As minhas primeiras tentativas da escalada ao Pico Cão Grande, ocorreram em meados de 1970 - Fui a primeira pessoa a escalar sozinho este majestoso pico. Dizia-se que o Cão Grande tinha feitiço e quem ousasse escalá-lo, ficava lá morto. Por isso, não constava que alguém tivesse ousado subir as suas paredes verticais. Eu achei que devia quebrar esse enguiço. Mas também por se me impor como um desafio desde o primeiro dia que fui trabalhar como empregado de mato para a Roça Ribeira Peixe - E que veio a tornar-se ainda mais intenso depois de abandonar aquela propriedade agrícola.
Impunha-se-me a sua conquista como uma espécie de desforrra às humilhações de que afui alvo por parte da administração daquela roça e da Roça Uba-budo, pertencentes à mesma empresa: A companhia Agrícola Ultramarina.
O adminsitardor mandara-me para ali de castigo a contar cacauqueiros, numa área abandonada e infestada pela cobra-preta, pelo facto de me ter recusado a tratar os trabalhaores por tu e de forma autoritária, ao velho estilo colonial. Andava eu com um trabalhador cabo-verdiano: ele de caldeirinha na mão cheia de água de cal para marcar os cacaueiros que eu ia contado. Eu andava de galochas e ele descalço: um dia uma srpente picou-o e morreu no local. Nesse mesmo dia à noite abandonei a Roça.
O Sebastião, que residia numa pequena aldeia, próximo da ponte do Caué,, era quem me acompanhava até ao sopé de um dos flancos. Era caçador de porcos. E aproveitava para, com os seus cães, fazer as suas caçadas. seguidas de várias subidas solitárias, até que, em Outubro de 1975, na companhia de dois jovens e corajosos santomenses, conseguimos completar a subida.
Desprovidos dos recursos técnicos usados nas grandes escaladas, sem calçado adequado, luvas ou capacetes, munidos apenas de vulgares cordas e de uma vareta de pontiaguda numa mãos com que nos segurávamos nas reentrâncias naturais ou onde não nos era possível fixar umas cavilhas improvisadas, com os pés apenas cobertos por vulgares meias, lá íamos subindo descalços.
A bem dizer a conquista do cume era o culminar de uma proeza ao velho estilo dos macacos da floresta, com que nos deparávamos quando caminhávamos ao encontro do enorme falo basáltico. Mas, enquanto eles podiam saltitar de galho para galho, nós só o podíamos fazer próximo das base, na zona coberta de arbustos, que muito nos facilitariam a nossa acessão: só que, uma vez, um deles descolou da rocha e, só por muita sorte, é que, um dos nossos companheiros, o Pires dos Santos, não se despenhou nos pedregulhos no sopé do arvoredo.

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Obrigado por me acompanhar na memória à tão difícil escalada de um dos mais belos e singulares picos do Mundo - Depois, se lhe sobrar um bocadinho do seu tempo, não deixe de viver algumas das emoções, por que passei, expressas no diário de bordo dos 38 logos dias numa simples piroga Estas foram aventuras em frágeis pirogas https://canoasdomar.blogspot.com/2012/10/25-dia-estou-cheio-de-sede-e-de-fome.html

(atualização) A escalada do Pico Cão
Grande, em 12 de Outubro de 1975, foi tema de uma palestra promovida
pela Associação Desnível Intitulada 40 anos sobre a Escalada do Pico Cão Grande – Três horas de entusiástico convívio e fraternal diálogo, em
que as ilhas de S. Tomé e Príncipe, embora bem longínquas, estiveram
continuamente no pensamento de todos os presentes, não apenas do tema em
questão mas sobre outras abordagenshttps://canoasdomar.blogspot.com/2015/11/casa-da-gruta-em-cascais-encheu-para.html

Tal o entusiasmo gerado à volta da
escalada do Pico Cão Grande, associado às maravilhas da paisagem de S. Tomé e
Príncipe, que ficou a pairar o desejo de ali se deslocar uma equipa de
alpinistas desta associação para concretizar a segunda escalada do Pico Cão
Grande, depois de quatro tentativas goradas por outras equipas, já que, tal
como ficou documentalmente demonstrado, a tao mediatizada escalada a este
pico equipa liderada por Matteo Rivadossi, é falsa - Escalaram o Cão
Pequeno e vieram dizer que haviam sido registas no cume do Cão Grande –
Pormenores em Desmontagem da encenação da “via mambo
italiana” de Matteo Rivadossi Desmontagem de uma encenação https://canoasdomar.blogspot.com/2016/01/escalada-do-pico-cao-grande-em-s-tome.html

DEVIA SER DECLARADO PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE OU MONUMENTO NACIONAL - Tal como o Devils Tower National Monument - EUA
Finalmente a imagem da bandeira que foi estiada na crista de um dos picos mais singulares e difíceis da Terra. - Em homenagem aos desafios da serenidade e da coragem - O testemunho que faltava dar aos desconfiados e incrédulos - Foto registada na ponte do Caué, antes da expedição através da floresta, com a minha valorosa equipa de santomenses; Pires dos Santos e Constantino Bragança.. Não disponho das últimas imagens, visto ter abandonado a Ilha, dias depois para uma aventura maritima de canoa.. Não tendo, até hoje, podido recuperar esse e outro espólio.
DEPOIS DA
ESCALADA COM A MINHA EQUIPA, HOUVE VÁRIAS EXPEDIÇÕES - MUNIDAS DE
EQUIPAMENTOS QUE NÓS NÃO DISPUSEMOS - A escalada nas rochas - seja a
nível das grandes alturas, tomando o nome de alpinismo, seja em que
circunstância for, é um desrato nobre - Um dos desportos mais arriscados
e difíceis do mundo, que não deve ser praticado por
meros caprichos exibicionistas ou a titulo competitivo, senão
como um desafio ou uma conquista humana às dificuldades impostas
pela formações rochosas da natureza
Mas,
pelos vistos, há quem o pratique exibindo conquitas sem as fazer É o caso do
Pico Cão Grande - Fizeram escaladas no Pico Cão Pequeno, afirmando, depois ,
de que haviam escalado o Cão Grande. - Curiosamente, com este em
pano de fundo, a que mais à frente me reportarei. Recebem
apoios e têm que os justificar de qualquer forma . E, segundo apuramos, nalguns
casos, pagando irrisórias importâncias a quem os ajuda a transportar as
mochilas
As ilhas
deviam promover este desporto. E todas as escaladas deviam ser devidamente
autorizadas e acompanhadas por observadores para, em caso de
acidentes, terem pronta assistência clinica. Veja-se o que se passa com a
escaldado Evereste
Informação atualizada
- 25/04/2022 Uma licença de escalada para o Everest custa US$ 11.000
(cerca de R$ 50.000, na cotação atual*), e no ano passado o Nepal faturou US$
4,1 milhões com essas vendas. Por outro lado, o país gerou um total de apenas
US$ 451.000 de vendas de licenças para seus outros sete picos acima de 26.000
pés/7.900 metros de altitude https://gooutside.com.br/permissoes-para-escalar-o-everest-despencam
O Pico Cão
Grande, que se ergue no coração da floresta equatorial, ao sul da Ilha de
São Tomé, não é apenas um gigantesco falo de pedra basáltica, é,
indubitavelmente, uma das mais singulares maravilhas geológicas da
terra: não tanto pela altitude mas pela forma e verticalidade.
Situado dentro dos limites do Parque Nacional Ôbó de São
Tomé , mesmo assim, parece-me que seria importante
declará-lo monumento nacional - tal como sucedera a outra enigmática
formação rochosa - o Devils Tower National Monument, a Torre do
Diabo, que se ergue no
estado de Wyoming, EUA
Cada
um com as suas peculiaridades, ambos de origem ígnea monolítica,
infunde uma surpreendente beleza e
mistério. Enquanto Devils Tower o tem o topo relativamente plano, o Cão
Grande é uma rocha, quase pontiaguda de formada por um
bloco maciço, vertical, escorregadio e escarpado –
Autêntico dedo gigantesco apontado aos céus!- que
se destaca do coração da floresta mais densa e exuberante da zona meridional da
ilha, próximo da linha do Equador, onde a queda pluviométrica oscila,
entre 4500 a 5000mm anuais – Monólito de origem vulcânica
com 663 metros de altitude, com um perímetro na base, talvez superior
à superfície rochosa que se levanta aprumo, sobre o manto verde, que se
calcula acima dos 300 m de altura - ou mais, conforme a vertente que se
escalar - Algumas das suas escarpas, além de encobertas pela floresta,
confundem-se com o próprio monte donde emerge, desnudam-se dele e vão
quase até à linha das águas, que correm ou jorram junto dele,
excedendo muito além das três centenas de metros calculados, que é possível
medir em área livre e aberta.
Quem o vir de longe, seja da clareira da floresta, seja ao surgir da curva de uma estrada ou até a levantar-se à frente dos olhos, irrompendo no meio de uma pequena reta, não poderá deixar de sentir o pasmo de uma majestosa aparição, de ser tentado a contemplar, algo que parece divinizar toda a natureza selvagem envolvente – Qual gigantesca testemunha, simultaneamente, terrena e cósmica! Ou qual expressão genuína de um monumento, erguido da terra, aos céus!
Seja de que
ângulo for, de perto ou mais afastado, o Cão Grande é único no seu género: não
há conhecimento de semelhanças no Planeta.

