Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista
Natália Correia – “Quando estou a escrever um poema é um ato de comunhão com o Universo!... um ato
cósmico!... “ – Diz a autora do poema “Creio nos Anjos que andam pelo Mundo” –
Num poema que me leu em 1990, no mítico Botequim, por ocasião do Prémio
da APE - pelo seu livro “Sonetos
Românticos”
Natália Correia, partiu para o reino da
invisibilidade, há 27 anos – De seu nome completo, Natália de
Oliveira Correia, , nasceu a 13 de Setembro de 1923 em Fajã de Baixo , Ponta
Delgada, São Miguel, Açores e faleceu em 16 de Março de 1993 em Lisboa - Aos 11 anos desloca-se
para Lisboa e aqui acaba por passar grande parte da sua vida..
Poetisa e activista social portuguesa,
bem como autora da letra oficial do "Hino dos Açores", o hino
regional da Região Autónoma dos Açores. Autora de
extensa e variada obra, com predominância no ensaio, teatro e poesia.
Deputada à AR; (1980-1999
– A sua obra atravessou vários géneros da
comunicação social portuguesa, tendo colaborado com muitas publicações
portuguesas e internacionais.Fez programas de
televisão destacando-se o “Mátria” que apresentava o lado matriarcal da
sociedade portuguesa
"Mulher de paixões,
casou quatro vezes ao longo dos seus 70 anos. Fez televisão, foi dramaturga, poetisa e estreou-se na ficção com o romance infantil «Aventuras de
um Pequeno Herói», em 1945. Foi jornalista no Rádio Clube Português e colaborou no jornal Sol.
Ativista política: apoiou a candidatura de Humberto Delgado; assumiu
publicamente divergências com o Estado Novo e foi condenada a prisão com pena
suspensa em 1966, pela «Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica».
ESTIVE AO LADO DE SUA MESA NO BOTEQUIM, NA NOITE QUE SERIA A ÚLTIMA DO BOTEQUIM E DA SUA VIDA
Na
última noite, que deixou para sempre o "Botequim", da liberdade, no
Largo da Graça, em Lisboa, um pouco mais cedo do que o habitual, dado
ter começado a sentir uma certa indisposição, tal como pude testemunhar
pela palidez do seu rosto e até por algumas das suas expressões,
dado estar sentado numa cadeira ao lado da sua mesa, e, nomeadamente,
quando a vi levantar-se e tomar um táxi, na companhia do seu
companheiro, grande amigo e apaixonado, Dórdio Guimarães (Porto, 10 de Março de 1938 - 2 de
Julho de 1997), poeta, cineasta,
ficcionista e jornalista português.. Dórdio
Guimarães – Wikipédia, a enciclopédia livre
De entre as muitas entrevistas e inquéritos radiofónicos que ali fiz a várias
figuras que frequentavam aquele mítico espaço, no bar “Botequim”, onde declamou, polemizou e cantou durante muitos
anos, transformando-o no ponto de reunião da elite intelectual e política nas
décadas de 1970 e 80, pois,, além das entrevistas
que me concedeu e de poemas que lhe pude
gravar , bem como de outras que ali foram congeminadas, e que
dariam muito que falar, como o caso das entrevistas sobre a (Primeira Vez) , sim, sexualmente falando, para o semanário Tal & Qual, como q Graça Lobo; Afonso Moura
Guedes; Carlos Botelho; Raul Solnado; Ivone Silva; Narana Coissoró; Ary
dos Santos; Raul Calado; Simone de Oliveira; Vitorino de Almeida e uma entrevista à própria Amália, parte da qual ainda inédita, que teve como epílogo a fuga rocambolesca de sua casa. quero aproveitar
para, nesta data que tão triste foi para todos os seus amigos e para
quem com ela privara ou a conhecia, recordar aqui a sua memória,
começando por aqui oferecer aos leitores o registo do poema, em 1990,
pela sua própria voz, "O Dilúvio e a Pomba", intitulado “O Livro dos Mortos, ,a
cuja leitura aproveitei para acrescentar a sua voz, numa daquelas
calorosas noites, também ali a cantar no tão inesquecível Botequim.
