Jorge Trabulo Marques - Jornalista - Um dos videos com imagens da Guiné Equatorial
na minha estadia em 2017
Não vês, como está o mar?!... Vais morrer!!.. Fica connosco!
Em
meados de Outubro, pouco tempo depois da Independência e após a escalada do
Pico Cão Grande, deixaria São Tomé a bordo do pesqueiro Hornet para ser largado
numa piroga na Ilha de Ano Bom, 180 Km a sul da linha do Equador, a fim de
tentar a travessia atlântica - com uma mensagem redigida pelo ministro da
Informação, Justiça e Trabalho
Em 1975 |
S, Tomé-Nigéria 13 dias 17 dias detido |
Pude preservar os registos fotográficos e o diário gravado num contentor do lixo
A canoa foi carregada a bordo do pesqueiro Hornet, em 15 de Outubro, de 1975, ao largo da Baía Ana de Chaves. No dia 18, de manhã, o pesqueiro fundeou ao largo da Ilha de Ano Bom- Próximo daquela que era então a Ilha mais esquecida do Mundo, apenas com uma ligação com Malabo
r
Exposição - No Centro Cultural Português, em S. Tomé - 28 a 30 de Julho 2015 - SOBREVIVER NO MAR DOS TORNADOS. 38 DIAS À DERIVA http://www.odisseiasnosmares.com/2015/07/em-s-tome-encerramento-da-exposicao.html
Ao pôr do sol, inesperadamente, a canoa foi arreada por ordem do comandante, alegando que a canoa estorvava a pesca e que já não podia deixar-me na zona da grande corrente equatorial, que me arrastaria a oeste ao longo do oceano. Penso que, àquela hora, com a noite prestes a cair, o fez mais para me atemorizar e me convencer a desistir.
Construçao da canoa |
Semanário O SOL |
Estando o mar calmo, não havendo vento, dada a proximidade da Ilha, havia pois o risco de poder ser assaltado... Praticamente, não consegui sair do mesmo sítio e sempre com os olhos na pequena ilha que tinha ali bem próximo, receoso que alguma canoa saísse de lá. Até porque as últimas palavras que ouvira do alto do convés, foram bem esclarecedoras: "escapa-te daqui o mais depressa que puderes, senão te roubam!!"...
Neste contentor pude preservar o dário gravado e maq. fotog |
Já com as primeiras sombras do curto crepúsculo e após um giro em torno do horizonte, o referido barco aproximou-se de mim e voltou a carregar-me a piroga, prometendo largar-me no dia seguinte. Às tantas da noite, já com o pesqueiro de novo fundeado ao largo e envolvido por enorme agitação, varrido de proa à popa, pela já habitual tempestade noturna da época das chuvas, que o assolara já nas anteriores noites, sim, depois de muitos dos tripulantes virem junto de mim, tentando persuadir-me a ficar a bordo com eles ("Jorge! Não vês, como está o mar?!... Vais morrer!!.. Fica connosco!.." ) o imediato veio falar comigo para me apresentar na cabine do Comandante: quis dissuadir-me a desistir da viagem, convidando-me a trabalhar a bordo. Não tendo aceite a sua proposta, obrigou-me assinar um termo de responsabilidade.
E lá parti de calções e descalço, sem
dinheiro no bolso, sem relógio e despojado de tudo; confiante de que a canoa
seria o meu único soalho e o meu único abrigo e não me deixaria ficar pelo
caminho.
Todavia,
sem saber por quanto tempo e os trabalhos que haveria de ter pela
frente....Certo, no entanto, de que (à semelhança das duas anteriores viagens:
de São Tomé à Ilha do Príncipe e São Tomé à Nigéria), haveria de encontrar dias
e noites de paz e de calma (momentos maravilhosos!) e outros dias e noites de
sobressalto, de tormento e agitação
Na manhã seguinte, a "Yon Gato", é finalmente arreada ao largo de Annobón, com rumo de retorno a São Tomé - Mal o sol equatorial raiara, como que emergindo do fundo do vasto manto azul circular: à voz de "canoa ao mar"! Lá fui sozinho à minha vida, rumo ao Norte, munido apenas de uma simples bússola! Desiludido por não ter sido largado um pouco mais a sul e a oeste, lá parti, de regresso a São Tomé, pelo desconhecido oceano a fora, a pensar em refazer nova viagem e com o apoio marítimo de alguém que não me traísse! - .