39 e 40 anos depois, pude finalmente reencontrar-me com velhos amigos e o com o nosso amigo comum - O Cão Grande - Com o Chico, um dos meus guias - Nov. de 2014 e com o Cosme Pires dos Santos - em 05-08-2015 Com o Constantino Bragança, esse também amistosos reencontro pude ser possível, por várias vezes, em Lisboa, dado ter emigrado para Portugal - Um abraço especial também a Victor Monteiro e à equipa da TVS por me terem acompanhado nesta romagem de saudade


le pico Cao Grande. Une merveille de la nature très peu connue mais à mon sens une des plus belles manifestations de la nature que j’ai vue. -- Gabon > Sao Tome depuis Libreville - Accueil
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"This is one of the highest needle-shaped "volcanic plug" peaks on Earth (300 m), perhaps even more impressive than the Devils Tower in Wyoming (386 m)"
Majestosa e imponente agulha: Cão Grande, o pico que sai do coração do obó, da floresta virgem! - Rasga as densas nuvens ou se envolve em novelos de etéreas neblinas como se um enorme falo estivesse em contínuo coito a penetrar o éter donde caiem copiosas chuvadas sobre o denso e deslumbrante verde, que exalam aromas e perfumes intensos, perenes de vida, inebriantes, exultam a opulência, o milagre e a pujança viçosa do manto arbóreo que assim é fecundado pela estreita simbiose equatorial que permanentemente se estabelece entre o húmus da fértil terra vermelha e os ardentes céus azuis ou nublados de chumbo ou prata - Sendo, por isso, simultaneamente, o guardião de uma prodigiosa vegetação, que floresce e se expande, desde o lume da espumosa e negra orla marinha aos mais altos e verticais penhascos, tão frondosa, bela e luxuriante, como a do Éden no primeiro dia, em que Deus Supremo, concebeu a mulher e o primeiro homem , face aos olhos do Maravilhoso, Universo
A sua forma, quase esférica e pontiaguda, funciona como um portentoso para-raios! - Várias vezes vi esse espetáculo pirotécnico noturno da Roça Ribeira Peixe, quando ali trabalhava, como empregado de mato - Dizia-se lá: "Olha lá está o Cão Grande a ser bombardeado pela fuzilaria do diabo!!... - Não tarda a trovoada a vir por aí abaixo!...Curiosamente, mais das vezes, as nuvens faziam por lá a descarga e a chuva não atingia o terreiro da roça, que ficava ali junto ao mar - É, sem dúvida, a zona onde chove mais! - Em São Tomé há cinco micro-climas - Que vão desde os 300mm na cidade São Tomé, até aos 5000mm, onde se situa aquele pico.
No centro culminante da sua crista, embora mais circular e maior do que aparenta na fotografia(também não se julgue que é a ponta de algum cinzel, pois, Cão Grande, é gigante dos pés à cabeça!) mas impensável lá permanecer-se de pé! -. Só num dia excepcional de bom tempo. Sob pena de se ser imediatamente varrido! - Por isso, era humanamente impossível fixar lá fosse o que fosse, devido à força das correntes de ar (e do vento) e das condições em que se encontra a pedra, bastante rachada e muito laminada! No entanto, há por lá pequenos arbustos que milagrosamente vegetam e resistem, graças à intensa humidade! - Estávamos envolvidos por névoas e densos nevoeiros, que oram ficavam completamente cerrados ora se enrolavam e fugiam de nós como trapos . Nem sei como logramos sair daquele terrível sítio!
Quando iniciei a escalada fui alertado pelo comandante do Aeródromo de São. Tomé, da perigosidade das fortíssimas rajadas, devido às baixas pressões e fortíssimas correntes de massas de ar quente(que, em contacto com as mais frias descendentes) envolvem-se ou giram em torno dele, provocando chuvas inesperadas, tornando-o num centro aglutinador de imprevisível turbulência e instabilidade atmosférica, dificultando e pondo em perigo qualquer avioneta que se aproxime. Ou por via de ficar instantaneamente encoberto, podendo ser arrastada para o eixo da sua acção centrifugadora ou estatelando-se às cegas contra a vertigem do negro e fusiforme rochedo - Tendo-se recusado a lavar-me lá para fazer um reconhecimento aéreo. Por esse facto, escolhi a face menos exposta
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"This is one of the highest needle-shaped "volcanic plug" peaks on Earth (300 m), perhaps even more impressive than the Devils Tower in Wyoming (386 m), as it rises above the landscape in an equally unexpected and even bluntly obscene way. It is however more difficult to photograph than Devils Tower: its top is often hidden by clouds or precipitation, not to mention that it's harder to get to the tiny country of São Tomé and Principe (though I'm sure it's worth the effort).
The Dark Tower by Stephen King have been inspired by Pico Cão Grande? This “volcanic plug” is in Obo National Park in the tiny island country of São Tomé and Principe off the coast of Africa. Photographs of this tower are hard to take because the top is usually in the clouds, but you’ll find some good ones at Dark Roasted Blend. Link. - In The Dark Tower: Found!


The heavy mist and humidity over the surrounding jungle (the rainfall varies between 4500 mm to 5000 mm per year) adds to the mystery and the foreboding feeling of the Great Dog Peak, as its rocky presence rises and darkly glistens Pico Cão Grande - Neatorama


CONSTANTINO BRAGANÇA, UM DOS VALOROSOS MEMBROS DA EQUIPA - ENTÃO COM 19 ANOS - Imagem à direita, nos degraus de uma escada para vencermos uma superfície, dura e lisa, onde não era possível cravar cavilhas e que, se resvalasse, nos atiraria para o fundo do abismo nublado - REENCONTRO COM UM GRANDE AMIGO - A ESCALADA É ISSO MESMO: UMA SÓLIDA AMIZADE E UM PROFUNDO COMPANHEIRISMO. - JÁ LÁ VÃO 37 ANOS, AS BOAS RECORDAÇÕES MANTÊM-SE INALTERÁVEIS

- Se a corda rebentasse ou uma cavilha se desprendesse (e era tudo tão improvisado e tão artesanal) estatelávamo-nos imediatamente no sopé. Talvez amortecidos pelas copas da floresta que o cercam, mas apenas o tempo para a queda ser ainda mais horrível: de tomarmos consciência da morte que nos esperava sobre os blocos de basalto em redor - Numa das escaladas, o meu companheiro, que seguia uns metros acima, só teve tempo de me dizer: pedra!!! E eu encostar a cabeça à rocha. Ainda me tocou na orelha. Ele, foi menos feliz: uma lasca que se desprendeu apanhou-lhe o pulso, fez-lhe um grande golpe - Ainda hoje me custa a crer como ele se aguentou e não cedeu à queda.


Pois, mesmo recorrendo às mais modernas técnicas, o Cão Grande continua a ser um desafio à altura das grandes escaladas mundiais do alpinismo extremo e vertical - Quem tiver dúvidas, vá lá: experimente encostar a barriga à pedra, suba-o, que ele é grande mas não faz mal.
EQUIPA: Eu próprio, Jorge Trabulo Marques; Cosme Pires dos Santos - pai de uma criança, arriscando a vida e pondo em causa a sobrevivência familiar; o Constantino Bragança, que, por algumas vezes, também chegou a pernoitar por baixo da cume do pico, onde mal cabiam duas pessoas sentadas e tínhamos de ficar com as pernas ao dependurão, amarradas por cordas a frágeis arbustos e a cavilhas. Pois era ali que pernoitávamos e se fazia o último assalto ao cume. Os guias, Sebastião, Banga e o Chico, que era capataz na Ribeira Peixe. Além de nos ajudarem a transportar o equipamento até ao sopé, um deles, o Sebastião, chegou mesmo a acompanhar-nos na escalada até ao acampamento base, situado, sensivelmente, a dois terços da crista.
Claro, envolvidos por nuvens e denso nevoeiro. Raramente havia uma aberta. De facto, tanto o Constantino, como Pires dos Santos, foram valorosos e destemidos alpinistas - Porém, foi na companhia do Constantino que iniciei as primeiras escaladas - E, obviamente, com os meus inseparáveis guias: o Chico, trabalhador da Roça Ribeira Peixe, que nos acompanhava, sempre que podia, especialmente aos fins de semana. E o Sebastião, morador na pequena aldeia dos "angolares" da Praia Grande, companheiro, sempre voluntarioso, quer para nos orientar na floresta, quer para nos ajudar a transportar o material. Caçador de javalis - abria caminho e, por vezes, também lá ia na lâmina do machim uma serpente. Sobretudo as que estavam dependuradas nos ramos do nosso trilho, não escapavam.
É da tradição alpinista içar a bandeira, quando se conquista pela primeira vez um cume - Da nacionalidade de quem faz a escalada e também do país onde se vence o cume do pico ou da montanha - E assim procedemos. Hoje é já um hábito, quem escale o Evarest levar um pendão do seu país - Eis o número de visitantes, em Julho de 2008: "40 000 pessoas fazem a escalada pelo lado chinês e 20.000 pelo lado nepalês. O Nepal, que não divulga cifras sobre o lixo em sua face do Everest, diz que não pretende limitar o número de turista" - E o resultado é Um Everest de lixo


