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sábado, 28 de setembro de 2019

QUEM SOMOS NÓS?" - Questiona o escritor santomense, Albertino Bragança - Respondemos-lhe, dando-lhe o belo exemplo de labor, criatividade e sucesso do torneiro inventivo, Manuel Vera Cruz - O filho da terra que subiu a corda a pulso e gere uma das oficinas de artes e ofícios, em mecânica polivalente, das mais populares e bem sucedidas nas Ilhas Verdes do Equador


Jorge Trabulo Marques - Jornalista e investigador 

Albertino Bragança - Jornal Téla Nón 
QUEM SOMOS NÓS?”- Pergunta o escritor Albertino Bragança, num interessante artigo de opinião, publicado no Jornal Téla Nón – Pois, antes de tomarmos a liberdade de transcrever alguns ecertos, aqui  oferecemos ao leitor, um caso exemplar de quem tem enfrentado as voltas e adversidades da vida,  de forma laboriosa e  bem sucedida, cioso do seu passado

O santomense, Manuel Vera Cruz, mais conhecido por Manuel Torneador,  é, de facto, um fantástico exemplo de espírito inventivo, criador e laborioso, mas também de generosidade e de simplicidade:  torneiro de profissão mas também o administrador da sua oficina, autêntica escola de artes e de ofícios, que, desde há vários anos, têm  proporcionado, não só gerando empregos locais,  como, também, permitindo  a aprendizagem a muitos dos seus conterrâneos, os quais, graças à excelente experiência, ali adquirida, puderam   encontrar trabalho, muito apreciado e reconhecido, nos vários países por onde emigraram se estabeleceram ou empregaram.  

Tive o prazer de conhecer a sua oficina, em Maio passado e de com ele trocar um amistoso e franco diálogo, na companhia do cineasta Pedro Paiva, e até de recordarmos experiências, as minhas, de navegador solitário nos mares e, as dele, nas andanças da sua vida, tendo ficado encantado com as suas revelações: sem dúvida, de um admirável artífice e inventor!

De um genuíno santomense,  humilde mas que bem pode orgulhar-se da sua identidade,  que,   cedo despertou para o gosto das artes:  em criança, com os pedaços  de madeira e de troncos das árvores, com os quais aprendeu a construir os seus brinquedos, e, até com os filmes que pôde ver, que, segundo me confessou, lhe despertaram a imaginação e o gosto inventivo e curioso: desde objetos voadores  ao próprio elevador da sua oficina,

Quem procure os seus ofícios, na cidade de S. Tomé, seja para resolver problemas de motos, de automóveis  ou de outras viaturas e qualquer outro problema elétrico  ou mecânico, saberá, naturalmente, que, o Manuel Torneador, com os seus técnicos e   - auxiliares  que ali vão estagiar  - encontrará, prontamente,  a solução adequada

 QUEM SOMOS NÓS?”-  Do Jornal Téla Nón  


 É uma questão que toca sempre na alma de muitos são-tomenses. A perda dos valores identitários, faz ecoar constantemente esta pergunta na mente dos cidadãos. Num artigo sustentado por factos históricos devidamente comprovados, o escritor Albertino Bragança, convida os são-tomenses a se redescobrirem, ou a se encontrarem consigo mesmos. A estratificação social de São Tomé e Príncipe, no fundo, o nascimento da nação são-tomense, domina a primeira parte do “Quem somos nós”.
I PARTE
Após quarenta e quatro anos de independência nacional, S. Tomé e Príncipe debate-se com alguns problemas estruturais de reconhecida gravidade, que vêm retirando aos santomenses a possibilidade de uma vida à altura das suas aspirações à data histórica de 12 de Julho de 1975.
Delinearam-se projectos, arquitectaram-se planos, proliferaram os estudos de diagnóstico e os programas de governo, empenhou-se a classe política na procura das soluções mais susceptíveis de evitar o fosso em que o país se ia progressivamente afundando, sem que de tal esforço se tenha chegado a resultados palpáveis.
Por tudo isso, uma pergunta se impõe: será que tal insucesso se deve apenas à escassez de recursos com que o país tradicionalmente se confronta ou existe algo mais a perturbar a via do desenvolvimento sustentado do nosso país, que é, ao fim e ao cabo, o que todos almejamos?
Não será que, face aos condicionalismos atrás citados, se torna premente abordar as questões de fundo que se colocam à nossa identidade enquanto comunidade específica inserida no mundo, de modo a viabilizar o nosso percurso colectivo pelos caminhos do futuro?