Após um dia de navegação normal, com vento pela popa e à vela - mas sempre perseguido por duas canoas para me roubarem os alimentos, dada a extrema penúria vivida naquela ilha - surge o inevitável temporal: um violento tornado, ao princípio da noite, vindo do sudeste, uma súbita rajada de vento seguida por uma enorme vaga, apanha-me desprevenido e ainda com a nova casca de noz, mal acabada de experimentar, solta-me o leme (que lhe adaptei - e só por milagre também eu não fui atirado, com a cana do leme, para o seio daquela escurissima confusão, que só a curtos espaços os relâmpagos iluminavam) deixa-me a piroga atravessada à vaga e desgovernada, varrendo-me os apetrechos e forçando-me alijar da maior parte de viveres para aliviar o lastro e não ir ao fundo
Após um dia de navegação normal, com vento pela popa e à vela - mas sempre perseguido por duas canoas para me roubarem os alimentos, dada a extrema penúria vivida naquela ilha - surge o inevitável temporal: um violento tornado, ao princípio da noite, vindo do sudeste, uma súbita rajada de vento seguida por uma enorme vaga, apanha-me desprevenido e ainda com a nova casca de noz, mal acabada de experimentar, solta-me o leme (que lhe adaptei - e só por milagre também eu não fui atirado, com a cana do leme, para o seio daquela escurissima confusão, que só a curtos espaços os relâmpagos iluminavam) deixa-me a piroga atravessada à vaga e desgovernada, varrendo-me os apetrechos e forçando-me alijar da maior parte de viveres para aliviar o lastro e não ir ao fundo
- Lá foram mandados ao mar três bidões de água potável e as latas de conserva oferecidas a bordo do Hornet.
Apressei-me a enrolar a vela e a colocar o mastro (suplente) de través para lhe conferir alguma estabilidade e a lançar o 4º bidão de plástico, meio de água, preso a uma corda para fazer de âncora flutuante de modo a forçá-la a estar de proa à vaga.. O colchão insuflável, coloquei-o à proa com a lanterna, sobre o estrado) para o que desse e viesse, sim, era a única boia que dispunha e eu não sabia ainda muito bem como a canoa iria resistir e se comportar..
Escusado será dizer que a noite fora pavorosa!...Não há palavras para a descrever..De manhã improvisei um remo com um barrote e uns bocados que arranquei da cobertura, junto à popa..Sim, nunca cruzei os braços, nunca me dei por vencido: foram infinitos os momentos em que a vida esteve sempre presa por um fio. Mas havia que lutar.
Apressei-me a enrolar a vela e a colocar o mastro (suplente) de través para lhe conferir alguma estabilidade e a lançar o 4º bidão de plástico, meio de água, preso a uma corda para fazer de âncora flutuante de modo a forçá-la a estar de proa à vaga.. O colchão insuflável, coloquei-o à proa com a lanterna, sobre o estrado) para o que desse e viesse, sim, era a única boia que dispunha e eu não sabia ainda muito bem como a canoa iria resistir e se comportar..
Escusado será dizer que a noite fora pavorosa!...Não há palavras para a descrever..De manhã improvisei um remo com um barrote e uns bocados que arranquei da cobertura, junto à popa..Sim, nunca cruzei os braços, nunca me dei por vencido: foram infinitos os momentos em que a vida esteve sempre presa por um fio. Mas havia que lutar.
