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quinta-feira, 25 de abril de 2024

25 de Abril em S. Tomé e Príncipe – Minha cronologia dos factos – A Revolução de Abril 1974 só às 19 horas é que a rádio local (ERSTP), divulga um lacónico comunicado

                                                      Jorge Trabulo Marques - Jornalista 

“Perante notícias de alteração da Ordem Pública na Metrópole, o Governador informa que o Governo Central está em pleno exercício das suas funções. A população tem dado um magnífico exemplo de calma e tranquilidade “ O repórter, este, é que jamais teria dias calmos com afrontas e agressões de vária ordem por dar voz à liberdade de expressão

25 DE ABRIL EM STP – Um dia igual aos outros. Mas acabaria por ser o  grande ponto de partida para a antiga colónia  portuguesa se libertar da mordaça colonial. 

Escrevia eu na edição seguinte ao 25 de Abril, da revista angolana Semana Ilustrada: "Alvorada da revolução do  25 de Abril, de 1974, não foi quase notada neste dia em S. Tomé e Príncipe,  senão para quem acompanhava as emissões estrangeiras de rádio, que não era, naturalmente, o grosso da população, mas quando raiou foi como um rastilho que se ateasse a um foguete – Mesmo assim, houve quem quisesse ofusca-la – E pouco faltou para que os roceiros provocassem um banho de sangue e o Movimento das Forças Armadas ali fosse abortado – Ou antes, um pouco retardado, já que a população, galvanizada pelas manifestações populares, dificilmente o ia permitir

A partir daí, o movimento libertador das Forças Armadas, rapidamente ali encontrou eco nas duas ilhas – Os colonos receberam-no com apreensão e jamais se mentalizaram para  o alcance das transformações que rapidamente se iriam operar. 

TOMEI CONHECIMENTO NA MANHÃ DAQUELE HISTÓRICO DIA 

Mas eu soube da notícia ao raiar dessa alvorada. Era operador na rádio local e correspondente da revista angolana, Semana Ilustrada. A estação encerrava à meia-noite e abria (se a memória não me falha) às cinco e meia da manhã. 

Nesse dia, era o técnico escalado para abrir a estação e pôr o Hino Nacional no ar, seguido de  um programa de música variada – era mais uma das bobines gravadas que recebíamos regularmente da extinta Emissora Nacional. Poucos depois, chega o Raul Cardoso, que, na redação, passava ao papel as noticias transmitidas, em onda curta, por aquela estação, para depois serem lidas nos noticiários da "província". Pois não dispúnhamos de fax.


Houve um golpe militar!!... Há uma revolução em Lisboa!"Confessava-me, mal   pôs os auscultadores à escuta.  Porém, as notícias dos acontecimentos em Lisboa, foram encaradas com reservas e a sua divulgação, começou por ser bastante lacónica - Só, depois do pôr-do-sol. já noite, às 19 horas, é que  O Emissor Regional difunde o seguinte comunicado da Repartição do Gabinete e distribuído pelo C.I.T

Só às 19 horas daquele dia 25 de Abril, é que o Governador envia um comunicado à rádio local, ao Emissor Regional de S. Tomé e Príncipe da EN,  dizendo que, “perante notícias de alteração da Ordem Pública na Metrópole, o Governador informa que o Governo Central está em pleno exercício das suas funções A população tem dado um magnífico exemplo de calma e tranquilidade “ 

ESTE O MEU RELATO NA EDIÇÃO SEGUIR AO 25 DE ABRIL DA REVISTA ANGOLANA SEMANA ILUSTRADA

S. Tomé-25. O dia amanheceu sereno e calmo como outro qualquer. As pessoas dirigem-se para os seus locais de trabalho habituais. Um sol resplandecente e equatorial banha de luz e de vida a pequena cidade de S. Tomé. A vida parece continuar com a mesma rotina dos demais dias da semana. Porém, para um número muito restrito de cidadãos, começam a chegar os primeiros rumores de que algo de estranho se passava na capital do País. Há interrogações. Expectativa geral. Tudo o que se fala e se sabe, é escutado de estações de rádio estrangeiras. Por isso a dúvida subsiste. As perguntas sobre o que há ou não, de verdade, sobre a situação em Lisboa, começam a suceder-se a cada instante. E a não encontrar uma resposta exacta, Tudo o que se fala é incerto e impreciso.

