Jorge Trabulo Marques - Testemunhos
Sede da Administração da Roça Uba-Budo 2014 |
Roça Uba-Budo 2014 |
Uba-Budo 1963 |
Em São Tomé e
Príncipe," nostalgia das plantações coloniais" - Diz o Le Mond Afrique –
Conheci a dureza da
vida nessas plantações: não tenho saudades desse tempo de escravatura mas sinto
pena que não tenha havido ao menos o cuidado da sua preservação. -
Mas também o que se poderia esperar dessa herança, quando, no tempo colonial, os santomenses, nas roças, não iam além de meros capatazes
Mas também o que se poderia esperar dessa herança, quando, no tempo colonial, os santomenses, nas roças, não iam além de meros capatazes
Nas
restantes colónias, o negro ainda tinha a possibilidade de se defender -
Se o patrão o chateasse, tinha para onde ir. Mas, em S. Tomé, cada roça
era um potentado, uma colónia prisional, com hospital e a sua justiça.
Havia muita prepotência - Pormenores da minha experiência, nesses feudos, mais à frente.
São Tomé-et-Principe,
la nostalgie des plantacions coloniales- Titulo de um extenso artigo, publicado em 31 de Maio passado, pelo Le Mond Àfrique
Uba-Budo 2014 |
Uba-Budo 2014 |
Ela fala de uma
era sumptuosa que durou cinquenta anos, do final do século XIX até meados do
século XX. Os trinta e dois das duas ilhas de São Tomé e Príncipe, na época
portuguesa, eram então o coração de uma economia baseada na produção de cacau e
café." - Continua mais à frente
"A ERA SUMPTUOSA" DA ROÇA, QUE EU CONHECI, ERA DURA E AFRONTOSA PARA QUEM NELA VERGAVA A MOLA E SUMPTUOSA OU LUXUOSA PARA OS PROPRIETÁRIOS, REFASTELADOS NOS SEUS PALACETES, EM LISBOA - Claro que os grandes banquetes na "Casa do Patrão", na sede das roças, também não ficariam atrás.
Na tropa - S. Tomé 1966 |
Roça Uba-Budo 1963 |
Na verdade, não guardo da roça, as melhores
recordações senão o facto de ter apenas 18 anos, ser um jovem e da
surpreendente beleza daquela paisagem, que todos os dias se me revelava, pese a
humilhação a que era submetido desde a alvorada até ao escurecer -
Pois não posso esquecer-me de como era difícil e dura a vida na
roça, tanto para os empregados de mato como para os trabalhadores - E foi esta
a categoria que me foi dada, pelo Administrador da Roça Uba-Budo, quando fui para ali estagiar -
O que recordo
do meu primeiro contacto com a Roça Uba-budo, é realmente de muito má memória.
O administrador, que era praticamente um analfabeto, tinha ódio a quem tivesse
mais instrução académica de que ele; por isso mesmo, para me humilhar deu-me a
categoria de empregado de mato: pouco tempo depois chamou-me à "Casa
Grande" e disse-me: prepare a sua mala, tem ali um jipe à sua espera para
o transportar: vai fazer o seu estágio na Ribeira Peixe. Você dá confiança aos
pretos e já lhe tinham dito que tem que tratar os serviçais por tu.
Como não obedeceu às minhas ordens, vou mandá-lo para
o Sul - E é para o não o pôr imediatamente fora da Roça - E então que é eu fui
fazer com um pobre de trabalhador cabo-verdiano, que também tinha sido mandado
para lá de castigo? ... Contar cacaueiros velhos numa zona abandonada, coberta
por um enorme capinzal e infestada de cobras pretas.
2014 . Antigos escritórios da Roça Ribeira-Peixe |
Rio do Ouro (Agostinho Neto) 2014 |
Rio do Ouro (Atual Agotinho Neto) 2014 |
Roça Rio do Ouro 1964 - |
Nesse tempo, o Administrador, era um tal Sr. Fonseca, um barrigudo( tipo garrafão) que se dava ao luxo de, quinze em quinze dias, desflorar uma menina. Tal como ali se dizia, de lhe tirar o cabaço.
Rio do Ouro - 1964 |
Mas veja-se o que diz
o capitão Joaquim de Lemos Salgueiro Rego, o brioso oficial que logrou denunciar
as arbitrariedade dos massacres do Batepá pelo então Governador Carlos
Gorgulho, em Fevereiro de 1953 : "dizia-me o Governador Carlos Gorgulho, que se admirava da
minha ingenuidade nestas coisas já tão sábias em S. Tomé: Como ir arranjar
trabalhadores?!.. Muito facilmente pá!...(...) Tratando-me por tu, como a toda
a gente naquela terra, dizia-me abrindo o mapa: Trata-se de cercar com os teus
soldados a zona tal e tal... e de manhã vais apertando o cerco e traz-me para a
cidade essa gente que for saindo de suas casas. Assim se fazia e se entre as
mulheres vinha alguma cachopinha bonitinha era isca para o grande homem. .. E
resto da caçada era entregue pelos meus soldados sob prisão
ao comandante das prisões - miseráveis barracões imundos onde os
pobres dormiam pelo chão - um tenente Santos
Ferreira que se dizia parente do Ministro do Exército , natural
de Viseu.
Capitão Salgueiro Rego |
São Tomé-et-Principe,
la nostalgie des plantacions coloniales- 31 de Maio passado, pelo Le Mond Àfrique
2014 -Aspeto parcial da Senzala da Ribeira-Peixe |
Edifícios
decrépitos no coração da floresta
Senzala - Ribeira Peixe 2014 |
2014 |
(...) A poucos metros de
distância, a neta de Agila, Sheila, de 19 anos, disseca caracóis com uma faca. Ela
também, apesar de sua pouca idade, fala nostálicamente de um passado que ela
ainda não conhece. Sheila quer fazer lei, lutar pela "herança"
. Um símbolo entre outros desta herança perdida é o hospital de Roça ,
que era "um dos melhores em São Tomé" , de acordo com outro
morador, um motociclista.
Salvaguardar o
património é um debate
O antigo hospital,
um grande edifício de paredes rosadas com vista para a plantação, não funciona
mais e os que ali trabalhavam agora moram ali. Hoje, deixa o sol perfurar o que
resta do telhado: as telhas foram removidas, as paredes dos anexos
desapareceram ... "É culpa do Estado que não fez nada para mantê-lo em
boas condições ", diz o mototaxista, sob condição de anonimato.
Willy, que de bom
grado guia turistas na plantação contra alguns dobras, a moeda local, não
concorda: "Não se pode dizer que é o estado que destruiu. Estas
são as pessoas daqui que vieram pegar pedaços de telhado, vigas e paredes. E
hoje eles dizem que é o estado ... "
Quebra do cacau - 2014 |
Em 1991, com o
advento do sistema multipartidário e a liberalização da economia do
arquipélago, o Estado desistiu: concessões foram criadas, alguns projetos
encontraram compradores, outros foram deixados para trás. abandono como a
plantação de Agostinho Neto. Pouca esperança para os 1.300 habitantes desta cidade
: em março, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) apresentou a
ideia de um futuro investimento na reabilitação de roças . Mas Agida e
sua neta Sheila permanecem cautelosas. "Muitas vezes nos disseram que
isso ia mudar. Mas ainda estamos esperando " , suspira a velha
senhora. https://www.lemonde.fr/afrique/article/2019/05/31/a-sao-tome-et-principe-la-nostalgie-des-plantations-coloniales_5469854_3212.html
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