"Não tenho água já.. Tenho ali um
restinho de água das chuvas, que é choca!
É uma água mal saborosa!... Pus-lhe uns pós e umas coisas que me tinham
dado para fazer água doce... Demasiado
doce!... Mas, pelo menos, mata a sede!... Que é o que me interessa,
fundamentalmente, neste momento.
Um objeto curioso, que trago aqui
comigo ao pescoço, é um apito: vou dar umas apitadelas ( e apito algumas vezes) – Quer dizer,
que, se chegar junto de terra, se houver por ali gente, pode ser que me ouçam
com estas apitadelaszitas!"
1 "Hoje perfaz 18 dias que ando na canoa São Tomé. Estou próximo da Ilha de Fernando Pó. Não tenho a menor dúvida. Encontro-me a Oeste. Vejo perfeitamente o perfil da Ilha. Estou a tentar tudo por tudo para não ir dar lá. Aliás, se pusesse a vela, o vento arrasta-me para lá , inevitavelmente. Arrasta-me para Este. As correntes puxam-me para lá. Prefiro ir dar à Nigéria ou a Duala, nos Camarões, de que ali na Ilha de Fernando Pó. Vejo lá um barco próximo: estou aí a quinze milhas, possivelmente
2- Esta noite passeia-a normalmente! Quer dizer, o mar
muito agitado. Não choveu mas bastante
agitado!... Estive atento, inúmeras vezes!... Aliás, isso é rotineiro… para me
aperceber da aproximação de algum barco ou para ver se estou próximo de terra:
isso são trabalhos que eu tenho de fazer todas as noites!...
Esta manhã pesquei mais um tubarão: é o terceiro que pesco! E, por acaso, é dos mais pesados!... Outros vieram e comeram a isca… Enfim!... Mas este foi pescado: é o terceiro que apanho com a maior das facilidades. Outros tubarões continuam aqui às voltas, às voltas!.... Logo de manhã cedo, apareceu aqui um gigantesco!.. Ainda tentei até afastá-lo com um pau mas, pouco depois ele desapareceu daqui!...
Pois, mas esta minha hesitação, haveria de me custar
os piores momentos. E não me custou a própria vida por um sortilégio dos bafejados da sorte ou protegidos por graça divina. Porque, a partir daqui, começaria a entrar na fase mais
dura e aflitiva de um náufrago. O meu estado físico, que já era mau, haveria de ser bem pior.
Num dos próximos dias, faltar-me-ia a comida, já que, quanto à água potável, essa já se me tinha esgotado, tendo passado a beber a água das chuvas.Pois, só 20 dias depois, já em plena noite, vendo um enorme vulto de perto, decidi pegar no tosco remo improvisado (sim, porque o remo que o pescador me deixou, esse foi arrastado por uma vaga, na noite em que fui surpreendido por um violento tornado), pelo que, recorrendo às forças que me restavam, e, sem saber que me dirigia para a Ilha do Terror, para lá apontei a proa da canoa, tendo ali ficado fundeada até ao meio da manhã do dia seguinte, ou seja do 38ª dia.
Finalmente, a minha boa estrelinha haveria de me conduzir a um tranquilo recanto, longe, todavia, de imaginar os tormentos que me haveriam de esperar nos dias em que estive preso numa das celas da tenebrosa prisão, onde, geralmente, quem entrava vivo, saía de lá cadáver, herança da colonização espanhola - Sim, nesses dias, mas sobretudo á noite, pude testemunhar os gritos lancinantes das torturas e execuções.
Esta manhã pesquei mais um tubarão: é o terceiro que pesco! E, por acaso, é dos mais pesados!... Outros vieram e comeram a isca… Enfim!... Mas este foi pescado: é o terceiro que apanho com a maior das facilidades. Outros tubarões continuam aqui às voltas, às voltas!.... Logo de manhã cedo, apareceu aqui um gigantesco!.. Ainda tentei até afastá-lo com um pau mas, pouco depois ele desapareceu daqui!...
