JORGE TRABULO MARQUES - EM
MEMÓRIAS DE UM REPÓRTER DA EXTINTA RÁDIO COMERCIAL-RDP -
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Entrevista
ao Embaixador Brasileiro, Alberto da Costa e Silva, que me concedeu, em 1990, na Embaixada do Brasil, em Lisboa, para
a Rádio Comercial-RDP, que hoje aqui recordo, com muito gosto, embora nalguns
minutos finais, a cassete, dada a sua antiguidade, denote alguns sinais de sobreposições
anteriores, sim, em mais uma das várias
centenas de registos sonoros, com várias figuras públicas portuguesas e dos PALOP, além de muitas outras
a pessoas anónimas, bem como entrevistas
a presidiários, assim como inumeros
apontamentos de rua
“Alberto da Costa e Silva nasceu
em São Paulo no dia 12 de maio de 1931, além da sua carreira diplomática
de 38 anos e da sua vasta obra literária, representou o Brasil em numerosas
reuniões internacionais, tendo sido delegado do Brasil na reunião da Comissão Económica das
Nações Unidas para a África, em Adis Abeba, em 1961; representante pessoal do
Ministro das Relações Exteriores nos encontros ministeriais, realizados em São
Domingos, em 1984, pela Organização dos Estados Americanos, para a preparação das
comemorações do V Centenário do Descobrimento da América; e representante
pessoal do Ministro das Relações Exteriores na Reunião dos Ministros das
Relações Exteriores do Mecanismo Permanente de Consulta e Concertação Política
(Grupo do Rio), em 1991”.
Alberto Costa e Silva – "Não é fácil
conciliar a vocação de poeta a nada!.. Acho que o mais difícil que há
é a gente ser poeta!.. Qualquer poeta precisa de ócio! E, a vida profissional,
o mundo contemporâneo, pouco ócio nos dão! Por isso é que eu tenho
uma admiração, muito grande pelos poetas que conseguem escrever decentemente -
Declarou-me, entre outras confissões, numa honrosa e amável entrevista, que me concedeu, em
1990, no seu gabinete da Embaixada do Brasil, em Lisboa, no termo da sua
missão, em Portugal, antes de partir para a Bogotá, Colômbia -
Questionado sobre se não receava ir para um
pais de conflitos,
onde há problemas com os narcotraficantes, começou por me declarar ter tido
“uma grande alegria! Uma grande felicidade de passar estes quatro anos e meio
em Portugal! Está terminando este período: um embaixador brasileiro,
só pode ficar, por li, cinco anos num determinado pais. De uma maneira
geral, até ficam menos tempo, três quatro anos: Eu tive
a felicidade de ficar quatro anos e meio.
Eu estou indo para a Colômbia! E não é isso o que Sr. está dizendo: a Colômbia é um pais belíssimo! É uma das paisagens mais belas do mundo! A sua capital de Bogotá, sempre foi considerada, desde o século XIX, a capital mais culta do continente americano! É a cidade com mais livrarias, depois de Londres! É uma cidade com extraordinárias tradições culturais! A Bogotá é considerado Atenas das Américas!
É um país extremamente culto com uma tradição artísticas, literária e filosófica extremamente importante! É um país muito rico! É um país que tem 80 relações com o Brasil! Relações que nós temos procurado, nos últimos anos, ampliar, acrescentar! É um pais que faz fronteira com o Brasil, com o qual nós temos um importantíssimo programa densamente fronteiriço !Um país muito importante para o Brasil e, quero querer, também para o continente americano
Referindo-se
depois às relações do Brasil com Portugal, disse que as relações entre os dois países cresceram muito! Basta dizer que, nos últimos anos, o Brasil, se tornou
um grande investidor em Portugal: o ano passado, nós fomos o 4º país investidor
em Portugal! É possível que, no decorrer deste ano, alcancemos o terceiro
lugar: nós estamos consolidando uma posição económica importante e Portugal
também no Brasil!
Os investimentos em Portugal, que, tradicionalmente já eram altos, já eram
importantes, têm também crescidos! E
também o crescimento do comércio! Embora o nosso comércio ainda seja modesto
para a intensidade das nossa relações, na realidade, o ano passado
experimentou um crescimento de quase 100%! O que é um crescimento muito considerável!
JTM – Como
é que explica a vida de muitos brasileiros para a Europa,e especialmente para
Portugal? A que é que se deve esse facto?