OS ARBUSTOS QUE SE VEEM NA FOTO E ACIMA DA CABEÇA DO PIRES É O CUME DO CÃO GRANDE - PARA LÁ COLOCARMOS A BANDEIRA NACIONAL DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE, FOI QUASE MAIS DIFÍCIL DE QUE O RESTO DA ESCALADA. - Infelizmente, não tenho as imagens - Saí de São Tomé para atravessar o oceano numa canoa. E deixai lá o meu espólio.
Vencidos os maiores obstáculos, com as escadas que o Constantino logrou construir nos estaleiros do meu amigo Germano Castela (o principal colaborador e onde também cortávamos as cavilhas, sim, graças às cantoneiras que eu levara de Lisboa, no seguimento da travessia de canoa à Nigéria), também os pontos mais altos atingidos foram balizados, agora pelas duas bandeiras: a portuguesa, uns metros abaixo da crista e a do jovem pais, já nos arbustos do cume. Onde, só com muita dificuldade, se logrou hastear a bandeira de São Tomé e Príncipe - E que bem ali ficou! com os seus verdes e amarelos a drapejar! Aliás, qualquer delas. Ambas foram lá colocadas pelo Pires dos Santos; eu encarregar-me-ia de fazer a foto para a posteridade - Veja onde ele assenta os pés: não mais de um palmo! Estava descalço e na ponta dos dedos era o abismo. - Os arbustos que se vêem acima da sua cabeça, são já os da crista

Depois de dezenas de escaladas,
iniciadas solitariamente por mim, por altura da gravana de 1971, no período em que chove menos e coincide com o verão no hemisfério
Norte – eis que, finalmente, lá surgiu a tão desejada conquista – Ocorreu em 12
de Outubro de 1975, a escassos dias de partir para outra aventura – sim, para tentar
a travessia oceânica de piroga, que se saldaria por um longo tormento de 38
dias à deriva por via de uma tempestade.
No entanto, direi que a escalada final do Pico Cão Grande foi uma
conquista celebrada com mais preocupação de que com alegria; de abrimos os braços e darmos largas de satisfação – Até, porque, o Constantino, que,
nesse dia, havia ficado abrigado no interior de gruta de uma pala, uns metros
mais abaixo, não se calava de nos chamar, devido à trovoada que estava eminente,
receando que já não pudéssemos voltar a casa.
Uma vez mais, lá nos livramos
de nos termos estatelado – Pelo que, após esta nossa subida e descida, com sucesso, ao chegarmos ao sopé, não houve tempo
a perder, senão calçar os sapatos, pormos a mochila às costas e pormo-nos a caminho.
Só parámos uns momentos
para dizer adeus ao Pico e agradecer-lhe por nos ter poupado à vida, quando deparámos
com uma clareira que nos permitiu observar a nossa conquista, mas sem qualquer
ponta de festa. O mesmo fizemos quando voltamos a casa – Estrávamos bem conscientes
da nossa façanha mas ainda meios atarantados por termos regressado vivos, por
via da chuvada que ainda nos atingiu numa parte da nossa descida e durante parte
da caminhada de volta.
Assistimos a alguns desprendimentos e derrocadas, com enormes estrondos na floresta - E é nos dias de maior calor que se soltam! - Mas não é caso para se pensar que o Cão Grande tem a morte anunciada ou os dias contados: nada disso! O fantástico monstro canino está ali como sentinela para resistir e se perpetuar! - Sabe-se lá que por milénios! - Oxalá a Humanidade o possa continuar a merecer. - Pois, mais de que um espantoso testemunho da Mãe-Natureza, sobressaindo majestoso do seio da verdejante floresta, em toda aquela maravilhosa vasta área do sul da Ilha, doado pelos supremos deuses ao seu generoso e pacífico povo, é, indubitavelmente, uma das mais impressionantes jóias negras do Património Natural da Humanidade!
QUANDO O SILÊNCIO FALA MAIS ALTO DE QUE TODAS AS PALAVRAS OU PICOS DA TERRA...
Rastejamos como as cobras...que evoluem nos troncos e pernadas, sejam de casca dura ou mole e em qualquer posição. Não se distingue outra paisagem que as névoas que nos envolvem e quase apenas os escassos palmos de rocha negra e agreste que temos debaixo do corpo e dos pés. Paira sobre nós e à nossa volta, não a sensação de liberdade (que tanto desejávamos) aquele sentimento de nos sobrepormos aos flancos de um perpendicular e inóspito monumento à natureza, mas um tremendo vazio, algo que mais nos aprisiona à sua dureza de que nos liberta dele.
CONSTANTINO BRAGANÇA
COBRA PRETA DO BOM AUGÚRIO NO MEIO DO PICO...NAQUELE DIA DEU-NOS TUDO: ASSOLOU-NOS COM UMA VIOLENTA TEMPESTADE, FEZ-NOS APANHAR ALGUNS SUSTOS E ABRIU-NOS AS PORTAS PARA CONCLUIRMOS COM ÊXITO A NOSSA ESCALADA
" Jorge! Baixe-se!" - Naquele dia eu ia à frente e o cães, nossos habituais batedores, andavam entretidos em farejar os porcos bravos: e, sem me aperceber, parado e olhando para trás, tinha uma enorme cobra dependurada pelo rabo e meia enrolada quase a tocar-me na cabeça . Nesse dia era a única que vimos, mas podia ser fatal. Num golpe fulminante de mestria, cortou-a junto a um palmo da língua.
De facto, ali é necessário algum cuidado: o obó mais denso é o ninho preferido delas. À volta do Cão Grande, andam aos molhos. Não é uma imagem muito agradável Ver-lhe aquele brilho negro brilhante metálico, cabeça achatada a lembrar a dos patos e umas excrescências amarelas no pescoço. Com os porcos, mal os presentem, deslizam logo para os buracos ou pelas árvores. Se lá for, faça como se fosse ao jardim zoológico: veja-as e deixa a bicharada selvagem em paz.
Hoje reconheço que não é preciso matá-las - Porém, quem se depare com tão arrepiante imagem, a tentação de as eliminar, é quase irresistível. As cobras pretas comem os ratos, os maiores roedores do cacau.E só mordem se forem pisadas ou tocadas.E tantas as vezes que por lá passámos!... Só por muito azar... Quem se submetia mais a esses riscos eram os pobres trabalhadores nas roças, que andavam descalços. E até à mordedura de enormes centopeias e tarantulas De facto, alguns, também foram vítimas de mais essa adversidade. Pessoalmente testemunhei um caso.
Na zona da garganta, em que o "Cão" levanta altaneiro a sua cabeça, ficávamos sempre com os pés e as pontas dos dedos das mãos a sangrar. Escalávamos descalços, em meias, para uma maior adesão à pedra.Não dispúnhamos de calçado adequado. A rocha, corroída pela erosão, sendo a mais exposta aos ventos, nevoeiros e às chuvas, estava laminada como navalhas.
CONQUISTA PALMO A PALMO
A escalada ocupava-nos sempre três dias: o primeiro para chegarmos ao sopé e atingirmos o único abrigo - e tínhamos de largar da aldeia dos "angolares", na Praia Grande, cedinho, onde, aliás, pernoitávamos; o segundo dia era para progressões e o terceiro para descida e o regresso. Mas houve várias escaladas de quatro dias. Cada tentativa ao Pico Cão Grande, era o recomeçar de novo pelas mesmas paredes rochosas e escarpadas arestas, apoiar os pés nas mesmas cavilhas e ter por baixo dos olhos, a vertigem do abismo abrupto.
Foram dezenas de idas e vindas - de persistentes e perigosas escaladas -No abrigo, junto à crista, numa pequena reentrância que ali existe, pernoitávamos apenas com o espaço de nos podermos sentar, com os pés soltos sobre a grande vertigem., amarrados pela cintura a uma corda que pendíamos a uma cavilha de um lado e do outro. Era praticamente uma noite inteira de vigília: - imersos em cerradas trevas de névoas, era-nos muito difícil adormecer e pregar olho.
As horas eram infinitas, uma sensação horrível!... Aí respirávamos mais humidade (nevoeiro) de que ar atmosférico. Passávamos o tempo a tossir. Houve um dia em que fui apanhado pela noite na floresta. Pois nem sempre o Pires dos Santos ou o Constantino, estavam disponíveis E o Sebastião, levava-me lá mas depois ia-se embora. Lá ficava eu entregue ao meu silêncio e à minha sorte. E, nesse dia, eu não esperei por ele, choveu e a rocha estava muito escorregadia, tive que me vir embora - Mas anoiteceu-me no caminho.. Surpreendido pela escuridão, comecei andar por um ribeiro abaixo, como um tolo: no emaranhado da floresta era impossível caminhar. Mas desisti, pois escorregava, caía e mergulhava nos pequenos açudes a cada passo. Queria era fugir aos mosquitos, que os apanhava na cara às mãos cheias e quase me devoravam vivo. Mas lá tive que os suportar até que amanheceu, sentado na boda da linha de água, que às tantas (devido a uma trovoada a montante) engrossou de caudal e me ia arrastando.
Cavilha que nos soltasse das mãos, não mais a víamos O equipamento rudimentar e todo improvisado. Cada um dispunha de uma verga de ferro, com cerca de dois metros de comprimento (das usadas no betão da construção civil), recurvada num dos extremos e pontiaguda, com o ferrão da qual, por vezes, nos elevávamos para escalar ou transpor faces das rochas ou outros obstáculos onde não nos era possível fixar cavilhas ou estribos de corda. Aliás, graças à mestria do Constantino, era com essas vergas que também fazíamos as cavilhas. No entanto, não nos davam muita confiança. O risco era permanente: mas tínhamos que nos habituar a conviver com ele. O apelo ao cume, era maior - O Pico fascinava-nos!
NO DIA EM QUE, AO SUBIR A ESCADA, SENTI TREMURAS NUMA DAS PERNAS E TIVE DE ME ABRAÇAR AOS DEGRAUS PARA NÃO ME ESTATELAR LÁ AO FUNDO!
Falando, por mim: houve momentos em que cheguei a recear que não ia aguentar: que podia voltara a ter mais alguma cãibra . Eu já as havia tido no degrau de uma escada, de 20 metros, com secções de cantoneiras de 3m em alumínio, que lá montámos, para vencermos uma rocha maciça sem fendas regulares onde não conseguíamos meter uma cavilha. Que fixámos por arames e com uns apoios do mesmo material . Os degraus eram muito finos. Às tantas, deixei de ter resistência numa das pernas e senti tremuras. Valeu-me o Pires dos Santos, que já tinha subido e me mandou uma corda, à qual me amarrei à escada, até atenuar a cãibra. Enquanto, no sopé, era segurada pelo Constantino. Os últimos cinco metros eram inclinados, o que impelia a escada a dessoltar-se a cada instante e a projectar-nos no espaço - Sempre que pisávamos esses últimos degraus cimeiros e nos desviávamos da vertical, era uma sensação que provocava alguns calafrios

