ? · Ou actuavam conscienciosamente ?
- B. C. - Bom, naquela altura, só cumpriam as
ordens e mais nada:
- J.M.-Mas eles não terão também culpas?
- B. C. - Nenhumas.
Não houve culpas nenhumas por parte desses indivíduos.
- J.M. - E os que colaboravam mais activamente?
- B. C. - A alguns, pelo menos, não se pode
atribuir-lhes propriamente culpas ... mas também foram maus. Deviam ter sido mais benevolentes.
- J.M. - Antes de 3 de Fevereiro de 1953, o povo
já era mal tratado? Ou só foi a partir
dessa data 7
- B. C. - Era. Então havia só rusgas, sem
necessidade nenhuma. E muitas prisões. Quer dizer, queriam mão-de-obra gratuita.
- J.M. - Quanto pagavam em 1953 ao trabalhador?
- B. C. - Não me lembro ao certo. Talvez cinco ou
dez escudos. Na altura era funcionário do ·Tribunal e não 'estava a par disso.
- J.M. -Actualmente está a colaborar no processo
de inquérito. Em que consiste o seu trabalho?
- B. C. - Ouvir as pessoas lesadas, que
ficaram sem as suas casas, para se saber
depois o que se vai fazer. - Ao certo não sei.
- J.M. - Há muitos processos?
-B. C. - Talvez muito mais do que uma centena.
- J.A. - Acha
que isso foi uma coisa que marcou o povo de Tomé ? .
- B . C. - Bastante. Foi uma tortura! Uma coisa inútil!
- J.M. - Diz-se que, de uma maneira geral, todos os brancos
que havia na altura em S. 'Tomé foram forçados a tomar parte nos acontecimentos
de 1953. Foram realmente todos ou houve alguns que não quiserem ?
B.C. - Houve alguns que não colaboraram. Lembro-me
de um Carlos Soares, da Roça Montalegre. Esse, então, padeceu bastante .'Esse branco da Roça
Santy também esteve preso.
- J.M. - Portento, os brancos que não colaboravam
eram mal vistos ?
- B. C. - Sim: Houve alguns que foram perseguidos
e mal vistos.
- J-M Houve
brancos que compreenderem o problema e recusaram-se a colaborar nesses
acontecimentos?
- B. C. - ·Sim, realmente, houve muitos que não
tomaram parte. · · · ·
- J.M. - Houve naturais que tiveram de fugir de S.
Tome, ou conseguiram escapar? .
B.C - Aqui não tinham possibilidades de sair. Como
sabe, S. Tomé é uma Ilha.
Pode também consultar http://canoasdomar.blogspot.com/2016/02/s-tome-e-principe-homenageou-hoje-os.html ....http://canoasdomar.blogspot.com/2015/01/memorias-do-bate-pa-1-auschwitz-em-s.html ....http://canoasdomar.blogspot.com/2015/02/s-tome-memorias-do-massacre-do-betepa-2.html ….http://canoasdomar.blogspot.com/2015/02/massacres-dos-batepa-3-hoje-s-tome.html ….http://canoasdomar.blogspot.com/2015/02/s-tome-e-as-memorias-do-batepa-4-ze.html …http://canoasdomar.blogspot.com/2015/02/s-tome-e-principe-memorias-do-batepa-5.html
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