Costa e
Silva - Na realidade, o Brasil se está
internacionalizando:o Brasil, até há uns poucos anos, era um país fechado sobre si mesmo! Mas, de
há uns cinco seis anos para cá, objetivamente, as empresas brasileiras foram
conquistando espaço, no mundo internacional! Nos negócios, nos investimentos!
Na indústria, em tudo isso! E também os brasileiros começaram a viajar e a instalar-se no estrangeiro.
O Brasil
atravessa um processo de internacionalização, muito semelhante àqueles pelo qual
passaram os Estados Unidos nos anos 10 e nos anos 20 deste século
JTM –
Ainda em relação a esta situação, digamos, à chamada crise económica com que se tem debatido o
Brasil, eu gostaria de me referir aqui a uma afirmação do Sr. Embaixador, que
diz – já o afirmou algum tempo – que a crise
económica no Brasil é perfeitamente explicável! Diz que é conjetural! Diz que o
Brasil é a 7ª potência económica do
mundo! E que, os números do envelhecimento são espantosos! – Concorda com isso?
Costa e
Silva - O Brasil continua a crescer! A crise
do Brasil é mais financeira que propriamente económica! É mais uma crise monetária de que de produção! A produção brasileira continua a crescer O Brasil continua a desenvolver novos espaços!
O Brasil é
o segundo país exportador de alimentos do mundo! Nós continuamos a ter o 3º super
habite comercial do mundo! E nós somos os primeiros produtores de uma séria de
artigos! E os segundos produtores de outra série de artigos! Os terceiros
produtores mundiais numa série de artigos!
Nós hoje produzimos aviões, desde os produtos tradicionais, como o café, o açúcar, o algodão Até aviões! Até computadores! Até produtos industriais da
mais completa sofisticação!
JTM – Sr. Embaixador! Tudo isso é muito
bonito mas fala-se de uma grande inflação, que afecta nomeadamente as classe s
mais desfavorecidas! Como é que explica isso? – E já agora gostaria também que
me desse a sua opinião do atual Presidente da República.
Costa e Silva – Acho que o Governo está
fazendo todo o esforço para conter a
inflação! A inflação é o grande problema brasileiro e não é um problema novo!
É um problema que já se arrasta há mais de 25 anos! E que, nestes últimos anos, tomou contornos
de realmente alarmante! O problema brasileiro é realmente o problema
inflacionário! E que nós estamos procurando fazer todos os esforços para conter! Mas isso não quer dizer que,
pelo facto do Brasil ter uma grande inflação, o Brasil deixe de ter uma grande
produção! Pelo contrário: a produção brasileira continua muito grande! E o
Brasil continua a ser um país, economicamente muito importante no mundo! E um
pais com quem se tem, necessariamente, de contar.
Costa e
Silva – Não. Meu pai não foi diplomata: meu pai foi um grande poeta! Meu pai
quis ser diplomata! Mas não foi diplomata porque ele era muito feio! Ele era
tão feio, que, o Barão do Rio Brando, naquela época de declínio, não dava para
representar os diplomatas brasileiros em lugar algum! Nem dormindo!...
(...) Então
por causa dessa recusa do Barão do Rio Branco, acabei-me vingando, duplamente, do Barão do Rio Branco: não sou apenas o filho
do poeta e diplomata, como também o meu filho é diplomata!
JTM – O Sr
Embaixador já escreveu vários livros! Neste momento, disse-me que tem pronto a
entregar um livro no prelo!
Costa e
Silva - Eu entreguei, há dez dias, à “Nova
Fronteira” do Rio de Janeiro, um longo livro meu que se chama “A Enxada e a Lança” e que tem por fim o
título A África e os Portugueses – Foi um livro que eu comecei a escrever quando
era Embaixador do Brasil , em Lagos na Nigéria e pude, nos meus sábados e
domingos, quando me era permitido, e terminar de redigir aqui em Lisboa.
É um livro
no qual eu me demorei dez dez anos! Eu não tenho muito tempo para escrever;
sempre levei muito a sério as minhas atividades diplomáticas! Procurei cumprir
sempre o melhor que posso! De maneira que, por causa disso, tive muito pouco
tempo para ir escrevendo lentamente este livro, que entreguei há dez dias à
editora Nova Fronteira, no Rio de Janeiro.
