Jorge Trabulo Marques - Jornalista - ERA ASSIM QUANDO O CONHECI, EM 1964, O MAIOR E MAIS
BELO HOSPITAL DE STP - NA ROÇA RIO DO OURO - HOJE DESFAZ-SE EM ESCOMBROS
Refere o Expresso que é uma nova fase do programa Revive, que se propõe abrir à concessão turística edifícios de património público que estão ao abandono — e desta vez evoluindo para fora de Portugal. Já foram identificados oito edifícios em São Tomé e Príncipe, designadamente antigas roças de cacau e de café, que irão marcar a estreia do Revive Internacional, um programa que foi possível na sequência do acordo selado esta semana pelo Governo com a comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP), com vista a apoiar a recuperação de edifícios históricos ligados à presença portuguesa no continente africano.
“Avançar com projetos Revive
nas roças de São Tomé mostra esta capacidade de internacionalização do
programa, chegando a todo o património que fala português no mundo”, salienta
Ana Mendes Godinho, secretária de Estado do Turismo, frisando também tratar-se
de “um projeto que visa usar o turismo como um poderoso elemento de cooperação
entre os países da CPLP”. https://expresso.pt/dossies/diario/2019-03-14-Programa-portugues-de-recuperacao-de-edificios-publicos-chega-as-rocas-de-Sao-Tome-1
2014 - Antiga Roça Rio do Ouro - Atual Agostinho Neto |
Bom, mas essa questão, já lá
vai: o importante é o presente e o que este pode ter de significado para o futuro.
E é isso que eu venho aqui destacar
Porto Alegre - Téla Nón |
Diz o Téla Nõn, que, a
cooperação portuguesa em São Tomé e Príncipe, revela a intensidade das suas
acções no território nacional, mais concretamente no distrito de Caué,
considerado como a região mais pobre do país.
Numa nota enviada à redacção
do Téla Nón, o serviço de cooperação da embaixada de Portugal em São Tomé e
Príncipe, diz que por volta das 10 horas desta sexta feira, «será inaugurado
Distrito de Caué, o sistema de
energia fotovoltaica do Centro de Estudos Educativos (CREF)».
Inauguração de uma infraestrutura, que garante energia limpa,
para uma unidade do sistema de ensino de Porto Alegre, fundada pela ONG
portuguesa, Leigos para o Desenvolvimento no ano 2012. «Permite ter energia 24 horas, e alarga assim a sua capacidade
horária de funcionamento. O Centro de Estudos Educativos, serve as comunidades
de Porto Alegre, Vila Malanza, Ponta Baleia e Ilhéu das Rolas, disponibilizando
formação, capacitação e qualificação profissional em diferentes áreas, acesso à
informática e prestação de serviços», explica a embaixada de
Portugal. https://www.telanon.info/sociedade/2019/03/14/28844/portugal-inaugura-energia-renovavel-e-polos-de-apoio-social-em-caue-e-cantagalo/?fbclid=IwAR2XaStqtp8iV2RnDlifqFRDFukLNb2Y9KGTg52jnIPp2vtsjMVWXFh2uQA
Património
nacional, ruínas e sucata
Património nacional, ruínas e sucata: O desvanecimento dos elementos físicos
da memória histórica em São Tomé e Príncipe - Por Xavier Muñoz Torrent
"Os meios de comunicação são-tomenses, as
redes sociais e alguns foros acadêmicos especializados estão a denunciar
constantemente o avançado estado de degradação (e mesmo a perda) do patrimônio
nacional. Paralelamente, os discursos de responsáveis políticos e de expertos
consultores estão a sublimar a necessidade de desenvolver o setor turístico
utilizando esse ingente patrimônio como elemento diferenciador da oferta.
E, efetivamente, não são poucas as
propostas alternativas às atividades de resort que aproveitam a cultura
de plantação para oferecer excursões guiadas nas antigas roças ou
percursos pelo mato humanizado, ou mesmo ultimamente pelos próprios espaços
urbanos, que são especialmente agradecidas pelos visitantes estrangeiros,
ávidos de adicionar mais alguma coisa que banhar-se na praia ou tomar o sol ou
agüentar aborrecidos entretenimentos de salão (coisas para as quais não é
preciso deslocar-se a um destino tão caro como São Tomé).
Contudo, resulta chocante, quando menos
incoerente, que nem as autoridades nem os proprietários, nem as pessoas,
companhias ou instituições que por acaso tem em concessão roças onde há
elementos desse património, não façam nada ou praticamente nada (salvo contadas
e honrosas exceções [1]) por manter ou devolver esses elementos ao seu estado
original e à atividade, para assim abundar nessa proposta diferente de turismo,
baseada na história e na cultura, ou mesmo para dar-lhes novos usos, por
exemplo, na sua adaptação a formas singulares de hotelaria e restauração, ou
simplesmente a alojar serviços públicos ou, como houvesse sido o habitual,
seções de administração de explorações ou cooperativas agrárias.
