Oh Deus!...Onde Irei à Deriva Numa Noite assim?...
Fixando de olhar triste o imenso teto escondido e sombrio!
Discorrendo absorto no fulgor de algum vago ou ténue brilho…
Em busca de um qualquer cintilar longínquo, das eternas estrelas
Donde não vislumbro sinal de luz – Oh grande desilusão a minha!
Estão mudas!... Escuridão e silêncio absoluto! Nenhum sinal de vida.!
Avança em turbilhões de fumo e vertigem o tumulto da vaga!
Só as escuríssimas ondas, e, atrás delas, outras ondas mais ainda!
Ao mesmo tempo que nos ares se enrola e desvanece a baça névoa!
Erguem-se e perpassam à minha volta, fugazes rolos de inúmeros trapos!
Que se fundem e refundem, num duelo incessante, desvairado torvelinho!
Enquanto meus olhos, mergulhados de afronta, pasmo, medo e mistério,
Me provocam mil interrogações! - Se alucinam de díspares e mil perguntas!
Varrem e escrutinam, todos os confins do convulsivo e misterioso oceano!
Perdidos na superfície da ondulante massa escura, imensa sepultura aberta!
Sim, a sós, comigo e com a minha intimidade, aqui vogo, voz emudecida
Flutuando à deriva e à solta, acima e abaixo de alterosos montes e sulcos
De negras e altas montanhas líquidas, que, vão cavalgando ao meu encontro,
Ora se erguem, abruptamente, ora parece que nelas me envolvo e afundo.
Porém, sempre de fronte pura e aberta à negra imensidão do infinito!
Às sucessivas rabanadas do agreste uivo do vento, aos seus golpes duros!
Arrastado pela sua fugidia e perturbadora fúria, que ecoa espaço a fora!
Vogando em mar deserto, de mil remoinhos, de fervente espuma escura!
Imerso nas vestes da imensa solidão noturna, perdido e esquecido
De todo mundo e, porventura, até dos escuros e turvados Céus.
E certamente que também da misericórdia ou piedade de Deus .
Oh, apetecia-me imaginar!...em vez de ser este pobre ser humano, desprezado!
Em vez de vogar angustiado por ameaças de todos os lados, sem rumo e destino,
Sentir que podia erguer-me e, num único suspiro, levantar os braços e caminhar!
Tal qual Jesus Cristo o fazia – diz a bíblia - sobre a superfície das águas do Rio Jordão.
Tal qual Jesus Cristo o fazia – diz a bíblia - sobre a superfície das águas do Rio Jordão.
Sim, gostaria de levitar como Ele, largar esta exígua prisão em que estou confinado
E começar a correr por esta negridão a fora, levado pelo sopro do vento, sem tino
Mesmo que jamais pudesse alcançasse um porto de abrigo ou as margens do infinito…
Nenhum sinal de vida. Ninguém. Vivalma – Só as escuras vagas
E atrás das vagas, outras e outras ainda! Alterosos vultos
Que não cessam de se erguer e levantar, vindos não sei donde!
Sonâmbulo abandono o meu!... Errante e estranha vida a minha!
Para onde serei levado neste miserável esquife, em noite assim?!...
Para onde me arrastará a minha canoa nesta louca e incerta deriva?!...
Fantasmagórico e vertiginoso carrossel, que o vento leva à sua frente,
Bramindo e uivante, soando na mesma sinfonia das invisíveis correntes,
Dos vultos sombrios das medonhas e alterosas vagas, que tumultuam
Em torno de mim, vindas de todos os cantos do enegrecido horizonte,
Sem todavia saber para onde vão, sem lhe distinguir direção alguma.
Oh, escura é a noite, e também escuros são os caminhos à minha volta!
Múltiplos e ínvios os caminhos que se abrem para onde quer que me volte!
E, por certo, também escuros os meus passos que me conduzirão a Deus…
Sim, vou indo, indo arrastado, com um medo que ainda não sei vencer.
Mas cá vou indo, porque, enquanto vou vogando assim, é sinal que vivo.
Indo, sim, com o soar do mar, com o mar que soa, com o mar que brame,
Com o mar que voa! À flor do mar! – Qual cavaleiro errante, sentado
No fundo de tosco e frágil madeiro, sonhando acordado, errando
À superfície deste escuríssimo e ondulante manto, vasto mar!
Porque, enquanto for vogando acordado, vivo e vou sonhando.
Jorge Trabulo Marques
Jorge Trabulo Marques
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