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sexta-feira, 11 de novembro de 2022

11 de Novembro - 47º aniversário de Independência de Angola - Dia do aniversário de minha mãe -11-11-1915 - Neste dia, em 11 de Nov. de 1975, andava eu perdido no Golfo da Guiné há 22 dias – Nessa noite, através de um pequeno transístor - “Estive muitas vezes acordado. Não dormi assim muito mas não choveu. Estive a ouvir a rádio até altas horas, até quase de manhã, sobre a reportagem da independência de Angola. Portanto, hoje é dia 11 em terra…. Não sei qual o destino onde vou ter!… É difícil neste momento fazer qualquer prognóstico…

Jorge Trabulo Marques - Jornalista e investigador



Há 47 anos
 foi proclamada  independência de Angola: houve festa de arromba, de muita folia, música e diversão  pela noite adentro:  “Um dia de muita alegria e para mim um dia tão triste!” –. Desabafava  eu para o meu pequeno gravador, o meu diário de bordo, - 
 
Baú onde pude preservar as memórias que me restam
Sim, pude testemunhar esse ambiente de entusiasmo e de grande esperança, algures no Golfo da Guiné, depois da meia noite e  por algumas horas  ao correr da  madrugada, ao sabor do vento e das correntes, perdido a bordo de uma frágil piroga; através de um pequeno transístor a pilhas, que pude preservar num simples contentor do lixo das constantes tempestades e das vagas que me flagelavam, além de um pequeno gravador onde fazia o registo do diário de bordo e da máquina fotográfica. Tenho ainda comigo esse registo histórico, bem como, de resto, as seis cassetes de todo o diário, das quais me venho servindo para  o transcrever

Minha Mãe nasceu em 11 de Nov 1915, dia , de S. Martinho  - Mas partiu aos 52 para a eternidade   - Minha irmã, deixaria as duas duas filhas, ainda crianças, ao 38 anos - O meu irmão, José, aos 48, deixando também um filho e uma filha, ainda  menores.

Estava em S. Tomé, era militar  para onde embarcara  a bordo do paquete Uíge para concluir um estágio da Escola Agrícola de Santo Tirso, na Roça Uba-Budo, mas onde não encontraria o mínimo de condições, devido à rudeza  e  à prepotência colonial com que ali me confrontei.

Tinha  então 18 anos, era jovem e alimentava um mundo de sonhos mas o que fui ali conhecer, naqueles primeiros anos, na beleza paradisíaca de uma Ilha equatorial, foram desilusões e humilhações, umas atrás das outras   – Só 12 anos mais tarde voltaria à minha aldeia mas já não ia encontrar a minha mãe viva, que falecera, ao fim de um penoso calvário de doença prolongada,  quando eu prestava serviço militar nesta antiga colónia portuguesa.

  Cumpria então parte do serviço militar - visto a recruta tê-la ido fazer a Angola;  seis meses no curso de sargentos milicianos, na ex-Nova Lisboa e, depois, mais seis meses no curso dos  Comandos, em Luanda.


 Sabendo da gravidade da doença que então minha mãe padecia, fiz todos os esforços, junto a instituição militar para a poder visitar mas não fui autorizado: pois a mentalidade da tropa colonial não se compadecia com sentimentos pessoais - Deixara a minha aldeia aos 18 anos e nunca mais a voltaria a ver.

Dizia-me ela no momento da despedia, em que me dava o último beijo: adeus meu filho, que já não te volto a ver - E, de facto,  não se enganou, tal como a  premonição, que eu tive,  no dia da sua morte, antes mesmo de receber o telegrama a dar-me a triste notícia


Algures no Golfo da Guiné, 11 de Novembro de 1975


Um dos tubarões pescado

Diário de Bordo 1 - Já é manhã do 22º dia. Passei uma noite normal. Estive muitas vezes acordado. Não dormi assim muito mas não choveu. Estive a ouvir a rádio até altas horas, até quase de manhã, sobre a reportagem da independência de Angola. Portanto, hoje é dia 11 em terra.


Amanheceu uma manhã bastante agradável: o mar não está assim muito agitado e o céu não muito encoberto. Apenas umas nuvens de onde em onde.