Era preciso ter muita serenidade e presença de espírito. Nada de pressas!...Era a nossa vida que estava em risco...Cada movimento era feito com muita calma. Requisitos que fomos adquirindo com o tempo e à medida que nos íamos adaptando à convivência com as alturas. Porém, só Deus sabe!... O risco era constante e exigia-nos muita agilidade, paciência e um enorme esforço. Os nossos olhos só viam o cume... e parecia-nos sempre tão perto!... Até parecia que nos desafiava: vinde, amigos a ter comigo! Eu sou a ponte no meio do Mundo entre a Terra e o Céu!... Deus vos abençoará!...
Fazia desse desafio um desígnio, uma missão (e também uma bofetada, sem dor, a quem me tinha humilhado ali na Roça) e incuti esse entusiasmo e essa vontade aos meus companheiros. O Pires dos Santos, trabalhara ali na Ribeira Peixe, subindo às palmeiras do dendén e sabia o castigo que me haviam dado por eu me ter recusado a tratar os trabalhadores por tu, segundo os velhos hábitos coloniais: - E o Sebastião, fora ali capataz.

Nunca mais soube nada de ti, amigo!... Já lá vão muitos anos.. Espero que estejas bem de saúde e que recordes como eu as aventuras que partilhámos juntos. E tu sabes quão difícil nos foi transportar as cantoneiras pela floresta e depois puxá-las uma a uma lá para cima. E também quanto nos custou montá-las naquele sítio!... Claro, com a preciosa ajuda do teu conterrâneo, Constantino Bragança. Óptimo amigo e companheiro.
Como te recordarás, houve dois grandes obstáculos: o da primeira escada e um outro (lá junto à crista) em que tivemos que dobrar aquela perigosa saliência!... Meu Deus!... Como conseguimos!... Mas este também não ficava atrás... a escada era realmente muito vulnerável.!... A superfície das travessas magoava. Mas tu ali eras mais ágil do que eu e subias a escada como se estivesses a trepar a uma palmeira.... Lembras-te daquela vez.... quando me viste atrapalhado?!... E tu insistias: Jorge!... Sobe!... Tem calma!... Tem calma! ...Não olhes lá para baixo!... Olha para mim... Jorge!...Olha para mim!... Mas... dessa vez... não sei como... comecei a tremer a tremer... Um dos meus pés começou a tremer-me cada vez mais... E, enquanto tu não me lanças-te a corda... eu tive que enfiar os braços nos degraus e apertá-los contra o peito. Obrigado, companheiro! ... Lá me vales-te!... Estava a ver que dessa vez não me controlava.
Na imagem ao lado, o Pires dos Santos, na dificílima dobra do cotovelo - Veja-se como a corda se afasta para a perpendicular
CÃO GRANDE: UM PICO QUE NUNCA SE APRESENTA COM A MESMA ROUPAGEM - O CÁLCULO DA SUA ALTURA, TAMBÉM DEPENDE DA VERTENTE EM QUE FOR OBSERVADO - O PERÍMETRO ONDE ASSENTA É ENORME E MUITO IRREGULAR
- Não é possível fazer duas imagens iguais ao Cão Grande - até no mesmo dia e do mesmo sítio - É raro ele manter-se totalmente descoberto num dia inteiro. Depende das condições atmosféricas e do ângulo. Por vezes, parece mais inclinado - Chega a dar a ideia que, se caminha por ele, como quem sobe um monte. Também tive essa ilusão. Mas é falsa - E, se o vir, da estrada, até lhe parece que vai lá em três tempos. - A parte em que afunila, é uma parede vertical e com algumas saliências. Se o vir ao perto, até lhe poderá parecer que os ramos da "capoeira" lhe tocam - No sopé, quase lhe dá a sensação de lhe poder pegar pela crista. Mas vá lá, com um guia: contemple-o ou experimente. Só pelo passeio, fica maravilhado!
3D Google Earth Map of the Cao Grande
ALTURA DO CÃO GRANDE NÃO É IGUAL A TODA A VOLTA - TEM FACES MAIS FUNDAS DE QUE OUTRAS E CERCAM-NO ENORMES ÁRVORES, QUE ENCOBREM GRANDE PARTE DA SUA BASE, ACIDENTADA E MUITO IRREGULAR
Há, no entanto, quem refira 824 pés / 251 m - E o caso do conceituado site http://peakery.com/pico-cao-grande - Depende da vertente. Algumas das suas faces, creio que excedem à vontade os 300 metros.
Há flancos que não é fácil distinguir onde termina o morro e se destaca o Cão Grande. - Devido ao cerrado tecto do gigantesco arvoredo, que o abraça e se cola a ele, desde lianas, arbustos e árvores de toda a espécie, depois dessolta-se ergue-se triunfante! - De resto, essa leitura é patente nas curvas de nível da carta de Pico Cao Grande - Sao Tome and Principe • peakery Para desfazer dúvidas, não há como ir lá e encostar o corpo a ele e escalá-lo para se calcular o fosso do abismo: não é vê-lo cá de baixo ou dos lados, mas olhar a vista aérea que se estende lá de cima


Relativamente próximo, e desafiando as leis da gravidade, ergue-se o Cão Pequeno, ligeiramente tombado, igualmente escarpado e num perpétuo desafio.. Constituem o que se chamam "pães-de-açucar" ou "tores-de-penedo", ambos originários das primitivas convulsões telúricas da Linha vulcânica dos Camarões cujas formas acabaram por ser moldadas por copiosas chuvas, num ambiente quente e húmido, praticamente durante todo o ano, salvo um curto período seco e ventoso, nos três meses na gravana. - Por força de poderosas Correntes de convecção, estes e outros picos de ambas as ilhas permanecem permanentemente escondidos nas nuvens, rodeados de linhas de água e de uma vegetação luxuriante.
Geograficamente, poderá dizer-se que, o Pico Cão Grande - o mais caprichoso e impressionante - fora implantado no meio do mundo, dividindo – qual monumento à fecundidade e à fertilidade da zona mais ubérrima da Terra! – a separar os dois hemisférios, uma vez que se situa na pequena e luxuriante Ilha de São Tomé, dentro das coordenadas do meridiano zero e precisamente sobre o paralelo zero do Equador - Pois, o Ilhéu das Rolas, está ali mesmo em frente
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Foto extraída de File:São Tomé - Pico Cão Grande.jpg - Wikipedia, the free encyclopedia
O Pico Cão Grande, que começou a ser baptizado de “Pico do Caralhete", porém, a dada altura do período colonial (não se sabendo porquê) passou a ser conhecido por “Pico Cão Grande”ou Pico Caué, por ficar situado nas margens onde nasce o Rio Caué – O outro pico, sim, esse parece mesmo um cão sentado a espreitar a sua presa por cima da floresta. - O Cão Grande tem tudo menos a forma de Cão. Só se for pela aspereza ou por natural associação ao outro! - Acredito que sim. Ou, então, devido à existência das matilhas de cães selvagens, que proliferam naquela zona e, algum, deles, por demasiado raivoso, ter atacado alguém..Não havia necessidade, pois leitões, grande diversidade de ruidores e frutos silvestres, não lhes faltam!... Andam às dezenas e costumam ladrar e fugir!...Nunca se me constou que constituíssem qualquer ameaça. Desconhece-se pois a explicação.
Era, então, Presidente da República, Manuel Pinto da Costa - agora reeleito; Primeiro-ministro, Miguel Trovoada - Com os quais tive o grato prazer de falar da nossa aventura (e da travessia marítima que pretendia realizar de canoa ao Brasil), tendo-lhes comunicado que havíamos hasteado a bandeira de São Tomé e Príncipe, no Pico Cão Grande – Mas foi com Leonel Mário d'Alva , com quem me detive mais tempo (devido ao cordial relacionamento que já anteriormente mantinha com ele, como jornalista da Semana Ilustrada, enquanto Primeiro-ministro do Governo de transição, e a quem sugeri que o Pico Cão Grande passasse a ser conhecido como Pico Independência.. Estava presente José Fret e creio que também Carlos Graça – e outros elementos do M.L.S.T. .
Acharam a ideia interessante e elogiaram-nos a coragem. Mas a sugestão do Cão Grande mudar de nome., creio que ficou por ali. - Porém, mais importante de que isso, é que seja classificado como Património da Humanidade, tal como a sua área envolvente. - Até porque, aquele pico, é também a testemunha silenciosa do sofrimento dos trabalhadores que foram escravizados nas plantações do Cacau, numa zona fortemente pluviométrica.

