Jorge Tabulo Marques - Lembrando os milhares de vidas que foram sufocadas e tragadas pela violência das ondas salgadas ou sentiram o tormento imenso da sua afronta nas vastas planícies oceânicas
Neste dia, dia 2 de Novembro de 1975, andava eu perdido, algures no vasto Golfo da Guiné, à deriva numa frágil canoa de S. Tomé, há 12 dias. Mas só alcançaria chão-firme, ao 38º dia - Ao fim da tarde do 11º dia, vertia eu para o meu diário gravado (num pequeno gravador que logrei resguardar dentro de um caixote de plástico, um simples contentor do lixo) estas palavras:
Tal como já tive oportunidade de dizer, eu sou um náufrago!... Náufrago
na medida em que não posso dar uma direção a minha canoa! . Perdi o remo e
outros utensílios no tornado. O remo improvisado, não me ajuda quase nada...
Estou ao sabor da corrente e dos ventos!.. (...) Eu admiro, por isso, esses
pescadores de São Tome e Príncipe, que por vezes desaparecem e vão dar a costa,
depois de muitos dias, sem praticamente terem agua, sem nada. Enfim,
enfrentando muitos perigos, como eu, tenho enfrentados Eu admiro-os! E é
realmente preciso ter muita moral, muita elevação de espirito!...
Temos que acreditar em algo superior a nós. Numa força qualquer que nos
proteja. Porque, efetivamente ,há momentos em que não nos sentimos nada!
absolutamente miguem! Eu não me sinto ninguém! Eu não sou nada! Eu às vezes ate
procuro quase falar com as coisas, com as peças da minha canoa!... Porque eu
assemelho-me as mesmas peças, aos mesmos elementos! Portanto, eu vejo que há
uma força da qual nós dependemos e que nos orienta ,que determina o nosso”
destino... Mas que nos impele a lutar e não nos obriga a ficar de braços
cruzados...
- Imagem ao lado: bebendo um pouco de água do mar para matar a sede, que tanto me afrontava, sob 0 inclemente sol equatorial. Enquanto não chovesse não dispunha de outro recurso. E houve uma semana em que não caiu do céu uma gota de água. Imagine-se numa praia todo o dia, sem beber água!... Em pleno Verão... E no Equador, quando o sol abre, é mesmo a pino! Todo o ano!... Ainda se ao menos me pudesse banhar!... Mas havia o risco de a canoa se afastar e os tubarões - presença quase permanente - me atacarem. Mesmo assim, de volta e meia, vinham dar as suas investidas e rabanadas!... E lá tinha que os sacudir à machinada!
Eu, humilde navegante e aventureiro,
no intransponível centro da imensa abóbada
permaneceu impassível, surda e silenciosa
onde, ainda agora, sob os vultos do brumoso manto,
vagidos e gritos do vosso exaurido pranto
E também agradecer ao Deus Criador,
então, perdido, no mar vogava, Louvando-O,
de me levares a terra firme e ainda hoje estar vivo!
"Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.
Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.
Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como doi
desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.
Manuel Alegre
Partida da piroga para ser carregada a bordo do pesqueiro americano Hornet, onde seria pintada de azul e vermelho pelos marinheiros, com vista a reforçar a sua resistência. E ser largada a sul de Ano Bom, na corrente equatorial. O que não aconteceu. O comandante deixou-me junto a esta ilha e um pouco a Norte, colocando-me neste perturbador dilema: ou ficava a trabalhar a bordo e deitava a canoa borda fora ou íamos os dois - Optei por irmos os dois, por não abandonar a minha canoa. À noite surgiu a tempestade, tendo perdido quase tudo. Acabei por viver a situação de um náufrago - Na verdade, também era o que pretendia, um dos objectivos dessa minha aventura era juntamente reforçar as de teses de .Alain Bombard, o náufrago voluntário .. Por isso, aqui dedico estes versos a todos quantos sofreram o mais absoluto abandono e solidão do mar .Mais deles perdidos para sempre
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