TAMBÉM FUI DOS NAVEGANTES NA MESMA NAU - ANCORADA A UM CANTO DO CASARIO DO LARGO DA GRAÇA, Nº 79 - Houve
um período de alguns meses, que deixei de frequentar aquele espaço,
porque, ao apresentar-lhe um casal meu amigo, a jovem disse-lhe que a
gostava de ver como deputada na Assembleia da República. Ela não gostou
do elogio, pois já tinha abandonado o hemiciclo, e, virando-se para mim,
diz-me, em alta voz: "Então apresenta-me pessoas, que só me
conhecem, como deputada e desconhecem a minha obra?!... Podem ir por
onde entraram, que têm a porta aberta!" - E lá fomos todos embora.
Em todo o caso, salvo essa birra, tive o grato prazer de ser um dos participante das acaloradas tertúlias, que ali decorriam
– Do quais guardo as mais inesquecíveis memórias:
naquele espaço, tão único e tão singular
das noites lisboetas, ao mesmo tempo poético e político, social,
sociável e cultural, esotérico, intimista, amistoso, confessional e
familiar.
Pequeno mas, que, em certas noites,
parecia ser a grande aeronave espacial que nos levava nunca se sabia bem a que
parte - tanto ao perto, como bem ao longe: aos enredos e intrigas
de Belém, de S. Bento, no cotejo desta ou daquela figura, em
conciliábulos conspiratórios acaloradas discussões ou inesperados debates, mostras de
pintura, lançamento de livros, récitas de poesia, música e canto,
fazendo-nos divagar, sabe-se lá por onde e por que confins, e a falar de
alguém, morto ou vivo, indo ao fundo da história e da literatura,
levando-nos por oceanos a fora, não só ao Brasil, como a Cabo Verde, S.
Tomé, Angola, Moçambique, a Macau e a Timor, aos vários pontos do Mundo. Temas
não faltavam: falava-se de tudo, frontalmente e não em surdina
ou de forma brejeira - Falava-se, sem preconceitos mas sempre de modo
vivo, curioso e interessante, mas com a reverência de que havia ali
uma rainha que exigia vassalagem, culta, multifacetada e
carinhosa, que adorava o convívio,
que encantava e provocava a curiosidade, o
diálogo, a ousadia, a imaginação, conquanto não raiasse o
palavrão ou o insulto
-Tal como na
sua escrita (desde a poesia, narrativa ao teatro) e na suas intervenções
públicas, Natália Correia, era a mulher da insubmissão, que criticava e
questionava, abrindo as portas à indignação e à rebeldia, num tom
mesclado com a tónica do humor, do sarcasmo. Tinha resposta
imediata, tal como ao fingimento ou à sobranceria:
De tal modo incómoda foi, para certos espíritos
mesquinhos, que, mesmo depois de ter falecido – diz Fernando Dacosta - alguém na RTP" convida-me para fazer um
programa para a rubrica "letras e Artes" sobre a sua vida. Dias
volvidos, a mesma pessoa contacta-me, envergonhada: os responsáveis da estação
opunham-se, Natália continuava-lhes (mesmo morta), insuportável.Foto por mim obtida, à saída de um espetáculo de gala no Casino Estoril |
"NATÁLIA CORREIA: O QUE É PARA SI A MORTE?... é O FIM OU O PRINCIPIO DE UMA NOVA VIDA?" - Esta era a pergunta que eu
lhe tinha ido fazer ao Botequim, a ela e a algumas das pessoas ali
presentes, num inquérito radiofónico que estava a realizar para a Rádio
Comercial.- Respondeu- com a leitura de um dos seus belos poemas
Natália,
começou por me surpreender com esta resposta, que não esperava: "Seria
presunção de minha parte, poder dar uma resposta àquilo que ainda
ninguém conseguiu ainda dar. A não ser as religiões, através de mitos.
