Jorge Trabulo Marques - Jornalista - Imagens da Web e outras do autor deste site
RECORDANDO BANA - A VOZ INCONFUNDÍVEL QUE
A MORTE NÃO APAGA - COM INTRODUÇÃO DE ALGUMAS PALAVRAS DA ENTREVISTA QUE
ME CONCEDEU, NOS ANOS 80, COM TEMAS MUSICAIS APRESENTADOS POR
DAVID LOPES NA RDP, NAQUELA DÉCADA - Mestre e
companheiro de todos os históricos da música cabo-verdiana. “embalado pelos
instrumentos tocados por Manuel d'Novas, Luís Morais, Morgadinho, entre muitos
outros de todas as gerações
Tive o
grato prazer de ser seu amigo e de ter partilhado
momentos inesquecíveis nos seus espetáculos e de o ter entrevistado, de cujo
registo apenas pude recuperar do meu vasto arquivo de repórter, umas brevíssimas
palavras, a que junto alguns temas da sua voz mas o bastante para se compreender
quanto ele – o emblemático embaixador e peregrino na diáspora cabo-verdiana,
amava e interpretava a alma e o sentir do seu amado povo.
Hoje, se
fosse vivo, celebraria, com os familiares e amigos, o seu 87ª aniversário,
porém, Deus quis que partisse mais cedo para junto do seu trono.
“Começou a cantar ainda miúdo nos botequins do
Mindelo. Com a sua voz firme encantou em Dacar e depois em França , antes de
fixar residência em Portugal, onde atingiu o estrelato. Gravou meia centena de
LP´s e viajou pelos quatro cantos do mundo a espalhar o nome de Cabo Verde.
Ajudou a lançar uma dezena de músicos cabo-verdianos. "Só lhe faltou ir à
Lua", disse um dia Manuel de Novas.
Bana nasceu no dia
5 de Março de 1932, na ilha de São Vicente, mas só foi registado no dia 11 de
Março. Oriundo de uma família pobre e humilde, era o filho mais novo de Vasco
Almeida e de Maria Cristina Gonçalves. Adriano Gonçalves, ou Bana, viveu a sua
infância num dos piores períodos de São Vicente, durante a Revolta das
Bandeiras Negras, numa altura em que a fome assolava a ilha do Monte Cara.
Adriano Gonçalves
ou simplesmente Bana cedo conquistou os mindelenses com a sua voz forte e
firme. De timbre suave e ritmado, Bana canta como fala. De lenço branco na mão,
a sua imagem de marca nos palcos, o músico estava longe de imaginar que esse
percurso, iniciado com uma dezena de anos, o levaria a gravar quase meia
centena de discos.
A relação de Bana
com a música começou bem cedo, nas ruas de Mindelo. Deixou de ser Adriano
Gonçalves e passou a ser conhecido por Bana no meio mindelense, a calcorrear as
“tocatinas” da ilha de São Vicente.
Aos 13 anos
abandona os estudos, apenas com a 3ª classe. Já nesta altura, o interesse pela
música era maior do que pelos livros. Foi na companhia dos mais velhos, Lela
Maninha, Marcelo, Tchuf e Djindja de nha Amélia, Pirra e Abílio Duarte, que o
Rei da Morna começou a dar os seus primeiros passos, ainda que tímidos, no
mundo da interpretação musical.
Mais tarde
encontrou na música um novo sentido para a sua vida, que permitiu superar a
morte dos pais. Depois começou a cantar ao lado dos principais músicos cabo-verdianos,
atraindo a atenção de B.Léza, considerado um dos maiores poetas e compositores
cabo-verdianos de todos os tempos.
Como nem só da
música vive o homem, Bana tentou durante algum tempo o trabalho duro de
estivador no Porto Grande do Mindelo. O corpo, dois metros de altura, dava-lhe
a força física necessária para as tarefas de carga e descarga, mas não era o
que Bana queria mesmo fazer, conforme reconheceu o seu amigo e colega de
estiva, Joaquim dos Santos (Taitai).
E os sons que
emanavam dos vários botequins do Mindelo acabaram por seduzi-lo, o que o levou
a abandonar o trabalho no Porto Grande, por nunca se sentir atraído por ele.
Para além de ter
trabalhado como estivador no Porto do Mindelo, Bana também trabalhou para a
companhia petrolífera Shell, ao mesmo tempo que ia fazendo serenatas com os
amigos.