Albertino Bragança - Jornal Téla Nón 
Por isso me abalancei a escrever o presente texto, de modo a com ele contribuir para uma melhor elucidação dos santomenses sobre as suas origens e os factores que conformam a sua identidade, não na perspectiva de nos atermos passivamente aos mesmos, antes para, conhecendo-nos a nós mesmos, podermos lobrigar os verdadeiros caminhos conducentes ao consenso indispensável ao nosso desenvolvimento.
Trata-se, pois, de partilhar convosco algumas ideias com que convivo há algum tempo, embora vos coloque já de sobreaviso para o facto de esta exposição não passar de particulares considerações sobre tema tão aliciante e complexo.
Feito o alerta, tentemos responder à questão central que aqui nos traz: Quem somos nós?
A resposta é imediata: somos santomenses, africanos, fruto de um processo de caldeamento de culturas que se encontraram no contexto de um longo processo de colonização que, tendo embora posto em confronto gentes e civilizações provenientes da Europa e da África, uniu as vivências de senhores e escravos e deu azo a um povo com características bem específicas.
A esse propósito, permitam-me uma longa mas necessária citação do geógrafo, poeta, sociólogo e professor, Francisco José Tenreiro, o qual considera que “a situação privilegiada da ilha, primeiro na rota da Índia e, mais tarde, entreposto entre a costa ocidental de África e a América do Sul, facilitou contactos de raças, de culturas e de produtos. Foi, na realidade, desde o final do século XV, uma das grandes encruzilhadas do Mar-Oceano onde se encontraram homens, negros e brancos, de diferentes proveniências e com estilos de vida diferenciados, e se misturaram plantas do Mediterrâneo, de África, da Ásia quente e chuvosa e da América do Sul”.
Diz ainda Francisco Tenreiro que “foi a ilha campo de ensaio de culturas, no sentido mais amplo que a esta palavra se pode atribuir. Além de portugueses da Metrópole, que traziam consigo as formas de um estilo de vida desenvolvido no mundo mediterrâneo, também madeirenses, com a sua experiência do fabrico do açúcar e de ocupação de terras virgens, e estrangeiros, como Genoveses e Franceses, técnicos também do açúcar ou mercadores. Ali arribam ainda, embora em contactos frustes, os Holandeses no decorrer do século XVII. Da costa africana, elementos negros, introduzidos como escravos, e que, dada a enorme latitude que o resgate teve para as populações de São Tomé, constituíam os mais variados tipos raciais: Sudaneses e Guineenses primeiro, Bantos ou Sul-Africanos mais tarde. …. Mais tarde ainda, na segunda metade do século XVIII, também os contactos com as gentes do Brasil: brancos, negros e crioulos que retornam ao golfo da Guiné ou para comerciar ou mesmo para se estabelecerem no reino do Dahomé.” (1) Sem esquecer as 2.000 crianças judias que acompanharam em 1493 o terceiro mandatário, Álvaro de Caminha, um número considerável das quais soçobrou à rudeza da viagem.
Pela sua posição estratégica, São Tomé é ponto de passagem obrigatória dos navios brasileiros, em especial da Baía, que traficavam na Costa da Mina, já que, por determinação de el-rei, “daqui em diante não vai nenhum a ella sem que primeiro tomem a ilha de Santo Tomé, assim na ida como na vinda depois de terem negociado na mesma Costa, para que nela se averigue o que levaram e o que trouxeram, e … se regulem por este exame os direitos que hão de pagar”.(2)
Isto depois de parte da população de São Tomé a ter abandonado ao tempo da decadência do açúcar e por sua vez se ter baldeado para o nordeste brasileiro.
Somos igualmente descendentes dos escravos mulatos e negros alforriados pelo foral de 1515 e seguintes e pelos escravos que foram sendo sucessivamente libertos pelos seus senhores e pela administração, o último grupo dos quais ocorreu em 8 de Novembro de 1875, na sequência das sucessivas reivindicações reclamando a abolição imediata e efectiva da escravatura, anteriormente já abolida por Decreto de 25 de Fevereiro de 1869.