Três semanas depois, deixaria São Tomé a bordo do pesqueiro Hornet para ser largado numa piroga na Ilha de Ano Bom, com uma mensagem de José Fret dedicada ao Povo Brasileiro, onde se diz: "Salientamos o espírito aventureiro que preside à iniciativa do Camarada Jorge Marques, que, depois de uma viagem experimental , e bem sucedida de S. Tomé à Nigéria, também de canoa, propõem-se avançar, desta feita, mais significativamente, programando o percurso S. Tomé- Brasil."
No parágrafo seguinte, faz-se referência à escalada, salientando que "O camarada J.Marques havia escalado, também, aqui em São Tomé, o "Pico Cão Grande", hoje "Pico Independência", que naquela altura se supunha rondar os 450 a 500m – Admiti que se situasse nos 485 m - Aliás, referido ainda na própria mensagem. Mas, pelos vistos, agora fala-se em 300m ou mesmo menos - Mas julgo, que, se se tiver em linha de conta as vertentes da colina, que são indissociáveis do pico, a altura vai além das três centenas.. De altitude, calcula-se em 663m, contra os 623 de então. Mas, para nós, a vista lá de cima, era a mesma que andar de avião.
De facto, a altura do Cão Grande, continua a ser um enigma - Uma pedra que se solte lá do alto, não vai parar ao fundo do morro, donde se ergue, por ser travada pelas árvores. E eu acho que é isso que faz com que o Devils Tower National Monument: , sendo descoberto no sopé, tenha 386 meros.Não me parece mais alto que o Cão Grande. Na verdade, só quem lá estiver em cima, é que poderá ter uma ideia do que é escalar aquela torre vertical. Há montanhas e picos bem maiores - até em São Tomé e Príncipe. Mas ali os metros escalados aprumo, assumem um carácter ciclópico. É realmente a gigantesca e monumental vigia da vasta e densa floresta virgem!

DESAFIOS PARA HOMENS VALOROSOS E ONDE POUCOS PÕEM OS PÉS! - MAS O ALPINISMO EXTREMO E LEAL, JÁ NÃO MORA NAS MAIORES MONTANHAS DA TERRA MAS NOUTROS MONTES E PICOS DESCONHECIDOS - Os maiores obstáculos estão assegurados por cabos e escadas fixas, ali deixadas pelos organizadores das expedições, que funcionam como empresas de turismo, extorquindo avultadas somas.
Diz Eric Shinpton. no livro " A Conquista do Evarest": "Ouvia-se, com frequência, a afirmação de que, infelizmente, após a conquista do Evarest, não restaria qualquer ponto da superfície da terra que o homem não tivesse pisado. Nenhum explorador concordou jamais com tal afirmação; e, para um montanhista, ela constitui um disparate" (...) "Parte dos que foram vencidos pertencem ao grupo dos que menos dificuldades oferecem.Muitos, de tantos que restam, exigirão muito mais trabalho e perícia." (...) Há milhares de outros. A grande maioria não tem nome. Nem se lhe conhece a altitude.(...) Alguns deles são bem mais difíceis de qualquer dos gigantes."


Há os que se deixam morrer na clausura de um convento, eu cheguei a pensar que - por amor ao mar e a outros desafios com a Natureza e superiores objectivos - não me importaria de morrer a escalar o mais difícil pico ou sob a fúria das vagas e do vento - Graças a Deus, ainda estou vivo e sinto-me quase com a mesma juventude daqueles tempos - Mas, admitindo que Deus existe e olha o mundo de lá de cima, julgo que estive mais perto d'Ele que se olhasse Cristo Crucificado numa Igreja. - Pois, só quem enfrentou a violência de um tornado, envolto por trevas convulsas e cerradas, numa casca de noz- e eu enfrentei vários - pode compreender o que são essas infindáveis horas de angústia, pesadelo e de abandono! - Larguei clandestinamente, à noite da Praia Gamboa, pois sabia que não seria autorizado a fazer tal viagem . Na travessia de S.Tomé ao Príncipe, em 1971, onde aportei numa praia da Roça Sundy, com o objectivo de demonstrar a possibilidade das Ilhas do Golfo da Guiné, poderem ter sido ligadas e povoadas por hábeis pescadores do continente africano - a que já me referi noutras postagens - pois, como prémio, até fui preso e espancado pela PIDE. Era assim aqueles tempos.
Deportado da Nigéria para Portugal, regressei a São Tomé, uns dias depois da Independência, a bordo de um avião militar, tendo levando comigo várias cantoneiras de alumínio (que me foram oferecidas por uma fábrica em Santiago do Cacém, graças ao apelo no Jornal Novo), com as quais desejava construir uma escada para vencermos dois lanços onde não tínhamos possibilidade de fixar cavilhas e vencer esses grandes obstáculos - Foi, assim, que logramos melhores progressos e alcançamos o cume.
Não sei como está actualmente o trilho que por lá existia. Mas, quando andava por lá a caminhar com a minha equipa, o que nos valia era o nosso guia, o Sebastião. Que tinha a tarefa de andar sempre a puxar pelo machim a desbravar. Oxalá ainda seja vivo. Morava ali num aldeia de pescadores da Praia Grande - Ele era fantástico. Conhecia muito bem o mato. Era especialista da caça aos javalis. Mesmo sob a floresta cerrada, nunca se desorientava: - sabia perfeitamente como localizar todas as grotas, os melhores acessos e linhas de água.. Lá nos levava pelos melhores caminhos.
De volta e meia, lá tinha que se desembaraçar da cobra pendurada ou estendida na clareira soalheira. Gostam muito de apanhar sol: cuidado com essas clareiras. Os cães espantam-nas; não lhe tocam: ladram e obrigam-nas as escaparem-se. Geralmente, quando pressentem a presença humana, afastam-se: os porcos bravos perseguem-nas e comem-nas: só morrem se forem picados nas orelhas: a gordura impede a passagem do veneno. Vi cenas dessas. Fazem delas um excelente pitéu. Fui lá dezenas de vezes nunca tive problemas.Não é por esse motivo que deve deixar-se de ir ao Cão Grande: naquele tempo, o nosso maior dilema não eram as cobras mas o trilho: por mais que se desbastasse, estava sempre renovado e obstruído.
Corri a montar o cavalo (era o único luxo que possuíamos para nos deslocarmos numa extensa propriedade) e dirigi-me à sede da Roça para o socorrerem, mas já era tarde demais: o seu rosto estava desfigurado e mais roxo de que negro. Passávamos todo o santo o dia, de um lado para o outro, a percorrer e a devassar hectares e hectares de capim que nos encobria, que já era mais floresta que velhos cacauzais, alguma vez o azar nos iria bater à porta...Ainda hoje, quando me recordo, não posso conter a emoção pela sorte desse desafortunado escravo. Era a zona da paisagem mais exuberante e espantosa da ilha, mas também a mais doentia e maldita, para colonos e trabalhadores.
Agora, o clima parece que já mudou um pouco e, felizmente, também já acabou a escravatura colonial da roça. E, pelos vistos, também algumas roças: cuidadas, cheias de aromas, flores e de frutos! - Mas, ao menos assim, vale mais deixar crescer naturalmente a natureza de que regala com suor do trabalho escravo, as lágrimas e a morte causada pelas mais cruéis adversidades.
SERVIÇAIS ESCRAVIZADOS - A MAIOR PARTE JÁ NÃO REGRESSAVA ÀS SUAS TERRAS E OS COLONOS DO MATO TAMBÉM NÃO TINHAM MELHOR SORTE
Quem lucrou com as grandes plantações, foram os donos das roças. Que viviam refasteladamente, em bons palacetes, em Lisboa, os tais "turistas da Gravana", que raramente ali apareciam, esperando o avultado soldo do cacau e do café que os escravos (brancos e negros) quase graciosamente lhe produziam.
De polainas ou galochas, chapéu colonial ou de aba larga, "caras de impalustrados malavindos, olhos escurecidos e fundos da febre e barba negligentemente crescida. Não sei que presença inquietante têm estes homens que são, digam o que disserem, expatriados, lutando baldadamente, numa luta esgotante de adaptação e de impossível amoldamento. Falam com particular azedume e arrogância. No seu sangue gira qualquer venenoso humor que lhes tira a alegria; nos seus olhos há uma intraduzível dureza metálica que é o espelho da sua alma doente."
"Para estes homens a salvação seria a Europa, aonde a ida deveria ser obrigatória no fim de curtos espaços de permanência. Mas a ilusão do africanista português é fatal: só quando lhes bate à porta a perniciosa , é que ele geme, ainda com indecisão: "Preciso de ir a Portugal" - Gastão de Sousa Dias - Muitos já não voltavam. Mais deles morriam em São Tomé - Dos serviçais negros, nem se fala: de mil contratados ou forçados, sei lá, só talvez umas duas ou três dezenas regressavam às suas terras de Angola, Moçambique ou Cabo Verde. Sabiam quando chegavam mas depois dificilmente sabiam quando voltavam e se voltavam..
Estou ensopado de suor até aos ossos. A caminhada foi penosa. Debaixo das árvores não se apanham os raios solares mas a atmosfera está saturada de calor e de humidade. O nevoeiro dissipou-se e parece que hoje, excepcionalmente, o dia me vai brindar com um radioso céu descoberto.
Da estrada até aqui, ainda são uns bons quilómetros - Se fosse em linha recta era um pulo. Mas têm que se contornar muitos acidentes do terreno e desbravar mato. Mesmo assim, sinto-me leve, com forças e coragem bastante para o que der e vier. Aconchego o saco às costas, aperto-o bem ao cinto, com alguns cordéis, tiro as botas e fico em meias. Subirei descalço. Irá ser doloroso mas assim os pés aderirão mais à rocha.
Minutos depois, empreendo a escalada pelo primeiro lanço da vertente leste. É um abismo com 70 metros - Mal se dá por ele: uns arbustos, aqui e além nalgumas fendas mais húmidas onde há depósitos da erosão, quase me impedem ter a noção de que estou a escalar o monstro rochoso.
Levo comigo uma verguinha de ferro, com sensivelmente 2 m de comprimento, recurvada e pontiaguda num dos extremos. Na outra extremidade, formei um pequeno anel no qual amarro uma corda com que me prendo à cintura. É com ela que me sirvo para progredir, cravando-a, ora numa calha ora no tronco ou raiz de um arbusto. Disponho ainda, dentro do saco, de uma boa porção de pregos grandes e de cavilhas feitas em verga de ferro, sem argola, onde só posso pôr a planta de um dos pés. Por isso, será a verga que irá revelar-se o engenho mais útil no conjunto de todo o material improvisado.
Sei que esta minha escalada é uma heresia: destinada a subverter as regras mais elementares da prática deste desporto. Todas as outras actividades implicam competição, o alpinismo rege-se por outros princípios: pelo espírito de equipa, mas a verdade é que eu estou sozinho. Estou à margem disso tudo. Mas também estou convencido de que não seria com outro material que faria a progressão mas rápida. Esta pedra negra é dura como aço. As fendas são irregulares, não aparecem nos sítios mais convenientes e furar a pedra, nem pensar. Só talvez com ajuda de possantes berbequins ou cravadores especiais. Mesmo assim, duvido que resultasse. Além de que não seria muito prático nem muito desportivo.O recurso a materiais demasiado aperfeiçoados tira um certo mérito à escalada. Há que jogar livremente mano a mano com a natureza.
Noto que ainda agora estava ali colado à pedra áspera e a uma altura que começava a dar-me os primeiros ares de vertigem - Sim, sinto que preciso de familiarizar-me um pouco mais com a rocha. Hei-de conseguir... Vai com o tempo...Zigazeio de um lado para o outro como a cobra preta no mato - Aliás, não tenho espelho para me mirar, mas, além das mãos negras e da roupa , também devo ter a cara toda negra do musgo e da pedra. Parece que só, assim, confundindo-me como este penedo, camuflando-me com a sua pele, lhe disfarço a minha afronta ou ele me tolera a minha ousadia.
Hoje o tempo está lindo, sem nuvens, magnífico!... Parece que as neblinas só vão encobri-lo quando a noite se aproximar. São quatro da tarde. Deste lado do pico só já há sombras, mas a floresta, em redor, brilha verdejante! Cá em cima, tudo é novo! Cada metro conquistado é uma novidade. No fundo, agrada-me sentir-me sozinho, enche-me de forças e entusiasma-me.