. Tomé-25. É quase meio-dia. O Governador da Província é já conhecedor das noticias que pela manhã começaram a ser radiofundidas por Emissões do exterior. Toma conhecimento do teor do comunicado emanado pela Repartição do Gabinete do Governo de Angola, transmitido pela Estação Oficial deste Estado. Que nada de concreto diz, pois é bastante lacónico.

S. Tomé-25. Estamos no começo da tarde. Chega-nos ao conhecimento que parte do efectivo militar aquartelado na cidade entra de prevenção. Notícias não confirmadas começam a partir de agora a circular com maior intensidade pela população que, com crescente expectativa, se interroga ansiosamente.

S. Tomé-25. São 19 horas. O Emissor Regional difunde o seguinte comunicado da Repartição do Gabinete e distribuído pelo C.I.T

"Perante notícias de alteração da Ordem Pública na Metrópole, o Governador informa que o Governo Central está em pleno exercício das suas funções. A população tem dado um magnífico exemplo de calma e tranquilidade que o Governo e as Forças Armadas da Província continuarão a assegurar."

Lampejos de um defunto moribundo. Pois escusado seria dizer que àquela hora ainda o Governo derrubado estaria no exercício pleno das suas funções. Um comunicado, portanto, que não veio trazer luz alguma sobre as dúvidas que já existiam. Maior confusão, porventura, estamos certos, foi o que veio provocar.

Pois se as estações estrangeiras já àquela hora estavam fartas de deitar cá fora a noticia do golpe militar aos quatro ventos. Um caso mais ou menos consumado, era a ideia que começava já a prevalecer em muita gente, tal a veracidade e o pormenor com que o desenrolar dos acontecimentos passavam a ser pelas mesmas relatados. Uma sensação de alívio notava-se nas pessoas, se bem que juntamente com alguma inquietação pela incerteza que, não obstante, ainda pairava. Oficialmente nada de concreto se sabia, apenas o conteúdo daquela comunicação que, àquela hora,  e dada de maneira  como foi redigida, terá sido bastante inoportuna. 

S. Tomé-25. E a hora de fechar o Emissor Regional. Ouvem-se os últimos acordes do Hino mas até àquele momento a grande verdade, de que já muita gente não tinha dúvidas, não chega a ir para o éter pelas ondas hertzianas desta Voz Portuguesa no Equador. E isto porque a Emissora Nacional, de que faz parte, continua no seu mutismo em relação à sua emissão para o Ultramar. Continua com a sua normal programação, apenas com a diferença dos noticiários serem demasiado breves.

S. Tomé-25. E a hora de fechar o Emissor Regional. Ouvem-se os últimos acordes do Hino mas até àquele momento a grande verdade, de que já muita gente não tinha dúvidas, não chega a ir para o éter pelas ondas hertzianas desta Voz Portuguesa no Equador. E isto porque a Emissora Nacional, de que faz parte, continua no seu mutismo em relação à sua emissão para o Ultramar. Continua com a sua normal programação, apenas com a diferença dos noticiários serem demasiado breves.


S. Tomé-26. É meia-hora da madrugada. Algum do pessoal do E. R. de S. Tomé e Príncipe que se havia mantido em escuta depois de encerrada esta estação, houve e regista, em fita magnética, as primeiras palavras do grande general António Spínola. Fala como Presidente da Junta de Salvação Nacional, que então se constituira após o Glorioso Movimento das Forças Armadas, em tão boa hora levado a cabo, segundo as sua próprias palavras, no seu memorável comunicado à Nação Portuguesa, de que, a partir daí, assumira a enorme e pesada responsabilidade da condução dos novos destinos.