No dia seguinte ao violento tornado |
Com o Embaixador Tito |
Com o Secretário-geral do PDGE |
Cabelo enegrecido por óleo de coco |
Conheci este homem há 45 anos - No dia 4 de Dezembro de 1975. Chama-se )Teodoro Obiang Nguema Mbasogo - É o Presidente da Guiné Equatorial. Salvou-me de ser condenado pelo seu tio, o auto-proclamado Presidente Vitalício Francisco Macias Nguema, que derrubaria em 3 de Agosto de 1979 -
Estive aqui preso alguns dias |
Ao cabo de 38 penosos dias, ao sabor das vagas, num simples madeiro escavado, acabo por acostar à Ilha de Bioko (ex-Fernando Pó), onde sou tomado por espião e encarcerado numa cela da Cadeia Central – para ser executado, já que este era o destino de quem ali era condenado: entrar vivo e sair cadáver. Considerada, naquela época, a prisão mais tenebrosa que os famigerados campos de concentração nazis
Entregue ao Emb do Brasil em S. Tomé |
Mesmo assim, dada a persistente desconfiança do então Presidente Macias, que nem depois de enviar o seu barbeiro pessoal (o santomense, Sr. Bandeira) se convencera, nem da veracidade da referida mensagem, nem dos meus argumentos, quem acaba por ordenar a minha soltura é o seu sobrinho, o então comandante das Policias e das Forças Armadas, o atual Presidente Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, a quem fico a dever a vida. A ele, pois, , um caloroso abraço de gratidão.
"Guineans believed their first president had supernatural powers. Using the knowledge of witchcraft he inherited from his sorcerer father, President Francisco Macias Nguema built a huge collection of human skulls at his homestead to beat his subjects to submission" In FRANCISCO MACIAS NGUEMA. The mad man from Equatorial
Nov - 1975 - OUVIA DA MINHA CELA NAUSEABUNDA, OS GRITOS LANCINANTES DE EXECUÇÕES E ESPANCAMENTOS – ONDE APENAS TINHA UMA LATA PARA FAZER AS NECESSIDADES E UM BANCO COMPRIDO PARA ME DEITAR
"Dizer Black Beach é dizer a morte.Quando um prisioneiro chega a essa prisão, sua família começa a preparar o caixão".
Depois de ter sido encarcerado numa das mais tenebrosas prisões de África, por ordens expressas do seu tio, o então jovem Obiang, confessava-se extremamente intrigado com o insólito desembarque clandestino de um português numa canoa e quis inquirir-me pessoalmente.
A referida cadeia fora mandada construir no tempo colonial espanhol. Chamavam-lhe, naquela altura, a Cadeia Central e situava-se junto à Praia Negra, da cidade de Malabo, capital da Guiné Equatorial –, Tratava-se, efetivamente, da famigerada Black Beach
A referida cadeia fora mandada construir no tempo colonial espanhol. Chamavam-lhe, naquela altura, a Cadeia Central e situava-se junto à Praia Negra, da cidade de Malabo, capital da Guiné Equatorial –, Tratava-se, efetivamente, da famigerada Black Beach
Quando um prisioneiro, ali dava entrada, era o sinal dado à sua família de que tinha de preparar o caixão para o ir buscar. Uns dias depois de ali ter sido encarcerado, fui conduzido ao edifício do Comando da Polícia e das Forças Armadas (aliás, contiguo à cadeia) onde se encontrava, Teodoro Obiang, sendo ele, então, o supremo comandante, que me mandou chamar ao seu gabinete - Foi o primeiro gesto de cortesia que eu encontrei a nível das autoridades policiais - Estou ainda hoje persuadido de que foi ele que me salvou de ser condenado.
"Havia todos os tipos de tortura. Eles penduravam os presos pelos tornozelos, amarraram-los em posições improváveis, vencê-los sem aviso prévio e em qualquer momento que eles queriam. Os guardas Black Beach tinham apenas a tarefa de espancar os prisioneiros", Outro problema era a comida: muitos prisioneiros morreram de fome. "E o cheiro. As células foram eram tão estreitas que uma pessoa não se poderia esticar, estavam sempre no escuro, e seu cheiro era muito forte, insuportável. Às vezes cheguei a pensar em me matar."iais - Estou ainda hoje persuadido de que foi ele que me salvou de ser condenado.