Cada passo que agora for dando vai ser mais lento. Volto a olhar para o abismo que tenho aos meus pés e tenho a percepção nítida de que há uma cilada de morte em cada ponto onde me suspendo. Mas, por hoje, já não posso fazer mais nada. O fim do dia aproxima-se e aqui, mal o sol se põe, anoitece rapidamente. Vou anichar-me ali naquele cantinho.Lá mais acima, terei que ficar amarrado. Mas aqui ainda encontro um sitio para me recostar e pernoitar
Quando aqui chega, apressa-se logo beber água do Cão Grande e permanece alguns momentos com as mãos encostadas... Ele tem muitas mulheres e já não lhe basta oferecer-lhe um leitão ou um porco, que os seus fiéis amigos lhe proporcionam, para o golpear à zagaia. Quer refazer-se do esforço e não chegar a caso e adormecer como um prego. Mas a mim, a pedra rugosa provoca-me é arranhões e golpes nas mãos e nos pés e o que agora me interessa é matar a sede com água fresca. Depois abro uma lata de sardinhas de conserva, que acompanho com uma fatia de pão.
Se um dia tiver um acidente, de quem me posso socorrer?!.. Mas o melhor é nem penar nisso, não perder a fé e adormecer na paz dos anjos...Senão amanhã nem poderei subir bem descer. A noite já está mais silenciosa e talvez não chova.. Nunca se sabe... O Cão Grande, nunca mostra a mesma face: tanto de noite, pode ter vários pesadelos, como, quando acorda, estrebuchar batido pelos ventos, ser assolado por fortes chuvadas, ficar completamente encoberto para o resto do dia ou simplesmente contentar-se em fumar um charuto, tal qual a chaminé do Vaticano, quando anuncia um novo Papa, com o seu fumo branco às lufadas.
SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE - O PARAÍSO VERDE DE ESPÉCIES ÚNICAS NO MUNDO! - A PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE
."Em 1988, os cientistas classificam as florestas de São Tomé e Príncipe como a segunda mais importante em termos de interesse biológico em 75 florestas da África, a maioria das espécies encontradas nas ilhas são encontradas no parque nacional. [1] O WWF tem listado nas florestas do parque nacional como entre os Global 200 , as 200 mais importantes áreas biológicas do planeta e da floresta de Obo está listado como uma Important Bird Area (IBA) da África. (..)As florestas tropicais contêm 100 orquídeas únicas, [4] e mais de 700 espécies de flora. [5] fauna do parque inclui o peixe-boi Africano , bem como Grassland Newton Frog, São Tomé gigante Treefrog, São Tomé Caecilian, Frog Moller do Golfo, e Peters 'Sapo do rio"
"O
SE HÁ PATRIMÓNIO NATURAL NO MUNDO QUE MEREÇA SER ESTUDADO E PRESERVADO, É O DAS MARAVILHOSAS ILHAS DE SÃO TOMÉ E PRINCIPIE

Atendendo à sua extraordinária singularidade, e ao facto de se erguer numa das florestas mais exuberantes da Ilha de São Tomé, onde se desenvolve um património natural endémico riquíssimo, uma biodiversidade com espécies vegetais únicas no mundo, que muito podem contribuir para o enriquecimento da medicina, bem como a existência de uma fauna que nela se abriga e dela depende, igualmente importantíssima - .porque não propor às competentes instituições internacionais (UNESCO) que seja declarado Património Natural da Humanidade? - Pois, o Pico Cão Grande, é como que o guardião, o testemunho fidelíssimo dessa valiosa herança natural
ENVIÁMOS O APELO A VÁRIOS JORNAIS E PERSONALIDADES - OXALÁ SEJA UM PONTO DE PARTIDA - PORÉM, A PRIMEIRA PALAVRA CABE AOS SANTOMENSES, AO GOVERNO E ÀS SUAS INSTITUIÇÕES -
- Levando ali estudiosos, amigos da natureza, numa saudável convivência com a arte e outras disciplinas do saber e do desporto. Creio que não seria nenhum exagero pugnar pela salvaguarda desse múltiplo património e aprofundar o seu conhecimento: pois nunca se sabe se, um dia qualquer, na esteira do petróleo, do oiro negro das profundidades do solo, não vai também o oiro vegetal da superfície - Vi lá tantos atentados à natura!
Veja-se o que acontece na Amazónia e como agora estão as roças. - Compreendo que a herança colonial, era de muito má memória. E que a grande propriedade não podia continuar com o mesmo feudalismo que dantes. À margem das populações. Servindo apenas os grande senhores. Havia que dar um novo rumo. E ter a coragem de devolver as terras que foram roubadas ao povo. Ao que parece a experiência não resultou lá muito bem. Não era de estranhar... Alguma vez, algum natural das ilhas, foi chamado para empregado de mato, feitor geral ou administrador?... Além da condição de capataz ou de mero escravo?!... Não é tarefa fácil. Alguém se importou de o preparar para o futuro?!...

