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terça-feira, 5 de maio de 2020

Dia Mundial da Lingua Portuguesa - Recordando Jorge Amado, escritor brasileiro, um dos maiores representantes da ficção regionalista que marcou o Segundo Tempo Modernista. Sua obra é baseada na exposição e análise realista dos cenários rurais e urbanos da Bahia, sua terra natal

Jorge Trabulo Marques - Jornalista e investigador - Registo em video de três das várias entrevistas concedidas por Jorge Amado 





Dia Mundial da Lingua Portuguesa  - Recordando Jorge Amado, escritor brasileiro, um dos maiores representantes da ficção regionalista que marcou o Segundo Tempo Modernista. Sua obra é baseada na exposição e análise realista dos cenários rurais e urbanos da Bahia, sua terra natal

Nesta data especial, aproveito a oportunidade para aqui recordar  duas das entrevistas que  me  concedeu -  Elogio ao cineasta, Glauber Rocha, dias antes da sua morte – A um dos cineastas mais notáveis do chamado Cinema Novo Brasileiro: os “Os seus filmes são um elogio do Homem, do ser humano” ; O  lançamento da bomba atómica  em Hiroxima - "Eu me recordo perfeitamente. Foi durante a guerra! No momento em que já não havia absolutamente necessidade de que a bomba atómica fosse lançada, a guerra estava ganha pelos aliados, foi um crime!  - Outra parte da entrevista reporta-se ao seu livro Sumiço de Santa: uma história de feitiçaria, que só podia ocorrer na Baía,  com personagens portuguesas;






Depois do 25 de Abril. Jorge Amado, deslocou-se várias vezes a Portugal: vindo, nomeadamente, de Paris, onde passava algumas temporadas, sobretudo na década de 80, numa fase, literariamente,  ainda muito ativa – Não era que gostasse mais de viver na Europa de que no Brasil; o motivo não era esse mas a falta de privacidade e o necessário isolamento, que não conseguia encontrar na sua cidade natal, onde era constantemente solicitado     - Nascido em Tabuna,  a 10 de Agosto de 1912, Estado da Baía, e, em cujas terras,  havia também de falecer:  Em Salvador, 6 de Agosto de 2001


Confessou-me que adorava o nosso país:   deliciar-se com a sua gastronomia, admirava  o artesanato do Minho  (nomeadamente o da cerâmica),  as belezas naturais, o nosso sol,  nosso clima, a simpatia das nossas gentes, onde contava com  bons amigos, alguns dos quais, fonte de inspiração, como personagens nas suas obras: é o caso, por exemplo, de Nuno Lima de Carvalho, diretor da Galeria de Arte do casino Estoril


Tanto ele, como Zélia Gattai, sua esposa, deram-me o prazer de me concederem várias entrevistas, que aguardo no meu arquivo. Uma das quais feita por ocasião do Congresso de Escritores Portugueses, em 1988 (creio que o 2º), ou seja, dois anos antes da assinatura do então já  polémico acordo ortográfico – Obviamente, que o tema não deixou de vir à baila,  gerando acaloradas discussões, tal como, de resto, ainda hoje continua a suscitar, - Mais à frente o registo em vídeo dessa interessante entrevista

GLAUBER ROCHA - UM IRMÃO PARA JORGE AMADO


Jorge Amado: “nós somos baianos, brasileiros ambos, escritores, intelectuais, pois que, Glauber é um grande escritor! Um admirável escritor! … Eu conheço-o, quase desde menino!... Eu vi quando ele começou o seu trabalho de cineasta, sei quanto o cinema brasileiro lhe deve: grande figura do nosso cinema! “ - Declarou-me Jorge Amado, há 35 anos


 Referem investigações que, "em 2014, documentos revelados pela Comissão da Verdade indicaram que o governo militar pretendia matar Glauber Rocha, que se encontrava exilado em Portugal. O relatório foi produzido pela Aeronáutica, e descreve Glauber como um dos líderes da esquerda brasileira. A monitoração de Glauber era feita através de entrevistas que ele concedia a publicações europeias, criticando o governo militar e a repressão promovida por ele, considerando seus depoimentos um "violento ataque ao país”