Em 1952, com 20
anos, Bana ingressou nas Forças Armadas para cumprir o serviço militar
obrigatório. A tropa deu-lhe a possibilidade de interpretar de vez em
quando algumas mornas na Rádio Clube do Mindelo, cantando para um público mais
alargado. Por esta altura Bana já não cantava só para os seus amigos, mas sim
para um público fiel à sua voz.
A primeira vez que
Portugal entrou no horizonte de Bana foi em S. Vicente, pelas mãos de dois
respeitados políticos portugueses. Em 1959, numa digressão por São Vicente,
vários elementos da Tuna Académica de Coimbra “descobrem” Bana e insistem em
dar a conhecer a Portugal aquele homem de voz timbrada e firme. Entre esses
elementos da Tuna coimbrã encontravam-se Manuel Alegre e Fernando Assis
Pacheco. No entanto, Bana só chegaria a Portugal dez anos depois, em 1969.
Pelo meio, seguiu
para Dacar, onde gravou o seu primeiro disco e foi convidado para vários
espetáculos. Do Senegal seguiu para Paris, onde gravou mais dois LP e onde
permaneceu até 1968, altura em que seguiu para Amesterdão, Holanda,
aproveitando para editar mais dois “Long Play” e dois EP.
A estreia em
Portugal aconteceu em 1969, na inauguração da Casa de Cabo Verde em Lisboa, na
companhia de dois dos seus amigos de sempre: Luís Morais e Morgadinho. Desde
então, e paralelamente à sua própria carreira, entre Portugal e Cabo Verde,
Bana abriu portas às gerações seguintes da música cabo-verdiana das décadas de
70 do século XX até o início deste século. http://bana.sapo.cv/biografia/perfil
Bana – Uma vida a
dignificar a morna de Cabo Verde
Começou a aprender
com o mestre. B.Léza, além de seu tutor, serviu-lhe igualmente de inspiração. A
forma peculiar de cantar, arrastando as sílabas e atravessando os tempos
musicais, foi em tudo moldada a partir dos ensinamentos de B.Léza. Esta forma
particular de interpretação não reunia o consenso da generalidade das pessoas,
o que, naqueles primeiros tempos, ajudou a ampliar a aura criada em torno da
sua figura artística. Esta sua forma peculiar e pessoal de interpretação foi,
sem dúvida, a chave para o seu enorme sucesso.
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Gravou o seu
primeiro disco em 1967, um 45 RPM que rapidamente se tornou um sucesso de
vendas, quer pela qualidade técnica, quer pelo nível artístico nele registado.
Adriano Gonçalves, ou Bana, cedo se apercebeu das suas capacidades vocais, o
que, aliadas à sua forma especial de interpretação lhe conferiram imediato
reconhecimento desde o início da sua carreira.
Natural de São
Vicente, Bana cresceu lutando contra as adversidades que, na década de trinta
do século XX, assolavam o arquipélago. Para enganar as constantes dificuldades,
Bana acompanhava os tocadores e cantores de um São Vicente pobre e cheio de
dificuldades. Os mais velhos, tais como Lela Marinha, Marcelo, Tchuff e Djindja
de nha Amédia, iam dando lugar aos mais novos, como Amândio Cabral, Caduca,
Pirra, Abílio Duarte e Titina que, com os seus violões e vozes melodiosas,
enchiam o pequeno Bana de alegria. Desde tenra idade que manifestou a sua
vocação para o canto, chegando mesmo a atuar regularmente ao lado dos melhores
músicos cabo-verdianos da época.
Bana tinha então
vinte anos de idade, e via-se confrontado, contra a sua vontade, com o serviço
militar obrigatório. Decorria o ano de 1952 quando o inspetor Aníbal Lopes da
Silva, no final do exame médico, lhe perguntou se estava verdadeiramente
interessado em ingressar na vida militar. Por saber que Bana não estava de todo
interessado, o médico acabou por pedir ao responsável pela gravação de
programas na Rádio Clube do Mindelo para o chamar a interpretar algumas mornas.
Foi a primeira vez que atuou para um público que não apenas os seus amigos.
