Jorge
Trabulo Marques
"Sempre enfim para o Austro a aguda proa
No
grandíssimo gólfão nos metemos,
Deixando a
serra aspérrima Leoa,
Co'o cabo a
quem das Palmas nome demos.
O grande rio,
onde batendo soa
O mar nas
praias notas que ali temos,
Ficou, com a
Ilha ilustre que tomou
O nome dum
que o lado a Deus tocou"
O tormento no meu coração me dá alegria; que a esperança
enganosa fique longe de mim”
Si dolce è’l tormento
Si dolce è’l tormento
Ch’in seno mi sta,
Ch’io vivo contento
Per cruda beltà.
Nel ciel di bellezza
S’accreschi fierezza
Et manchi pietà:
Che sempre qual scoglio
Por aqueles
que sulcaram mares nunca dantes navegados e conhecidos - Sons épicos e versos
de Euclides Cavaco, evocando Vasco da Gama - O grande marinheiro português,
aquele que abriria a primeira rota marítima entre os Oceanos Atlântico e
Índico, vídeo, com sons dos mares, em que, arrojados navegadores, partindo em
frágeis caravelas, desbravando os sete oceanos, foram dando a conhecer novos
mundos ao mundo;
Ó Solidão
Purificadora da Terra, dos Mares e dos Céus!...
Em noite
alta solitária e cerrada,
a sós com
Deus e com minha alma,
mais
taciturna que tranquila ou alvoroçada,
sinto,
escuto e medito quão medonho e triste
é o manto
escuro que ondula e me envolve!
Como, se em
cada vaga que espuma e me sacode,
em cada
inesperado golpe penúmbreo e volúvel
que
cruelmente investe sobre o casco instável
e
tombaleante do meu frágil e penoso esquife,
no dorso do
tosco madeiro em que resisto e vogo,
subitamente
rolasse comigo, inteiro e vivo
e, sem poder
sequer pronunciar uma palavra
ou implorar
uma prece ou gritar um simples ai
- Oh! Quem
me socorre! Ai! Quem me acode! –
Sim,
imediatamente descesse até ser envolvido
pelos
lodosos e talvez florescentes limos
dos escombros ou despojos de outros desgraçados
esquecidos
nas mais negrissimas cavernas abissais
para ali meu
corpo se decompor e diluir para sempre
ofuscado
completamente da luz solar ou do luar!
Perdido e esquecido para um nunca mais
no fundo do
mais abissal e fantasmagórico sepulcro!
Todavia,
enquanto assim quiser o meu ínvio
destino,
vou indo sem
rumo, não sei bem para que outro mundo!
Açoitado e
arrastado por montões de sinistro brilho!
E na
iminência constante de ser tragado e engolido!
Na liquidez
da vasta superfície de um agoiro escondido!
Um caixote de lixo a servir de baú |
Mas esta é
também a vasta e sombria noite que habito!
que
silenciosamente perscruto e me faz companhia!
Num
permanente reencontro, entre o cismo e o pasmo !
A noite de
todas as eras, silêncios, marulhos e rugidos!
A noite
assombrosa que vou prosseguindo sempre
no seu
movimento e ritmo constante mas renovado!
Perpetuadamente
instável, fluídico e inacabado!
Sob um
espesso teto de pardas ou brancas névoas,
ou buracos,
que ora se entreabrem ora cerram
no infinito
azul profundo e estrelado
que não me
inibe, intimida ou apavora,
por tão
familiar eu lhe pertencer,
mas que
também não me deslumbra
nem conforta meu ser ou me consola!
Sim, vogo
por este imenso vale despido !
Alheio
a tudo que é vivo e floresce!
Através
deste ermo deserto noturno,
que ora
reaparece ora se me ofusca!
Aberto e
livre a todos os instante e marés!
Mesmo quando
a arcada das minhas pálpebras
descai e
soçobra vencida ao sono e à fadiga
mesmo assim,
ao mais leve estremeção
ou mais
agreste báte-báte de violenta vaga,
estertor a
fustigar o casco da frágil piroga,
abro logo
meus espantados olhos,
como que em
sintonia ao pulsar
mais
acelerado do meu coração,
tendo de
imediato a nítida percepção,
de quão
sozinho vou indo continuamente
arrastado
pelo hálito das correntes e ventos
vogando à
flor de revolto mar
ou de
perturbadora e podre calmaria
triste e
desamparado,sentindo,
porém, em
mim, não propriamente o tolhedor medo
mas a vital
necessidade de um acolhedor abrigo ou afago,
de encontrar
neste imenso circulo de turvos brilhos de mar
a tão
desejada e justíssima aspiração à paz e plenitude,!