Meus pais, que nunca os esqueci e cedo me deixaram
Eu disse, ontem, que, quando não se possuía uma boa vela, um perfeito domínio da embarcação, era preferível deixá-la à deriva. De facto, cheguei a essa conclusão, mas, atendendo a que devo estar muito próximo de terra e porque as correntes já não devem ter grande força, talvez valha a pena pôr à prova os modestos recursos que disponho.

Não podia deixar de me referir à companhia dos meus fiéis tubarões...continuam!...Isso é infalível!... A dar aqui as suas voltinhas, a fazer a sua escolta à canoa.

SENTIA-ME ARREDADO DE TUDO - O MEU CALENDÁRIO NO MAR ERA DIFERENTE DOS DIAS QUE CORRIAM EM TERRA

Diário de Bordo 2 - São mais ou menos oito horas da manhã do 22º dia, ou seja dia 11 em terra. Realmente experimentei a vela. Andei cerca de uma hora e tal, mas praticamente já não havia vento. Há uma calmaria muito grande. Tudo leva a crer que haja trovoada lá para o fim da manhã ou princípio da tarde. Oxalá que sim; uma trovoadazita até faz bem para acelerar o andamento da canoa, se não nunca mais saio daqui!... O problema é este: só há vento quando há trovoadas. O pior é que nessas circunstâncias é difícil navegar, porque há que ter toda atenção na segurança da canoa. Portanto, neste momento, limito-me a aguentar os balanços da canoa e o calor, que está já a fazer sentir-se, até que venha um bocado de vento, que, com certeza, virá acompanhado de alguma trovoada, que está já a formar-se ali para leste. Aguardemos.

Diário de Bordo 3 - Quanto ao meu estado de saúde, doem-me bastante as costas, o pescoço, tenho inúmeras borbulhas nos braços e nas pernas e a vista muita cansada de olhar para o horizonte e também dos reflexos do sol. De resto ainda não sinto qualquer perturbação: mas tenho aqui medicina, uns comprimidos e algumas vitaminas. Enfim, espero que não surja qualquer complicação no meu estado de saúde.

Estou ouvindo rádio, que uma vezes constitui realmente o meu passatempo favorito, outras, enfim, é o silêncio, a solidão única coisa que me agrada.

AO FIM DA MANHÃ, CONFIRMAVAM-SE OS MEUS RECEIOS - Surge a tempestade: o que eram sinais de velada ameaça, subitamente, transformam-se num afrontoso pesadelo - O mar!... O mar!... Quando se enfurece, o mar é sempre igual em qualquer parte.




Diário de Bordo 4- Neste momento estou a enfrentar violenta tempestade! Tive que lançar a âncora flutuante. A canoa correu sérios riscos!...Nunca estive em tantas dificuldades como agora!… mesmo assim o tempo acalmou ligeiramente, mas ainda continua a tempestade a sentir-se e arrastar-me agora de este para oeste!… Está a retardar novamente a minha viagem!... Devem ser aí umas 11 horas da manhã!…Estava uma manhã estupenda e, de um momento para o outro, apareceu esta tempestade que ameaça a todo o instante virar a minha canoa.

Diário de Bordo 5 -O mau tempo continua a fazer sentir-se!... Não sei qual o destino onde vou ter!… É difícil neste momento fazer qualquer prognóstico… É um tornado dos maiores que tenho enfrentado...E o pior foi encontrar a minha canoa na posição pior de segurança, porque, a canoa, tem uma posição em que pode enfrentar mais ou menos as tempestades...Tive que lançar a âncora e um bidão de plástico que força com que a canoa fique ligeiramente de proa à vaga…De qualquer modo, a situação continua melindrosa!... Agora não chove mas está a fazer uma grande ventania e o mar está muito cavado!... Estou a ser arrastado para Sul, portanto, estou a ser retardado!... As perspetivas de chegar a terra, estão a ser cada vez mais morosas. É realmente uma situação verdadeiramente dramática!... A canoa esteve há pouco à beira de se virar!... Só por muita sorte, só por milagre não se vir

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