Na rua do
Matadouro Velho vivia à época o ilustre cantor e compositor B.Léza. Bana há
muito que ouvia falar dele e conhece-lo tornava-se cada vez mais o seu objetivo
naqueles dias no Mindelo. Demasiado envergonhado, Bana passava horas à janela
da casa de B.Léza assistindo ao pagode que por ali reinava, escutando as
músicas que se criavam e recriavam. Ouvir o som saído do violão do mestre,
fazia com que Bana estremecesse. Na noite que o conheceu, B.Léza estava com
Tchuff, ambos cantando e tocando mornas recém-compostas. Tchuff, reparando no
rapaz, pediu-lhe que fosse comprar aguardente no Botequim do Manquinho, na
esquina da rua do Matadouro Velho. Foi a sua grande oportunidade para
finalmente se apresentar ao grande Xavier da Cruz. Tchuff fez as honras e
apresentou Bana como um dos que gostava de cantar e de estar onde estivesse boa
música.
Naquela época, já
o estado de saúde de B.Léza se encontrava bastante degradado. A sua mobilidade
era reduzida e a sua voz já não tinha a pujança de outros tempos. Para
conseguir interpretar a música que escrevia, em vez de cantar, B.Léza
limitava-se agora a assobiar. Compunha sentado na cama, onde se sentia mais
confortável. Bana, que entretanto tinha ganho a sua confiança, sentava-se junto
dele e lançava umas notas, demonstrando que era capaz de interpretar o que o
mestre compunha. A sua voz melodiosa e a forma particular de cantar acabou por
despertar o interesse de B.Léza, o qual acabou por lhe ensinar as suas novas
composições. Devido às suas limitações motoras, Bana costumava carregar B.Léza
em braços, sempre que este era convidado para tocar na Rádio Clube do Mindelo
e, a partir de certa altura, a vida de Bana era a vida de B.Léza.
Bana torna-se
assim conhecido em todo o Mindelo, acabando por atuar em todos os locais onde
houvesse boa música para escutar. Ficaram famosas as suas participações no
campo da Ribeira de S. Julião onde, com a sua estatura fora do comum – alto,
espadaúdo e sempre com um sorriso nos lábios – dava vida às festas de Son Jôn.
Faz furor nas serenatas e nas tocatinas, acabando mesmo por ser figura de
cartaz de vários espetáculos realizados na famosa sala Eden Park.
Corria o ano de 1961 quando,
integrados nas comemorações dos quinhentos anos da morte do Infante D.
Henrique, dois jovens da metrópole, Manuel Alegre e Assis Pacheco, encontram-se
casualmente à porta do Liceu Gil Eanes com Bana, Eduardo, Amândio, Malaquias,
Valdemar Lopes de Silva e outros que, àquela hora da noite, desfrutavam do
companheirismo entre amigos, cantarolando e gracejando entre eles. Bana foi o
primeiro, interpretando com a sua voz cavada e ressonante as primeiras estrofes
de uma morna. Os dois jovens visitantes, surpreendidos pela voz e por brilhante
interpretação, acabaram por se sentar no chão, ouvindo o resto das
interpretações. As canções continuaram de boca em boca e Bana acabaria por
cantar, do princípio ao fim, três ou quatro mornas. A partir daquelas músicas
magistralmente interpretadas naquela noite ventosa, a sua vida mudaria para
sempre.
Após longos e merecidos
elogios, Manuel Alegre e Assis Pacheco, profundamente impressionados com o
talento do cantor, pedem que Bana os acompanhesse no resto da sua estadia no
Mindelo. A sua primeira atuação integrado no “grupo dos estudantes” foi num recital
de poesia. Seguiu-se o Eden Park, a emblemática casa de espetáculos de São
Vicente, e o Grémio, famoso por se reservar ao direito de admitir apenas os da
alta sociedade mindelense. Até à partida dos ilustres estudantes de Coimbra,
Bana seria cabeça de cartaz em todas as suas folias, fosse nas tocatinas ou nas
serenatas noturnas.
Poucos dias faltavam para o
grupo de estudantes regressar a Portugal e já várias pessoas lançavam o desafio
a Bana de se juntar a eles e fazer carreira na metrópole. Bana ria-se da
proposta, pois nunca tal lhe tinha passado pela cabeça. No fundo, não se sentia
preparado.
Esses dias significaram muito
para a sua vida. Só a partir desse momento Bana percebeu que tinha futuro e que
a sua vida podia dar uma reviravolta. Até essa altura decorrera um comprido
período de jornadas como estivador, em trabalhos sazonais que jamais permitiram
qualquer tipo de estabilidade financeira, numa época em que o arquipélago
atravessava mais uma grave crise económica transversal a toda a sociedade.
Presidente Jorge Fonseca - Água Izé - Ilha de S. Tomé |
Há já algum tempo que Bana
sentia que Cabo Verde era demasiado pequeno para as suas aspirações artísticas.