Sim!.. Mesmo
na vastidão do distorcido e turvo espelho
da ondulante
toalha líquida que se expande e não tem fim!
Sinto em
mim, o hálito salgado com que me
entonteço e respiro!
Pois,
mesmo que dele precisasse,
ninguém me estenderia a meu lado ou do alto a sua mão!
ninguém me estenderia a meu lado ou do alto a sua mão!
Atento
e indiferente ao estrondo e à luminescência de tudo
ao silêncio que cintila ou à surdina do ecoar do surdo marulho!
Vestido com as vestes da nocturna e translúcida solidão!
ao silêncio que cintila ou à surdina do ecoar do surdo marulho!
Vestido com as vestes da nocturna e translúcida solidão!
Absorto à crua e nua verdade transfigurada de assombro!
As
trevas adensam-se na atmosfera e, por tão habituais,
quase
já não me impressionam, não me comovem mais.
Fazem
o seu percurso. Eu vou fazendo sinuoso o meu!
Embora não sabendo qual o destino que Deus me deu!...
Sim, as sombras estão por todo o lado,
flexíveis e em sagrado âmago e comunhão!
Espalham-se em círculos de tingida água de luto,
em cintilante matéria alada de arcos de estranho veludo
sobre mim, em qualquer ponto ou aérea linha ou direçao!
Embora não sabendo qual o destino que Deus me deu!...
Alguns dos tubarões pescados |
Sim, as sombras estão por todo o lado,
flexíveis e em sagrado âmago e comunhão!
Espalham-se em círculos de tingida água de luto,
em cintilante matéria alada de arcos de estranho veludo
sobre mim, em qualquer ponto ou aérea linha ou direçao!
Vagueio sem destino com a coragem e o medo que ainda não sei vencer.
Não
recuo a nada....Porque, enquanto tiver algum medo é sinal de que vivo....
Vou
indo com o soooar do mar! Com o mar que soa! Com o mar que brâaame!..
Vou
indo, derivando com o mar que voa!... Com o mar a bramaar!
Sou
o cavaleiro andante sonhando acordado!... Sonhando cavalgando
este
vasto largo, este imenso ondular.. Sonhando e cavalgando o mar!...
Porque,
ao sonho, não há limites, depurações nem outras barreiras!
A noite atormenta corações solitários, ante um mudo firmamento!
Ou quando espessas névoas ofuscam o sono luminosos do sonho!
Mas esta é a pupila e o aroma fluido do meu ilimitado tormento
Ou quando espessas névoas ofuscam o sono luminosos do sonho!
Mas esta é a pupila e o aroma fluido do meu ilimitado tormento
bem longe das vistas do mundo, dos ocultos e longínquos astros!
E agora que o silêncio é submerso pelo rugido do vento e do mar,
Mas,
ó piedade impiedosa dos céus!..
Nenhum
sinal de vida! Ninguém...Nem vivalma!
Este é o nervo desta desmaiada e violeta evidência!
Este é o nervo desta desmaiada e violeta evidência!
Só
as vagas.... e atrás das vagas, outras vagas ainda!
O
vento soluça e geme. Perpassa-me pelos meus ouvidos
como
um fino acorde quando menos se exaspera ou aquieta!
- Estou continuamente envolto pela lividez da sua fulgência!
- Estou continuamente envolto pela lividez da sua fulgência!
Onde
irei eu numa noite de breu assim e por este mar fora?!..
A que distância haverá um qualquer porto ou cais de abrigo?
- Praia de areia fina dourada ou grossa e negra em costa rochosa
onde possa eliminar as sombras dos meus olhos e ali possa repousar!...
A que distância haverá um qualquer porto ou cais de abrigo?
- Praia de areia fina dourada ou grossa e negra em costa rochosa
onde possa eliminar as sombras dos meus olhos e ali possa repousar!...