Jorge Amado –  O maior best-seller da literatura brasileira, recordista de traduções, ex-deputado, figura emblemática da cultura popular baiana – de São Salvador da Bahia – cidade onde nasceu, que amou e divulgou como ninguém, desde que ali veio ao mundo, no dia 12 de Agosto  de 1912,  mas que seria chamado para o pouso eterno dos justos, a 6 de Agosto de 2001, aos 89 anos, ou seja, precisamente, 20 anos depois do dia em que me concedeu a  entrevista, que aqui passo a recordar  - Mais tarde, outras me daria ainda a honra e o prazer de me conceder, assim como sua esposa, a escritoraZélia Gattai, , – porém, a entrevista, que aqui recordo, assume um significado especial:  não só pela estranha coincidência dessa data, sim, longe de imaginar, que, duas décadas depois deste tão amável diálogo, ele partiria para a eternidade, mas  também pelo facto de, naquela já distante data de 6 de Agosto de 1981, ele ter elogiado o seu grande amigo Glauber Rocha, um dos cineastas mais notáveis do chamado Cinema Novo Brasileiro, iniciado no começo dos anos 60, que  faleceria menos de duas semanas depois, a 22 desse mesmo mês

 A entrevista. concedia  no dia em que se completavam 36 anos sobre o lançamento da bomba atómica sobre Hiroxima,  assunto que também é colocado ao escritor Jorge Amado,  foi transmitida na então Rádio Comercial – RDP e escutada por Glauber, então enfermo no Hospital da  CUF, a quem telefonei, dando-lhe conhecimento, a pedido de Fernando Namora, com o fim de lhe dar ânimo.

GLAUBER ROCHA Um grande amigo meu, um amigo fraterno, meu irmão e um homem extremamente importante dentro da cultura do nosso país: dentro da cultura brasileira, dentro da cultura de Portugal, do mundo da língua portuguesa, pois que é um cineasta! E um escritor que tem realizado uma obra da mais alta importância!... Além de mais, é um homem extremamente lúcido na sua maneira de pensar, que tem lutado sempre ao lado do povo, contra os inimigos do Povo! Sempre ao lado dos interesses mais nobres da humanidade! Contra aqueles, exatamente, que querem a guerra, a opressão e a miséria! Os filmes de Glauber Rocha, são todos eles um elogio do Homem, do ser humano.”

BOMBA ATÓMICA EM HIROXIMA - "Eu me recordo perfeitamente. Foi durante a guerra; foi lançada sobre o Japão! No momento em que já não havia absolutamente necessidade de que a bomba atómica fosse lançada, a guerra estava ganha pelos aliados, foi um crime! Um crime terrível não só para a população japonesa mas contra a Humanidade!... Não havia absolutamente nenhuma necessidade de lançar a bomba atómica naquele momento sobre o Japão: o Japão já estava vencido."

Glauber de Andrade Rocha (Vitória da Conquista, 14 de Março de 1939 — Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1981) foi um cineasta brasileiro e também ator e escritor.

Glauber faleceu vítima de septicemia, ou como foi declarado no atestado de óbito, de choque bacteriano, provocado por broncopneumonia que o atacava havia mais de um mês, na Clínica Bambina, no Rio de Janeiro, depois de ter sido transferido de um hospital de Lisboa, capital de Portugal, onde permaneceu 18 dias internado. Residia há meses em Sintra, cidade de veraneio portuguesa, e se preparava para fazer um filme, quando começou a passar mal.