Há uns anos (2014) nos surpreendeu a todos
o desmoronamento do pavilhão esquerdo do monumental Hospital de Agostinho Neto
(antiga roça Rio d’Ouro), um dos mais famosos emblemas que foi do país, cuja
imagem icônica foi largamente reproduzida em postais e guias turísticas, mesmo
nos bilhetes de banco. E mais ainda nos surpreende que depois desse tempo e de
um vácuo lero-lero, o edifício continue mal ou pior, sem nenhuma
reconstrução, nem também não nenhuma intenção real de fazê-la.
No passado março de 2018, o artista e
prezado amigo René Tavares, na sua conta de Facebook, influente, se
somava ao espanto, também pontualmente noticiado por Tela-Nón, da
queda do edifício da roça Amparo II (magnífico exemplo de arquitetura colonial
francesa com toques de barroquismo português nas ornamentações exteriores), que
há anos, depois de ser sede de diferentes programas de desenvolvimento e outras
atividades de ajuda social, tinha sido concedida à Ordem dos Advogados, para
depois ser devolvida [2]. Não sentem imensa vergonha os seus concessionários e
os responsáveis do patrimônio do Estado por ter possibilitado, já seja por
omissão, a aceleração do processo de degradação e queda final do que foi um
edifício único no país?
Mas, as suas Excelências: qual vai
ser o próximo casarão em cair? Talvez o de Boa Entrada, de Porto Alegre, de
Vista Alegre, de Plancas, de Praia das Conchas ou de Uba-Budo, ou mesmo
insignes edifícios no centro da Cidade de São Tomé… se vão juntar à perda quase
irreversível do Hospital de Ribeira Peixe, do Hospital de Água Izé ou de tantos
outros edifícios históricos ruídos dos quais já nem apenas se intui a sua
silhueta no chão?
Mais ainda: agora nos chegam comentários
preocupantes sobre a degradação das estruturas dos dois imponentes aviões
Lockheed L1049H SuperConstellation (“Connies”) que ficam junto ao
aeroporto de São Tomé, os que durante tempo se conservaram pela direção do
restaurante “As Asas do Avião”, e que constituem o último vestígio da ponte
aérea de ajuda humanitária ao Biafra, esforço titânico que empreenderam um
punhado de ONGs internacionais no fim dos anos 60, e que emergiam, de fato,
como um monumento de memória histórica daquele período, no qual São Tomé teve
um papel crucial [3]; mas também de reconhecimento, com a sua preservação, a
tantos e tantos outros atos de ajuda humanitária no mundo.
O risco de destruição final nos causa
especial tristeza aos que, desde todas as partes do globo, solicitamos a sua
preservação e sugerimos a sua conversão num centro para o estudo da memória
histórica. Finalmente a ignorância, a absoluta desídia ou a impotência das
autoridades, uma atitude negligente ou intencionada, e mesmo os ganhos da sua
hipotética venta como sucata podem vencer às súplicas internacionais de manter
essas asas em pé, como um elemento desse patrimônio a valorizar na cultura e na
história são-tomense, mas também evidentemente como um novo objeto de
aproveitamento para essa política diferenciadora da oferta. A sua desaparição
constituiria um novo atentado contra a história e a cultura, mesmo contra a
memória dos mortos em Biafra, um novo ato de total falta de sensibilidade, e de
falta de visão das oportunidades que poderia abrir-se para o desenvolvimento de
um novo recurso na oferta de atrativos propícios para articular uma política
diferenciada de promoção nacional, particularmente dirigida com especial força
ao mercado africano, que é quem realmente poderá converter-se no meio prazo (se
não o está a fazer já agora) na alternativa aos clientes europeus.
Mas os aviões começam agora por
desvanecer-se nas imagens do Google Earth ou no Open Street Map
(talvez a sua imagem, outrora nítida, se confunde agora com as construções que
lhe foram anexadas, ou por uma lona quiçá, a modo de esticado telhado, e o seu
jardim se mimetiza com uma zona de armazenamento de viaturas, similar à que
pode ter uma zona industrial), como advertira Volker Schreiner aos membros do
projeto “Constellation Survivors Web” [4]. Tal desvanecimento, ainda
que virtual, acendeu todas as alarmas.
De fato, a perda desse patrimônio também
seria um grave atentado contra a economia nacional: sabe alguém verdadeiramente
qual é o seu valor, não apenas em termos monetários (que vai perdendo ano após
ano com o abandono e o vandalismo ao que estão submetidos), senão em
incomensurabilidade de serem elementos físicos de uma cultura e da paisagem e,
por tanto, atrativos diferenciais de um país? Que outro país do mundo tem esse
patrimônio e o dilapida dessa maneira? Que governantes se desentendem de manter
as heranças da história? Talvez talibãs ou membros do DAESH derribando Budas ou
dinamitando complexos arqueológicos inteiros? Os efeitos são os mesmos.