Contrariando a forma dicotómica como as teses colonialistas costumam abordar o processo de povoamento das ilhas, referindo-se ao confronto Europeus livres/Negros escravos, a historiadora portuguesa Isabel Castro Henriques, com base nos textos portugueses dos séculos XV e XVI, afirma que “ na fase inicial da colonização de São Tomé, que decorre grosso modo até ao início do segundo quartel do século XVI, verifica-se a coexistência de uma maioria de Europeus livres com uma fracção minoritária de Africanos livres, de uma grande inteligência e ricos, mas nem por isso menos activos e participativos no processo em curso”. (3)
Todos eles deram o seu contributo na formação do que somos hoje, devendo dizer-se, como o faz o reputado historiador santomense Carlos Neves, que “ dos povos transferidos, das culturas transportadas, das línguas postas em convívio, originaram-se importantes sínteses, que deram lugar a um outro povo”.(4)
Estamos, pois, perante uma sociedade profundamente heterogénea, constituída por povos das mais diversas proveniências e origens e, por isso marcada, desde as suas origens, por duas grandes características: a diversidade e a conflitualidade, que fizeram sempre do arquipélago um verdadeiro caldeirão de instabilidade política e social.
Do ponto de vista da diversidade, vejamos como se estruturavam no século XVI, de forma vincadamente hierarquizada, os grupos sociais então prevalecentes: primeiro, o pequeno núcleo dos europeus, compreendendo por volta de 1% da população, que, chegados a S. Tomé a partir dos finais do séc. XV e constituído, na sua maioria, por degradados mandados à força pela justiça, ocupavam “ o nível hierárquico mais elevado do poder civil, eclesiástico e militar, o que lhes conferia o controlo do aparelho político e administrativo e, consequentemente, do sistema económico. De referir que, a maior parte das vezes, era a capacidade económica que permitia a ascensão a cargos importantes, principalmente na estrutura militar ou no senado da câmara”.(5)
Em seguida, a elite dos moradores livres da cidade, os moladôs poçon, ou filhos da terra constituída pelos mestiços, de grande poder económico e sempre em disputa pelo poder político, sobretudo na nomeação para juízes da Câmara (como aconteceu, por exemplo, em 1553, aquando do movimento de Yanus Gato, mais conhecido por Yon Gato), cuja importância social atingiria no século XVIII hegemonia quase plena, e pelos funcionários e proprietários negros, uma parte dos quais também senhores de terras e de escravos.
Nas ilhas viviam também os negros forros, escravos libertos, que odiando o trabalho agrícola que foi sempre o seu e em condições absolutamente degradantes e de exploração, debandam para a cidade, em busca de um emprego que não existe.
Apesar da apreciação negativa dos europeus a respeito dos elementos desse grupo social, a quem chamavam daninhos e preguiçosos, eles trabalhavam no porto, cuidavam dos escravos em trânsito ou iam negociar ao outro lado da costa, entregavam-se ao comércio de ocasião ou procuravam desesperadamente uma vaga no pequeno funcionalismo público…
O arquipélago é ainda espaço de residência dos escravos domésticos, que constituíam a grande maioria da população. Na prática, todas as famílias de moradores os possuíam, pois, para além do trabalho gratuito que proporcionavam, eram testemunhos de poder e alvo da exploração e ostentação mais descarada por parte dos seus donos. Recorde-se, a esse respeito, que algumas senhoras dos moradores (mestiças e negras) se deslocavam às compras em carrinhos de mão carregados por escravas, seguidos por um cortejo de trinta ou mais destas…  Excerto de https://www.telanon.info/cultura/2019/09/27/30043/quem-somos-nos/
Albertino Bragança 

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