Jorge Trabulo Marques - Jornalista - - Um homem humilde e de uma elevada cultura e grandeza espiritual - Autor de uma vasta obra - Tive o prazer de o conhecer em S. Tomé, na década de 60, e, mais tarde, em Lisboa, por duas ocasiões - Uma das quais, há seis anos, na 2ª Feira do Livro de STP - Apresentada no Instituto Português de Desporto e Juventude, organizada pela Mén Non Associação das Mulheres de STP - Tendo-o fotografado e lhe pedido um autógrafo num dos seus livros.
Faleceu no
passado dia 15 de Abril, no Hospital Curry Cabral, em Lisboa, aos 86 anos, o
padre Horácio Sacramento Neto que foi coadjutor da Paróquia de Santa Maria de
Belém durante quase 30 anos. Será celebrada Missa do 7º dia, no próximo
Domingo 21/4, às 12h00, na Igreja dos Jerónimos.
O sacerdote nasceu
a 22 de junho de 1932, em São Tomé e Príncipe. Foi ordenado presbítero, naquela
diocese, por D. Manuel Nunes Gabriel, Bispo de São Tomé e Príncipe, no dia 17
de agosto de 1958. Entre 1964 e 1974, foi missionário no Brasil. Depois, entre
1975 e 1980, o padre Horácio Sacramento Neto foi vigário geral da Diocese de
São Tomé e Príncipe. Já em Portugal, o sacerdote foi colaborador da Paróquia da
Amadora, entre 1980 e 1988, e coadjutor da Paróquia de Santa Maria de Belém,
entre 1988 e 2016.
O Bispo de São Tomé e Príncipe, D. Manuel
António, lamentou a morte do padre
Horário Sacramento Neto, antigo vigário-geral da Diocese de
São Tomé e Príncipe tendo-lhe dedicado a “missa crismal” da semana santa Segundo foi noticiado pela Agência STP-Press
Referindo
que “O padre são-tomense, Sacramento Neto que foi vigário-geral da Diocese de
São Tomé e Príncipe, faleceu segunda-feira em Portugal aos 86 anos de idade, e
que o corpo foi a enterrar depois da missa exequial na Igreja dos Jerónimos.
Além da
vida sacerdotal, Padre Sacramento Neto, se destacou no campo da literatura,
sobretudo, através da sua obra literária intitulada Milongo que foi
transformada em novela por cadeia de televisão portuguesa e depois espalhada
pelo mundo.
Em declarações a imprensa, o Bispo da Diocese de São Tomé e Príncipe, D. Manuel
António lamentou a morte do padre Sacramento Neto, tendo sublinhado que “
iremos recordá-lo na missa crismal” no quadro da semana santa que termina no
domingo da Pascoa.
“
Iremos recordá-lo para que ele junto de Deus continue a orar por esta Igreja e
continue em comunhão com este ministério” acrescentou o Dispo da Diocese
São-Tomense.
Relativamente
as relações com o Padre Sacramento Neto, o Bispo D. Manuel António sublinhou
que “ entrei em contacto com ele quando da minha escolha para Bispo de São Tomé
e Príncipe e ele mandou-me uma carta de felicitações e esteve presente na minha
ordenação”. Horácio Sacramento Neto nasceu a 22 de junho de 1932, em São Tomé e
Príncipe; foi ordenado presbítero, por esta diocese, a 17 de agosto de 1958. http://www.stp-press.st/2019/04/16/bispo-lamenta-morte-do-padre-sacramento-neto-e-vai-recorda-lo-na-missa-crismal/
Autor de várias obras – Entre
outras Emma / Sipaio chefe Vovó Marquinha
Remissão / A rainha - João menino A diva - O mediatário - A noiva A passionária Camarada Paulino Alma gémea – Vale Carmo
Uma das quais serviu de argumento a uma
série de quatro episódios, de 50 minutos cada um, rodada em São Tomé e Príncipe
e baseada no romance do padre e escritor daquele país africano Sacramento
Netto.
