Jorge Trabulo
Marques - Jornalista e investigador C
Deu-me o prazer de me conceder várias
entrevistas, recebendo-me sempre em sua casa e até me citar num dos seus
diários – Algumas das vezes no próprio dia do seu aniversário.
Vergilio Ferreira, escritor e professor de português. Autor de
meia centena de livros, uma vasta obra, dividida em ficção (romance,
conto), ensaio e diário, agrupada em dois períodos literários: o
Neo-Realismo e o Existencialismo. Considera-se que Mudança é a obra que
marca a transição entre os dois períodos
Estudou
no Seminário do Fundão, licenciou-se em Filologia Clássica na
Universidade de Coimbra e exerceu funções docentes no Ensino Secundário.
Notabilizou-se no domínio da prosa ficcional, sendo considerado um dos
maiores romancistas portugueses deste século.
Nasceu em Melo, aldeia do concelho de Gouveia, na Beira Alta, a meio da tarde do dia 28 de Janeiro de 1916, tendo como fundo a Serra da Estrela, ambiente e paisagem que iria moldar a sua personalidade e influenciar a sua vasta obra - Faleceu
na sua casa de campo, em Fontanelas, no dia 1 de Março de 1966, pouco
depois da hora do lanche. Quando a sua esposa (Regina Kasprzykowski)
entrou na sala para ir buscar a chávena e bule, encontrou-o estendido de
costas sobre o tapete no chão e com rosto voltado para a janela. Ele,
que tanto interrogara a morte, pelos vistos, respondeu ao seu apelo da
forma mais pacífica e tranquila.
Escritor Vergilio Ferreira - O que está
perto dos olhos é o que menos se vê
Autor da "Manhã Submersa", "Em Nome da Terra", do "o
"Impossível Repouso" , chamado talvez pelos seus romances do
"Apelo da Noite" e "Cântico Final", guiado certamente pelo
da sua "Estrela Polar" partiu para "O Espaço Invisível " e
"Para Sempre", há 24 anos
"O que está perto dos olhos é o que menos se
vê - Os que mais me recordo da minha infância, não tem a ver com factos mas com
atmosferas" – Começou por nos dizer na interessantíssima entrevista, de mais de
meia hora, que nos concedeu – Durante a qual nos falou da sua obra, tendo-nos dito
que, os contos é onde menos se pode repetir, considerando, porém, que é o
romance que mais o fascina, que é de uma magnitude incomparável que se vê
Recordando
um dos maiores vultos da literatura portuguesa, que me deu a honra e o
prazer de me receber várias vezes em sua casa e de me conceder várias
entrevistas -
Noutra
das entrevistas, que me concedeu, perguntei-lhe o que pensava da vida
para além da morte, e da morte em si, visto ser um tema muito recorrente
na sua obra,,
“Eu
já pensei que a morte era a passagem para o além, para uma vida que se
seguiria a esta…Aliás, quando pensei, tinha toda a aparelhagem para
isso, nesse mesmo além… Haveria um céu, haveria um inferno, haveria um
purgatório, etc
O
facto de me eu preocupar com a morte, não significa que a morte me
assuste!... As pessoas tendem a confundir essas duas coisas: uma coisa é
o medo da morte, outra coisa é a intriga que a norte nos causa!.. - - Ouça a entrevista no vídeo, mais à frente
JTM - Acredita que há vida para além da morte?
V.F. - "Eu já pensei, evidentemente, que a morte era a passagem para o além, para uma vida que se seguiria a esta…Aliás, quando pensei, tinha toda a aparelhagem para isso, nesse mesmo além… Haveria um céu, haveria um inferno, haveria um purgatório, etc... Hoje estou convencido que a morte é um fim de tudo... Se não estivesse convencido,naturalmente, que a vida, no seu absurdo, não se me imporia tanto...
Evidentemente que estas certezas não se baseiam em nada... Baseiam-se num equilíbrio interior que diz que é assim ou não é assim... Aliás, é em função desse equilibro interior que nós aderimos ou não aderimos a muita coisa na vida: desde a mulher que se ama, a política que se segue, o clube de futebol a que se adere, etc.