Já não vou a São Tomé há muitos anos. E tantas já são as minhas saudades!... Não sei o que vai por lá. Mas nunca é tarde quando há força de vontade. Com os erros também se aprende. Com esforço e determinação. E creio que o povo destas maravilhosas ilhas, que já deu provas de saber resistir às maiores vicissitudes ao longo dos séculos, reconhecerá, certamente, que ao homem, tanto faz falta a natureza trabalhada, como a no seu estado mais selvagem - No fundo, o que me levou a escalar aquele pico, não foi para exibir artes de malabarismos circenses a ninguém, mas para poder admirar - no mais íntimo coração da prodigiosa floresta e nos maiores píncaros que dele emergem - a extraordinária vibração de verdes viçosos que ali prosperam, como no primeiro dia da Criação. E concluí que aquilo que é belo é para ser admirado, devidamente preservado e partilhado.
Foi na Brigada de Fomento Agro-Pecuário - Naquela altura, só havia mel de abelhas bravas, dos enxames nos buracos das árvores. E pretendia-se criar algumas colmeias, não tanto com o objectivo da extracção do mel - Pois, embora sendo de primeiríssima qualidade, produzem muito pouco. Não lhes faltam flores todo o ano, pelo que não estão habituadas a fazerem grandes reservas. Mas era sobretudo para facilitar a polinização dos coqueiros e do café. Que é cruzada, através do vento e dos insectos - Ora, coqueiro que tenha enxame no fundo do tronco, enche-se de cocos. Apanhei muitas ferroadas. As abelhas africanas, são quase do tamanho das moscas, mas são endiabradas, perseguem as pessoas e, se for perto das habituações, quando incomodadas, atiram-se à cabeça das galinhas, perus e patos, a todas as aves domésticas, matando-as imediatamente - Um dia deu-me para fazer uma barba de abelhas - Lá vi , nesse dia, que uma colmeia estava de bom humor, e, com ajuda do meu auxiliar, resolvi fazer a habilidade, que se vê na imagem. Como vê o leitor, quem doma as abelhas, também pode trepar e domar os maiores cães de pedra. O que eu nunca consegui domar foi a mentalidade colonial nas roças - A outra imagem, sou eu acompanhado por um trabalhador santomense, no regresso a casa, nos palmares de Fernão Dias, da Roça Rio do Ouro. Tempos de escravidão...Se calhar agora é só mato... É pena ...que não se tenha sabido dar a volta...
MINHA LINDA ILHA VERDE - LONGE DE TI MAS PERTINHO DO CORAÇÃO
A dificílima conquista do Cão Grande, faz parte desse extraordinário acervo. Foi lá: naqueles mares do sul, naquelas longínquas ilhas verdejantes, que eu vivi a emoção da aventura plena. Quer navegando através de mares de bonança e de tempestades. Quer escalando picos nunca dantes escalados. Sim, amo o mar solitário pleno de azul e de luz e a vertigem de trepar pelas mais íngremes escaladas. Creio que não há maior prazer que o da conquista de um pico ou de uma montanha nunca dantes pisada - Eu já tivesse esse privilégio. E foi num tempo em que não havia os meios técnicos que há hoje: tudo era feito quase a pulso e à força da vontade.
“MAR DO SAL DA VIDA E DAS SEPULTURAS POR ABRIR MAS SEMPRE PRONTAS"PORQUE ME ACEITASTE NAS TUAS ONDAS SE NASCI MAIS PERTO DOS RIOS E TÃO LONGE DE TI?!.
NÃO PROCUREM OS ALTARES MAIS FAMOSOS, SÓ PORQUE VOS PARECERÃO OS CAMINHOS MAIS ACESSÍVEIS ÀS PÁGINAS DOS JORNAIS E DA VÃ E ILUSÓRIA FAMA -
Hipotecam a vossa dignidade ou exigem-vos avultadas verbas pelo preço da vossa glória, que desvirtuam e ensombram o risco que correis. Há muito que, essas "excursões turísticas" à montanha, foram dessacralizadas através de gananciosas agências ou de poderosas máquinas comerciais - Não se deixem embalar por slogans publicitários! Por aqueles que cultivam o hedonismo, o exibicionismo, a vaidade, a via fácil do lucro - Não queiram ser meros instrumentos de famas efémeras e fictícias - Pugnem e partilhem valores mas elevados.
O montanhismo "foi propaganda imperialista britânica no século XIX, serviu para enaltecer o patriotismo perdido dos franceses no pós-guerra, passou a ser patrocinado por empresas no período neoliberal e hoje certamente o que mais o afeta é o paradigma da crise ambiental que é um dos maiores desafios do homem para o século XXI.In .AltaMontanha.
Diziam por lá, velhos feiticeiros "angolares", que tinha efeitos afrodisíacos.Fazendo um chã com uns pedacinhos de pau três (o popular estimulante afrodisíaco), bebido um pouco antes de deitar, era noite campeã! - E então com a energia recebida do "Cão" ainda mais é a genica!
Quebrados os supersticiosos enguiços da ancestral maldição, de que, quem o escalasse, despedaçar-se-ia desfeito e desfigurado aos seus pés, sim, fantasmas e medos que desde outrora o tornavam danado e inacessível, mas sempre acreditando nas propriedades altamente afrodisíacas a quem lhe tocasse na sua pedra, pois bem, quebrada a maldição, perpetua-se o lado positivo - Dizem que as pedras são potentes acumuladores de energias telúricas - Agora vejam a que vai naquela gigantesca pilha! Leva corrente no corpo capaz de o fazer pular do colchão ao tecto!
Eu tinha, porém, ainda outro segredo, à base dos frutos silvestres e as ervas do mato, que guardo para mim (aliás, não tem nada que saber, nem se trata de nenhuma droga - mas de umas nozes e grainhas que mastigava quando ia a caminho do Cão Grande. Tudo o que a Natureza oferece, tem a sua função: o instinto dos animais, sabe perfeitamente distinguir o que lhe faz bem. Um dia apercebi-me que era a dieta mais apetecida dos macacos no obó: não largavam os arbustos; estavam de tal maneira a mastigar os frutos, que nem sequer fugiam à minha aproximação. E os que não comiam, pulavam, saltavam e gritavam, varridos de contentes. - Ora, quem entra no coração da floresta não tem que andar com os olhos bem abertos?!..De facto, confirmei que era um bom estimulante... Mas apenas isso... Não aprecio o álcool nem nunca precisei dele para fazer as minhas aventuras - E muito menos as drogas artificias.
Oh! e que aromáticas bagos de cola não há por lá na floresta! - Não é preciso trepar à árvore da coleira, as castanhas espalham-se pelo chão e não cabem por entre as mãos! - Sendo assim, e uma vez que esta segunda recomendação continua a ser benigna e incontestável (melhor de que qualquer Viagra!) a outra, que era a mais temida, já ruiu! Está completamente desacreditada: acredite, que, se escalar pelo mesmo sítio por onde nós subimos, pelo menos, ao nível das copas do arvoredo, poderá chegar, podendo assim contemplar a magnífica paisagem envolvente.
Claro que, caminhar ou subir morros numa floresta, não é o mesmo que andar por uma estrada: e então numa selva virgem equatorial! - Houve um tempo em que foi violada mas já deixou de ser... Há que ter o cuidado de não escorregar (a base está geralmente muito húmida) e com os arbustos ou lianas a que se agarra, podem facilmente desprender-se das suas raízes e ter que o irem buscar de padiola .
Mas esse cuidado também já o teve no ensaio, a que se submeteu, desbravado e abrindo clareiras, ao longo da própria caminhada - Podendo, ainda no regresso, trazer a sacola, embora esvaziada da merenda mas cheia de deliciosos frutos da selva, plantas aromáticas e medicinais ou de caracóis, que pesam mais de um quilo! - Em São Tomé, não é costume comê-los: não sabem o que perdem: nas roças comia. Mas servi-me algumas vezes dos caracolões, assados e prontos a consumir! - Pois podem-se juntar uns paus e fazer-se uma fogueira, em qualquer aberta, que não há perigo de incêndio.
Oh! e que diversidade de aves e de flora! - Além dos irreverentes gritos da macacada! Que musicalidade, que sinfonia de verdes e de cores! - Manto frondoso, ubérrimo e soberbamente virgem! Do qual continua a ser o majestoso guardião do luxuriante e misterioso obó - Emerge como enorme falo a glorificar a Mãe-natureza, a fertilidade e a pro-criatividade.
O meu guia levava sempre uma matilha de cães para as afastar, aproveitando para trazer um porco de volta – Cercavam-no, e vai daí zagaia ao pobre javali. Se pensarem lá ir, claro, com guia e cuidado: não deixem que o sol se ponha no caminho, pois, o crepúsculo é rápido e a floresta é já de si cerrada, num instante para o outro passarão do reino vegetal ao reino das trevas! E também não é aconselhável dormir na floresta, os mosquitos, devoram-no - Se respeitarem o meio ambiente e cumprirem as normas mais elementares, verão que a caminhada compensa: é simplesmente fabulosa, regressarão maravilhados!
"Sempre o homem primitivo procurou pelos deuses nos cumes das montanhas. Lá em cima queria estar mais próximo das suas divindades, lá queria observá-las. assistir à sua chegada e à sua partida para o céu." - "Quando Moisés desceu do Monte Sinai, trazendo nas mãos as duas tábuas do testemunho, Moisés não sabia que a pele do seu rosto resplandecia, por haver Deus falado com ele.".Êxodo 34:29-30.
SE QUISERES SABER SE OS DEUSES EXISTEM OU CONHECER A SUA FACE, MAIS VISÍVEL, ABRAÇA O MUSGO DA ÍGNEA NEGRA PEDRA - CONTEMPLA E DILUI-TE COM AS IMACULADAS NÉVOAS OU AS NEVES PERPÉTUAS QUE POUSAM NAS ROCHAS DOS ALTOS CUMES - MESMO ANTES DE EXISTIREM AS ÁGUAS, JÁ EXISTIA O MAGMA - A PEDRA FALA A LINGUAGEM PRIMÉVIA DAS ORIGENS DA TERRA E DO UNIVERSO! - É A PRÓPRIA ESSÊNCIA DO VERBO E DA ETERNIDADE!
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O CUME JÁ FOI ALCANÇADO POR DOIS EXTRAORDINÁRIOS ATLETAS: UM CEGO E UM OUTRO CALÇANDO UMAS PRÓTESES, POR AMPUTAÇÃO EM AMBAS AS PERNAS.
- Para os cultivadores do individualismo exibicionista, deve ter sido um tremendo golpe ou balde gelado. Daí partirem para outro tipo de exibicionismo - Desvirtuando o espírito desportivo e o culto da natura, passaram a coleccionar os maiores cumes da terra, com altos apoios publicitários - Sabe-se lá como - O que interessa é que mostrem a foto da marca com fundo de neve. Longe, pois, de significar o confronto com as maiores dificuldades.
- Promovem-se marcas, bancos, os narcisistas, a farsa (porque, geralmente, mais deles são feitos para a fotografia do cenário (planos que é possível manipular) apenas com os guias pagos, e bem pagos, ninguém lá está nos cumes - independente - para lhes certificar as metas), cultiva-se o egoísmo e a vaidade mas não os verdadeiros valores espirituais: a generosidade, a saudável amizade, a confraternização, o desprendido contacto com a natureza e o companheirismo.