Milongo quer dizer "feitiço". Um milongueiro é um curandeiro. A
história é a de Paulo, um português branco, recém-casado, que vai trabalhar
para uma roça, em busca de fortuna fácil e de um regresso rápido e próspero ao
Alentejo e à sua ambiciosa mas frágil esposa, Belinha. Só que ali ele encontra
a mulata Nencha, que, ajudada pelo curandeiro Caúma, o conquista e dele tem um
filho, e só muito mais tarde descobre que ele é casado. A linha central da
história é a de um amor entre um branco e uma mulata, mas abrange várias áreas
do quotidiano da vida em S. Tomé nos anos cinquenta, focando nomeadamente
problemas de relacionamento de trabalhadores com os administradores das roças
de cacau.
Um dos autores desta ideia, uma produção
conjunta da RTP/RTPInternacioanl e TVS (Televisão de São Tomé e Príncipe) é
Eduardo Gomes (RTPi), um dos coordenadores, com Filipe Gomes(TVS). A adaptação
televisiva é de Jaime Camargo.
Milongo obteve uma Menção Honrosa na X Mostra Atlântica dos Açores, em 1994. http://www.rtp.pt/programa/tv/p7457
Milongo obteve uma Menção Honrosa na X Mostra Atlântica dos Açores, em 1994. http://www.rtp.pt/programa/tv/p7457
PENETA
- Livro de Ficção Africana de autoria de Sacramento Neto
DEDICATÓRIA
Dedico este meu trabalho literário à
memória do nosso saudoso pai Alberto Neto, tendo em coma a tua acertada
sugestão: '" .. Se me permites, sugiro que dediques o teu próximo livro à
memória do pai. Embora em vida tivesse defeitos, as virtudes superaram. Deixou,
este mundo sendo amigo de toda a gente; nunca fora acusado de caloteiro,
beberrão, fraudulento ou trapaceiro. Conheci-o homem humilde, trabalhador
honesto, amigo até dos próprios inimigos ... »
A floresta movia-se em convulsão, açoitada
pelo vento rijo que soprava vindo das bandas da vila da Trindade. Suspenso no
topo de uma palmeira, sun Telvino trabalhava como vinhateiro, Elegera a
profissão e preferia-a a qualquer outra. O sol que ainda brilhava no entardecer
tropical, tingia-lhe a epiderme em doirado de âmbar. O negro desbotado da sua
pele e os olhos mongólicos, conjugados com os lábios cafres, acusavam
cruzamento de raças de remotos ancestrais. Não tivesse sido a ilha de S. Tomé,
nos primórdios da colonização portuguesa, interposto comercia] e mercado de
escravos ...
A palmeira oscilava ao impulso do vento
forte, como cavalo que tentasse derrubar o cavaleiro, mas sun Telvino
firmemente encavalitado no seu tronco, preso por cordas consistentes, não temia
cair; persistia em perfurar a substância vulnerável a fim de extrair ali o efervescente e gostoso vinho de
palma. Pelo orifício que abrira no topo do tronco, escorreria durante a noite a seiva generosa, o chamado
vinho de palma. Escorreria até encher a cabaça bojuda que lhe pendia da
cintura.
Afixou bem no lugar próprio a cabaça, o
bico encostado ao orifício, antes de iniciar a descida. Era no alto das
palmeiras que ele se sentia bem, dominando a Floresta, o mundo encantado, ora
em convulsão quando o vento soprava rijo, ora misteriosa· mente silencioso, nas
horas de calmaria. Já no chão, recolheu as cordas com que fazia a escalada das
palmeiras, e depois de as ter enrolado em arco, colocou-as a tiracolo.
Atravessou o mato sem se apressar, sentindo com agrado o cheiro intenso da erva
fresca misturado com o pólen das flores silvestres espelhado no ar pelo vento
impetuoso.
Alcançou finalmente o carreiro que tinha
de um lado uma vedação de pau-amargoso que protegia a fazenda que fora do seu
pai e que passara, por trapaça, pura
propriedade de colono. Pouco depois aproximava-se da casa do vizinho e ouvia a
voz aguda orla afilhada que se tinha
criado em sua casa. Ao ouvi-la, lamentou consigo, mais uma vez, o conflito causado
por ela que dera em corte de relações entre as duas famílias, a qual durava até
àquela data.
Mais à frente abanavam as largas folhas as
bananeiras que circundavam a sua própria moradia. Idé demorara-se na vila ou
teria já regressado a casa? - interrogou-se. Idé era a sua mulher, a que lhe
satisfazia por completo a alma apesar da sua esterilidade, desde a venturosa
noite de socopé em que se conheceram, já distante no tempo.