Pormenores a editar 

25 de Abril 1974 – Adelino Palma Carlos “ Está uma revolução na rua!!....– Testemunho gravado para a História de Portugal

  

Jorge Trabulo Marques - Jornalista e Investigador 

25 de Abril  1974 – Adelino Palma Carlos “ Está uma revolução na rua!!....– Testemunho gravado para a História de Portugal

Foi a este prestigiado advogado de ideias que o general António de Spínola, nomeado presidente da República, recorreu para chefiar o primeiro governo provisório  saído da revolução de 25 de Abril de 1974   - Tomou posse a 16 de Maio de 1974, sucedendo nas funções governativas à Junta de Salvação Nacional formada no dia da revolução, e teve como ministros personalidades como Mário Soares e Francisco Sá Carneiro, com quem tinha uma relação social de grande empatia e cordialidade

Adelino Palma Carlos –  Primeiro-ministro do Iº Governo Provisório (de 16 de Maio a 18 de Julho de 1974, nomeado pelo General Spínola  – Nesta parte da entrevista que me concedeu em sua casa, editada no vídeo deste post, Palma Carlos, fala   da Revolução de  25 de Abril, que o fez chorar de alegria  até às lágrimas  e do Governo que formou com a participação de Álvaro Cunhal (um ministro consensual E também do seu ideal republicano. da sua oposição ao Salazarismo e dos revolucionários que defendeu, como advogado.

Professor, advogado e político. Destacou-se como primeiro-ministro do I Governo Provisório -(Faro, 3 de Março de 1905 — Lisboa, 25 de Outubro de 1992 (Faro, 
Dou-me a honra e o prazer de me receber em sua  casa e de ali me conceder uma interessante entrevista acerca de alguns dos mais importantes passos da sua vida profissional e politica, nomeadamente, como opositor ao regime ditatorial de Salazar, defensor dos presos políticos, da alegria que sentiu  - até às lágrimas - quando tomou conhecimento do golpe vitorioso da Revolução do 25 de Abril, assim como de vários episódios relacionados com a sua participação como 1º Ministro do 1º Governo Provisório Adelino da Palma Carlos – Wikipédia, 


Adelino Palma Carlos –  Primeiro-ministro do Iº Governo Provisório (de 16 de Maio a 18 de Julho de 1974, nomeado pelo General Spínola  – Nesta parte da entrevista que me concedeu em sua casa, editada no vídeo deste post, Palma Carlos, fala   da Revolução de  25 de Abril, que o fez chorar de alegria  até às lágrimas  e do Governo que formou com a participação de Álvaro Cunhal (um ministro consensual E também do seu ideal republicano. da sua oposição ao Salazarismo e dos revolucionários que defendeu, como advogado.

Professor, advogado e político. Destacou-se como primeiro-ministro do I Governo Provisório -(Faro, 3 de Março de 1905 — Lisboa, 25 de Outubro de 1992 (Faro, 
Dou-me a honra e o prazer de me receber em sua  casa e de ali me conceder uma interessante entrevista acerca de alguns dos mais importantes passos da sua vida profissional e politica, nomeadamente, como opositor ao regime ditatorial de Salazar, defensor dos presos políticos, da alegria que sentiu  - até às lágrimas - quando tomou conhecimento do golpe vitorioso da Revolução do 25 de Abril, assim como de vários episódios relacionados com a sua participação como 1º Ministro do 1º Governo Provisório Adelino da Palma Carlos – Wikipédia, 

Considerado como "personalidade forte, inteligente, culto e de extraordinária capacidade de trabalho, foi primeiro-ministro do I Governo Provisório (de 16 de Maio a 18 de Julho de 1974). Como 11.º bastonário da Ordem dos Advogados Portugueses teve um importante papel na consolidação institucional e na internacionalização daquela corporação. Foi grão-mestre do Grande Oriente Lusitano, a principal organização da maçonaria portuguesa. E fundador do escritório de advogados actualmente designado de G&F Palma Carlos

COMO ELE VIU A REVOLUÇÃO DE ABRIL

 «…fiquei contente!...Chorei, quando soube que era a Revolução!.. Que era para acabar com a ditadura!... Chorei! Chorei comi uma criança!... Não tenho vergonha nenhuma de dizer: chorei!!..


