Jorge Trabulo Marques - Jornalista e investigador
“Acredito num poder!... Num espírito
verdadeiramente misericordioso” … “Acha que o tal espírito não fica por aí a
vaguear?”
“Eu gostava de ficar! Tenho uma costela inglesa!... Eu gostava de
ficar com o espírito a vaguear e a meter-se com as pessoas! (risos de ambos) Palavras de um dos maiores nomes da Literatura portuguesa, que
ontem foi chamada por Deus ou respondendo
ao irrecusável apelo da chamada inteligência universal para vaguear ou evoluir
por outras paragens terrestres ou cósmicas
Maria Agustina Ferreira
Teixeira Bessa nasceu a 15 de outubro de 1922 em Vila Meã, no município de
Amarante. Faleceu,
ontem, dia 3 de Junho, em sua casa, na cidade do Porto – A importância da sua
obra, que se estendeu por vários géneros literários, tornou-a num dos
nomes mais prestigiados e incontornáveis da língua portuguesa . Em sua memória
foi decretado luto Nacional - O
velório da autora vai decorrer na manhã de hoje, na Sé Catedral do Porto, a
partir das 10h30. De acordo com a informação disponibilizada pelo
Círculo Literário Agustina Bessa-Luís, será também aí que, pelas 16h,
serão celebradas as Exéquias Solenes, presididas por D. Manuel Linda,
Bispo do Porto. Agustina será depois sepultada no cemitério do Peso da Régua,
apenas na presença da família.
Vídeo sonorizado, na parte final, com um fado cantado pela escritora e poeta, Agripina Costa Marques, esposa do falecido poeta António Ramos Rosa
NÃO NASCEU NO PORTO MAS FOI NESTA CIDADE QUE VIVEU A MAIOR PARTE DO TEMPO DA SUA VIDA
ABL
- Não! Não me interrogo nem me preocupa!
Eu acho que as pessoas, verdadeiramente saudáveis!...
Acabam! Não morrem!” – Palavras extraídas de uma interessante entrevista que a
escritora me concedeu, em meados dos anos 80, no hall do Hotel S. Jorge, onde
costumava hospedar-se quando vinha a Lisboa e que agora fui recolher do meu vasto arquivo de
repórter da extinta RDP-Rádio Comercial.
ABL – É uma pergunta fácil de fazer e difícil
de responder: porque, como é que eu vou dizer?... Que há novas formas de vida!
E que nós somos uma espécie de fotocópias! Que se vão multiplicando pela
eternidade fora?!
É um bocado ridículo responder a uma coisas dessas: recuso-me. Não sei!
Se tivéssemos palavras para responder a isso?!.. É possível! Mas eu
não vou pôr palavras para responder a isso
JTM – Agustina Bessa Luís: a morte não a
preocupa?... É uma questão sobre a qual não se interroga?
Eu acho que as pessoas, verdadeiramente saudáveis!...
Acabam! Não morrem!
JTM – Conceitos de Inferno, Paraíso e
Purgatório: que são para si?
ABL
- Não tenho esses conceitos nem preconceitos. (….) Acredito num poder!...
Num espírito verdadeiramente misericordioso… Que nos faça compreender…
Como quê?!
JTM – Como uma ficção?...
ABL – Não! Não é uma ficção!... Eu
compreendo o que é literário mas não se pode transmitir!
JTM – O Inferno é este! Em que vivemos!
ABL – O fazer da vida num inferno, diz-se
que são os outros! Mas não é: também não acho!...
Nós temos em nós essa dualidade do Inferno
e do Paraíso!...
JTM – Depois de morrermos, acabou-se?...
Acha que o tal espírito não fica por aí a vaguear?!...
ABL – Não!... Eu acho que… Eu gostava de
ficar! Tenho uma costela inglesa!... Eu gostava de ficar a vaguear e a meter-se
com as pessoas! (risos de ambos)
JTM – Mas não acredita que isso possa
acontecer?!..
ABL – Seria bom demais! (rindo)
Por enquanto estou viva! (rindo) Porque
não tenho a certeza do que possa fazer depois de morta!...
JTM – Há quem diga que é bom termos essa
fé!... Agustina não necessita dessa fé?!
De admitir essa probabilidade?!
ABL – Não! Não necessito!... Não é para
mim primordial!
JTM – Bom, esta última pergunta: fala-se
no fim do mundo! Numa hecatombe! Que
venha pôr termo à humanidade!... O que é que acha?...
ABL – Acho que há muitas probabilidades!
Mas… lembro-me de um filme e, de uma vez que o vi, em que uma personagem dizia: há sempre uma
terceira probabilidade, entre o possível e o impossível!... Há sempre uma
terceira probabilidade!
JTM – Estaremos longe dela?
ABL – Justamente por que é uma terceira probabilidade
não sabemos como ela é… Eu não sei… Ultrapassa-nos!... (…)
JTM – Não devemos, portanto, pensar muito
nisso?
ABL – Não digo que não: cada um dispensa
as suas atenções, conforme a sua natureza o orienta!..
BIOGRAFIA Agustina estava afastada da vida pública há vários anos por
motivos de doença - Mas grande parte da sua vida foi passada a escrever. Dos romances aos escritos
mais breves, Agustina domina a palavra com a mestria que caracteriza os génios
da literatura. Escritora, ensaísta, articulista e jornalista, o seu estilo
surpreende e provoca.
O cenário de infância é rural, no norte, ao correr do
rio Douro. Agustina, nascida em Vila Meã em 1922, contém em si a força dessa
terra, feita de instinto, sabedoria e de uma certa crueldade com que vai tecer
os enredos da abundante bibliografia. Escreve sobre a condição da mulher, a natureza
humana, o bem e o mal. O encontro com os livros e com as leituras acontece
cedo, na biblioteca do avô materno. Começa a escrever a partir de estampas que
recorta e, aos 12 anos, as suas histórias fazem dela a heroína da turma.
A escrita passa a ser uma obsessão. Agustina confessa
que escreve rapidamente e quase sem emendas. Publica o primeiro romance,
“Mundo Fechado”, em 1948, com 26 anos de idade. Seis anos depois aparece “A
Sibila”, romance que a consagra e que conquista presença nos currículos
escolares. Algumas das suas histórias, como”Fanny Owen” ou a obra-prima “Vale
Abraão”, foram adaptadas ao cinema por Manoel de Oliveira, o decano dos
cineastas portugueses.
Prosadora de qualidades reconhecidas e amplamente
premiadas, a vencedora do Prémio Camões em 2004 é considerada a herdeira de
Camilo Castelo Branco. As histórias que faz são parecidas com a vida,
desconexas e filosóficas. Observadora atenta da sociedade portuguesa, recorre a
uma ironia sofisticada e impiedosa para criticar o mundo fechado da
aristocracia nortenha.
Romances, contos, peças de teatro, biografias,
ensaios. A obra é extensa, com mais de 40 títulos publicados. Agustina cultiva
também outros palcos: foi mandatária da candidatura de Freitas do Amaral nas
eleições presidenciais de 1986, diretora do jornal Primeiro de Janeiro e
diretora do Teatro Nacional D. Maria II. Em 2008, a autora duriense
sofreu um AVC e está impossibilitada de sair de casa. Longe dos livros que já
não escreve, nem lê. http://ensina.rtp.pt/artigo/no-universo-de-agustina/
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