Que são respeitáveis, evidentemente, que de certa maneira vêm satisfazer
a grande ansiedade dos seres humanos sobre a
questão da morte, que é o grande tema da vida. Mas eu vou responder-lhe
em poema. Vou lhe dizer um poema do meu livro: “O Dilúvio e a Pomba,
intitulado “O Livro dos Mortos."
QUANDO ME DEREM POR MORTA, DE LÁGRIMAS NEM UMA PINGA. (Natália Correia
O LIVRO DOS MORTOS
Quando me derem por morta
de lágrimas nem uma pinga:
um trevo de quatro folhas
tenho debaixo da língua.
Está em regra o passaporte.
Venha o Limite da idade.
Não me chorem, não é morte
é só invisibilidade.
Túnel, poço ou espiral
suga a alma. Fica o corpo.
Vai-se a cópia sideral
e isso não é estar morto.É assombro e estranhez
por não ser o céu ainda.
Há que morrer outra vez.
Demanda de Deus não finda.
Já noutro modo de ser,
Eterna, é contudo breve
a vida! Sempre a ascender
fica cada vez mais leve.
Até que – é esse o endereço –
já não é precisa a alma.
Unido o fim ao começo
Espírito encontra a morada.
De lembrar cessa o sentido
onde está tudo na Glória.
Por isso pelo caminho
foi-se perdendo a memória.
Por favor, em funeral
não me ponham pranto à volta.
Isso do choro faz mal
a quem do peso se solta.
Quando me derem por morta
de lágrimas nem uma pinga:
um trevo de quatro folhas
tenho debaixo da língua.
Está em regra o passaporte.
Venha o Limite da idade.
Não me chorem, não é morte
é só invisibilidade.
Túnel, poço ou espiral
suga a alma. Fica o corpo.
Vai-se a cópia sideral
e isso não é estar morto.É assombro e estranhez
por não ser o céu ainda.
Há que morrer outra vez.
Demanda de Deus não finda.
Já noutro modo de ser,
Eterna, é contudo breve
a vida! Sempre a ascender
fica cada vez mais leve.
Até que – é esse o endereço –
já não é precisa a alma.
Unido o fim ao começo
Espírito encontra a morada.
De lembrar cessa o sentido
onde está tudo na Glória.
Por isso pelo caminho
foi-se perdendo a memória.
Por favor, em funeral
não me ponham pranto à volta.
Isso do choro faz mal
a quem do peso se solta.
Aqui parecendo cadáver,
indemne à carne, não morta,
já em frente vou na nave
que eu tenho um trevo na boca.
E se a sombra me queimarem,
bem hajam. Não sou católica.
Mas se missa me rezarem
pela alma, não me importa.
Neste poema "apela-se ao conhecimento oculto:
não se deve chorar pela pessoa que partiu, primeiro porque a morte não existe,
morrer “é só invisibilidade”, a pessoa continua. Aliás, já o Fernando Pessoa
dizia no Cancioneiro: “A morte é a curva da estrada / morrer é só não ser
visto.” Segundo, quando ela diz “Não me chorem” (v. 7), “não me ponham pranto à
volta. / Isso de choro faz mal / a quem do peso se solta” (vv. 30-32)
refere-se, na interpretação de António Macedo, à grande perturbação que se
provoca à pessoa que partiu, pois esta precisa de estar três dias e meio numa
posição horizontal, numa dimensão suprafísica, em estado descanso para proceder
a um certo tipo de trabalho antes de partir para outros túneis mais luminosos e
elevados ‑ “Sempre
a ascender”, diz a poeta no verso 19. Desde a primeira estrofe, com “um trevo
de quatro folhas […] debaixo da língua” (clara referência simbólica ao costume
grego de colocar uma moeda, chamada óbolo, sob a língua do cadáver, para pagar
Caronte pela viagem), até à sexta estrofe, verifica-se as fases por que a poeta
acredita vir a passar, uma vez ultrapassado o “Limite de idade.”
