Jorge Trabulo Marques - Jornalista
As roças de má memória
- Fala-se muito mas desconhece-se o essencial: que eram campos de escravatura.
Trabalhei nesses feudos e conheci bem a dureza da vida, nessas grandes
propriedades, quer para os chamados serviçais, quer para os nativos que ali iam
fazer os mesmos trabalhos, mas também para os empregados de mato, que eram
igualmente escravizados, mal pagos e que apenas tinham direito à chamada
graciosa, de quatro em quatro anos
Desembarquei, ao
largo da Baía Ana de Chaves, do navio Uíge, em Novembro de 1963 para ir fazer um estágio na Roça Uba-Budo,
propriedade da Companhia Agrícola
Ultramarina, de um curso que tirei na Escola Agrícola,
Conde S. Bento, em Santo Tirso. Não
tendo condições, devido à forma desprezível como ali eram encarados os técnicos,
por indivíduos que ascendiam apenas à custa dos anos de serviço e de uma
certa brutalidade; acabei por concluí-lo na tropa, quando ali fui encarregado do
sector da Messe dos Oficiais e da Agropecuária do quartel .
Na verdade, não guardo da roça, as melhores
recordações senão o facto de ter apenas 18 anos, ser um jovem e da
surpreendente beleza daquela paisagem, que todos os dias se me revelava, pese a
humilhação a que era submetido desde a alvorada até ao escurecer -
Pois não posso esquecer-me de como era difícil e dura a vida na
roça, tanto para os empregados de mato como para os trabalhadores - E foi esta
a categoria que me foi dada, pelo Administrador da Roça Uba-Budo, quando fui para ali estagiar -
O que recordo do meu primeiro contacto com a Roça Uba-budo, é realmente de muito má memória. O administrador, que
era praticamente um analfabeto, tinha ódio a quem tivesse mais instrução
académica de que ele; por isso mesmo, para me humilhar deu-me a categoria de
empregado de mato: pouco tempo depois chamou-me à "Casa Grande" e
disse-me: prepare a sua mala, tem ali um jipe à sua espera para o transportar:
vai fazer o seu estágio na Ribeira Peixe. Você dá confiança aos pretos e já lhe
tinham dito que tem que tratar os serviçais por tu.
o
chefe dos escritórios e o feitor-geral -
E não tanto para o médico,
o
enfermeiro do hospital: - a remuneração dificilmente pagaria
o
trabalho e o contacto directo com as múltiplas enfermidades.
- Mas fortemente penalizadora, repressiva e escrava para os demais!
Os
trabalhadores negros que se recusassem a cumprir
as
ordens do empregado de mato ou do capataz
eram
severamente castigados à chibatada e a
palmatória
Os
empregados brancos que tivessem tido algum desentendimento
com
o feitor, o administrador, depressa eram desterrados
para
as dependências da roça mais isoladas!
no
oceano e no centro do Mundo, mas um
enorme feudo colonial
repartido
apenas por uns quantos abastados
proprietários
que
viviam, noutras paragens, a milhares de milhas de distância:
entregues
aos seus caprichos, fantasias e gastos
superfulos,
longe
das doenças endémicas, do paludismo, das chuvas copiosas,
alheios
aos imensos sacrifícios dos seus mais humildes servidores,
de
costas voltadas ao enorme sofrimento de
todo um povo,
aos
filhos do qual haviam saqueado as suas terras
e
se apoderado de todas as suas riquezas,
já
não falando dos primórdios da colonização
mas
da introdução da cana sacarina e do cacau,
após
lhes ser concedida a alforria
e
num tempo em que existia
uma
consciente e próspera
elite negra na ilha.
não
quisera saber o regime colonial
quanto
mais os gananciosos roceiros,
que
se achavam donos absolutos
das
centenas e centenas de hectares,
administradas
por uns tais senhores,
muitos
deles prepotentes e estúpidos,
quase
analfabetos, escolhidos a dedo pelos seus patrões
(
depois de indicados por outros administradores que os antecederam)
não
pela sua formação mas pela rudeza e
prepotência,
despotismo
e mão de ferro como subjugavam
empregados
e trabalhadores!
Sim!
como impiedosamente os exploravam!
-
Esta era a crua realidade
que
jamais poderá ser ocultada!
Felizmente,
esses tempos, já pertencem ao passado!
Mas,
eu, que ali passei também os dolorosos passos
de
um penoso calvário, não mais os esquecerei!
E
bem deles me recordo! - Nitidamente, e de tudo!
Tal
qual, como se acabasse agora mesmo de chegar
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