Dois dos seis tubarões capturados |
Mal me arrastava de fraqueza mas sentia-me como se estivesse a viver as aventuras de um inesperado Robinson Crusoe - E, mesmo ainda hoje, não sei se sentiria vontade de sair dali tão cedo. Porém, quando me apercebi de que havia um carreiro, muito batido, que ali desembocava e que poderia ser sinal de que a praia não era totalmente selvagem (de resto, pouco depois do nascer do sol e antes de a abordar, já ali tinha visto, na pequena língua do negro areal, um homem à cata de ovos de tartaruga) pelo que não tive outro remédio senão seguir aquele mesmo careiro, que me levaria a uma finca - à sede de uma plantação de cacau. Tal facto, ia-me custando a vida. Tomado por espião e depois de ter passado a primeira noite nos calabouços de uma esquadra, fui transferido algemado para Punta Fernando, onde ainda hoje se "encontra a famosa prisão de Black Beach também conhecida como prisão de Blay Beach onde foram encarcerados e torturados em numerosas ocasiões líderes políticos proeminentes
PIOR DE QUE CELA, AUTÊNTICA LIXEIRA DE RATOS E DE CHEIROS NAUSEABUNDOS
Quem fornecia a comida aos prisioneiros, eram os familiares. Lá dentro não havia cozinhas nem refeitórios. Ao lado da minha cela, situava-se a casa de banho dos guardas prisionais, que me mandava um pivete insuportável, mas que eu não podia utilizar. Havia baratas e percevejos por todos os lados. As ratazanas entravam na minha cela, chegavam a passear-se por cima de mim e a morder-me nos dedos dos pés, quando me deitava - Por vezes no chão, pois não conseguia estender-me e segurar-me no banco. Também nem sequer dispunha de uma torneira ou de um lavatório.
Para beber um copo de água tinha de o implorar aos guardas, que só mo levavam quando lhes apetecesse. Por outro lado, também tinha de levar com o cheiro das minhas fezes, pois, só de manhã eram recolhidas. Como se não bastasse o estado de desnutrição, que quase me arruinara, tinha agora que levar com os suores e cheiros do meu corpo, pois não tinha onde me lavar. Daí que, quem ali desse entrada, não tardasse a que, ao fim de alguns dias, tivesse a sensação de que, em vez do prisioneiro se sentir um ser humano, se identificasse como um pária e ficasse assim mais propenso a aceitar a condenação como um castigo justo e inevitável. Felizmente, nunca me deixei abater, porque, as adversidades do mar, me haviam preparado para todo o tido de dificuldades, no entanto, a passagem por aquela prisão (breve é certo) constitui uma marca negra nas minhas recordações da Guiné Equatorial e na minha vida.
Para beber um copo de água tinha de o implorar aos guardas, que só mo levavam quando lhes apetecesse. Por outro lado, também tinha de levar com o cheiro das minhas fezes, pois, só de manhã eram recolhidas. Como se não bastasse o estado de desnutrição, que quase me arruinara, tinha agora que levar com os suores e cheiros do meu corpo, pois não tinha onde me lavar. Daí que, quem ali desse entrada, não tardasse a que, ao fim de alguns dias, tivesse a sensação de que, em vez do prisioneiro se sentir um ser humano, se identificasse como um pária e ficasse assim mais propenso a aceitar a condenação como um castigo justo e inevitável. Felizmente, nunca me deixei abater, porque, as adversidades do mar, me haviam preparado para todo o tido de dificuldades, no entanto, a passagem por aquela prisão (breve é certo) constitui uma marca negra nas minhas recordações da Guiné Equatorial e na minha vida.
MAS QUE MAL TERIA FEITO EU, PARA, APÓS OS 38 DIAS DE SOFRIMENTO NO ALTO MAR, DAR ENTRADA NUM PRESIDIO DOS CONDENADOS À MORTE?!... - CHEGUEI MESMO A PENSAR SE NÃO TERIA VALIDO MAIS A PENA TER FICADO NA BARRIGA DE UM TUBARÃO.