Portanto, eu não tenho razão absolutamente nenhuma para afirmar que depois desta vida não há mais nada.... A única razão é esse tal equilíbrio interior... Portanto, não vou discutir com ninguém que acredito no além...Não vou discutir com ele para lhe demonstrar que ele não tem razão e quem tem razão sou eu.. Essas coisas vivem-se no íntimo de nós sem que, no fim de contas para aí metamos entrego ou estopa, como se consuma dizer...
É
naturalmente um fruto de mil acidentes, que nós vamos tendo na vida!...
Mil encontros!... Mil livros que se leram, ideias que se tiveram, etc. Desse magma, desse conjunto de circunstâncias, resulta, naturalmente, uma determinada orientação, um determinado sentido... Essa orientação, impõem-se-nos!... Não somos nós que a deliberamos... E é o que se passa, comigo, nesse aspeto
V.F. - Porque a vida é realmente incompreensível
em função do nada da morte... É a morte que põe em destaque essa mesma
vida, como, digamos, no escuro da noite se destaca um fósforo que se acenda...Uma luz que se acenda...
Portanto, justamente porque eu vejo na morte o nada total da vida e um milagre espantoso, naturalmente que a morte impõe-se-me como motivo de meditação!.. Aliás, devo dizer, que, impôs-me mais do que se me impõe hoje houve outros problemas que se foram sobrepondo a esse... Porque, no fim de contas, um problemas pode resolver-se pelo seu desgaste... Não é porque tenha encontrado definitivamente uma solução para essa intriga que se impunha ou se me impôs, durante muito tempo., não é porque tenha encontrado uma solução dessas que, de facto, o problema já me não impõe tão agudidamente... É porque, de facto, seja o que for, porque, desde que nós nisso insistamos, acaba por se desgastar, por nos fatigar, um pouco.
JTM - Nunca se viu à beira da morte?
...procuro algo que esteja além de mim... |
Mas devo dizer que, nesse momento, nesses momentos - aliás quando fui atropelado -, não tive tempo de pensar porque... esse pensar apagou-se-me, porque, quando há perda de consciência (eu não sabia mas verifiquei por mim) a memória apaga-se-nos até uma hora ou duas horas antes do acidente!... Não assim, quando tive o enfarte, porque, nessa altura, eu vi a coisa progredir... justamente para o nada da morte!...
Não tinha tempo de pensar na morte, sentia-me apenas aflito!... Com um mal-estar tremendo!... E era só que me preocupava.
JTM - Portanto, não ficou assustado! Não teve consciência para ficar assustado?
V.F- - Não. O problema da morte, o facto de me eu preocupar com a morte, não significa que a morte me assuste!... As pessoas tendem a confundir essas duas coisas: uma coisa é o medo da morte, outra coisa é a intriga que a morte nos causa!...A mim a morte!....Dizer que não me importava de morrer!... Ou que nunca me importei de morrer?... Não é verdade... Importo-me tanto como as outras pessoas... Não é
que a coisa me apavore!... E cada vez me importo menos à medida que o
fim se chega: simplesmente uma coisa é isto, outra coisa é nós querermos encontrar uma resposta para esta oposição para duas realidades que se opõem flagrantemente: de um lado a vida com todo o seu milagre! e por outro lado a morte com todo o seu martírio!... Portanto, a intriga deste problema é que sempre se me colocou!... Não é o problema do medo da morte...
Vejamos, por absurdo, que eu depois da morte eu me encontrava, de facto, a viver no além, com a minha autoconsciência, etc,etc... Também eu ficava surpreendido. ..
Agora, isso, de maneira nenhuma se me impõe: o que se impõe é que isto acabou definitivamente!... Mas, como não tenho razões nenhumas, exceto a vida interior - a que há pouco disse - pois naturalmente não posso ter argumento nenhum para provar isso!... Mas, se por absurdo eu me encontrasse vivo depois da morte, não sei!... Ficava um bocado intrigado!... Mas não ficaria assim muito admirado disso!...
(...) Sabe que eu não acredito na sobrevivência para além da morte, não acredito nisso... O problema, intriga-me!... Outros acreditam que sobreviverão... Pois, não tenho argumento nenhum contra eles!... Eles não têm nenhum argumento a opor-me a mim!...
O problema é assim: toda a condução da minha vida; tudo aquilo que eu tenha que pensar em função da vida e da morte, centra-se nesta certeza: de que, realmente, depois da morte não há nada.