As nuvens vão correndo escuras e velozes no tropel da sua marcha,
galopando lívidas, enroladas de novelos, quase sobre a minha cabeça
fazendo-me confundir com o cenário do mesmo sombrio e caótico tumulto!
fazendo-me confundir com o cenário do mesmo sombrio e caótico tumulto!
Quase
me sentindo esmagado e sufocado pelo pelo seu corrido e alado peso.
Em que ponto do mar ou do céu poderei pousar o meu olhar?!..
Bravio e deserto! Espectral cenário! - Estranha e cruel beleza!
Quem se compadece de mim?!... Tão prolongado já vai
o sofrimento, a angústia que me aplaca e não se esvai,
que, de tanto penar neste deserto varrido, cinzento e sombrio
e, dos céus cerrados, vir somente a indiferença e a imanente frieza,
sim, tamanha já é a minha dor, a amargura intensa que não se
me apaga,
que, esta contínua incerteza, este permanente amargo e continuado penar,
este resignado sentimento na sua dinâmica dureza que me fustiga e perturba,
se transforma, simultaneamente, não só em persistente, profusa e sentida dor
mas também num misto de sereno, doce e balsâmico alívio e vão contentamento!
Como se eu fosse - mesmo diluído e errante como as sombras desta agitada vastidão
o Deus de mim próprio e das escuras névoas, o meu próprio Senhor e Génio Criador!
De peregrino nos mares a peregrino da terra e da luz |
É o vento, são as vagas!...
No tropel desta imensa e negra vastidão!...
Encadeadas umas atrás de outras vagas!
E de outras que invisivelmente lhe vão sucedendo,
no interminável movimento do seu infatigável carrossel!...
Neste tumulto de esquecimento, talvez só meio silenciado ou apagado
nas covas da sua tumultuosa e espumante e nocturna ímpia ondulação
ou então quando raiar a alvorada a mostrarão ao iodo acre estampado
nos meus olhos, à minha face e ao meu coração talvez em ruínas e devassado!
Sim! Há um marulho a toda à volta que
tumultua, se levanta, blasfémia e uiva!...
Sob o teto de um firmamento escuríssimo, cobrindo-se de desumana imensidade!
Mais cerrado e debaixo dos longínquos astros, ofuscado das estrelas, como nunca!
Que põe nas cadências da minha alma e na angústia do meu peito magro e dolorido,
um estremecimento estranho e inexplicável, uma dor aguda, vazia e árida,
que, na eternidade dos timbres dos remoinhos deste negro mar,
na volúpia de uma caótica e desarmoniosa modulação,
sobre a tosca tábua onde vagueio e sem qualquer refúgio,
faz sobressaltar ainda mais o palpitar meu pobre coração!
Sob o teto de um firmamento escuríssimo, cobrindo-se de desumana imensidade!
Mais cerrado e debaixo dos longínquos astros, ofuscado das estrelas, como nunca!
Que põe nas cadências da minha alma e na angústia do meu peito magro e dolorido,
um estremecimento estranho e inexplicável, uma dor aguda, vazia e árida,
que, na eternidade dos timbres dos remoinhos deste negro mar,
na volúpia de uma caótica e desarmoniosa modulação,
sobre a tosca tábua onde vagueio e sem qualquer refúgio,
faz sobressaltar ainda mais o palpitar meu pobre coração!
Soergo-me ajoelhado,
tímido levanto o húmido oleado
com que cubro a piroga, envergando
ainda a capa
com que durmo e debruço-me sobre a frágil borda,
com que durmo e debruço-me sobre a frágil borda,
espreito por uma nesga o
que vai lá fora,
olho a noite de olhar
turvo e arregalado
para descortinar o que vai
ao largo....
É o fuzilar de relâmpagos
e mais relâmpagos a rasgar negridão.
Fico preocupado…Além dos sinistros raios a incendiar o mar,
que fulgurantemente rasgam a espessa vastidão que me cobre
e a turbulência do turvo horizonte em todo o circulo, além de mim,
Fico preocupado…Além dos sinistros raios a incendiar o mar,
que fulgurantemente rasgam a espessa vastidão que me cobre
e a turbulência do turvo horizonte em todo o circulo, além de mim,
nada mais ouço que o
uivar do vento e, nos sombrios confins,
também agora a trovejar o ribombar de um sinistro trovão!..
também agora a trovejar o ribombar de um sinistro trovão!..