Lisboa, 1988 – Jorge Amado:  

"Eu não estou apaixonado pela unidade ortográfica. Eu acho, como não há uma unidade literária de todos os elementos que formam as diversas nações, eu não vejo porquê esta tendência de unidade ortográfica compreende?...Porque, se vocês dizem facto, não podem escrever como nós escrevemos fato. O fato para vocês é uma peça de roupa e facto é  um acontecimento, não é!.” – palavras do um dos mais famosos e traduzidos escritores brasileiros,  numa entrevista que me concedeu, na qualidade de repórter da então Rádio Comercial-RDP, acerca do Congresso de Escritores Portugueses, que decorreu naquele ano, em Lisboa


Com obras publicadas em 55 países e vertida para 49 idiomas - Biografia | Fundação Casa de Jorge Amado




JA – Eu não sei!... Não estou tão a par que pudesse ser.... Como lhe digo,  pessoalmente, o acordo, como escritor, não me atinge em nada…. Eu continuo a escrever. Inclusive, na minha vida de escritor, que é bastante longa – é quase  60 anos de trabalho de escritor, eu vi tanta ortografia, quando eu comecei a escerver com dois “pês”, com dois mm, de forma que o que, o  posso dizer é que eu não sei nada de ortografia!... cada vez eu sei menos, porque cada vez é mais complicado






2ª  PARTE DA ENTREVISTA A JORGE AMADO PARA A HISTÓRIA DA LITERATURA –LUSO BRASILEIRA – 2ª parte - Nesta segunda parte: fala do  seu livro Sumiço de Santa: uma história de feitiçaria, que só podia ocorrer na Baía,  com personagens portuguesas; refugia-se em Paris, porque “é difícil para mim poder escrever no Brasil”, onde “tenho muito pouca privacidade e  pouco tempo livre” – Situação no Brasil: A divida externa é imensa!... É a maior do mundo!... Uma inflação terrível!... “; Os valores materiais,  pertencem a uma minora muito pequena da  população!... 


"A Amazónia sofre os atentados desde que ela existe!... Desde que os portugueses, lá chegaram…”  “Agora, o que eu acho é que, cabe a nós brasileiros, decidir sobre a Amazónia!..”  Da Gastronomia Portuguesa: “Chego aqui… começo a comer… Faço um esforço para emagrecer!... Mas não é possível!...” De  Fernando Namora:  “um grande amigo de Jorge Amado: uma perda muito grande para a língua portuguesa!”... Da condenação por irão a  Salman Rushdie– É a forma mais violenta, que houve, até hoje no mundo!.. Você escreve um livro e o Chefe de Estado!... Decreta que ele deve ser morto e oferece uma quantia enorme em dinheiro para o assassinar!... É uma coisa, nunca vista!... Você tem a impressão. Que, de repente, o mundo, andou para trás!...”  Sou contra qualquer espécie de censura: “ Tive os meus livros proibidos! E queimados em praça pública!... Em Portugal, os meus  livros, durante anos e anos, não puderam ser publicados, aqui… E eram vendidos às escondidas!.. E no Brasil, também!... “ – Jorge Trabulo Marques – Jornalista

GLAUBER ROCHA - UM IRMÃO PARA JORGE AMADO - Transcrição para texto

JTM –  Gostaria que me falasse do seu grande amigo, pois sabemos que é um grande amigo seu: o Glauber Rocha: - O que é que se passa com ele, neste momento?

JA – Realmente é um grande amigo meu, um amigo fraterno, meu irmão e um homem extremamente importante dentro da cultura do nosso país: dentro da cultura brasileira, dentro da cultura de Portugal, do mundo da língua portuguesa, pois que é um cineasta! E um escritor que tem realizado uma obra da mais alta importância!... Além de mais, é um homem extremamente lúcido na sua maneira de pensar, que tem lutado sempre ao lado do povo, contra os inimigos do Povo! Sempre ao lado dos interesses mais nobres da humanidade! Contra aqueles, exatamente, que querem a guerra, a opressão e a miséria! Os filmes de Glauber Rocha, são todos eles um elogio do Homem, do ser humano.


JTM – No entanto, parece-nos uma personalidade, bastante discreta: pois ele tem estado, em Portugal, e anonimamente: porquê, como é que explica isso?