“Homem de diversas
facetas, a de filósofo e a de escritor, a de ensaísta, a de romancista e
a de professor. Contudo, foi na escrita que mais se destacou, sendo dos
intelectuais contemporâneos mais representativos. Toda a sua obra está
impregnada de uma profunda preocupação ensaística. Vergílio Ferreira
Literariamente,
começou por ser neo-realista (anos 40), com "Vagão Jota" (1946),
"Mudança" (1949), etc. Mas, a partir da publicação de "Manhã Submersa"
(1954) e, sobretudo, de "Aparição" (1959), Vergílio Ferreira adere a
preocupações de natureza metafísica e existencialista. A sua prosa, que
entronca na tradição queirosiana, é uma das mais inovadoras dos
ficcionistas deste século.
O
ensaio é outra das grandes vertentes da sua obra que, aliás, acaba por
influenciar a sua criação romanesca. Temas como a morte, o mistério, o
amor, o sentido do universo, o vazio de valores, a arte, são recorrentes
na sua produção literária. Além disto, Vergílio Ferreira deixou-nos
vários volumes do diário intitulado "Conta-Corrente". Das suas últimas
obras destacam-se: "Espaço do Invisível", "Do Mundo Original" (ensaios),
"Para Sempre" (1983), "Até ao Fim" (1997) e "Na tua Face" (1993).
Recebeu o Prémio Camões em 1992. https://www.wook.pt/autor/vergilio-ferreira/17635
Eis o que escreveu no dia em que completava 64 anos, publicado na Conta-Corrente 1980-1981, após ter tido um acidente vascular:
28
Janeiro (segunda). Aqui estou, pois, no gueto, até se cumprir um mês
sobre o acidente. E para não haver grandes intervalos de escrita, aqui
estou a entrever. Dá-se o caso, aliás, de cumprir hoje 64 anos . Sem
cometários. Perdi no dia 4 uma boa oportunidade de não ter de fazer mais
contas. Como é nova e viva está sensação de que tudo está feito, de que
é perfeitamente aceitável que a vida, os outros, nos excluam. Mas fiz
64. É curioso. E já agora talvez que venha a refletir um pouco no que
fui nesses 64. E a ideia mais forte que se me impõe (qual a que se impõe
aos outros?) é a de que fui uma espécie de «falso», como se diz dos
«falsos>> da pintura. De um lado está o nosso ser que é
normalmente bons deuses, péssimo; e do outro o parecer, que já não é
mau de todo. Entre os dois nos corre mais ou menos a vida. Ela é assim
quase sempre velhacóide. Quanto a mim, deu-me pouco; e o pouco que me
deu foi extremamente regateado. Oh, que a comédia acabe depressa, quero
lá saber. Mas sem muita maçada, se não é muita maçada. São os votos que
me faço no dia do aniversário.
Entretanto,
o mundo, que é um pouco maior do que nós (será?), vive numa tensão
pavorosa. A URSS invadiu o ,Afeganistão. O imperialismo que vive nela e
ela tem tentado
disfarçar, desta vez veio ao de cima sem disfarce. Mas não há
inconveniente para a fé dos correligionários. Contei na Alegria Breve a
história (real) de uma rapariga que negava estar grávida, mesmo quando o
medico lhe fez saltar o leite do perco. Bom. E como sobremesa da
invasão, a prisão deSakarov, A Tarde pediu-me um depoimento. Lá o dei.
Outros «intelectuais» o deram também. Cito o da Agustina: depois de nos
dar a extraordinária notícia de que os governos estáveis são normalmente
«maquiavélicos», acha que «não há sínteses felizes para definir a
política das persuasões» .. Não sejamos ambiciosos. Há à que é para
entender e o que é só para admirar"
"Vergílio Ferreira iniciou a sua actividade literária na década de quarenta do século XX. -
Seduzido pela força do neorealismo, sofrerá uma sensível mudança que o
tornou marginal à ideologia marxista, mas que o afastará também do
catolicismo. O que essencialmente o fez mudar, como ele próprio
escreveu, não foi a aspiração ao humanismo e à justiça, mas um conceito
prático de justiça e de humanismo, pois que se os modos de concretização
de um sonho podem sofrer correcção, não o sofreu neste caso, a
aspiração que visava concretizar. Transparecia seguramente nesta mudança. - Mais pormenores em http://cvc.instituto-camoes.pt/filosofia/1910j.html
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