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domingo, 28 de abril de 2019

SOLIDÁRIO COM O BOM POVO DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE QUE CHORA O LUTO DOS SEUS AMADOS FILHOS DESAPARECIDOS - Que se interroga, angustiosamente por aqueles que tragicamente morreram, no naufrágio do Navio Anfritit ocorrido na madrugada da passada quarta-feira 25 de Abril, -



Associo-me à sua dor com alguns dos meus versos escritos após o meu regresso do longo e duro pesadelo dos 38 dias â deriva no Golfo da Guiné, além das tormentosas travessias de S. Tomé à Ilha do Príncipe e à Nigéria

 


Anfitrite, nome da deusa do mar calmo, que só trouxe angústia e dor nos corações do Povo de São Tomé e Príncipe : 8 mortos confirmados e  10 desaparecidos


Não há episódio mais dramático, que o protagonizado por  náufrago. É tema, de ontem, de hoje e de sempre. Seja qual for o oceano, há em todas as águas, em todos os mares, vidas tragadas pela violência das vagas ou que sucumbem, vítimas da incerteza ou do desespero, do um atroz sofrimento  da  fome e da sede.

Só quem passou por essa terrível situação, sabe avaliar quão angustiosos são esses dias e noites de abandono e incerteza – Especialmente a  bordo de uma frágil canoa – E, de facto, são muito frequentes os desaparecimentos de pescadores nas canoas, nos mares em torno destas maravilhosas Ilhas do Equador. De volta e meia, sucedem noticias destes dramas. Por vezes, com desfecho feliz, porém, mais das vezes, é o pescador que parte ou pescadores que partem da sua praia e nunca mais voltam


MAR DE TREVAS E MAR DE LÁGRIMAS - Minha Evocação aos NÁUFRAGOS DAS PIROGAS e de todos os tempos – Aos que sobreviveram, como eu
e aos que foram sugados às profundezas
dos abismos, angustiosamente, sofreram o pesadelo
do sufoco das escuras e fundas águas
                 
Eu, humilde navegante e aventureiro,
em viagens sob azuis de além mar,
e em águas erguidas em revolta,
ou em podres calmarias de inquietar!
Aqui vos evoco, vos recordo!
Como quem conhece a ânsia da partida
e, depois, em noite infinda, em noite morta,
apenas tem por companhia mar e céu
em negro mar de véu e tristeza infinda
 - a cruel certeza de quem não volta!



Náufragos! dos tempos idos e da actualidade!
De odisseias ignoradas e esquecidas!
Heróis sem nome, sem pátria e sem fronteiras,
que do fluxo e refluxo das marés fizestes  as vossas veias!...
Viajantes transitórios do mar  passado e do mar actual! 
Gente  tisnada e crespada  por mil sóis, ventos uivantes,
espumas fumegantes, lavas tumulares, diluvianas chuvadas



Gente  a quem a imensidade incerta devolveu a inocência perdida
mas cuja sorte vivida a condenou  ao suplício da mais  atroz  morte!
Gente limpa de olhos e de alma,  de tanto olhar o mar e o céu!
- Todavia, gente que a ira das tormentas e a audácia da aventura
fizera com que a fundura do abismo fosse a  própria sepultura!.




Irmãos das trevas! - Almas gémeas da minha alma errante!
Irmãos do meu espanto e da minha ansiedade! - Aqui vos evoco,
ó infelizes!, em alteroso mar de fogo e  sofrimento, vogando
sobre o fugidio dorso do pavor, imersos em tumulto forte,
submersos em densa névoa de silêncio!...
Aqui me vergo ao vosso turbado pranto, evocando
o plangente canto de nautas aventureiros,
desconhecidos heróis, poetas marinheiros,
que, trinando, a dolente lira,
de tão triste ventura e negros fadários,
me trazem à memória,
horrores de sinistros cenários,
ecos gritando o infindável rosário
de mares estranhos, chorando rugidos,
medonhos, soluçando irados,
gemendo a dolorida brisa crivada de lamentos,
atiçada por ventos poderosos, que rasgam,
fulguram e toldam os ares de terríveis ais,
em estrondosos uivos de infinita dor e duro desalento,
fazem girar em torvelinho desvairado as águas,
impelindo em louca fúria as vagas, que,
desabridamente,
friamente, vosso corpo vivo, 
em mil batidas arremessaram
loucamente o sorveram,
e, para sempre,
para sempre! o sepultaram... 



Sim, ó deserdados da sorte!
Aqui vos recordo, com lágrimas de dor e mágoa pura
por tão absurdo golpe e duro sofrer - por tanta desventura!...
Ao mesmo tempo que me detenho, a olhar o marmóreo cais
do vosso embarque, que acabará por ser também o cais
da vossa despedida,
sim, olhando, sozinho,
atrás da margem, o tranquilo estuário da barra,
frente a baía calma, sobre a qual se dilui o brilho fluído
das velas e dos navios, que, misteriosamente, por ali se espalham,
sobre o vaivém das marés,
que, ao quebrarem-se, suavemente,
ao desfazerem-se com um tal torpor e de modo tão vago,
mais parece que sussurram, murmuram secretos diálogos,
de pesadelos e dramas,
que açoitam as águas mais varridas do mar


De alma bem exposta ao grande clamor
que inspira a fronte do poeta,
convosco partilho o de todo exposto aos relâmpagos de sangue
que  transfiguram e incendeiam a bruma,
sob a dança das ruínas que a sombra faz,
por esse vasto mar de espectros me perco
na húmida poeira da noite, s vossas vozes,
como se a minha voz, ainda fosse uma das vossas imensas vozes!
- Sim, e aos meus ouvidos ainda ecoasse o eco
do meu coração a palpitar repleto de pesadas sombras,
e, a este mesmo eco, se juntasse ainda o brado
de todos os vossos chamamentos nas tenebrosas brumas,
e, pela toldada retina dos meus olhos, ainda perpassasse
o infatigável movimento das nervosas ondas, que,
alvoroçadas pelo ribombar dos trovões, 
corriam endiabradas sob turbilhões negros de nuvens, -
rolando desmaiadas sob o tumulto da eléctrica abóbada,
donde fendiam ígneos relâmpagos, vermelhos, azuis e brancos, 
ondas que cavalgavam ferventes,
rugiam lúgubres e feéricas,
baças de fumos e de espumas,
querendo cegamente libertar-se de todas as amarras,
querendo loucamente quebrar todos os  grilhões e correntes,
e vingar-se - ó ignóbil rebeldia! - das solitárias vidas
que ousaram enfrentá-las!  -   Vidas, 
que subitamente viram adiados os seus sonhos,
e, horrivelmente, condenados os seus destinos!. 


Aqui vos recordo - ó filhos das tumultuosas águas! -,
perscrutando, ainda hoje, os longínquos astros,
donde vós esperáveis uma réstia de luz, porém,
a vós, essa luz nunca chegou! 
Sim, perdendo-me, tal como vós, na infinidade
da  vil imensidade!... -  Através dela errando 
por altas montanhas e vales cavados,
perdendo-me, sim, num imenso vale de trevas,
onde a mesma solidão que a mim me pareceu
sempre obcecada de morte,
e a vós, creio sinceramente,
mais de que vos ter parecido portadora
de obsessivos avisos de má sorte,
horrivelmente vos tragou e matou!

Excertos de um longo  e sofrido poema 
- Jorge Trabulo Marques  1976


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