Jorge Trabulo
Marques - Jornalista e investigador  C
Deu-me o prazer de me conceder várias
entrevistas, recebendo-me sempre em sua casa  e até me citar num dos seus
diários – Algumas das vezes no próprio dia do seu aniversário. 
Vergilio Ferreira,  escritor e professor de português. Autor  de
 meia centena de livros, uma vasta obra, dividida em ficção (romance, 
conto), ensaio e diário, agrupada em dois períodos literários: o 
Neo-Realismo e o Existencialismo. Considera-se que Mudança é a obra que 
marca a transição entre os dois períodos
Estudou
 no Seminário do Fundão, licenciou-se em Filologia Clássica na 
Universidade de Coimbra e exerceu funções docentes no Ensino Secundário.
 Notabilizou-se no domínio da prosa ficcional, sendo considerado um dos 
maiores romancistas portugueses deste século.
Escritor Vergilio Ferreira - O que está
perto dos olhos é o que menos se vê
Autor da "Manhã Submersa", "Em Nome da Terra", do "o
"Impossível Repouso" , chamado talvez pelos seus romances do
"Apelo da Noite" e "Cântico Final", guiado certamente pelo
da sua "Estrela Polar" partiu para "O Espaço Invisível " e
"Para Sempre", há 24 anos 
"O que está perto dos olhos é o que menos se
vê - Os que mais me recordo da minha infância, não tem a ver com factos mas com
atmosferas" – Começou por nos dizer na interessantíssima entrevista, de mais de
meia hora, que nos concedeu – Durante a qual nos falou da sua obra, tendo-nos dito
que, os contos é onde menos se pode repetir, considerando, porém, que é o
romance que mais o fascina, que é de uma magnitude incomparável que se vê
  Recordando
 um dos maiores vultos da literatura portuguesa, que me deu a honra e o 
prazer de me receber várias vezes em sua casa e de me conceder várias 
entrevistas - 
Noutra 
 das entrevistas, que me concedeu, perguntei-lhe o que pensava da vida 
para além da morte, e da morte em si, visto ser um tema muito recorrente
 na sua obra,,
“Eu
 já pensei que a morte era a passagem para o além, para uma vida que se 
seguiria a esta…Aliás, quando pensei, tinha toda a aparelhagem para 
isso, nesse mesmo além… Haveria um céu, haveria um inferno, haveria um 
purgatório, etc
O
 facto de me eu preocupar com a morte, não significa que a morte me 
assuste!... As pessoas tendem a confundir essas duas coisas: uma coisa é
 o medo da morte, outra coisa é a intriga que a norte nos causa!.. - -   Ouça a entrevista no vídeo, mais à frente
JTM - Acredita que há vida para além da morte?
V.F. - "Eu já pensei, evidentemente, que a morte era a passagem para o além, para uma vida que se seguiria a esta…Aliás, quando pensei, tinha toda a aparelhagem para isso, nesse mesmo além… Haveria um céu, haveria um inferno, haveria um purgatório, etc... Hoje estou convencido que a morte é um fim de tudo... Se não estivesse convencido,naturalmente, que a vida, no seu absurdo, não se me imporia tanto...
Portanto, eu não tenho razão absolutamente nenhuma para afirmar que depois desta vida não há mais nada.... A única razão é esse tal equilíbrio interior... Portanto, não vou discutir com ninguém que acredito no além...Não vou discutir com ele para lhe demonstrar que ele não tem razão e quem tem razão sou eu.. Essas coisas vivem-se no íntimo de nós sem que, no fim de contas para aí metamos entrego ou estopa, como se consuma dizer...
É
 naturalmente um fruto de mil acidentes, que nós vamos tendo na vida!...
 Mil encontros!... Mil livros que se leram, ideias que se tiveram, etc. Desse magma, desse conjunto de circunstâncias, resulta, naturalmente, uma determinada orientação, um determinado sentido... Essa orientação, impõem-se-nos!...  Não somos nós que a deliberamos... E é o que se passa, comigo,  nesse aspeto
V.F. - Porque a vida é realmente incompreensível
 em função do nada da morte... É a morte que põe em destaque essa mesma 
vida, como, digamos, no escuro da noite se destaca um fósforo que se acenda...Uma luz que se acenda... 