JTM – O Sr.
Embaixador: então não uma tarefa muito fácil conciliar a escrita, a devoção de
poeta às obrigações diplomáticas?
Costa e
Silva – Olha não é fácil conciliar a vocação de poeta a nada!.. Acho que o mais difícil que há é a gente ser poeta!.. Qualquer poeta precisa de ócio! E, a vida
profissional, o mundo contemporâneo, pouco ócio nos dão! Por isso é que eu tenho
uma admiração, muito grande pelos poetas que conseguem escrever decentemente!
Porque, realmente, são pessoas extraordinárias! Que conseguem cumprir o seu
dever, com uma devoção, com um devotamento mesmo nos momentos de grande
cansaço! E que, às vezes, pessoas mais fracas, como é o meu caso, não
conseguem.
JTM – Uma última
pergunta: E então é chegada altura do diplomata dar tranquilidade ao poeta!
Deixar de sofrer! E, depois de muitos
anos de exílio fora do seu pais,
continuar adiar o sonho? - Eu digo isto,
porque li num poema seu”Aqui estou enterrado! Jamais sinto morrer longe de
casa! Mas sofri muitos anos de exílio simultâneo! Gastei-me noutras terras! Fui de
mim uma sombra emigrada! Rogo um sonho!" - Será que
esse sonho vai continuar adiado?
Costa e
Silva – Eu creio que sim! Por mais uns três ou quatro anos!... Depois, quem
sabe!... Se ainda há tranquilidade, o poeta renasce com mais força ou, então,
simplesmente descubro que toda essa minha faina pelo trabalho, meu gosto pelo
trabalho, não era uma maneira natural, desde de passar uma fraqueza natural do
poeta! E não ficar tão triste comigo mesmo, por causa disso!
JTM – “Vida
cigana! De embaixada em embaixada! “ – Disse Vergilio Ferreira a seu respeito,
receando, com isso, o risco de se perder
o grande poeta! – Será que, essa sua ida para a Colômbia, é o acumular de uma
experiência enriquecedora ou o fracasso do Poeta? Ou, enfim, será também uma oportunidade do poeta de se enriquecer ou, realmente, a altura do poeta
ter o seu palco?
Costa e
Silva – Não sei se o poeta se vai enriquecer! Eu sei que o homem, tem ao longo
da sua vida de diplomata, enriquecido muito! Tem visto novas paisagens! Novas maneiras
de viver! E conhecido novas pessoas! E eu tenho a impressão que nós vivemos
para vivermos a experiência do homem!... E eu acho que essa experiência do
homem, que eu tenho vivido. Eu tenho buscado viver intensamente! – Muito obrigado
BIOGRAFIA
Alberto Vasconcelos da Costa e Silva nasceu em São Paulo no dia 12 de maio de 1931, filho de António Francisco da Costa e Silva e Creusa Vasconcelos da Costa e Silva. É poeta, historiador e membro da Academia
Brasileira de Letras. Um dos mais importantes intelectuais brasileiros e
especialista na cultura e na história de África. Publicou diversos livros sobre
o assunto, como A enxada e a lança (1992), A manilha e o libambo (2002), Um rio chamado Atlântico (2003) e Francisco Félix de Souza, mercador de escravos (2004).
