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Cultura Online - - Além Mar
Saskia Moro - Nascida em Londres, em 1967, estabelecida no Reino Unido, trabalha essencialmente no estilo abstracto minimalista. Expôs na Holanda, Índia, XI Bienal de São Paulo - Brasil, em várias cidades espanholas e em Portugal. Foi galardoada com os seguintes prémios: Villa Lucio Muñoz Printmaking, 2000, Madrid; I/II/III Bienal Internacional of Orense. Encontra-se representada: Biblioteca Nacional, Madrid; Miró Foundation, Palma de Maiorca; Calcografía Nacional, Madrid.- Informação pormenorizada em Exposición Olhar álem - 2004 - saskia moro

Não venho falar-lhe da pintura dos violentos tornados tropicais,
nem do mar das lânguidas e podres calmarias, das noites banhadas de luar ou das
tempestuosas e intermináveis horas nocturnas, com nuvens negras, pesadas e
baixas, revolvendo-se como que por sinistros tectos ou fantasmas da cor do luto e
da morte, assombrações mais negras que a fuligem ou do espesso breu, que eu vivi a bordo de uma frágil canoa, nos
38 longos dias e noites nos mares do imenso Golfo da Guiné, cujo diário tenho estado a transcrever neste site.
O que me foi dado poder observar e admirar, na mostra recentemente inaugurada na Galeria Valebom, pareceram-me telas inspiradas
em mares, bem mais tranquilos, silenciosos e serenos do que aqueles em que arrisquei a vida - E, também, alguns quadros - esses, sim, lembrando-me típicos dos mares do sul, espaços costeiros, não devassados por olhares profanos, ainda defendidos da poluída febre do consumismo desenfreado, que tudo destroi e conspurca, simples paraísos desertos onde até o brilho e a limpidez dourada da areia empresta a sua luminosidade à pureza do azul esmeralda das calmas águas que ali vão tranquilamente perder-se e espraiar-se
Claro que a verdadeira paleta das cores do mar, está nos olhos de
quem o observa, no seu estado de alma - No que pretende transmitir ou
partilhar das suas emoções. - Pintar uma ou mais telas do mar, não é
preciso estar a vê-lo. Mas também só faz um belo poema quem conheça a realidade ou viva a vida com desmesura, superação e intensidade.
Tal como o poeta que faz um poema, em qualquer lugar e
em qualquer momento, inspirado na poderosa imensidão oceânica, na fragilidade e pequenês do ser humano face à extensão das águas, aos espaços indefinidos, sem limites ou
num qualquer motivo da vida marinha que instigue a sua imaginação, também o pintor pincela o seu
mar. Mostra-nos a beleza de como os seus olhos o viram ou o coração ainda o
sente pulsar. Por isso mesmo, os quadros de Saskia Mora são únicos e
singulares. É poesia marinha.
Alquimia da arte em termos técnicos é o mesmo que falar da alquimia do amor. A adrenalina que concebe o acto criativo é comum em todas as áreas de expressão artística. E o seu mistério é o da sensibilidade voltada para a criatividade e para a beleza. A fascinação, a transcendência do real. O poeta serve-se das sublimação das palavras, o pintor da sublimação das cores, cuja realidade reconstroi à medida do seu deslumbramento. O que eu descubro nas paisagens marinhas de Saskia é justamente a inquietude e a busca desse fascínio. O elo que liga o real ao transcendental. O sinal presente da infinitude divina. A demanda do mistério que paira além dos espaços indecisos. Aparentemente existe um elo comum em todos os seus trechos - Olhamos para
um quadro e descobrimos a plasticidade e a magia da
sua técnica e a sua relação com o anterior. Não revelam ilhas
mas episódios que se interligam numa pluralidade de emoções. .
Manchas pictóricas que inesperadamente nos fazem soltar
comoções e sentimentos e nos parecem contar pequenas histórias de lugares
e atmosferas. Conhecidas ou imaginadas.
Afinal, que pude eu descobrir, ao cair daquela fria e húmida tarde de Fevereiro, na digressão que empreendi à frente daquelas telas que ao mesmo tempo que ia fotografando me lançavam como que aromas e desafios de épicas viagens solitárias?... Que pude eu descortinar da linguagem cifrada daquelas telas, de quando meus meus olhos se coroavam de salgema e meu nariz, quase se entupia de vento e mar salgado, minha boca e pulmões aspiravam o aroma genesíaco da crespa espuma que saltava da rebentação das vagas?... Que recordações me transportavam a memórias antigas de infinitude e de solidão?!... . Oh, agora?!... A liberdade de navegar através da imaginação e da memória, com os pés bem assentes em terra e de me libertar por espaços de etérea maresia. Isto, porque, a pintora, ao não titular cada uma das suas obras, conferiu plena liberdade a quem as observasse, promovendo a sua viagem, a interpretação indivual e a aventura.