Sem família na ilha ou irmãos emigrados, Bana sentiu com pesar a perda
irreparável do seu amigo B.Léza, a qual o deixava sem motivos para continuar
agarrado à vida de São Vicente. Falou com o seu amigo Herculano Vieira,
reconhecido músico e mais tarde arrojado combatente pela independência nacional
nas selvas da Guiné, o qual concordou em o embarcar no navio Neptuno. Escondido
no convés, sem documentação que o acreditasse, Bana partiu rumo ao Senegal,
fugindo de um passado que o aprisionava. Para trás ficava agora o Monte Cara,
que o acompanhou durante a infância e juventude. Para além do horizonte, Dakar,
o futuro e, caso o destino corresse de feição, a vida de artista.
Em Dakar ficou em casa do seu
compadre Vicente Becona, que ganhava a vida como pintor da construção civil.
Bana quis imediatamente imitá-lo, mas Becona o desencorajou, incentivando-o a
cantar, pois era no palco que Bana brilhava.
Fruto das saudades dos amigos
e da terra onde sempre viveu, os primeiros tempos em Dakar seriam amargos,
contudo, após algumas semanas, foi-lhe apresentado Marciano Rodrigues, que lhe
possibilitou entrar na Rádio Senegal, a princípio apenas ajudando em algumas
tarefas, posteriormente organizando espetáculos. A pedido de Nuna, um
empreendedor cabo-verdiano emigrado em Dakar, Bana ficou responsável pala
gestão do seu mais recente negócio: uma discoteca. Este trabalho permitir-lhe-ia
aliviar as dificuldades económicas com que, até àquela época, sempre o tinham
acompanhado.
Por essa altura, Bana e o seu
amigo de juventude Luís Morais, que também já se encontrava emigrado em Dakar,
juntos com Eduardo Silva, Amburtu e Toy de Bibia, todos vindos de Cabo Verde,
começam a atuar em conjunto aos sábados de manhã e aos domingos à tarde no
Teatre du Palais. Para completar o grupo, Bana manda vir da Guiné o amigo e
músico Morgadinho.
Dois meses após a sua chegada
a Dakar, o grupo de estudantes de Coimbra aos quais tão bons momentos Bana
tinha proporcionado, reclamava, através de uma carta enviada ao Dr. Aníbal
Lopes da Silva, diretor da Rádio de São Vicente, a presença do cantor em
Portugal para, com eles, festejar a Queima das Fitas em Lisboa. Este foi o seu
primeiro convite para atuar na Europa. O Dr. Aníbal Lopes da Silva reenviou o
convite para Dakar, o qual chegou às mãos do secretário do Embaixador de
Portugal no Senegal. Após uma série de mal entendidos, este acabou por entregar
a carta a Amândio Cabral que, por sua vez a entregou a Eduardo Silva e
companheiros, os quais tratam de organizar a viagem, equivocados quanto ao
verdadeiro destinatário do convite. Bana só viria a aperceber-se deste
mal-entendido quando recebeu uma carta de felicitações do Dr. Aníbal Lopes da
Silva pela conquista alcançada. Ficava assim adiada a sua estreia na Europa.
O arrojado Nuna, sempre cheio
de ideias, inaugura a boîte Salume e, uma vez mais, propõe a Bana a gerência da
casa com direito a atuar na matiné de domingo, cantando as suas mornas e
convidando os seus amigos para o acompanharem. Ficaram assim reunidas as
condições para Bana se lançar no seu sonho de infância: gravar o seu primeiro
disco. Sem vaidade, batiza-o de Bana. Luís Morais, o seu inseparável
companheiro por terras do Senegal, avança com a ideia de irem para a Holanda,
onde poderiam gravar mais álbuns. Surge então na vida de Bana o consagrado
músico cabo-verdiano Frank Cavaquinho que vivia em Roterdão e que encorajou
imediatamente o grupo à perseguição do seu sonho.
Com o primeiro disco lançado,
Bana parte rumo à Holanda de confiança redobrada. Juntamente com Luís Morais,
Toy e João Lomba, o grupo conseguiu sobreviver aos primeiros meses com grandes
dificuldades, contudo, gradualmente foram conseguindo arranjar algumas
atuações, o que lhes permitia angariarem algum sustento. No entanto, as rígidas
leis do país, obrigavam-nos a ter que possuir um contrato de trabalho. A sorte
foi alcançada quando conseguiram emprego numa fábrica de café. Tinham assim a
segurança de poderem atuar todos os fins de semana.