"No livro
Instruções Iniciáticas ‑ Ensaios
Espirituais (Hugin Editores, 1999), António Macedo chama-a de “sacerdotisa tão
pouco descoberta, ainda por encontrar, do enigmático «século XX português»”. E
acrescenta, no documentário de 1999 “A Senhora da Rosa (Natália Correia)”
realizado por Teresa Tomé para a RTP-Açores: “a Natália Correia era uma
sacerdotisa de um sagrado que hoje as pessoas não entendem, porque não é um
paganismo, não é um cristianismo… ou talvez seja um certo tipo de cristianismo.
Ela tinha uma veneração muito grande pelo Espírito Santo.”
“Natália sentia
que era chegada a era do Espírito, que deveria seguir-se à do Pai e à do Filho.
Natália não era católica mas não desdenhava da religião pois escreveu num dos
seus mais belos poemas [“O Livro dos Mortos”, vv. 38-40] que não desdenhava
duma missa rezada por sua alma. Aliás, sempre me pareceu que o seu culto do esotérico
era uma janela aberta onde buscou sem parar o mundo espiritual e tentou
encontrar sempre as suas fontes últimas buscando a religião perfeita.” (Carlos
Melo Bento, “Para uma biografia de Natália Correia: o Reino dos Transparentes”,
2004-07-16) – Excerto de Para uma biografia de Natália Correia: o Reino dos Transparentes”, 2004-07-16)
António Vilar - 1981 – Entrevista ao ator mais célebre do cinema português dos anos 50 - Nas inesquecíveis Noites do Botequim da Liberdade de Natália Correia http://www.vida-e-tempos.com/2015/05/antonio-vilar-1981-ator-mais-celebre-do.htm
Natália Correia – “Quando estou estou a escrever um poema é um ato de comunhão com o Universo!... um ato
cósmico!... “ – Disse a autora do poema “Creio nos Anjos que andam pelo Mundo” –
1990 – Botequim – Por ocasião do Prémio
da APE - pelo seu livro “Sonetos
Românticos”
A POESIA É MÁGICA POR NATUREZA – E a via escolhida por Natália Correia - uma Anteriana convicta – foi a do soneto: do neo-romantismo.
“Tal como Antero, foi fazer sonetos em plena época ultra-romântica, quando o soneto estava atirado para o caixote do lixo, ele foi busca-lo e pôs-lhe uma essência, uma mensagem completamente diferente! – E até aparece como pioneiro do existencialismo: pondo, precisamente, a questão da essência, da existência…
Portanto, eu fiz a mesma coisa: ao dizer
que o conteúdo é o mesmo! - embora eu me
sinta muito Anteriana!... Mas, não é por acaso que o livro é só de sonetos.
JTM
- Mas esse livro de sonetos…
NC
-
É!... Porque eu acho que nós já passamos essa da desconstrução!... Para
entrar na época da construção!... E arte… o hermetístico!...
desintegrou todas as formas!... O que correspondiam a uma atitude!...
A uma descrença humana!... Quer dizer… nos
mitos! Nos ideais!... Nos paradigmas!...E hoje é preciso encontrar um
novo
paradigma!...
Portanto, nós temos que caminhar para uma unidade!...
E o soneto é uma expressão de unidade!...
Estas palavras, fazem parte da entrevista que, Natália
Coreia me concedeu, a par da leitura de um dos seus belos poemas, no interior
do próprio ambiente do Botequim, sobre a hora da ceia, no dia em que foi
distinguida com o Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, pelo
seu livro “Sonetos Românticos, – Foram vários os registos que ali tive o prazer
de gravar para a Rádio Comercial – Hoje vou aqui reproduzir um desses muitos registos, em som (video editado um pouco atrás) e o seguinte texto:.
JTM – Acredita-se que, Natália, vem
cultivando a substância mágica da poesia!... Continua nessa linha?