Portanto, estou próximo de terra. A ilha está, ali,
perfeitamente à minha frente. Punha a
vela e depressa ia dar lá. Sei que a
distância desta ilha ao continente africano não é muita. Portanto, prefiro dar
lá a terra, à costa africana!
Largado em Ano Bom |
Num dos próximos dias, faltar-me-ia a comida, já que, quanto à água potável, essa já se me tinha esgotado, tendo passado a beber a água das chuvas.Pois, só 20 dias depois, já em plena noite, vendo um enorme vulto de perto, decidi pegar no tosco remo improvisado (sim, porque o remo que o pescador me deixou, esse foi arrastado por uma vaga, na noite em que fui surpreendido por um violento tornado), pelo que, recorrendo às forças que me restavam, e, sem saber que me dirigia para a Ilha do Terror, para lá apontei a proa da canoa, tendo ali ficado fundeada até ao meio da manhã do dia seguinte, ou seja do 38ª dia.
Finalmente, a minha boa estrelinha haveria de me conduzir a um tranquilo recanto, longe, todavia, de imaginar os tormentos que me haveriam de esperar nos dias em que estive preso numa das celas da tenebrosa prisão, onde, geralmente, quem entrava vivo, saía de lá cadáver, herança da colonização espanhola - Sim, nesses dias, mas sobretudo á noite, pude testemunhar os gritos lancinantes das torturas e execuções.
Esta zona do Golfo da
Guiné, por onde fui balanceado para todos os quadrantes, conhecida pela Baía ou Golfo do Biafra, que a Nigéria batizou de
como "bight of Bonny", ou "golfo de Bonny, depois da guerra do
Biafra, é uma área, bastante turbulenta e pluviosa, onde desagua o Rio Níger, o terceiro rio mais longo da África
(depois do Nilo e do Congo, com cerca de 4 180 quilómetros de comprimento e uma
bacia hidrográfica de aproximadamente 2 200 000 quilómetros quadrados.
Atravessa seis países: Guiné, Mali, Níger, Benim e Nigéria, cujo leito contribui
para moldar o clima, quer por onde passa, quer no vasto estuário onde vai desaguar.
3 – A força da corrente é
realmente curiosa: devem ser aí umas 10 horas da manhã do dia do 18ª dia. Elas
estão a descrever trajetórias muito curiosas. A principio, tudo levava a crer que
ia parar à Nigéria. Agora, está a aproximar-se para Leste: que tanto me pode
levar a Fernando Pó, como aos Camarões, ou, então como há outra corrente de Sul
para Norte, me levar para a Nigéria. É realmente interessante constatar as curvaturas, as linhas que as correntes
descrevem!.... Uma força invisível mas que se sente e que ninguém a pode
contrariar!
Às vezes, as vagas,
parecem vir de um lado, mas não! A corrente é outra! A corrente é uma força quase invisível!.. Na maior parte das vezes,
nota-se pelas ondas; outras vezes não… Como agora: as ondas têm um sentido e a
corrente tem outro!... As ondas têm o sentido do vento, mas o vento não está, realmente,
no sentido das correntes!...
E em que haveria eu de me entreter? senão olhar
atentamente para os efeitos curiosos das correntes, a tal ponto, que, às
tantas, até ficava sem saber para onde, de facto, me levariam.
Uma coisa, porém, era absolutamente
certa: desprezava a extraordinária oportunidade , que, inesperadamente, se me
havia deparado para alcançar terra firme e me livrar deste tormentoso refrigero,
de luta pela sobrevivência e de uma vida contemplativa, para que descambara, que só me entretinha mas não me
levava a parte alguma!...
Bom, mas que poderia também eu fazer, se nem sempre o vento me possibilitava navegar?! … Embora, muitas vezes o fizesse, mas sabe Deus a que custo, por falta de remo adequado ou excesso de ventania ou de podres calmarias. .
Bom, mas que poderia também eu fazer, se nem sempre o vento me possibilitava navegar?! … Embora, muitas vezes o fizesse, mas sabe Deus a que custo, por falta de remo adequado ou excesso de ventania ou de podres calmarias. .