Naquela altura, o pior que me poderia acontecer era acostar em qualquer ponto da Guiné Equatorial, ou nalguma das suas Ilhas ou no continente. Eu sempre pensei que os maiores riscos, não eram tanto as dificuldades no mar, mas a grande incerteza das condições em que poderia ser recebido onde fosse aportar. Quando fiz a viagem de São Tomé à Nigéria, depois de 13 dias solitários no mar, eu não fui maltratado mas não me livrei de ter sido privado da minha liberdade durante 17 dias, após o que me repatriaram para Portugal - Na viagem dos três dias de São Tomé ao príncipe, fui preso e espancado pela PIDE - Ó sorte macaca! Que no mar me protegeste e em terra me abandonaste!
"QUE ATREVIMENTO É ESSE!!" - QUASE ME IAM MATANDO QUANDO HASTEEI A BANDEIRA DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
Na viagem à Nigéria, levei as duas bandeiras: a de São Tomé e Príncipe e a de Portugal Mas, nesta viagem, apenas levei o pavilhão do jovem país independente aonde regressei sem um centavo na algibeira, onde encontrei todo o apoio que precisei para mandar construir a canoa e para a aparelhar.- Sim, e donde parti para grande aventura. No meu cárcere, em Bioko, um de dia resolvi hastear a Bandeira Nacional de São Tomé e Príncipe, - Quando o carcereiro, que, de volta e meia vinha espreitar a minha cela, topou, mas que heresia!... Foi buscar imediatamente a chave da cela e, ao entrar lá dentro, deu-me um empurrão contra a parede, e, ao mesmo tempo que agarrava nela e a amachucava, levando-a, berrava: Su mercenário! ¿Qué descaro!! Qué falta de vergüenza!! - Não posso dizer que fosse agredido fisicamente, mas humilhado e submetido a uma incerteza psicológica terrível. É que, após ter dado entrada naquele maldito presídio de condenados à pena capital, contava sempre com o pior: de resto, os presidiários que me visitaram pela janela e me levaram comida, avisam-me logo, com esta pergunta: "És político?!..- A que eu respondi: "Não!" Diz um deles: "Então talvez te safes. Mas não digas mal do Presidente, senão... podem decapitar-te!
POUCOS DIAS DE CATIVEIRO, MAS AUTÊNTICAS ETERNIDADES - QUEM NÃO RECEBESSE COMIDA DO EXTERIOR, MORRIA DE FOME
A cadeia não fornecia alimentação: tinham de ser os familiares. Nos primeiros três dias, quem me passou alguma comida (massa de mandioca, regada com óleo de palma, que mais das vezes a vomitava para a lata das necessidades, pois eu estava magríssimo e, o meu estômago, já não estava habituado a comer alimentos sólidos, há muitos dias), sim, quem me deu alguma comida, foram os próprios condenados, que trepavam curiosos à minha janela gradeada, durante o curto recreio que dispunham, num átrio para a qual a minha cela estava voltada. Creio que, naquela altura, devia ser o único europeu preso. Agora, depois que houve por lá uma tentativa fracassada de Golpe de Estado, em Março de 2004, estão lá presos alguns dos implicados. Mas nada que se compare às tenebrosas condições daqueles tempos.