Ninguém reparou na opção de criar lá, nos
Aviões, um espaço de exposição e atividades a dar especial singularidade ao
complexo do aeroporto, aproveitando a possível integração desses restos para
projetar uma imagem bem internacional da cidade e do país, ao tempo que se
recuperavam os vestígios da ponte aérea, e se provocava, além da admiração pela
idéia de dar ênfase do apoio à ajuda humanitária, um lugar para o debate aberto
da história contemporânea de África, de ágora para a resolução de conflitos, de
centro de documentação, sala de exposições, etc, de lugar para a difusão da
cultura da paz, da cultura da humanidade por em cima da violência, também para
servir de lugar de convívio, de difusão e merchandising de todo o relativo ao
fato histórico. Mas agora é preciso atuar antes que o fato seja consumado e a
sua perda se adicione à lista dos recursos desperdiçados absurdamente. Onde
estão os pró-homens da cultura e da economia a defender de novo esse
patrimônio, a criticar, a atuar para evitar essa degradação?
Com tudo, o pior de todo isso, dessa
desídia e insensibilidade, dessa falta de visão, inadmissível numa governação
moderna, é que vai in crescendo, e vai criando na gente um
esquecimento pelo que esse povo foi, para que as lembranças dos tempos passados
se desvaneçam sem nenhuma piedade, sem nenhum respeito, materializado na queda
desses edifícios históricos, com a redução a ferrugem de monumentos da história
contemporânea, para que talvez nenhum jovem nem velho possa lembrar-se mais do
que os antigos tiveram que trabalhar ou viver para chegar até este ponto, para
evitar que, em essência, ninguém possa reagir contra um status quo de
alienação mental, que afeta à essência mesma do futuro do povo são-tomense.
Talvez seja que a memória histórica são-tomense nos últimos tempos haja sido
reduzida também a sucata e vendida a custo zero a tratantes de
mediocridade, mestres da destruição ou, pior ainda, a geradores perversos de
ignorância e obscuridade.
Os povos ou os países forjam-se a base de
valorar e manter viva a sua história, de apreender dela, de identificar-se com
todos os seus capítulos, com todos os seus protagonistas, dos que tiveram a sorte
ou a desgraça de vivê-la em primeira pessoa, mesmo dedicando-se em corpo e
alma, para fundir-se nela, sem os quais a história nunca tinha acontecido e
nunca poderiam transmiti-la como herança e aprendizagem, nem menos ainda
perguntar-se se algum dia também poderiam ser eles os protagonistas. E agora
desalmados espíritos indolentes e destrutivos atentam mais do que terroristas
contra essa alma, fazendo-a pedaços.
Vamos ter que gritar bem alto um novo “Nunca mais!”
e que isso se reflita na agenda política, na implementação das políticas
culturais e também nas políticas turísticas, de mãos dadas; também da política
econômica, introduzindo uma revisão urgente do sistema de concessões sobre bens
públicos e um novo protocolo para a gestão inteligente do patrimônio nacional e
um plano para sua recuperação, muito especialmente nas condições estritas para
a sua concessão e nos mecanismos de seguimento e fiscalização efetivos e, no
seu caso, de revogação; condições que devem transmitir-se aos parceiros e mecenas,
aos aliados internacionais, e também às comunidades locais, para que participem
conscientemente e decididamente na recuperação e valorização do patrimônio
são-tomense, pois além da onda de destruição, também se dão boas práticas,
ainda que excepcionais, que, com essa valoração histórica e o respeito pelo
ambiente, repercutem positivamente sobre a criação de postos de trabalho e na
geração de novos negócios e economias de escala, que deixem rendas no país, e
também na regeneração de lugares de residência; práticas que é preciso
reconhecer, salientar, promover e facilitar.
Notas
Honrosas exceções como os projetos, em São Tomé, na
roça São João, na roça Micondô ou na roça Monte-Forte, ou no seu momento a roça
Bombaim ou a aproveitamento do Hospital de Diogo Vaz como escola e centro de
formação. No Príncipe, a roça Ponta do Sol, a roça Belo-Monte, e mais
recentemente a recuperação da administração de Sundi como hotel. Também é de
mencionar que em 2014 o governo de Gabriel Costa também se postulou e anunciou
atuações em pró da manutenção do patrimônio, mas em essência pouco ou nada se
materializou por parte da iniciativa pública.
A Ordem dos Advogados, em setembro de 2017, ante a
incapacidade de disponibilizar recursos para a reabilitação do edifício da
administração de Amparo II, o devolveu à Direção do Patrimônio. Já nessa altura
o edifício tinha a ameaça de ruína, à vista da total desproteção da casa do
freqüente vandalismo e roubo de materiais. Ver os artigos já publicados em
Tela-Nón.
A consultar sobre esse tema os artigos da série Biafra
e a ponte aérea de São Tomé, recolhidos na web da Associação Caué, Amigos
de São Tomé e Príncipe em Barcelona:
Antecedentes na web de Constellation Survivors
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