JA – Porque ele estava aqui trabalhado.... Ele estava recolhido em Sintra, trabalhando, eu acho que num projeto de um filme que fosse uma coo-produção, com Portugal. Talvez, quem sabe, Luso-brasileira; não estou a par dos detalhes do seu trabalho mas eu sei que é um tal trabalho  nesse sentido. 
É um homem que ama profundamente Portugal e o Povo Português, estava muito feliz!... Infelizmente, neste momento, ele está enfermo: com uma pneumonia, que o levou ao leito, ao hospital, mas todos nós, seus amigos, seus admiradores, que o queremos, que o admiramos, que o amamos, enormemente, esperamos que, dentro em pouco, ele retomará o seu trabalho de cineasta e de intelectual, de brasileiro que é, um amigo dos portugueses!

JTM – Jorge Amado, falou de irmão: irmão no sentido de grande amizade, é isso que quer dizer?

JÁ – Sim, Veja: nós somos baianos, brasileiros ambos, escritores, intelectuais, pois Glauber  é um grande escritor! Um admirável escritor! … 
Eu conheço-o, quase desde menino!... Eu vi quando ele começou o seu trabalho de cineasta, sei quanto o cinema brasileiro lhe deve: - grande figura do  nosso cinema! 
Alberto Cavalcante, no passado, e, ele, nos dias de hoje… 

Naturalmente, que juntamente com grandes outros cineastas, muito importantes. Anteriores, como Humberto Mauro, como Nelson Pereira dos Santos, como Cacá Diegue ou mais jovens, como Bom Barreto, como Bruno Barreto, todos esses são cineastas importantes! Todos eles concorreram para criar esse cinema brasileiro!... Porém, nenhuma contribuição foi mais importante que a de Glauber Rocha!
Quando eu digo que ele é meu irmão, é porque eu estimo-o, como se fosse meu irmão de sangue.

JTM - E no Brasil, ele tem sido acarinhado? Tem tido o carinho, que o seu trabalho merece ou também tem passado dificuldades de ordem política?
JA – Glauber é um homem muito polémico! E, como é um homem, que pensa pela cabeça dele e não pela cabeça dos outros, e,  ao mesmo tempo, como é um homem que tem uma visão muito penetrante, sobretudo da coisa política, dos acontecimentos políticos, quase sempre acontece que Glauber está à frente dos demais!. 

Quando ele diz uma coisa essa coisa parece uma novidade extrema! E, no entanto, daí alguns meses, a gente vê que é a realidade, apenas ele  a soube ver mais rapidamente de que a maioria das outras pessoas!... Isso faz, realmente, que ele seja um homem muito polémico, muito discutido! Mas, antes de tudo,   ele é um homem extremamente amado no Brasil: a noticia, de que ele estava enfermo, provocou no Brasil uma imensa ansiedade, de todo o mundo!… De telefonemas. Eu recebo, diariamente, vários telefonemas do Brasil de amigos comuns, que querem saber  como é que Glauber está: o telefone do hospital, onde ele está, toca diariamente!


O carinho do Povo Brasileiro, o carinho dos intelectuais brasileiros, o carinho dos seus colegas de oficio, mas também, devo dizer, o carinho dos portugueses, dos cineastas portugueses! De gente do Povo Português: de artistas, de escritores…

JTM –Exatamente: Jorge Amado, falou de escritores; pois, ontem, estivemos com Fernando Namora, e, Fernando Namora, tinha-me dito de o ter ido visitar… Portanto, creio que, Fernando Namora, é um dos grandes amigos e admiradores de Glauber Rocha.
JA – Meu amigo querido e grande escritor da língua portuguesa! Mestre do romance e da ficção da língua portuguesa  e um admirador de  Glauber Rocha: ele, ontem esteve na minha companhia, no hospital, visitando Glauber  e hoje já me telefonou por duas vezes por noticias de Glauber.