É verdade que nem sempre me apetecia
quebrar o mutismo do meu silêncio e pegar no gravador, que guardava, religiosamente, com a máquina fotográfica, no
meu modesto baú: um simples contentor do lixo, de plástico: mas era única forma
de registar a minha vida a bordo: era jornalista e tinha a noção da importância de um registo gravado: até foi o meu amigo alemão, Dr. Kraun, que me sugeriu este recurso, dizendo-me.
que, quando chegasse ao Brasil, tinha o livro escrito. - Sim, porque era este o objetivo da minha
aventura, fazer a travessia do Oceano
Atlântico, através da corrente equatorial, evocando a rota da escravatura,
perseguindo a experiência de Alain Bombard
E, naturalmente, além de questões do
foro espiritual, reforçando a minha teoria de que as primitivas canoas, podiam fazer longas travessias, tal como fizeram no
povoamento das ilhas do Pacifico, e. portanto, terem sido os povos das costas marítimas do continente
africano, os primeiros seres humanos a povoarem as ilhas de Ano Bom, São Tomé e Príncipe,
já que, quanto ao povoamento de Fernando Pó, atual Ilha de Bioko, nunca a colonização pôs em causa que não fosse habitada, antes dos portugueses, ali terem aportado, até pela sua relativa proximidade do continente africano -
Nas outras ilhas, haveria menos gente, e, com certeza que não estariam dispostos a mostrarem-se ou a receberem de braços abertos, os invasores, ainda para mais, vindos em embarcações, muito diferentes das suas modestas pirogas, com outras roupagens e que nem sequer eram da mesma cor.
Claro que, só mais tarde, lhe haveriam de mover ferozes perseguições, tal como é relatado, na historiografia colonial mas a pretexto de que eram escravos de um hipotético naufrágio
Sim, seria mesmo possível que, uns pobres desgraçados, magros e mal alimentados, porventura acorrentados, como animais em fétidos e sufocantes porões, ainda tivessem resistência para se livrarem das algemas e depois fazerem-se ao mar a nado?!... Num mar infestado de perigosos tubarões?!... - Balelas ficcionistas de se impor a colonização, como direito consumado, legitimado e terra de ninguém.
Esta manhã, pesquei já um tubarão,
como disse, e já fui outra vez investido por outro: já houve um que deu aqui
umas rabanadas no lado da canoa. Um tubarão realmente gigantesco!...Enfim, preciso
de ter muita atenção!... Eles andam aqui de um lado para o outro!... Tubarões
azuis! Tubarões martelo!... Tubarões de toda a espécie!... Peixes de todas as
variedades!... Enfim, vamos lá a ver!... Já que a canoa tem aguentado até agora,
pode ser que aguente mais algum tempo!... Espero que sim. Porque ela é
resistente! Está é mal feita. Não está bem equilibrada: tombaleia mais para um
lado de que para o outro!...
Alguma vez teriam forças para nadar até à costa? |
Claro que, só mais tarde, lhe haveriam de mover ferozes perseguições, tal como é relatado, na historiografia colonial mas a pretexto de que eram escravos de um hipotético naufrágio
Sim, seria mesmo possível que, uns pobres desgraçados, magros e mal alimentados, porventura acorrentados, como animais em fétidos e sufocantes porões, ainda tivessem resistência para se livrarem das algemas e depois fazerem-se ao mar a nado?!... Num mar infestado de perigosos tubarões?!... - Balelas ficcionistas de se impor a colonização, como direito consumado, legitimado e terra de ninguém.
E, tal como registei no pequeno gravador, lá
estava eu com as minhas cogitações:
4 -“As conjeturas, que eu posso fazer, neste momento, são praticamente nenhumas!.. Quer dizer: tanto posso ir dar a Fernando Pó, que tenho ali ao meu lado esquerdo (bombordo) a esta ilha, como ultrapassá-la pela parte Norte e convergir para Leste para os Camarões…. Ou então seguir uma linha para Norte e ir dar à Nigéria.
4 -“As conjeturas, que eu posso fazer, neste momento, são praticamente nenhumas!.. Quer dizer: tanto posso ir dar a Fernando Pó, que tenho ali ao meu lado esquerdo (bombordo) a esta ilha, como ultrapassá-la pela parte Norte e convergir para Leste para os Camarões…. Ou então seguir uma linha para Norte e ir dar à Nigéria.