Pois bem, foram céus cobertos de azuis a raiar o cinzento, rasgados por enormes clareiras de um tom de marfim, tonalidades e cores de águas, que, dir-se-ia assemelharem-se, ora a um verde acobreado, ora a um azul raiado de chumbo, entre outros matizes e tons que, por serem simultaneamente tão estranhos, densos e ao mesmo tempo claros e subtis, quase estáticos e de uma luminosidade a raiar o brilho e o baço, me faziam recuar àquelas manhãs ou tardes de absurdo e de incerteza, com atmosferas que antecipavam visões irreais e augúrios estranhos - Mas não creio que tivesse sido essa a intenção de Saskia Mora, até porque, em muitos deles, pairava a proximidade de terra - E, à minha volta, só existia a vastidão, o deserto líquido e o imenso círculo vazio.
Pelo que me foi dado depreender, a sua sensibilidade feminina, buscará, naturalmente, o lado místico, sereno e alquímico dos sinais de intemporalidade, a misteriosa sensualidade das superfícies marinhas, espaços líquidos e aéreos que se assemelham e confundem nas mesmas tonalidades e cores, se unem e diluem nas distâncias – E, se algum dramatismo existe, visa tão só transportar-nos ao além mar, ao inexprimível, ao inatingível, às associações das formas mais difusas e indistintas – Tal como acrescenta ainda no mesmo catálogo, “as possibilidades, as formas, o inconcebível, o inalcançável: estamos perante o todo que tem de ser demarcado para ser compreendido.
Necessitamos
de limitar a imensidade, ou tentar captar a distância num espaço.
Sugere-nos
a atracção rumo a esse lugar onde a
terra, a água e o céu se separam. Um lugar em permanente transformação. Esse
sinal ancestral; o horizonte. Com o seu ritmo reiterado e hipnótico. Essa linha
definida que quando se aproxima se converte em areia, na terra que pisas , que
vives.
A
linha que convoca à curiosidade de conhecer e nos leva a imaginar e a
perceber a existência com a distância.
Os
desejos reflectem-se nessa atmosfera extensa de areia e água. Rodeada por essa
luz que tudo enche depois das tormentas e abre clareiras na distância, no horizonte” – Saskia Moro
UM OLHAR DIFERENTE DE CONTEMPLAR O MAR
Vá lá mas não espere que lhe mostre o mar violento, o mar colérico e destruidor! Quadros das tormentas?! .....Com barcos a debaterem-se por entre a fúria selvagem e efervescente das vagas?!... De facto, para espíritos sensíveis, esse lado trágico do oceano, também possui a sua beleza, mas angustia, atormenta e oprime em demasia - Alguns quadros desses, estiveram expostos há pouco tempo na Gulbenkiam, a que me refiro na postagem anterior. São sobretudo quadros dos tempos das heróicas caravelas - Agora, já não há essas épicas viagens. Para quê forçar os pintores a mostraram episódios que não viram nem ouviram falar. De resto, as narrativas pictórias dessas trágicas tempestades, enquadravam.se mais na pintura masculina.
Como é reconhecido, o mar transmite solidão, imensidade, tragédia, violência, serenidade ou recolhimento. Ao determo-nos à frente de cada um dos quadros de Saskia Moro, sabemos que não estamos sós nessa observação, pois sentimos que a autora nos acompanha, que está presente do primeiro ao último quadro – Nota-se que há como que o desejo de partilhar da serena sensualidade marítima de alguém que manifesta um estreito conhecimento e uma íntima ligação ao elemento marítimo: de uma artista que já observou e contemplou o mar, sob vários ângulos e até do mar para terra – Ou não fosse amiga de acompanhar o seu pai no veleiro
Há em todo o ser humano, um amor pela natureza, de contemplar os seus caprichos e as suas maravilhas – A essência da sua beleza e harmonia, está presente em todo o lado – Mesmo que viva na cidade mais ruidosa e movimentada, basta que eleve os olhos ao azul dos céus. E, se acaso o disco resplandecente do sol vivificador estiver cinzento e coberto por grossas nuvens, com todo o azul denso e ofuscado, subiste, todavia, aos seus olhos a grandeza e o sentimento da infinitude, pelo que não dará por perdido esse seu gesto. Porém, se for num dia de chuva, pensando bem, lembrar-se-á de que a chuva é um dos fenómenos mais misteriosos da Mãe-natureza – Sem a chuva fertilizadora, não haveria vida, nem florestas, nem mares – Porém, conquanto o céu, as árvores, um jardim, a chuva a cair no telhado ou a bater nas vidraças, o voar de uma ave ou o cantar de um passarinho, podem estar ao alcance de toda a gente – O mesmo já não sucede às possibilidades de, ao vivo, se poder contemplar o eterno vai e vem das ondas, aspirando o seus odor, nos seus constantes marulhos, a rebentarem e a desfazerem-se, a recuarem ou avançarem sobre areias finas de aprazíveis praias ou a baterem estrondosamente nas encostas rochosas. Nem toda a gente desfruta dessa oportunidade. Daí que o oceano continue a fascinar, não apenas quem vive perto dele, como também aqueles que o vêm apenas através das imagens - Os pintores foram os primeiros retratistas dos vários episódios do mar. Hoje julgo que são mais os impressionistas ou abstraccionistas de que os realistas - É o caso de Saskia Moro. Cuja expressão artística a distingue dos demais.
Jorge Trabulo Marques - Jornalista