NC – A poesia é mágica, por natureza!... A
palavra mágica e a poesia, são consubstanciais!... Porque… vamos lá a ver… O
que é a magia, em termos poéticos?!... É precisamente o encantatório!... Que
chama!... Que arrebata!... E faz cair num êxtase!... Neste caso o leitor… Ou o auditor!...
Para uma mensagem, que, de outra maneira, não chegaria tão facilmente!...
E aí é que está precisamente o lado estético-mágico!... E não só!... E não
só!...
JTM -Por outro lado, diz-se que o romantismo é uma corrente ultrapassada: a
palavra romantismo!
NT – Quem é que disse que o romantismo
está ultrapassado?.. Quem foi esse
cretino?!..
JTM – São alguns críticos que o afirmam…
NT – Mas quem?!... Eu não conheço!... Tudo o que é vanguarda diz que estamos numa
época neo-romântica!... Bem, eu digo-o há dez e quinze anos!...
As pessoas já estão fartas!... Já estão
fartas dos pragmatismos!... Dos utilitarismos!
De tudo isso!... As pessoas, querem sentimento!.. Emoção!... Amor!... Percebe?!...…
Estamos numa época neo-romântica!.. Eu até tiro o neo!… Romântica!... Isso é a
sociedade de consumo!...
JTM – Acha que a atribuição do Prémio da Associação
Portuguesa de Escritores, é uma forma da sua poesia chegar ao grande público?
NC – Ora!… Muito bem! … Até que enfim que
alguém faz uma pergunta a sério! … A pergunta é acertada!... Eu penso que o prémio, os prémios como é o
prémio do nível da APE (estou a prestar
a minha homenagem à APE) têm o mérito de tornar, de dar uma maior expansão à palavra
poética!... Que eu considero, hoje, um agente importantíssimo na transformação das
sociedades!... Não sou eu!... São os cientistas!... São os cientistas!... São
os filólogos, os filósofos, etc….
Portanto, é o
mérito que eu reconheço mais notório nesse prémio.. E neste prémio, particularmente, que é um
prémio que se tem destacado no nosso panorama literário!... Que foi atribuído
antes, a dois grandes poetas: ao Eugénio de Andrade e ao Ramos Rosa!...
Coube-me agora a minha vez…(sorrindo)
E também quero fazer notar uma coisa!... De
forma nenhuma me parece ser despiciendo que o prémio seja atribuído a uma
mulher !... Porque, a grande missão da mulher, é na cultura!... Não no campo da
competitividade!... Não exercendo funções
no sentido de competir com os
padrões masculinos.
JTM – Daí o significado, a importância que
este prémio tem!.. Por um lado é atribuído a uma poetiza…. E, por outro, vai
contribuir para a divulgação da poesia do grande público.
NC - Eu não sei o que é o grande público, sabe!..
JTM – Há quem afirme que a Natália é
elitista! … Que não tem essa preocupação…
NC – Já sei. Já sei!... Eu quando tinha 15 anos e comecei a ler o
Fernando Pessoa, toda a gente me dizia isso!... Hoje não há ninguém que não o
leia… Isto é o costume!...
JTM – Mas fica satisfeita que o grande
público leia a sua poesia ou não tem essa preocupação!... Ou quando escreve…
NC – Ó meu Caro Senhor!... Eu quando faço
um poema!... Quando estou a estou a escrever um poema... é um ato de comunhão com o Universo!!... Percebe!...
Se quiser… até é um ato cósmico!...
É um ato que implica o social! Que implica
o pessoal!... Mas que exige realmente um envolvimento cósmico!...
A poesia, é integrante!... A poesia vai
desde o social ao cósmico!... Incluindo o existencial, etc!...
JTM – Naturalmente que ficará satisfeita
se a sua poesia tiver um maior
auditório!...Um maior público, não é?...