JTM – Glauber Rocha, poder-se-á dizer que é um cineasta de vanguarda?
JA  - Sim com certeza, um cineasta de vanguarda! Ele é um dos criadores do chamado Cinema Novo Brasileiro, que é um cinema de vanguarda

CARREIRA DE GLAUBER ROCHA 

Antes de estrear na realização de uma longa metragem (Barlavento, 1962), Glauber Rocha realizou vários curtas-metragens, ao mesmo tempo que se dedicava ao cineclubismo e fundava uma produtora cinematográfica.[4]

Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963), Terra em Transe (1967) e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969)[5] são três filmes paradigmáticos, nos quais uma crítica social feroz se alia a uma forma de filmar que pretendia cortar radicalmente com o estilo importado dos Estados Unidos. Essa pretensão era compartilhada pelos outros cineastas do Cinema Novo, corrente artística nacional liderada principalmente por Rocha e grandemente influenciada pelo movimento francês Nouvelle Vague e pelo Neorrealismo italiano.

Glauber Rocha foi um cineasta controvertido e incompreendido no seu tempo, além de ter sido patrulhado tanto pela direita como pela esquerda brasileira. Ele tinha uma visão apocalíptica de um mundo em constante decadência e toda a sua obra denotava esse seu temor. Para o poeta Ferreira Gullar, "Glauber se consumiu em seu próprio fogo".

Com Barlavento ele foi premiado no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary na Tchecoslováquia em 1964. Um ano depois, com 'Deus e o diabo na terra do sol, ele conquistou o Grande Prêmio no Festival de Cinema Livre da Itália e o Prêmio da Crítica no Festival Internacional de Cinema de Acapulco.

Foi com Terra em Transe que tornou-se reconhecido, conquistando o Prêmio da Crítica do Festival de Cannes, o Prêmio Luis Buñuel na Espanha, o Prêmio de Melhor Filme do Locarno International Film Festival, e o Golfinho de Ouro de melhor filme do ano, no Rio de Janeiro. Outro filme premiado de Glauber foi O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, prêmio de melhor direção no Festival de Cannes e, outra vez, o Prêmio Luiz Buñuel na Espanha. – Excerto de Glauber Rocha – Wikipédia e Glauber Rocha - Biografias - UOL

BOMBA DE HIROXIMA -" Um crime terrível não só para a população japonesa mas contra a Humanidade!.."

 
- Jorge Amado: passam hoje 36 anos sobre o lançamento da bomba atómica sobre Hiroxima. Na altura o Jorge Amado, teria os seus?... Quantos anos?..

JA – Eu tinha 33 anos.
JTM – Recorda-se?....Tem alguma lembrança, dessa data, dessa data, tão trágica para a Humanidade?
JÁ – Eu me recordo perfeitamente. Foi durante a guerra; foi lançada sobre o Japão! No momento em que já não havia absolutamente necessidade de que a bomba atómica fosse lançada, a guerra estava ganha pelos aliados, foi um crime! Um crime terrível não só para a população japonesa mas contra a Humanidade!... Não havia absolutamente nenhuma necessidade de lançar a bomba atómica naquele momento sobre o Japão: o Japão já estava vencido.

JTM – No entanto, há quem pense o contrário; há quem diga que foi realmente uma maneira de  resolver o conflito!
JA -  Não acredito. Foi a fórmula de querer mostrar a superioridades, que, naquele momento os Estados Unidos, com aquela arma, passariam a ter para as negociações no após  guerra

JTM – Já que, ambos os blocos, as possuem: pois há também quem defenda que é uma maneira de se respeitarem mutuamente, de evitarem a guerra: o que é que pensa, Jorge Amado, a esse respeito?
JÁ – Eu sou pelo desarmamento: eu acho que a guerra se evita não tendo armas; se nós estamos  nós os dois, aqui  e não temos armas, é mais difícil que nos matemos de que você estiver aí com vários revólveres  e eu com armas brancas e revólveres, mais facilmente nos mataremos.