Ao entrar pela cancela de paus
desmantelados que dava acesso ao quintal da sua moradia, pequena matilha de
cães famélicos acorreu a saudá-lo açoitando-lhe as pernas com as caudas, numa
incontida alegria muda. Bastou um
relancear de olhos para se aperceber que a companheira já tinha regressado a
casa. Notou seus movimentos na pequena cozinha, o anexo térreo de paredes de
ondula. A casa em que morava o casal era de madeira de pau-caixão, e coberta
com folhas de ferro zincado. Assente sobre estacas como a generalidade das
habitações rústicas da ilha, possuía na fachada um varandim, que descia para o
largo quintal por uma curta escada. Passava rente à casinha quando ouviu a voz
bem timbrada de ldé:
-Telvino ê! - chamou. - Mana manda você cumprimento
- Que mana? - quis o homem saber
- Mãe de Angelina – Idé apontou Angelina - sua sobrinha, mocinha u desabrochar,
enquanto fitava Telvino com rosto rnclia111e, iluminado por uma excelente
noticia que trazia da vila. Deu a notícia: - Encontrei mana na feira. ,\Jana
vai baptizar filho dela t' escolheu nós para padrinhos!
Depois de ter dado a inesperada notícia,
ldé riu de pura satisfação.
- Nós, padrinhos?! - reagiu sun Telvino,
forte· mente sensibilizado. - Nós não temos dinheiro para ser padrinhos de
filho de gente.
-Não faz mal! - acudiu Angelina a
encorajar. Angelina morava com o casal ocupando o lugar ela afilhada filha do
vizinho que tinha voltado para a casa dos pais depois da demanda havida. -Tenho
muito gosto - concluiu sun Telvino já de acordo com a escolha. - E você? -
perguntou i1 amiga.
Angelina baixou os olhos doces, lisonjeada
com as palavras da tia.
- Eu não tenho dinheiro para fazer festa,
hem!
- preveniu o vinhateiro.
-Não é preciso fazer festa - tranquilizou
a sobrinha.
- Não fazemos festa mas temos que comprar uma roupinha linda para oferecer ao nosso novo
afilhado - propôs a tia.
-E para mim? Eu não tenho roupa ... -queixou-se
Angelina.
O vinhateiro entrou na acanhada cozinha de
pavimento de terra batida e instalou-se num mocho de pernas desiguais que o fez
balançar. As duas mulheres sentavam-se
num tosco banco colocado ao longo da parede construída com nervuras de andala.
Assim instalados. continuaram a conversar sobre o baptismo de mais um filho ele
san: Má Plentá, mais um da sua numerosa prole.
- Você não tem roupa, pequena? - averiguou
Telvino
- Eu não - confirmou Angelina.
- 'É verdade. Angelina tem pouca roupa -
concordou ldé. - Compramos roupa nova para o nosso afilhado e também para
Angelina.
ldé trabalhava tanto, ou mais ainda que
Telvino.
Era ela quem vendia diariamente o vinho
que ele extraía em casa, na vila e às vezes na cidade, quando tinha compras extraordinárias
a fazer ali, Fazia então de palaiê no movimentado mercado da capital. Por esta
razão, Telvino raramente se opunha aos gastos da companheira reco11l1ecendo
nela o seu braço direito.
- Está bem - aquiesceu. - Angelina é nossa
sobriinha e nós ainda não lhe demos nada.
A menina mostrou a sua imensa alegria
fitando com vivacidade ora a tia ora o tio enquanto sorria tomo criança. Houve
uma pausa em que observaram em silêncio a panela de alumínio que fervendo no
fogão rudimentar levantava a tampa leve e vertia em cachão a água que cozia
peixe seco. Idé quebrou n silêncio:
- Amanhã vou vender vinho na cidade.
Compro lá as roupas.
- Eu também quero ir - pediu Angelina.
- Você também vai - concedeu Idé.
- Vocês vão. Na vila, roupa é mais cara e
às vezes não há a que gente quer - advertiu Telvino.
Enquanto conversavam, lufadas de vento
forte entravam pela poria e escoavam-se pelo postigo do recinto pobre. Lá fora,
o sol já morria aos poucos. •\ feliz família ignorava naquela altura as
perturbações que abalariam o seu pacato viver a partir daquele inesperado
baptismo ...