Neste momento, enfim, limito-me a acomodar-me… Apenas o que tenho que fazer,
já não consigo… Ontem, por acaso, consegui navegar um bocado com auxilio de um remo que improvisei, mas,
efetivamente, não adiantei nada.
Exibindo um dos troféus |
Enfim… Durante a noite?... Estive
praticamente sempre vigilante!.. Normalmente, nunca se dorme… Quer dizer, é
como os gatos!... A gente, â mínima coisa acorda: para reparar isto ou para
tapar aquilo, sempre atento!... Portanto, são praticamente 18 dias de vigília!...
Neste momento, enfim, eu estou próximo de terra! Mas, efetivamente, ainda estou
à mercê das correntes
AS PODRES
CALMARIAS, CHEGAVAM A SER MAIS DESESPERANTES DO QUE OS TORNADOS – ESTES AINDA
ARRASTAVAM A CANOA PARA QUALQUER PONTO - NAS CALMARIAS, COM O SOL DO EQUADOR A
PINO E O MAR TRANSFORMADO NUM IMENSO AÇUDE, SEM A MENOR BRISA E SEM ÁGUA
POTÁVEL, ERA MESMO DE ENLOUQUECER.
E, como não há vento nenhum, como
não posso navegar neste momento, o que é
que eu vou fazer?!...Oh!... Vou-me deitar
no fundo da canoa, ouvir rádio, mais nada!...
Não tenho água já.. Tenho ali um
restinho de água das chuvas, que é choca!
É uma água mal saborosa!... Pus-lhe uns pós e umas coisas que me tinham
dado para fazer água doce... Demasiado
doce!... Mas, pelo menos, mata a sede!... Que é o que me interessa,
fundamentalmente, neste momento.
Um objeto curioso, que trago aqui
comigo ao pescoço, é um apito: vou dar umas apitadelas ( e apito algumas vezes) – Quer dizer,
que, se chegar junto de terra, se houver por ali gente, pode ser que me ouçam
com estas apitadelaszitas!
VIOLENTO TORNADO AFASTA-ME PARA LONGE DA ILHA DE FERNANDO PÓ
VIOLENTO TORNADO AFASTA-ME PARA LONGE DA ILHA DE FERNANDO PÓ
Entretanto, ainda no decorrer deste mesmo dia, haveria de
ser surpreendido por um forte tornado , que me balancearia para muito longe dali, pelo que, as
possibilidade de poder, agora, alcançar Fernando Pó, pareciam-me já remotas: o
vento e o mar, estas forças da natureza, levar-me-iam para umas tantas milhas daquela
zona, talvez para se divertirem um pouco da minha teimosia, em não querer dirigir-me
para aquela ilha: porventura para me fazerem avaliar melhor a gravidade da situação.
Contudo, as hipóteses, de mais tarde
ali vir acostar, ainda continuavam a existir, como viria a confirmar ao 38ºdia.
Pois, conforme me levavam para mais longe, voltar-me-iam arrastar de novo para
mais perto: porem, isso ainda era completamente
desconhecido para mim. Por agora, era o maldito tornado, que, além de me ter arrastado
para bem mais longe, me pregara alguns sustos e despertado novas reflexões:
Dizia eu para o gravador:
5- É extremamente difícil fazer previsões no mar!... Principalmente, quando se anda à deriva!.... Há bocado, encontrava-me relativamente próximo da Ilha de Fernando Pó!... Pois, de um momento para o outro, fui atirado por um violento temporal e já me encontro noutra posição: portanto, fora de qualquer possibilidade, penso eu, de chegar lá!... A menos que surja outro tornado!... Este tornado aproximou-me mais para Norte, noroeste… Julgo, por conseguinte, que neste momento, já esteja mais próximo da costa africana.