Eu acho que essa coisa das armas, incluindo as armas atómicas,  é um negócio sujo: é um negócio sujo, porque, por um lado envolve dinheiro, e não é uma maneira de chegar dinheiro à custa da morte!    À custa da desgraça dos demais!... E é realmente um crime!... Esta coisa dos grupos antagónicos de nações, se equilibram e isto evita a guerra, eu acho extremamente discutível!... Eu acho que isso  nos coloca sempre no perigo da guerra! Diante do perigo da guerra!... Eu acho que, se os homens que dirigem as nações, tivessem mais sentido de humanismo, pensassem mais na humanidade de que nos seus interesses pequenos e mesquinhos, nós teríamos o desarmamento - não é o desarmamento geral –que colocaria a guerra muito mais distante e muito mais difícil. É isso que eu penso.

JTM  - Haver paz sem se recorrer à existência de armas?
JA – Eu acho que sim; que haverá, realmente, no dia em que se deixar de recorrer às armas.

JTM – Acredita que, num futuro próximo ou distante, essas armas que são uma ameaça à Humanidade,
possam deixar de existir? Que sejam postas de lado, uma vez para sempre?
JA -  Eu sou otimista em relação ao futuro da humanidade; eu acredito no homem: o homem, apesar de tudo, evolui e marcha para diante e que chegará o dia em que, realmente, a humanidade  deixará de lado, todas essas armas  e que os homens do futuro pensarão: como foi possível esse acumular de armas! Que loucura! Deu na humanidade e nos homens! Nos dirigentes dos países, para que se ameaçasse a humanidade, com essas armas tão terríveis!... Note que não é o povo de nenhum país que deseja as armas: são sempre os grupos dirigentes, aqueles que estão no poder!... Os povos não desejam as armas, muito menos  as armas atómicas! Os povos desejam viver em paz! Tranquilamente, trabalhando.

JTM – Mas, a corrida ao armamento, parece cada vez mais aguerrida! As aramas aparecem cada vez mais aperfeiçoadas!... Como ver isto?
JA – Eu vejo, sempre como um perigo para a humanidade! Eu vejo como uma desgraça!... É uma desgraça e um crime! – É isso que eu penso.

JTM – A nível mundial, que é que, Jorge Amado, acha que devia ser feito para que as nações depusessem as armas e não apostassem nessas forças diabólicas? E que podem, de um momento para o outro destruírem a existência do homem na Terra?
JA – Eu acho que devia ser feito aquilo que a sua rádio está fazendo, mas a nível mundial! Por todos! Uma campanha contra as armas atómicas e contra todas as armas!... Uma campanha mundial de todos os homens, pelo desarmamento!... Mas não uma campanha feita com interesse desse ou daquele grupo, não: uma campanha que fosse de todos os homens e no interesse, sim,  da humanidade e não desta ou daquela superpotência, deste ou de outro grupo de nações!... Mas pela Humanidade!

JTM – Jorge Amado, falou da Humanidade mas os escritores também têm um importante papel na humanidade!
JA – Com certeza: os escritores, os artistas, sobretudo os cientistas, porque sabem que uma guerra atómica seria a destruição da vida sobre a Terra: não apenas da vida humana mas de toda a vida sobre a Terra! … Todos nós temos essa obrigação, é nosso dever! Todos nós: a luta contra  a corrida armamentista! A luta contra as armas atómicas!

JTM – Já agora, uma última pergunta, sobre o mesmo assunto: já alguma vez, Jorge Amado, nos seus livros abordou esta questão ou pensa abordá-la futuramente?

JA – Eu abordei essa questão, em inúmeros artigos! Em conferências! Em discursos no Parlamento, quando fui deputado… De todas as maneiras, lutando contra as armas atómicas, e, de certa maneira, eu diria que os meus livros refletem o desejo de Paz da Humanidade! 

Mesmo  que eu não tenha tido nenhum tema em nenhum deles, a luta contra as armas atómicas, porém, os meus livros refletem a luta do homem por uma vida melhor e de paz e uma vida mais feliz.


