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quinta-feira, 21 de maio de 2020

Covid-19 - Luís Sepúlveda - Recordando o escritor chileno, com fotos de há seis anos em Lisboa, na Feira do Livro, numa sessão de autógrafos –Uma das primeiras vitimas da pandemia, em Espanha, nas Astúrias, em 16 de Março, aos 70 anos, após 48 dias de internamento . Autor de obras tão notáveis como ‘O Velho Que Lia Romances de Amor’, ‘Patagónia Express’ e ‘Crónicas do Sul’.

FOTOS INÉDITAS DE LUIS SEPÚLVEDA EM LISBOA -
 JORGE TRABULO MARQUES - JORNALISTA



Finalmente, pude localizar, no meu vasto arquivo fotográfico, as fotos que tive o prazer de lhe fazer, em Lisboa, muito sorridente, rodeado de  crianças e admiradoras da sua obra, concedendo autógrafos, na tradicional  feira do Livro, no Parque Eduardo VII, em Maio-Junho  de 2014  

Tal como foi noticiado, Luis Sepúlveda estava internado desde finais de fevereiro num hospital de Oviedo, em Espanha, onde foi diagnosticado com aquela doença. Os primeiros sintomas ocorreram dias antes, quando esteve no festival literário Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim.
“Tudo isto aconteceu” – Dizia a Visão, ! ainda antes de as autoridades portuguesas confirmarem oficialmente qualquer registo de infeção em Portugal, o que só viria a acontecer a 02 de março.

Luís Sepúlveda, que nasceu no Chile a 04 de outubro de 1949, estreou-se nas letras em 1969, com “Crónicas de Piedro Nadie” (“Crónicas de Pedro Ninguém”), dando início a uma bibliografia de mais de 20 títulos, que inclui obras como “O Velho que Lia Romances de Amor” e “História de Uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar”.
O escritor tem toda a obra publicada em Portugal – alguns títulos estão integrados no Plano Nacional de Leitura -, e era presença regular em eventos literários no país. https://visao.sapo.pt/visaosaude/2020-04-16-covid-19-morreu-o-escritor-chileno-luis-sepulveda/
Apesar de algumas melhorias, o seu estado deteriorou-se nas últimas semanas. Luís Sepúlveda já não respondia aos tratamentos sucessivos nem aos antibióticos e à pneumonia sucederam-se outras patologias e problemas que afetaram os seus órgãos vitais.
Quando a família confirmou o óbito, pela manhã de quinta-feira, 16, muitos admiradores talvez até já o imaginassem em casa, a recuperar do susto. Mas o susto era, afinal, a notícia que ainda estava para vir.

É de mim ou sentimos que o cerco da pandemia também se aperta quando nos morre alguém que se tornou familiar por tudo aquilo que escreveu? Em 2003, rumei a Gijón, nas Astúrias, na companhia da fotojornalista Lucília Monteiro para entrevistar Luís Sepúlveda. Era já um escritor consagrado, premiado e amado por diferentes gerações, uma espécie de Tintim chileno. Sepúlveda preparava-se para lançar O General e o Juiz, onde revisitava a ditadura de Pinochet e as suas próprias memórias. Durante uma tarde em sua casa, a conversa a pretexto desse livro tornou-se quase autobiográfica. Um versão curta dessa entrevista foi publicada na VISÃO. Mas o longo diálogo dessa tarde, com cigarros e vinho tinto por combustível, só seria editado um pouco mais tarde, num folheto d epois do exílio, dos tempos vividos na Amazónia equatoriana com os índios shuar, da militância no movimento Greenpeace, e de vários anos estacionado em Paris e Hamburgo, Sepúlveda escolheu Gijón para folgar de uma vida de trota mundos. Descobriu uma região sofrida e pessoas espontâneas. Ficou. O escritor latino-americano mais vendido na Europa depois de Gabriel Garcia Márquez vive num aprazível chalet, a dez minutos da praia, onde a piscina é a única concessão ao luxo. Nesta casa aconchega as suas memórias e não há sequer um objeto sem simbolismo, sem uma história para contar. No pátio, o visitante dá de caras com uma velha carrinha Ford, de 1949, ano de nascimento de Sepúlveda. “Ela funciona e eu também”. No alpendre, um busto de Garibaldi, revolucionário italiano, um dos primeiros guerrilheiros da América Latina, perdedor de todas as batalhas onde entrou. Ao escritor, seduzem-no as histórias de gente derrotada, marginal, dos que sempre saem a perder no caminho para as vitórias que a alma e o coração pedem.
Entra-se na casa e percebe-se que nas estantes, nas paredes…tudo fala. Há um canto para os livros dos amigos. Fotos deles, do peludo Zorbas, protagonista da História da Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar, e um retrato emoldurado de Fernando Assis Pacheco. Uma velha máquina de escrever no chão, um armário com todas as suas obras traduzidas em mais de 40 idiomas, onde repousa um pedaço do muro de Berlim, e uma guitarra, “porque é tradição. Há sempre um amigo que aparece e toca”. Desvenda-se aos nossos olhos um pouco do mundo de Sepúlveda, mas nem tudo os olhos veem. “Esta é a fotografia do meu casamento. Parece inocente, não é? A verdade é que nesse dia a minha mulher já ia grávida e eu tinha uma colt 45 debaixo do casaco”.
Luis Sepúlveda e Jose Francisco Viegas - Foto Web
A seu lado, sempre, Cármen Yanez, poetisa, de quem se separou em 1973 e reencontrou vinte anos depois, bela história de amor à qual falta um livro. Nas férias, recebe as visitas dos seis filhos, os dele, os dela, os deles, e dos netos. Vindos do Equador, da Alemanha e da Suécia. Uma autêntica “torre de babel” em família, ao jantar. E de comum, um profundo desprezo pela palavra Pátria. “Essa palavra devia desaparecer. Um patriota exclui os demais, ignora o valor do outro. O meu lugar no mundo é onde eu quiser”.
Mas não é ainda tempo para o descanso do guerreiro. Nem podia ser. O homem barbudo, de óculos redondos, calções e sandálias, que nos abre placidamente a portinhola da cerca de sua casa, é um resistente. As desventuras de homens e mulheres sem biografia perseguem-no, dão-lhe razões para continuar a contar as histórias de quem não vem no mapa ou foi embalsamado na amnésia histórica. Agora, com o lançamento do seu último livro em vários países – O General e o Juiz, edições ASA – Sepúlveda mantém o registo, mas afia os dentes. A obra é uma homenagem a homens como Salvador Allende, presidente socialista do governo popular que liderou o Chile entre 1970 e 1973. Mas é, sobretudo, um ajuste de contas com a memória e também “com alguns canalhas que tiraram a máscara e mostraram a sua verdadeira face”. É um tributo a uma geração, a sua, que pagou um alto preço por sonhar um Chile sem amos. E sem pieguices. “Não somos vítimas, nem coitadinhos. Não precisamos de caridade cristã. Tentamos mudar a sociedade e o mundo. E somos orgulhosamente culpados disso”.https://visao.sapo.pt/atualidade/cultura/2020-04-16-o-dia-que-o-escritor-luis-sepulveda-nao-precisou-sair-de-casa-para-dar-a-volta-ao-mundo/




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