Nos dias seguintes, passei a receber uma cestinha, com frutos e outros alimentos, por parte do barbeiro do Presidente Nguema, um amável são-tomense, que era também o representante diplomático e que ali tinha ido a seu mando para recolher informações a meu respeito - E, se não fosse o facto de ter comigo uma mensagem autenticada pelo MLSTP, que lhe entreguei para a mostrar a Nguema, dificilmente de lá sairia vivo - A mensagem destinava-se a saudar o Povo Brasileiro, viagem que não consegui realizar, pelo facto do comandante do pesqueiro americano se ter recusado a deixar-me na corrente equatorial, mas junto à Ilha de ANO BOM, onde os ventos e as correntes tomavam a direção Norte, tendo, nessa mesma noite, sido surpreendido por um violento tornado, que me fez perder a maior parte dos alimentos e apetrechos
Muitos são os homens que perseguem um ideal, que procuram dar um sentido às suas vidas. Porém, muitos deles acabam por serem surpreendidos pelas emboscadas da tragédia e da morte – Felizmente, ciladas de morte tive-as sempre por companhia ao meu lado, em perigosas escaladas e nas várias aventuras marítimas em que me envolvi, mas foram os ditames da vida, a força de vontade a levarem a melhor de vencid
Depois de ter realizado uma viagem costeira, desde a Baía Ana de Chaves (onde se situa a cidade), até à praia onde se encontra o padrão que assinala a chegada dos primeiros navegadores portugueses, precisamente na véspera do dia em se iniciavam as comemorações dos 500 anos da descoberta das ilhas – 20 e 21 de Dezembro de 1969 - (experiência que serviria também de teste para outras viagens mais arrojadas), parti então para a primeira aventura, que foi a travessia de São Tomé ao Príncipe.
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Larguei à meia-noite, clandestinamente, pois sabia que, se pedisse autorização, me seria recusada, dada a perigosidade da viagem, levando comigo apenas uma rudimentar bússola para me orientar. Fui preso pela PIDE, por suspeita de me querer ir juntar ao movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe, no Gabão, o que não era o caso. Levei três dias e enfrentei dois tornados. À segunda noite adormeci e voltei-me com a canoa em pleno alto mar. Esta era minúscula e vivi um verdadeiro drama para me salvar, debatendo-me como extrema dificuldade no meio daquele denegrido sorvedouro das águas
Cinco anos depois da travessia de São Tomé ao Príncipe, numa piroga um pouco maior, fiz a ligação de São Tomé à Nigéria. Uma vez mais parti sem dar a conhecer os meus propósitos, ao começo da noite, servindo-me apenas de uma simples bússola. Ao cabo de 13 dias chegava a uma praia ao sul deste país africano, tendo sido detido durante 17 dias por suspeita de espionagem, após o que fui repatriado para Portugal. Os jornais nigerianos destacaram em primeira página o feito,
OBJETIVOS DAS TRAVESSIAS
Por um lado, demonstrar as capacidades das canoas em longas
travessias, indo assim ao encontro da origem do povoamento das Ilhas do Golfo
da Guiné, por outro, norteado pelo admirável exemplo de
Alan Bombard, comecei a matutar e amadurecer a ideia de que, um dia,
deveria deixar as pequenas viagens de praia em praia, ir
mais longe! Demonstrar aos pescadores que, mesmo perdida a terra de vista, no
meio da tempestade, o mundo não ia desmoronar aos seus pés: - Não
deviam cruzar os braços resignarem-se à fatalidade de um destino incerto.
Confessavam-me eles: quando o pescador se perde, “só gente de
feitiço é que vai parar ao Príncipe ou ao Gabão; outra
pessoa morre pelo caminho: “gandú” vira-lhe a canoa e come-lhe a
perna”
Ora, foi
justamente contra estes velhos fantasmas, entretanto incutidos pela
presença do colonizador, que lhe teriam feito esquecer as
extraordinárias aventuras dos seus antepassados, a sua memória ancestral, por
que me bati, contraditando esses estigmas, restabelecendo-lhes a confiança de
antigos e corajosos navegadores das grandes travessias, entre o continente e as
ilhas. – Estou convicto de que as minhas teses, estão amplamente comprovadas –
De resto, assim também o testemunham antigas cartas
marítimas, anteriores à colonização, que permaneciam ocultas nos arquivos e
que, investigadores dedicados e esforçados, lograram trazer à luz do
conhecimento – Sobre estas questões, o leitor poderá encontrar desenvolvidos
textos no meu site: Odisseias nos Mares dos Tornados e Tubarões. SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE - ILHAS ASBEN E SANAM, POVOADAS POR
CANOAS AFRICANAS
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