A TERMINAR A NARRATIVA DA MINHA ESCALDA AO PICO CÃO GRANDE - - E TENHO TANTO QUE CONTAR QUE, SE CALHAR, AINDA VOLTO AO MESMO TEMA - O MEU TRIBUTO À CORAGEM DO ALPINISTA BRUNO CARVALHO - O MALOGRADO FILHO DE UM GRANDE AMIGO, QUE JAZ NAS NEVES DE UMA DAS MAIORES MONTANHAS DA TERRA - CREIO QUE POR FALTA DE SOLIDARIEDADE E COMPANHEIRISMO DA EQUIPA ONDE IA INTEGRADO
O mesmo abraço extensivo aos valorosos Homens da Montanha - como Erik Weihenmayer e Mark Inglis - Um cego e outro com próteses nas pernas - E que, mercê da sua extraordinária determinação, ambos já venceram vários picos e montanhas, incluindo o próprio Evereste! - Assumindo com humildade a sua coragem ou pagando cara com a morte, a sua temeridade, o seu grande amor à difícil escalada- tal é o caso do Bruno Carvalho.
Não tive o prazer de o conhecer pessoalmente mas conheço o pai, de quem sou amigo. E sei que ele era realmente um verdadeiro amante da natureza. Um perfeccionista na sua vida pessoal e nas escaladas em que se envolvia.
Sabes, Bruno: constatei que, mesmo sozinho e abandonado pelos teus companheiros, nem assim deixaste de conquistar o cume da montanha do teu lindo sonho. Bravo Bruno! - A morte é que, às vezes, nos prega partidas, quando menos se espera.Mas, deixa lá: os deuses chamam cedo para sua companhia, aqueles que verdadeiramente amam. E eu tenho a certeza que estás em boa companhia.
Perdeste o direito à vida terrena, é certo e muito jovem. Mas já vistes qual é o vazio de alguém, que, nesta vida, viva muitos anos e nunca seja capaz de dar sentido à vida? .- E tu deste um nobre exemplo e um extraordinário sentido! Escalaste uma das maiores e mais belas montanhas da Terra! - Mas que extraordinária aventura!.. Quem me dera que os meus olhos se tivessem maravilhado com essa oportunidade. Não me importava de não viver mais...
Sim, o alpinismo é algo que se ama - a vertigem é a nossa adrenalina- mas em que não pode haver nenhum tipo de competição.Numa escalada, a segurança de um, depende a do companheiro ou de todos que compõem a expedição. A prática do alpinismo é forçosamente perigosa e todo cuidado que se põe é pouco" O Pires dos Santos, um santomense, era mais de que um amigo, um irmão: e eu chegava a recear muito a vida dele, porque ele era pai. E a filha era ainda uma menina. No caso de João Garcia , ele parece-me que aquilo que mais pretende, é dar nas vistas; é mostrar currículo, não se importando de pôr em risco a sorte dos companheiros
"Jorge Carvalho procura juntar ideias. "Versões do que aconteceu, já ouvi três. Só quero estar com as pessoas, cara a cara, conversar calmamente, saber como tudo aconteceu. E recuperar o corpo do filho. "

- PARA MEU QUERIDO IRMÃO BRUNO CARVALHO Para além de ti tudo continua no seu lugar Mas qualquer coisa te fez ficar a guardar montanhas Na solidão do vento, que ouves soprar, cada vez mais brando, Tudo está branco e branco permanece com a tua presença. Eu, que habito hoje o país da sombras, Por ti e contigo partilho o ar rarefeito no peito E o frio que te guarda o sono e te aprisiona. Tudo continua no seu lugar, mas persiste o absurdo da tua ausência. João Frazão Couvaneiro
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8 comentários :
Eu vou para lá agora em julho
Gostaria que fosse bem sucedido e me desse noticias suas. Obrigado por me ter comunicado esse seu desejo. Boa sorte, amigo.
Não sei se se lembra mas há coisas de dois meses trocámos umas mensagens. Já fui e já vi, com as crónicas disponibilizadas em http://papaleguas.wordpress.com
Obrigado por este relato empolgante sobre o Cão Grande.
Caro Amigo: Obrigado pelas amáveis palavras e por me ter alertado para as suas crónicas no seu site. Vou lê-las com muito gosto - Um abraço amigo
Estimado amigo: Gracias por las amables palabras que usted. Personalmente, yo también estaría muy contento de que nuestra hazaña podría repetirse. Por supuesto, es posible subir a la montaña de Big Dog. Es muy difícil, pero no imposible. Pero sólo en el momento de Gravana en los meses de junio, julio y agosto. En los meses restantes de las lluvias es demasiado arriesgado. A pesar de mi edad, yo estaría encantado de darle mi colaboración. Yo vivo en Lisboa - Voy a regresar esta semana a Portugal. Puede ponerse en contacto conmigo por e-mal a jorgetrabulomarques@gmail.com - Un abrazo cordial
Caro Amigo: Obrigado pelas amáveis palavras. Pessoalmente também ficaria muito contente que a nossa proeza pudesse ser repetida. Claro que é possível escalar o Pico Cão Grande. É muito difícil mas não impossível. Mas só na época da gravana, nos meses de Junho, julho e Agosto. Nos restantes meses das chuvas é demasiado arriscado. Apesar da minha idade, teria muito gosto em dar-te a minha colaboração. Resido em Lisboa - Vou regressar esta semana a Portugal. Podes contatar-me por e-mal para jorgetrabulomarques@gmail.com - Um abraço amigo
Hola, me llamo Jordi y soy catalán, ahora vivo en Togo y voy a ir a vivir a Sao Tome, antesyo habia escalado y todavía me hierve la sangre, me ofrezco para colaborar .alguna proxima ascensión, saludos y enhorabuena por el trabajo y el amor con que está hecho
Olá Caro Jodi- Só agora vi a tua mensagem . Eu não vivo em São Tomé. Penso voltar brevemente. Claro, já não tenho a mesma idade de há 39 anos; mesmo assim não me importaria de me associar a uma nova escalda. Pelo menos para dar algumas indicaçoes e transmitir minha experiência. Um abraço amigo
Ler estes relatos, foi uma viagem à minha infância em São Tomé. Vivi na cidade, na Trindade e depois na Vila das Neves. 10 anos da minha infância...inesquecíveis, com lições de vida únicas, ....de um amor imensurável. Tinha tudo guardado no coração, na memória alguns detalhes ficaram algo esvanecidos, mas, o AMOR por essa ilha e pelas pessoas nunca foi um segredo guardado egoistamente só para mim. Digo muitas vezes que sou de São Tomé. Quero ser de São Tomé...desde sempre, apropriei-me de um poucochinho da ilha, da sua Alma, tenho dentro de mim um pouco de São Tomé...numa relação recíproca, pois também São Tomé tem algo de mim. Alguém conhece o "Poço do Lito" ?!...quantas histórias, quantas lágrimas caídas quando em conversa com alguém que la viveu, identificamos cheiros, praias, frutos, peixes, lugares, pessoas, ....meu Deus. Tremi, arrepiei-me.
Então o Cão Grande, era o nosso fascínio, imponente, por vezes como que sorrateiro, espreitando numa janelinha por entre as nuvens. Estive no sopé por duas vezes, com o Padre Abel, o Leopoldo, o Alfredo, o Silvino, o Jójó....
As Roças, nomeadamente a Pontafigo, e o Bonsucesso, onde vivi, brinquei e partilhei tantas horas, com os meus amigos, o Carlos, a Graca a Fernada, o Carlos,o Pedro, o Ferraz, o Traquete, ...a Clarinha....Não sei deles!!! Mas quero saber em breve. E o Sr Van Dunen?
Vou voltar e abraçar São Tomé.
Obrigado
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