5- É extremamente difícil fazer previsões no mar!... Principalmente, quando se anda à deriva!.... Há bocado, encontrava-me relativamente próximo da Ilha de Fernando Pó!... Pois, de um momento para o outro, fui atirado por um violento temporal e já me encontro noutra posição: portanto, fora de qualquer possibilidade, penso eu, de chegar lá!... A menos que surja outro tornado!... Este tornado aproximou-me mais para Norte, noroeste… Julgo, por conseguinte, que neste momento, já esteja mais próximo da costa africana.
Foi um tornado violentíssimo!...
Ainda se continuam a sentir os efeitos: ondas alterosas! O mar muito cavado e
ameaçador!... De um instante +ara o outro eu fui atirado de uma posição para
outro ponto: numa distância de 20 a 30 milhas, pelo menos!
É realmente curioso este aspeto! Mas
ao mesmo tempo tenho tido muita sorte! Algo está comigo que me leva a bom
destino, quando não, eu já tinha desaparecido!
MAIS UM BARCO
QUE SEGUIU O SEU RUMO – A CANOA ERA UM MADEIRO COMO OUTRO QUALQUER - IGUAL A TANTAS TORAS QUE ANDAVAM À
DERIVA E NÃO PRODUZIAM QUALQUER SINAL NO RADAR OU ENTÃO NÃO LIGAVAM – Para
justificar a deceção, que me cavava a alma, eu arranjava sempre uma explicação,
que mais não fosse para que o sentimento de abandono, não fosse maior.
Vi um barco!... O barco viu-me
perfeitamente!... Mas, o barco, também devia ter as suas dificuldades…. Não sei
se me viram as pessoas, que lá iam dentro!.. Eu viu-o, nitidamente. Devia estar
aí a umas duas ou três milhas: de qualquer
maneira, mais uma vez, um barco passou indiferente a mim!..".
Há umas horas atrás estive prestes a desaparecer;
agora novamente me encontro a falar para o meu gravador. Fico com a sensação de
que é realmente bem frágil a minha existência!... De um segundo para o outro,
vejo que posso ser envolvido de uma vez para sempre, no remoinho vertiginoso de
uma vaga!... Eis porque, até quase sinto, perdido o instinto de conservação!...
Já pouco me importo que o mar me arrebanhe na sua voragem ou não. Apodera-se de
mim uma grande indiferença, como nunca. A passagem do próprio barco, veio-me
reforçar esse espírito: o barco viu-me e não veio à fala comigo!
Aquele corpo gigante, não era uma simples
estrutura de metal; ele sim, pareceu-me, de facto, ter muita vida!... Eu, em
relação a ele, era para ali um ponto balouçando,
desordenadamente, sem importância!... No
entanto, mesmo assim, reparei que eu ia tendo talvez menos dificuldades que ele: as ondas pulverizavam-no completamente!
Quebravam-se em fúria sobre a sua quilha
e galvanizavam-no em montes de espuma pelo convés!...
Dir-se-ia que já não era um corpo
escuro mas uma mancha branca que tentava caminhar ofegante e
atabalhoadamente pela superfície do oceano:
o vento assobiava por todos os lados, produzindo um murmúrio persistente e endemoninhado, confundindo-se
com o ruído da chuva e o rugido da água:
um verdadeiro pandemónio!... O horizonte, limitadíssimo!... Sobre o mar, pairava um espesso véu de neblina, tal a quantidade
da chuva sobre aquela vasta área –
A atmosfera, toda ela se
desfazia em humidade e água. A única coisa que descobria à minha volta e
distintamente, eram as vagas ameaçadoras, que se se precipitavam em alturas descomunais: uma vinham mesmo
rebentar furiosamente à popa, à proa ou
ao meio do costado da canoa, atingindo-a
e vergastando-a, mais das vezes, em cheio e colocando em risco a minha vida.
Nunca sabia, quando a despedaçariam por completo.
No entanto, eu, embora
completamente encharcado até aos ossos, mal tinha tempo de medir o seu perigo!...
