FOTOS
INÉDITAS DE LUIS SEPÚLVEDA EM LISBOA -
JORGE TRABULO MARQUES - JORNALISTA
Finalmente, pude localizar, no meu vasto arquivo fotográfico, as fotos que
tive o prazer de lhe fazer, em Lisboa, muito sorridente, rodeado de crianças e admiradoras da sua obra, concedendo autógrafos,
na tradicional feira do Livro, no Parque
Eduardo VII, em Maio-Junho de 2014
Tal como foi noticiado, Luis Sepúlveda estava internado desde finais de fevereiro num
hospital de Oviedo, em Espanha, onde foi diagnosticado com aquela doença. Os
primeiros sintomas ocorreram dias antes, quando esteve no festival
literário Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim.
“Tudo isto aconteceu” –
Dizia a Visão, ! ainda antes de as autoridades portuguesas confirmarem
oficialmente qualquer registo de infeção em Portugal, o que só viria a
acontecer a 02 de março.
Luís Sepúlveda, que nasceu no Chile a 04 de outubro de 1949,
estreou-se nas letras em 1969, com “Crónicas de Piedro Nadie” (“Crónicas de
Pedro Ninguém”), dando início a uma bibliografia de mais de 20 títulos, que
inclui obras como “O Velho que Lia Romances de Amor” e “História de Uma Gaivota
e do Gato que a Ensinou a Voar”.
O escritor tem toda a obra publicada em Portugal – alguns
títulos estão integrados no Plano Nacional de Leitura -, e era presença regular
em eventos literários no país. https://visao.sapo.pt/visaosaude/2020-04-16-covid-19-morreu-o-escritor-chileno-luis-sepulveda/
“Apesar
de algumas melhorias, o seu estado deteriorou-se nas últimas semanas. Luís
Sepúlveda já não respondia aos tratamentos sucessivos nem aos antibióticos e à
pneumonia sucederam-se outras patologias e problemas que afetaram os seus
órgãos vitais.
Quando a família confirmou o óbito, pela manhã de quinta-feira,
16, muitos admiradores talvez até já o imaginassem em casa, a recuperar do
susto. Mas o susto era, afinal, a notícia que ainda estava para vir.
É de mim ou sentimos que o cerco da pandemia também se aperta
quando nos morre alguém que se tornou familiar por tudo aquilo que escreveu? Em
2003, rumei a Gijón, nas Astúrias, na companhia da fotojornalista Lucília
Monteiro para entrevistar Luís Sepúlveda. Era já um escritor consagrado,
premiado e amado por diferentes gerações, uma espécie de Tintim chileno.
Sepúlveda preparava-se para lançar O
General e o Juiz, onde revisitava a ditadura de Pinochet e as suas
próprias memórias. Durante uma tarde em sua casa, a conversa a pretexto desse
livro tornou-se quase autobiográfica. Um versão curta dessa entrevista foi
publicada na VISÃO. Mas o longo diálogo dessa tarde, com cigarros e vinho tinto
por combustível, só seria editado um pouco mais tarde, num folheto d epois do
exílio, dos tempos vividos na Amazónia equatoriana com os índios shuar, da militância no movimento
Greenpeace, e de vários anos estacionado em Paris e Hamburgo, Sepúlveda
escolheu Gijón para folgar de uma vida de trota
mundos. Descobriu uma região sofrida e pessoas espontâneas. Ficou. O
escritor latino-americano mais vendido na Europa depois de Gabriel Garcia
Márquez vive num aprazível chalet,
a dez minutos da praia, onde a piscina é a única concessão ao luxo. Nesta casa
aconchega as suas memórias e não há sequer um objeto sem simbolismo, sem uma
história para contar. No pátio, o visitante dá de caras com uma velha carrinha
Ford, de 1949, ano de nascimento de Sepúlveda. “Ela funciona e eu também”. No
alpendre, um busto de Garibaldi, revolucionário italiano, um dos primeiros
guerrilheiros da América Latina, perdedor de todas as batalhas onde entrou. Ao
escritor, seduzem-no as histórias de gente derrotada, marginal, dos que sempre
saem a perder no caminho para as vitórias que a alma e o coração pedem.
Entra-se na casa e percebe-se que nas estantes, nas paredes…tudo
fala. Há um canto para os livros dos amigos. Fotos deles, do peludo Zorbas,
protagonista da História da Gaivota e
do Gato que a Ensinou a Voar, e um retrato emoldurado de Fernando Assis
Pacheco. Uma velha máquina de escrever no chão, um armário com todas as suas
obras traduzidas em mais de 40 idiomas, onde repousa um pedaço do muro de
Berlim, e uma guitarra, “porque é tradição. Há sempre um amigo que aparece e
toca”. Desvenda-se aos nossos olhos um pouco do mundo de Sepúlveda, mas nem
tudo os olhos veem. “Esta é a fotografia do meu casamento. Parece inocente, não
é? A verdade é que nesse dia a minha mulher já ia grávida e eu tinha uma colt 45 debaixo do casaco”.
Luis Sepúlveda e Jose Francisco Viegas - Foto Web |
A seu lado, sempre, Cármen Yanez, poetisa, de quem se separou em
1973 e reencontrou vinte anos depois, bela história de amor à qual falta um
livro. Nas férias, recebe as visitas dos seis filhos, os dele, os dela, os
deles, e dos netos. Vindos do Equador, da Alemanha e da Suécia. Uma autêntica
“torre de babel” em família, ao jantar. E de comum, um profundo desprezo pela
palavra Pátria. “Essa palavra devia desaparecer. Um patriota exclui os demais,
ignora o valor do outro. O meu lugar no mundo é onde eu quiser”.
Mas não é ainda tempo para o descanso do guerreiro. Nem podia
ser. O homem barbudo, de óculos redondos, calções e sandálias, que nos abre
placidamente a portinhola da cerca de sua casa, é um resistente. As desventuras
de homens e mulheres sem biografia perseguem-no, dão-lhe razões para continuar
a contar as histórias de quem não vem no mapa ou foi embalsamado na amnésia
histórica. Agora, com o lançamento do seu último livro em vários países – O General e o Juiz, edições ASA – Sepúlveda mantém o registo,
mas afia os dentes. A obra é uma homenagem a homens como Salvador Allende,
presidente socialista do governo popular que liderou o Chile entre 1970 e 1973.
Mas é, sobretudo, um ajuste de contas com a memória e também “com alguns
canalhas que tiraram a máscara e mostraram a sua verdadeira face”. É um tributo
a uma geração, a sua, que pagou um alto preço por sonhar um Chile sem amos. E
sem pieguices. “Não somos vítimas, nem coitadinhos. Não precisamos de caridade
cristã. Tentamos mudar a sociedade e o mundo. E somos orgulhosamente culpados
disso”.https://visao.sapo.pt/atualidade/cultura/2020-04-16-o-dia-que-o-escritor-luis-sepulveda-nao-precisou-sair-de-casa-para-dar-a-volta-ao-mundo/
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