Escreveu Castro Alves, um poeta sempre jovem (2006), para a coleção Perfis Brasileiros, da Companhia
das Letras. Também é autor de livros infantojuvenis, como Um passeio pela África (2006) e A África explicada aos meus
filhos (2008). Em
2009, publicou O quadrado amarelo, que reúne textos sobre arte e literatura, cruzando
referências populares e eruditas, recorrendo à memória e às suas experiências
de viagem. Além dos Poemas reunidos (2000), publicou dois volumes de memórias, Espelho do Príncipe (1994) e Invenção do desenho (2007). Entre
os prémios e distinções que recebeu estão os títulos de doutor honoris causa
pela Universidade Obafemi Awolowo (ex-Universidade de Ifé, Nigéria, 1986) e
pela Universidade Federal Fluminense (2009) e o prémio Juca Pato de Intelectual
do Ano (2003) da União Brasileira de Escritores. Ao lado de Lilia Moritz
Schwarcz, desde 2008 dirige a coleção das obras completas de Jorge Amado para a
Companhia das Letras. Foi distinguido com
o Prémio Camões de 2014https://www.wook.pt/autor/alberto-da-costa-e-silva/11446
Carreira
diplomática -Secretário na Embaixada do Brasil em Lisboa (1960-63) e na
Embaixada de Caracas (1963-64); Cônsul em Caracas (1964-67);Auxiliar do
Secretário-Geral de Política Exterior (1967-69); Secretário na Embaixada em
Washington (1969);Oficial de Gabinete e Assessor de Coordenação do Ministro das
Relações Exteriores (1970-74);Ministro-Conselheiro na Embaixada em Madri
(1974-76); Ministro-Conselheiro na Embaixada em Roma (1977-79); Embaixador em
Lagos, Nigéria (1979-83) e cumulativamente em Cotonu, República do Benim
(1981-83); Chefe do Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores
(1983-84); Subsecretário-Geral de Administração do Ministério das Relações
Exteriores (1984-86); Embaixador em Lisboa (1986-90);Embaixador em Bogotá
(1990-93); Embaixador em Assunção (1993-95); Inspetor-Geral do Ministério das
Relações Exteriores (1995-98). https://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/alberto-vasconcelos-da-costa-e-silva
Obras
do autor - Como poeta O parque e outros poemas, 1953; O tecelão, 1962; Alberto
da Costa e Silva carda, fia, doba e tece, 1962; Livro de linhagem, 1966; As
linhas da mão, 1978 (Prémio Luísa Cláudio de Souza, do Pen Club do Brasil); A
roupa no estendal, o muro, os pombos, 1981 Consoada, 1993; Ao lado de Vera,
1997 (Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro)
Como
historiador e africanólogo - A enxada e a lança: a África antes dos Portugueses.
Edições 2110/82; As relações entre o Brasil e a África Negra, de 1822 a 1°
Guerra Mundial. Ed.3577; A manilha e o Libambo: A África e a Escravidão, de
1500 a 1700. Ed.2002.; Um Rio Chamado Atlântico, 2012; Francisco Félix de
Sousa, Mercador de Escravos. Ed.2004
Como
ensaísta -O vício da África e outros vícios, 1989; Guimarães Rosa, poeta, 1992,
Mestre Dezinho de Valença do Piauí, 1999; Castro Alves: um poeta sempre jovem,
2006; Como memorialista; Espelho do Príncipe, 1994.
Como
organizador de antologias - Lendas do índio brasileiro , 1957, 1969, 1980 e
1992 ; A nova poesia brasileira, Lisboa, 1960 Poesia concreta, Lisboa, 1962; Da
Costa e Silva, 1997
Poemas
de amor de Luís Vaz de Camões, 1998; Antologia da poesia portuguesa
contemporânea, com Alexei Bueno,1999 dirigiu e foi o principal redator da parte
brasileira da Enciclopédia Internacional Focus, Lisboa, 1963-1968
NOS ÚLTIMOS DIAS de
minha infância li, como tantos meninos de meu tempo, As minas do rei Salomão e
os romances de Edgard Rice Burroughs, e acompanhei as fitas de cinema e as
histórias em quadrinhos de seu herói, Tarzã, e também as de Jim das Selvas e de
Tim e Tom na África Oriental. Confesso que ainda guardo no centro da alma essa
África onde eram possíveis todas as fantasias da aventura. Mas a outra, aquela
em que se viciaram a minha curiosidade e imaginação, eu a descobriria, a
caminho dos meus 16 anos, incompleta e fragmentada pela distância e pelo tempo,
dentro de mim e ao meu lado, ao ler pela primeira vez Casa grande e senzala.
Terminado o livro, que me parecia sem ponto final, voltei ao seu começo e o
reli inteiro, num deslumbramento sem bordas. Quando contei a um professor,
Herbert Parentes Fortes, o meu entusiasmo e como havia corrido para Sobrados e
mocambos, esse piauiense formado na Bahia me recomendou Nina Rodrigues e Manuel
Querino. Foi com esses três autores, e com Arthur Ramos, que, adolescente, me
convenci de que a escravidão fora o processo mais importante de nossa história
e que, como o escravo não nascia no navio negreiro, se impunha conhecer a
África, se queríamos entender o Brasil. De Os africanos no Brasil, eu repetia
para mim mesmo alguns parágrafos que me contavam, ademais, que as A África e eu
AL http://www.scielo.br/pdf/ea/v16n46/v16n46a16.pdf
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