De vez em quando, ainda lhe deitava uma olhadela de soslaio, como que para me
certificar de quando poderiam,
finalmente, se aquietarem. Mas continuava a chover torrencialmente. não se via um palmo à minha frente! O fundo da canoa enchia-se de água, por mais
que me dobrasse com o vertedouro. Até que, por fim, como que por inesperada magia, tudo se abria
em meu redor numa espécie de murmúrio lamuriento. Sim, e me sobra tempo para fazer
o ponto da situação
6 – Estou a vislumbrar
contornos da Ilha de Fernando Pó. Agora ficou completamente descoberta. Tem lá
uns picos curiosos, altos!... Talvez mais atos dos que os de S. Tomé!... Mas já
estou noutra posição, noutro ponto!....Neste ponto é difícil as correntes
encaminharem-me para lá. Creio que não. A menos que surja um tornado que me
arraste para lá!... Agora, estou em crer que vou para os Camarões ou para a
Nigéria!… Esperemos…
Mais tarde, e à medida
que a tarde avançava, notava, porém, que uma corrente qualquer me ia puxando diretamente
em direção à Ilha de Fernando Pó: seria, talvez, um braço da fortíssima corrente,
vinda do Oeste do Atlântico, que vai convergir
e diluir-se com o braço da corrente vinda do Hemisfério Sul. Estava, pois, na convergência dessas duas poderosas
correntes, razão pela qual iria enfrentar as maiores dificuldades e sofrimentos
de toda a inha permanências nestas turbulentas
águas
A costa de
África ainda continua misteriosa. Ainda não se descortina nada!... Não deve
estar longe, mas só amanhã é que a poderei visitar, se entretanto a viagem
decorrer normalmente... Não está a chover mas o mar continua bastante agitado e
a dificultar-me!... Quer dizer... favorece, favorece o andamento da canoa.
Imprime-lhe outra velocidade, tem essa vantagem.... Mas, francamente, é penoso!
é penoso viajar assim!... Porque é necessária uma vigilância constante a cada
vaga, para controlar os movimentos da canoa. Às vezes há vagas que chegam a
galgá-la e molhar-me completamente.
ESTE DIÁRIO
SÓ FOI POSSÍVEL GRAÇAS À TRANSCRIÇÃO DO REGISTO NUM PEQUENO GRAVADOR - QUE PUDE
RESGUARDAR DO MAR NO CAIXOTE DE PLÁSTICO, QUE SE SE VÊ NA IMAGEM - IGUAL AOS DO
LIXO
Diário de Bordo 7 – Esta tarde, tive umas lutas com
uns tubarões, que andavam aqui em volta!... A um gigante, que andava aqui a
ameaçar-me, consegui dar-lhe umas machinadelas e já acabou por fugir....
Realmente, só visto!... A figura que eu fazia aqui, sozinho, neste vasto
oceano, lutando, enfim, pela minha sobrevivência...
Se me
perguntassem, ao ver assim o mar e eu estivesse em terra, se eu iria?...
Não!!... Não me sentia com coragem!... Mas, estando eu no mar, sim, sinto
coragem para o enfrentar! O mesmo aconteceria se estivesse num paquete, como aquele, que há
bocado vi!... Também se me dissessem se
queria ir numa canoa, em tais condições de mar, não aceitaria. Mas eu acabei
por me resignar e tenho enfrentado a fúria do mar e do vento!...
Diário de Bordo 8 – As aves continuam aqui sempre à minha frente, não sei
porquê.... É curioso este aspeto!... Sempre aves, desde há quatro dias que vejo
as aves aqui à minha frente....Os peixes, há momentos em que eles desaparecem.
Se calhar são os tubarões que os afugentam. Mas normalmente andam sempre aqui em volta... Até há uma
qualidade de peixes que acabou por me tirar todas as conchazinhas que já tinham
nascido no costado da própria canoa. Fizeram uma limpeza radical. Ainda bem - (eram
as rêmoras, peixes parasitas, com a sua ventosa na cabeça, que se colam aos
tubarões ou no costado das embarcações e que acabariam também por me devorar
todos os anzóis e iscas e nunca lá ficavam, pois os seus dentes são talvez mais
afiados de que os dos ratos ou dos coelhos)
Diário de Bordo 9 – A noite está-se aproximar. Vai ser
uma noite mais escura, com certeza. Não obstante, já estarmos com a lua em
quarto crescente.
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