Portanto,  justamente porque eu vejo na morte o nada total da vida e um milagre espantoso, naturalmente que a morte impõe-se-me como motivo de meditação!.. Aliás, devo dizer, que, impôs-me mais do que se me impõe hoje  houve outros problemas que se foram sobrepondo a esse... Porque, no fim de contas,  um problemas pode resolver-se pelo seu desgaste... Não é porque tenha encontrado definitivamente uma solução  para essa intriga que se impunha ou se me impôs, durante muito tempo., não é porque tenha encontrado uma solução dessas que, de facto, o problema já me não impõe tão agudidamente... É porque, de facto, seja o que for,  porque, desde que nós nisso insistamos, acaba por se desgastar, por nos fatigar, um pouco.
JTM -  Nunca se viu à beira da morte?
| ...procuro algo que esteja além de mim... | 
Mas devo dizer que, nesse momento, nesses momentos  - aliás quando fui atropelado -, não tive tempo de pensar porque... esse pensar apagou-se-me, porque, quando há perda de consciência (eu não sabia mas verifiquei por mim) a memória apaga-se-nos até uma hora ou duas horas antes do acidente!... Não assim, quando tive o enfarte, porque, nessa altura, eu vi a coisa progredir... justamente para o nada da morte!...
Não tinha tempo de pensar na morte, sentia-me apenas aflito!... Com um mal-estar tremendo!... E era só que me preocupava.
JTM - Portanto, não ficou assustado! Não teve consciência para ficar assustado?
Agora, isso, de maneira nenhuma se me impõe: o que se impõe é que isto acabou definitivamente!... Mas, como não tenho razões nenhumas, exceto a vida interior  - a que há pouco disse - pois naturalmente não posso ter argumento nenhum para provar isso!... Mas, se por absurdo eu me encontrasse vivo depois da morte, não sei!... Ficava um bocado intrigado!... Mas não ficaria assim muito admirado disso!...
(...) Sabe que eu não acredito na sobrevivência para além da morte, não acredito nisso... O problema, intriga-me!... Outros acreditam que sobreviverão... Pois, não tenho argumento nenhum contra eles!... Eles não têm nenhum argumento a opor-me a mim!... 
O problema é assim: toda a condução da minha vida; tudo aquilo que eu tenha que pensar em função da vida e da morte, centra-se nesta certeza:  de que, realmente, depois da morte não há nada. 
Literariamente,
 começou por ser neo-realista (anos 40), com "Vagão Jota" (1946), 
"Mudança" (1949), etc. Mas, a partir da publicação de "Manhã Submersa" 
(1954) e, sobretudo, de "Aparição" (1959), Vergílio Ferreira adere a 
preocupações de natureza metafísica e existencialista. A sua prosa, que 
entronca na tradição queirosiana, é uma das mais inovadoras dos 
ficcionistas deste século.
O
 ensaio é outra das grandes vertentes da sua obra que, aliás, acaba por 
influenciar a sua criação romanesca. Temas como a morte, o mistério, o 
amor, o sentido do universo, o vazio de valores, a arte, são recorrentes
 na sua produção literária. Além disto, Vergílio Ferreira deixou-nos 
vários volumes do diário intitulado "Conta-Corrente". Das suas últimas 
obras destacam-se: "Espaço do Invisível", "Do Mundo Original" (ensaios),
 "Para Sempre" (1983), "Até ao Fim" (1997) e "Na tua Face" (1993). 
Recebeu o Prémio Camões em 1992. https://www.wook.pt/autor/vergilio-ferreira/17635
Eis o que escreveu no dia em que completava 64 anos, publicado na Conta-Corrente 1980-1981, após ter tido um acidente vascular:
Entretanto,
 o mundo, que é um pouco maior do que nós (será?), vive numa tensão 
pavorosa. A URSS invadiu o ,Afeganistão. O imperialismo que vive nela e 
ela tem  tentado
 disfarçar, desta vez veio ao de cima sem disfarce. Mas não há 
inconveniente para a fé dos correligionários. Contei na Alegria Breve a 
história (real) de uma rapariga que negava estar grávida, mesmo quando o
 medico lhe fez saltar o leite do perco. Bom. E como sobremesa da 
invasão, a prisão deSakarov, A Tarde pediu-me um depoimento. Lá o dei. 
Outros «intelectuais» o deram também. Cito o da Agustina: depois de nos 
dar a extraordinária notícia de que os governos estáveis são normalmente
 «maquiavélicos», acha que «não há sínteses felizes para definir a 
política das persuasões» .. Não sejamos ambiciosos. Há à que é para 
entender e o que é só para admirar"
 
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