Associo-me à sua dor com alguns dos meus versos
escritos após o meu regresso do longo e duro pesadelo dos 38 dias â deriva no
Golfo da Guiné, além das tormentosas travessias de S. Tomé à Ilha do Príncipe e
à Nigéria
Anfitrite, nome da deusa do mar calmo, que só trouxe angústia e dor nos corações do Povo de São Tomé e Príncipe : 8 mortos confirmados e 10 desaparecidos
Não há episódio mais dramático,
que o protagonizado por náufrago. É
tema, de ontem, de hoje e de sempre. Seja qual for o oceano, há em todas as
águas, em todos os mares, vidas tragadas pela violência das vagas ou que
sucumbem, vítimas da incerteza ou do desespero, do um atroz sofrimento da fome
e da sede.
Só quem passou por essa
terrível situação, sabe avaliar quão angustiosos são esses dias e noites de
abandono e incerteza – Especialmente a
bordo de uma frágil canoa – E, de facto, são muito frequentes os
desaparecimentos de pescadores nas canoas, nos mares em torno destas
maravilhosas Ilhas do Equador. De volta e meia, sucedem noticias destes dramas.
Por vezes, com desfecho feliz, porém, mais das vezes, é o pescador que parte ou
pescadores que partem da sua praia e nunca mais voltam
MAR DE TREVAS E MAR DE LÁGRIMAS - Minha Evocação aos NÁUFRAGOS DAS PIROGAS e de todos os tempos – Aos que sobreviveram, como eu
e aos que foram sugados às profundezas
dos abismos, angustiosamente, sofreram o pesadelo
do sufoco das escuras e fundas águas
Eu,
humilde navegante e aventureiro,
em
viagens sob azuis de além mar,
e
em águas erguidas em revolta,
ou
em podres calmarias de inquietar!
Aqui
vos evoco, vos recordo!
Como
quem conhece a ânsia da partida
e,
depois, em noite infinda, em noite morta,
apenas
tem por companhia mar e céu
em
negro mar de véu e tristeza infinda
-
a cruel certeza de quem não volta!
Náufragos!
dos tempos idos e da actualidade!
De
odisseias ignoradas e esquecidas!
Heróis
sem nome, sem pátria e sem fronteiras,
que
do fluxo e refluxo das marés fizestes as vossas veias!...
Viajantes
transitórios do mar passado e do mar actual!
Gente
tisnada e crespada por mil sóis, ventos uivantes,
espumas
fumegantes, lavas tumulares, diluvianas chuvadas
Gente
a quem a imensidade incerta devolveu a inocência perdida
mas
cuja sorte vivida a condenou ao suplício da mais atroz morte!
Gente
limpa de olhos e de alma, de tanto olhar o mar e o céu!
-
Todavia, gente que a ira das tormentas e a audácia da aventura
fizera
com que a fundura do abismo fosse a própria sepultura!.
Irmãos
das trevas! - Almas gémeas da minha alma errante!
Irmãos
do meu espanto e da minha ansiedade! - Aqui vos evoco,
ó
infelizes!, em alteroso mar de fogo e sofrimento, vogando
sobre
o fugidio dorso do pavor, imersos em tumulto forte,
submersos
em densa névoa de silêncio!...
Aqui
me vergo ao vosso turbado pranto, evocando
o
plangente canto de nautas aventureiros,
desconhecidos
heróis, poetas marinheiros,
que,
trinando, a dolente lira,
de
tão triste ventura e negros fadários,
me
trazem à memória,
horrores
de sinistros cenários,
ecos
gritando o infindável rosário
de
mares estranhos, chorando rugidos,
medonhos,
soluçando irados,
gemendo
a dolorida brisa crivada de lamentos,
atiçada
por ventos poderosos, que rasgam,
fulguram
e toldam os ares de terríveis ais,
em
estrondosos uivos de infinita dor e duro desalento,
fazem
girar em torvelinho desvairado as águas,
impelindo
em louca fúria as vagas, que,
desabridamente,
friamente,
vosso corpo vivo,
em
mil batidas arremessaram
loucamente
o sorveram,
e,
para sempre,
para
sempre! o sepultaram...
Sim,
ó deserdados da sorte!
Aqui
vos recordo, com lágrimas de dor e mágoa pura
por
tão absurdo golpe e duro sofrer - por tanta desventura!...
Ao
mesmo tempo que me detenho, a olhar o marmóreo cais
do
vosso embarque, que acabará por ser também o cais
da
vossa despedida,
sim,
olhando, sozinho,
atrás
da margem, o tranquilo estuário da barra,
frente
a baía calma, sobre a qual se dilui o brilho fluído
das
velas e dos navios, que, misteriosamente, por ali se espalham,
sobre
o vaivém das marés,
que,
ao quebrarem-se, suavemente,
ao
desfazerem-se com um tal torpor e de modo tão vago,
mais
parece que sussurram, murmuram secretos diálogos,
de
pesadelos e dramas,
que
açoitam as águas mais varridas do mar
De alma bem
exposta ao grande clamor
que inspira a
fronte do poeta,
convosco partilho
o de todo exposto aos relâmpagos de sangue
que
transfiguram e incendeiam a bruma,
sob a dança das
ruínas que a sombra faz,
por esse vasto mar
de espectros me perco
na húmida poeira
da noite, s vossas vozes,
como se a minha
voz, ainda fosse uma das vossas imensas vozes!
- Sim, e aos meus
ouvidos ainda ecoasse o eco
do meu coração a
palpitar repleto de pesadas sombras,
e, a este mesmo
eco, se juntasse ainda o brado
de todos os vossos
chamamentos nas tenebrosas brumas,
e, pela toldada
retina dos meus olhos, ainda perpassasse
o infatigável
movimento das nervosas ondas, que,
alvoroçadas pelo
ribombar dos trovões,
corriam
endiabradas sob turbilhões negros de nuvens, -
rolando desmaiadas
sob o tumulto da eléctrica abóbada,
donde fendiam
ígneos relâmpagos, vermelhos, azuis e brancos,
ondas que
cavalgavam ferventes,
rugiam lúgubres e
feéricas,
baças de fumos e
de espumas,
querendo cegamente
libertar-se de todas as amarras,
querendo
loucamente quebrar todos os grilhões e correntes,
e vingar-se - ó
ignóbil rebeldia! - das solitárias vidas
que ousaram
enfrentá-las! - Vidas,
que subitamente
viram adiados os seus sonhos,
e, horrivelmente,
condenados os seus destinos!.
Aqui vos recordo -
ó filhos das tumultuosas águas! -,
perscrutando,
ainda hoje, os longínquos astros,
donde vós
esperáveis uma réstia de luz, porém,
a vós, essa luz
nunca chegou!
Sim, perdendo-me,
tal como vós, na infinidade
da vil
imensidade!... - Através dela errando
por altas
montanhas e vales cavados,
perdendo-me, sim,
num imenso vale de trevas,
onde a mesma
solidão que a mim me pareceu
sempre obcecada de
morte,
e a vós, creio
sinceramente,
mais de que vos
ter parecido portadora
de obsessivos
avisos de má sorte,
horrivelmente vos
tragou e matou!
Excertos de um
longo e sofrido poema
- Jorge Trabulo Marques 1976
- Jorge Trabulo Marques 1976
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