DE SEGUIDA OUTRO PASSO DO MESMO LIVRO – Extraído do
capitulo 13
A opressão da população
negra, iniciada nos meados do século
anterior com a introdução da cultura do café e do cacau, não deixara de
crescer ao longo de dois anos . As
terras de cultivo foram paulatinamente e
por processos ardilosos expropriadas aos naturais que as possuíam
Consolidou-se, assim, a marginalização
dos antigos senhores da ilha, descendentes de cruzamentos entre branco e suas escravas negras .. Houve empenho cm
serem reduzidos a servos das poderosas empresas agrícola' sob posse de
colonos brancos, não obstante a
resistência de elemento como Telvino que se esforçavam por recuperar a todo o
custo a fidalguia perdida. Deu-se então o grande conflito entre o governador da
colónia e a população autoctone, o qual coincidiu com a estadia de
Celestino no seminário de Luanda, para
onde tinha vide encaminhado pelos Padres da Missão.
O Governador da colónia apostara em
afirmar a supremacia da população branca sobre a crioula, que, segundo o projecto,
seria posta ao nível dos contratados vindos de Angola formando com eles uma única
classe, a dos servos ou serviçais. Com tal fim, decretou leis restritivas de toda a ordem, entre as quais contava-se que proibia, sob cominação de penas severas a
extracção do vinho de palma. Eram considerados por lei vadios, indivíduos que
teimavam em viver por conta própria e
não como empregado ou servo de colono branco, e como tal, arriscavam-se a ser
presos e enviados a trabalhos forçados. Empregos comuns como o de caixeiro de casa
comercia, passavam a ser procurados por
europeus desempregado- que fugiam à vida rude das fazendas .Usavam as artimanhas
várias para os ocupar.
Vitilo foi uma das vitimas dessas artimanhas, de seguinte maneira: Ele e o colega branco eram
bons amigos. Pararam, naquela tarde, a observar com cobiça incontida as malas de
peixe seco acabadas de desembarcar e amontoadas
no armazém em rumas.
- Vieram de Angola, de Moçâmedes -
informou co colega branco, meio sumido
na penumbra do armazém, onde se
respirava um ar pesado e desagradável.
- Fazia-me muito jeito...
- reagiu Vítilo com sorriso matreiro, entendendo a oferta desonesta. -t
aproveitar. O patrão não estará ... – avançou o diabo tentador.
- 0 patrão não estará?-
inquiriu Vítilo interessado no assunto.
- Não. Irá inspeccíonar a
sua roça. Tem aqui peixe seco para todo o ano. Um ou dois sacos a menos não lhe
fará diferença.
Vítilo rasgou de novo o
sorriso matreiro inclinado a morder o anzol como o tinham feito os peixes dissecados
que ali estavam. Na época, peixe seco era produto de primeiríssima necessidade,
o acompanhante indispensável dum prato de banana ou de fruta-pão
-Tenho medo - encolheu-se
Vílilo.
-0 patrão não chegará a
saber. Eu também vou levar um saco - encorajou o ladino colega. -Agora?
- Agora não. Ainda hã
muita gente na rua ...
Deixo a porta do fundo
sem trancar e volto mais tarde.
- Eu também volto.
E voltou, ló. pelas dez
da noite. Não resistira à tentação avassaladora. Veio na calada da noite em passos
de lã, pelas ruas desertas. Os lampiões eléctricos, colocados a longos
intervalos, iluminavam debilmente com luz mortiça as artérias estreitas da
pequena cidade. Enquanto caminhava solitário, ainda pensou: Devia ter combinado
com o colega amigo a hora do furto, que assim seria em comum, de modo mais
seguro. Antes de entrar no armazém, por cautela de última hora, contemplou com
vagar o corpo do edifício. Havia em todo ele quietação total, nenhum sinal de
viva alma, a indicar que o sr. Amaral tinha ido efectivamente inspeccionar a
sua roça.
Respirou com dificuldade
o ar característico de interior de armazém, a mistura do cheiro dos produtos
armazenados. As malas de peixe seco, em farta importação, amontoavam-se
ordenadamente ao longo
da parede. Quando
estendeu os braços para se apoderar de uma das malas, um intenso foco de
lanterna
de pilha incidiu com
força sobre o seu rosto. O sr. Amaral em pessoa empunhava a lanterna
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