Nos estúdios da Phillips e
para a etiqueta Morabeza, acompanhado com a banda A Voz de Cabo Verde, Bana
gravou mais dois discos que se tornaram um êxito: Nha Terra e Pensamento e
Segredo. Bana representava a consolidação do espírito do cabo-verdiano, que
abandona a sua terra, mas que nunca a esquece. Pelas ilhas de Cabo Verde, por
toda a imensa diáspora de cabo-verdianos saudosos da pátria, estes seus dois
discos tornam-se uma homenagem a todo um povo. E esse povo soube agracia-lo.
Ainda na Holanda, já sem A Voz
de Cabo Verde, Bana gravou o emblemático disco Bana à Paris, trabalho que
acabou por produzir em França e que teve grande aceitação na sua já longa
legião de admiradores.
O sucesso começou a catapultar
novas oportunidades, entre as quais cantar no continente Norte-Americano. A
digressão durou oito meses durante os quais Bana cantou em bares de Jazz e em
todas as comunidades de emigrantes cabo-verdianos espalhadas nos Estados Unidos
da América, de Boston a New York, com passagens por Providence, Brooklyn e New
Jersey. Nessa grande viagem, conheceu o seu primeiro amor, Antonieta,
secretária do governador de Boston e filha única de um bem-sucedido latifundiário
com raízes cabo-verdianas. Com ela frequentou os melhores restaurantes, as
melhores casas de espetáculos. Rapidamente se apercebeu que as expectativas em
torno dos dois iam aumentando ao ponto de provavelmente não lhes conseguir
corresponder. Tinha ainda muito mundo pela frente e muitas conquistas por
concretizar. Achou por bem colocar um ponto final na relação, apesar de a amar
e de nunca a ter esquecido.
Presidente Jorge Fonseca - S. Tomé |
A sua ida para Dakar e depois
para a Holanda marcaram de forma significativa a sua carreira artística. É a
partir deste país que Bana ajudou a fundar o grupo A Voz de Cabo Verde, no
entanto, não chegou a integrar o conjunto, que foi essencialmente o seu suporte
musical para a gravação dos seus primeiro discos. Foi desta relação musical que
surgiu o seu primeiro LP Nha Terra ao qual se seguiram mais de uma dezena. É
por esta altura que Bana atingiu o auge da sua carreira, com digressões a
Angola, Guiné Bissau e aos Estados Unidos da América, onde representou
magistralmente a música tradicional de Cabo Verde.
Chega a
Portugal em 1967. O objetivo era gravar discos por conta própria. A primeira
editora que contactou, a Valentim de Carvalho, não foi recetiva o que suscitou
em Bana um sentimento de revolta e mágoa. Esta sua primeira estadia em Portugal
duraria pouco tempo e regressou a Cabo Verde para o seu primeiro grande
espetáculo em São Vicente. Para Bana era o início de uma nova etapa de vida.
Voltava à terra consciente de querer ficar. Passou a dar concertos também na
Praia, com as plateias sempre cheias e grande reconhecimento pelo seu
incontestável valor artístico.
Comprou o
trespasse de uma lavandaria e montou a Casa de Bana, uma loja de discos no
coração do Mindelo. Viajava frequentemente para Lisboa para comprar os discos
que seriam revendidos na sua loja. Mais tarde dedicou-se à exploração do Hotel
5 de Julho. No entanto, esta sua primeira experiência como empresário não se
revelou a mais frutífera, uma vez que acumulou dívidas que o incapacitaram de
continuar a investir.
Maria da
Luz, irmã de Bana e a única familiar chegada ainda a residir em São Vicente,
era muito amiga de Aquilina, uma rapariga bonita que não deixava ninguém
indiferente à sua passagem. As duas costumavam organizar bailes ao som de
gramofones ou animados por um piano ou violinos. Nessa época Bana vivia no
Senegal. Do irmão de Maria da Luz, Aquilina apenas sabia que vivia fora e que
as suas músicas passavam frequentemente na rádio. Certo dia, sem que ela o
adivinhasse, fica frente a frente com Bana que, entretanto, tinha vindo a Cabo
Verde aproveitando a ocasião para visitar a irmã. A presença daquele homem
despertou-lhe os sentidos. Bana também não ficou indiferente. Combinaram dar um
passeio pela pracinha. Apaixonaram-se. O namoro presencial entre ambos foi
curto, pois Bana regressou pouco tempo depois a Portugal onde ficaria mais de
seis meses. Aquilina contentava-se ouvindo vezes sem conta o disco Nha Terra,
contando os dias para voltar a estar nos braços do seu amado. O ritual do
regresso e da partida repetir-se-ia por mais dois anos. Em novembro de 1972,
estava Bana a preparar mais uma digressão à Guiné, Angola e São Tomé, quando se
abeirou de Aquilina e a pediu em casamento. Tinham passado dois anos desde que
se conheceram. Como padrinhos tiveram A Voz de Cabo Verde e, ao contrário das
suas intensões iniciais, o povo encheu o casamento no Alto de S. Nicolau.