Nada mais enxergo que
manchas fugidias e difusas!
Vultos disformes!...Vultos diluídos e montanhosos!
E, atrás desses vultos, alterosos, difusos e escuros,
outros maiores, e sem tréguas, se enrolam fugidios
à superfície vestida de imensa e negra vastidão!..
outros maiores, e sem tréguas, se enrolam fugidios
à superfície vestida de imensa e negra vastidão!..
Manchete da travessia S. Tomé -Nigeria |
Ameaçado por constantes e cruéis sacudidelas
cambaleando como um ébrio mas vigilante e lúcido
em vão perscruto o denso horizonte e nada enxergo,
senão manchas de massas desconformes e gelatinosas,
acima da ondulante vastidão que meus olhos cega e turva..
.
Em vão, vogando, lúcido e atento, sulcando as movediças águas.
mais como espírito pairando de que como ser humano vivo e perdido,
talvez como o profeta jesus pilotando a sua barca em demanda da sua cruz!
Em cuja imensa cúpula nem a lua nem as estrelas, dão sinais da mais ténue luz!
mais como espírito pairando de que como ser humano vivo e perdido,
talvez como o profeta jesus pilotando a sua barca em demanda da sua cruz!
Em cuja imensa cúpula nem a lua nem as estrelas, dão sinais da mais ténue luz!
Só farrapos de cinzas e penumbras esfarrapadas, pairam do alto ou vindo debaixo
vão correndo à superfície das penumbras viscosas da erma vastidão lívida e líquida.
vão correndo à superfície das penumbras viscosas da erma vastidão lívida e líquida.
Sobre a qual emergem novelos de névoas fantasmagóricas, formas vagas e fugidias!
Movendo-se e avançando na crina do vento e do mesmo manto fúnebre e ondulante !
Descendo ou subindo a crista da vaga ou desaparecendo, tão subitamente
como se lembrassem dispersos navios fantasmas cavalgando, avançando e ondulando!
Movendo-se e avançando na crina do vento e do mesmo manto fúnebre e ondulante !
Descendo ou subindo a crista da vaga ou desaparecendo, tão subitamente
como se lembrassem dispersos navios fantasmas cavalgando, avançando e ondulando!
Nenhum raio de luz vem do
alto!.. E, no entanto,
as águas enrolam-se e refletem
um brilho lívido e baço!
Acima de mim e deste meu vagabundo e solitário vaguear
Acima de mim e deste meu vagabundo e solitário vaguear
Não há uma aberta, um devaneio à dor ou assomo de claridade!..
Por isso, sinto-me agora ainda mais recolhido e desolado.
sozinho, triste, perdido e abandonado! - Mas com fé!
Entregue às mãos de um milagroso e germinador Criador!
sozinho, triste, perdido e abandonado! - Mas com fé!
Entregue às mãos de um milagroso e germinador Criador!
Imerso numa paz podre e
angustiante, tendo por cenário,
um quadro que tem
tanto de sombrio, como de horrível e belo!
Traz nas pastosas vagas
que se revolvem e quebram ao meu lado,
o timbre iminente de mais
umas longas e atribuladas horas de vigília!
De sonos perdidos, enfrentando
as sucessivas ameaças e investidas!
Durante o dia ainda se vê donde vem o perigo e como enfrentá-lo.
Durante o dia ainda se vê donde vem o perigo e como enfrentá-lo.
Porém, quando à escura noite, sobrevém a violência dum tornado
ou a inesperada tempestade, tudo é medonho!...- Não há palavras!.
Os humores e os remoinhos do mar são um permanente catavento!
Variam subitamente e mudam-se como o vento e sem desfalecimento!
Vento e vagas! negros estão os mares e os céus!
Dentro de mim, onde vogo, em redor ao largo e ao alto
reina a solidão e o peso da noite mais funda! - Estou
só!
Angustiado, face ao abandono do mundo e de Deus.
Estômago a dar horas, encolhido e vazio como um fole!
Em vão aperto o cinto, martirizado por fome
atroz!