NC – Eu não sei… A Virgínia Woolf disse um
dia uma coisa muito importante!... Disse que os autores – eu agora estou a
colocar-me na posição de autor - tinham
um drama de ambiguidade!... Que ficam muito tristes senão eram conhecidos mas
que também ficavam muitos tristes, se eram muito conhecidos! … Eu compreendo-a,
muito bem!..
JTM – Naturalmente, que a Natália é uma
pessoa conhecidíssima: a questão é que a
sua poesia não é lida pelo grande público!
NC – Como é que você sabe?!... Já fez inquéritos?!...
Sou mas lida pelo povo de que pelos
falsos intelectuais!
JTM – Tem a palavra!... Acha que sim?
NC – Bem, pelo menos há gente do povo que
chega ao pé de mim … Inclusivamente me entende melhor de que os mistificadores da intelectualidade!..
…Esses é que não gostam nada de mim!!...
JTM – De Pessoa, diz-se que, tanto se
falou que até enjoa!... Acha que o facto de divulgar excessivamente um poeta,
também pode ser negativo?...
NC- Naturalmente que tudo o que tenda a vulgarizar
ou a banalizar, excessivamente, evidentemente
que as pessoas cansam-se!... Mas isso não quer dizer que o poeta fique
prejudicado por isso!... Porque, depois vem outra geração, que descobre!...
Depois encobre!... Depois ressurge!...
Esta é a história da arte!...
NC - Os meus livros são profundamente
espiritualistas!.. Porque o materialismo já deu cabo do comunismo, vai dar cabo
do capitalismo e ainda vai dar cabo de
muita coisa!... Dar cabo do homem é que não pode dar!.... O erro foi este:
socialismo, sim, mas nunca esquecendo a dimensão existencial e espiritual do
ser humano!... Não estou a falar de
igrejas, que são todas iguais!
Creio
nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes;
Creio na deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes;
Creio
num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,
Creio
nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,
Creio
no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro. amém.
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro. amém.
Natália
Correia
TOCADA PELO SAGRADO
- - Diz Fernando Dacosta "Não se tornava fácil compreende-la, nem amá-la.
Fazê-lo, exigia sentimentos, disponibilidades especiais. Era um ser
tocado pelo sagrado, um desses seres que não cabem no espaço que lhes foi
destinado, nem no corpo, nem nas normas, nem nos modelos, nem
nos sentimentos. Chegava a assustar."
"Os que
não a aguentavam combatiam-na não pelas suas ideias, mas pelos seus tiques, não
pela sua criação, mas pela sua distração, tentando reduzi-la
a anedotários de efeitos fáceis e falsos."
"Ao mesmo tempo forte e desprotegida, imponente e
indefesa, egoísta e generosa, arguta e ingénua, dissimulada e
frontal, sentia-se, ante as coisas rasteiras (e as pessoas, e as acções),
perdida; só as grandes a tocavam, galvanizando-a. Então, toda ela era golpe
de asa, vertigem
Falava-se, sem preconceitos mas sempre de modo
vivo, curioso e interessante, mas com a reverência de que havia ali
uma rainha que exigia vassalagem, culta, multifacetada e
carinhosa, que adorava o convívio,
que encantava e provocava a curiosidade, o
diálogo, a ousadia, a imaginação, conquanto não raiasse o
palavrão ou o insulto
-Tal como na
sua escrita (desde a poesia, narrativa ao teatro) e na suas intervenções
públicas, Natália Correia, era a mulher da insubmissão, que criticava e
questionava, abrindo as portas à indignação e à rebeldia, num tom
mesclado com a tónica do humor, do sarcasmo. Tinha resposta
imediata, tal como ao fingimento ou à sobranceria:
De tal modo incómoda foi, para certos espíritos
mesquinhos, que, mesmo depois de ter falecido – diz Fernando Dacosta - alguém na RTP" convida-me para fazer um
programa para a rubrica "letras e Artes" sobre a sua vida. Dias
volvidos, a mesma pessoa contacta-me, envergonhada: os responsáveis da estação
opunham-se, Natália continuava-lhes (mesmo morta), insuportável.
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