Aquilina seria para sempre a sua eterna companheira.
Em inícios
da década de setenta, Bana fixa residência em Lisboa onde abre o mítico
restaurante bar “Monte Cara” na Rua do Sol ao Rato e que, durante décadas, foi
considerado como um santuário da música cabo-verdiana em Portugal. No início
funcionava sem grande movimento, pois anteriormente as instalações tinham sido
utilizadas como residência de homossexuais, o que, fruto dos preconceitos da
época, fazia com que o negócio não arrancasse. Certo dia, a sorte mudou quando
o famoso jornalista português Joaquim Letria, depois de se ter deliciado com um
fabuloso jantar, decidiu fazer a festa de despedida do filho, que iria estudar
para o estrangeiro, no Monte Cara. Convidou todas as pessoas do Conselho da
Revolução, todos os seus amigos jornalistas e inclusive o Presidente da
República, General Ramalho Eanes, e a primeira-dama, Drª. Manuela Eanes. No dia
seguinte, os jornais não falavam de outra coisa senão no Monte Cara como o
primeiro grande clube de música cabo-verdiana ao vivo da Capital. O
estabelecimento acabou por entrar no circuito cultural, onde além da boa
comida, eram servidas as últimas novidades musicais que Cabo Verde via nascer.
Muitos dos futuros nomes da música cabo-verdiana encontrariam no Monte Cara um
porto de abrigo e um suporte em Portugal. Bana acarinhou o lançamento artístico
dos novos talentos, de Cesária Évora a Fantcha. Era o local onde os emigrantes
cabo-verdianos de Lisboa podiam matar saudades da sua terra.
BanaÉ a
partir de Lisboa, com o apoio musical do Paulino Vieira, que Bana passa a
gravar os seus novos trabalhos discográficos. Em finais de 1978 editou o LP
“Cidália”, por muitos considerado como o disco que marcou a entrada na segunda
fase da sua carreira: maior e melhor utilização da eletrónica e novos arranjos
e orquestrações brilhantemente realizadas pelo músico e compositor Paulino
Vieira. É nesta segunda fase que Bana revela todo o seu brilhantismo e
capacidade artística, com interpretações honestas e brilhantes, plenas de
sentimento e com as quais dignifica ainda mais a essência das mornas de Cabo
Verde.
S- tom~ Tomé - Roça Ãgua Izé |
Após um
interregno de quase oito anos, Bana volta aos EUA para, sob orientação musical
de Ramiro Mendes, gravar e lançar o disco Gira Sol. Neste trabalho Bana
experimenta outros estilos, conferindo-lhe uma certa modernidade e atualidade.
Posteriormente, juntou-se ao jovem Kim Alves, prodigioso músico e produtor
cabo-verdiano, e gravou o álbum Livro Infinito.
Anunciou
vários espetáculos como sendo “o último”, mas voltou sempre, enquanto a voz lhe
permitiu. Em janeiro de 1992 a Aula Magna, em Lisboa, encheu-se em sua
homenagem, com uma plêiade notável de cantores. E no final dos anos 90, esteve
em concerto no Coliseu de Lisboa, espetáculo lançado de seguida em CD duplo. Em
2007 ainda gravou um outro trabalho, Bana e Amigos, lançado em CD e DVD.
Atuou em
Cabo Verde, Estados Unidos da América, Portugal, Guiné, S. Tomé e Príncipe,
Angola, Senegal, Holanda, França, Itália, Espanha, Bélgica, Luxemburgo e
Alemanha. Foi homenageado pela Câmara Municipal de São Vicente e condecorado
pelo Presidente da República António Mascarenhas Monteiro.
Um percurso
de vida singular, que lhe trouxe alegrias e recompensas, mas também amargura e
sofrimento por querer fazer sempre mais e muitas vezes não ter quem o
acompanhasse no sonho de divulgar, pelos quatro cantos do mundo, a cultura e a
tradição da sua amada terra.
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