Sequioso de água potável - Corroído e atormentado
pela sede - No equador o sol é a pino! Agora que
eu faço?!..
Água potável, só a das chuvas ou recurso à do salgado
mar!
Oh, sim!..Dorido das chagas, as feridas da muita
humidade,
das pústulas que me cobrem as partes! Vogando
enfim
por caminhos ínvios que eu não sei - Silente e
prostrado,
taciturno no fundo de mísero esquife que flutua-
Deste caixão
vergastado vogando na solidão de escuras águas de
espuma!
Solitário e silencioso, nem um murmúrio balbucio mas
sofro.
E choro por vezes as lágrimas sofridas da minha cruel
sorte.
Errando na confusa superfície, derivando à toa e sem
norte!
Qual vida sem rumo ou névoa que se esbate, esvai
desfaz ou apaga.
Qual moribundo! Qual Cristo que espia descido da cruz
do calvário!
Não desesperado, não rendido mas já mais inseguro e
menos calmo,
sem que alguém me responda, inquieto, pergunto ao meu
coração:
- Serei apenas a onda fugidia que se ergue franjada e
se desfaz?!..
O espectro diluído e esfumado, a alma errante de
outro mundo?!..
Afinal, o que serei eu à flor deste mar negro fugidio
e encapelado?!...
Serei o homem só no vasto oceano revolto vogando
perdido
à espera de cair no tumultuoso negrume da
mais horrível tumba,
envolvido pelos dedos crespos do mais insondável poço
ou abismo?!..
Ó negros e opacos céus, ó negros e corridos mares!...
- Longe já vão essas noites nas densas trevas envolto
pelo bafo permanente da aragem viscosa da morte,
as vergastadas ou os salpicos violentos da
salgada espuma!
Todavia, quão perto os tenho ainda na minha memória!
Quão posso agradecer a Deus e aos Céus, a minha sorte!
Jorge Trabulo Marques
Jorge Trabulo Marques
(...) Devem ser oito horas... É noite do 30º dia. Choveu, como previra, no fim de tarde. Por acaso apenas foram os reflexos de uma trovoada que deve ter ocorrido, lá para longe, lá para o sul... Mas as vagas estão demasiado fortes!... O que veio realmente dar um certo desequilíbrio à canoa.
Há formações de nuvens negras a norte, noroeste...Vejo que algumas estão
realmente a deitar chuva.Noutras bandas....vê-se a escuridão. E, para o sul,
não sei se ainda terão chuva....Espero...Só peço a Deus que a noite não seja
chuvosa.....Porque é muito chato...
Não comi nada...Quer dizer, limitei-me a comer as barbatanas do tubarão que
tenho aí. Tentei pescar mas não consegui absolutamente nada!... Hoje, digamos,
é um jejum limitado a água.... Não pude arranjar mais nada, visto ter estado
ocupado quase todo o dia com o remo improvisado para dar a direcção à
canoa..." Excertos do meu diário de bordo - registado para
um pequeno gravador que preservei no interior de um antigo caixote do lixo
- O meu baú - imagem ao lado
A terminar ocorre lembrar-me de uns poemas de Henri Michaux - Sim, houve noites e dias, em que cheguei a desejar
o fim do meu calvário:
"Náusea ou é a Morte que se Aproxima"
Rende-te, coração.
Lutámos tempo de mais,
Que se acabe a minha vida,
Não fomos cobardes,
Fizemos o que pudemos.
Oh! Alma minha,
Ou ficas ou vais,
Tens de te decidir,
Não me apalpes assim os órgãos,
Ora com atenção, ora com desvario,
Ou vais ou ficas,
Tens que te decidir.
Eu, por mim, não posso mais.
Senhores da Morte
Nem vos aplaudi, nem blasfemei contra
vós.
Tende piedade de mim, viajante de tantas
viagens sem
bagagem,
Sem amo, sem riqueza, sem glória,
Sois de certeza poderosos e ainda por
cima engraçados,
Tende piedade deste homem transtornado que
antes de
saltar a barreira já vos grita o seu
nome,
Apanhem-no no ar,
E, se for possível, que se adapte aos
vossos
temperamentos e costumes,
Se vos aprouver ajudá-lo, ajudai-o,
peço-vos.
Henri Michaux - In Equador
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