Adicionar legenda
JTM – Jorge Amado, tem setenta anos: tem bom aspeto, um homem, plenamente jovem, direi mesmo, com a sua cabeleira branca prateada mas com aspeto extraordinário! Ainda espera escrever muitos livros? Que espera fazer ainda no resto da sua vida: dedicar-se à literatura ou abandoná-la?
JÁ -  Abandoná-la, não, porque, como você sabe, o escritor trabalha enquanto pode! Enquanto puder, vou escrevendo… Agora, eu não só escrevo, eu sobretudo vivo... Eu acho que o escritor necessita de viver ardentemente, a cada momento a sua vida, e, pretendo escrever, sim. Espero poder escrever….Quando a gente chega a uma certa idade, não pode exagerar: eu vou fazer ainda 69 anos, neste mês de Agosto, dentro de dias  e setenta anos, só para o ano.

JTM – É do signo Leão: e, já agora, em que dia?
JÁ – Ah, daqui a uns dias!... Não é uma coisa de grande interesse

JTM – Pois, Jorge Amado, muito obrigado por esta entrevista, tão simpática, eu gostaria – enfim, isto é talvez já abusar da sua boa-vontade, da sua paciência: como sabe, nós temos bons escritores, no entanto, nunca houve laureados: já alguma vez, Jorge Amado, pensou nisso, porque é que, até agora, nenhum dos nossos escritores foi laureado, foi distinguido com o Prémio Nobel?

JA -  Eu acho que as literaturas de língua portuguesa, já deviam ter tido o Prémio Nobel… Eu sempre digo, que se fosse membro do júri do Prémio Nobel, eu daria a um poeta brasileiro, chamado Carlos Drummond de Andrade: grande e extraordinário poeta! E, acho que há pelo menos dois grandes escritores portugueses, que merecem: antes havia Ferreira de Castro, que, aliás, mais de uma vez teve o seu nome lembrado para o Prémio Nobel, mas hoje eu acho que, Miguel Torga e Fernando Namora, são dois nomes muito importantes na literatura mundial! Um e outro: Namora e Torga, os dois merecem o Prémio Nobel e certamente todos os escritores que escrevem na nossa língua, ficaríamos felizes! Como certamente, todos ficariam felizes se o poeta, Carlos Drummond de Andrade, tivesse esse prémio.

JTM – Porque, não, Jorge Amado? Ainda não foi distinguido, com esse galardão, era também de inteira justiça!
JÁ – Essa é a sua opinião mas não é minha. Muito obrigado.

BIOGRAFIA -  Jorge Amado nasceu a 10 de agosto de 1912, na fazenda Auricídia, no distrito de Ferradas, município de Itabuna, sul do Estado da Bahia. Filho do fazendeiro de cacau João Amado de Faria e de Eulália Leal Amado.
Com um ano de idade, foi para Ilhéus, onde passou a infância. Fez os estudos secundários no Colégio Antônio Vieira e no Ginásio Ipiranga, em Salvador. Neste período, começou a trabalhar em jornais e a participar da vida literária, sendo um dos fundadores da Academia dos Rebeldes.
Publicou seu primeiro romance, O país do carnaval, em 1931. Casou-se em 1933, com Matilde Garcia Rosa, com quem teve uma filha, Lila. Nesse ano publicou seu segundo romance, Cacau.
A obra literária de Jorge Amado conheceu inúmeras adaptações para cinema, teatro e televisão, além de ter sido tema de escolas de samba em várias partes do Brasil. Seus livros foram traduzidos para 49 idiomas, existindo também exemplares em braile e em formato de audiolivro.
Jorge Amado morreu em Salvador, no dia 6 de agosto de 2001. Foi cremado conforme seu desejo, e suas cinzas foram enterradas no jardim de sua residência na Rua Alagoinhas, no dia em que completaria 89 anos -  Mais pormenores em http://www.jorgeamado.org.br/?page_id=75




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