JTM  - Entretanto, chegou o 25 de Abril: o Sr. Prof. foi nomeado Primeiro-Ministro!
APC – Olhe… Essa história é engraçadíssima!... Eu não fazia  ideia nenhuma de que ia haver a Revolução… Aliás, eu era Presidente das companhias reunidas de gás e eletricidade: tinha sido convidado pelo General Gaspar dos Santos e era Presidente das Companhias… Quando eu vim para as Companhias, encontrei lá instalado, um coronel na Reserva, que era o coordenador de segurança das Companhias de Gás  e Eletricidade, da Sacor, da Companhia das Águas, da Companhia Nacional de Eletricidade  e da Petroquímica… Bom, esse homem, estava perfeitamente a par de tudo o que se desenrolava!... E até tinha uma coisa engraçada!... Sabendo que eu era uma pessoa, contra a situação, ele recebia todos os panfletos (não sei da onde) que saíam contra a situação e dava-mos para eu ler!... Ele é que fazia propaganda, junto de mim, contra a situação!... E estava sempre a par!... Quando foi da reunião dos capitães, em Évora, na Intentona de Março, ele disse-me: “Isto está mau!!..Agora o Movimento de Oficiais, em Évora!... Não se o que isto vai dar!...
Bem , continuámos, pacatamente!... No dia 25 de Abril de Madrugada!... Estava a dormir!...Aparece-me uma das empregadas, com o telefone, dizendo-me: “Sr. Douro! É o engenheiro da  Companhia do Gás, que tem muita necessidade de falara consigo!..” -Então traga lá o telefone!
Era o homem a dizer: “Sr. Presidente! Rebentou a Revolução?!...”
- Rebentou a Revolução?!...
-  “Rebentou a Revolução!!”
- E então o coronel, o que é que faz?!...
- “O Coronel, não está cá!... Não se sabe do coronel!...
Telefonei para o coronel, que eu tinha aí o número de telefone dele (que morreu, coitado, dois ou três meses, depois da revolução) … estava a dormir, como um anjo!...
- Então, Sr. Coronel!... Está uma revolução na rua!
- “Esta uma revolução na rua?!...”
- Está!... E então o Sr. não sabe de nada?!...
Está  a ver!... Fui eu que informei o Coordenador de Segurança, que tinha rebentado a revolução!...
Bom, eu fui para a Companhia, juntámo-nos lá os Membros  da Comissão Executiva,  que cá estávamos, que éramos cinco só, e passamos o dia, ali… Veio uma Ordem do Ministério do Interior, por intermédio da Direção Geral dos Serviços Elétricos (a que nós estávamos subordinados) para que se interrompesse a corrente elétrica, lá para cima, par o Parque Eduardo VII… E o Engº da Companhia disse: se nós interrompemos a corrente elétrica, nós ganhamos nada com isso!... Eles têm geradores e continuam a emitir da mesma maneira!
- E então eu disse: há alguma ordem escrita?!..
- Não há nenhuma ordem escrita!
- E então diga-lhe que mandem a ordem por escrito!... Nós estávamos subordinados ao Governo!... Era uma companhia concessionária!... Mandaram a ordem escrita… E então interrompeu!... Até que, às tantas, à tarde, eu mandei ligar!... Porque, já não havia Governo!... Não havia nada!..
Bom, estivemos ali todo o dia, sem saber o que se passava, com a televisão aberta!... Com a telefonia aberta!... Almoçámos, mesmo lá, na cantina da Companhia!. E olhe, nos dias seguintes, fiquei contente!...Chorei, quando soube que era a Revolução!.. Que era para acabar com a ditadura!... Chorei! Chorei comi uma criança!... Não tenho vergonha nenhuma de dizer: chorei!!..

JTM – Depois, foi entretanto nomeado Primeiro-ministro!...
APC – E depois… aí é que a coisa, começa a ter um certo pitoresco, começaram a ouvir dizer-me que eu ia ser nomeado Primeiro-Ministro!... Não sejam tontos!... Porque é que eu havia de ser nomeado Primeiro-ministro?... Que ideia é essa?!...
- Mas eu acho que você é que vai ser o Primeiro-ministro!.. Você é que vai ser o Primeiro-ministro!..
Até, que, um domingo (tenho este telefone, que não está na lista) e ligara-me por este telefone (era confidencialíssimo) as era da Presidência da República, era ali de Belém); era o Capitão António Ramos, a dizer-me: - Ó Sr. Dr.! O Sr. General Spínola, tem muita necessidade de falar consigo!” - Então está bem
Eu conhecia o Spínola, já há bastante tempo: “então quando é que ele quer que eu vá falar com ele?”
- “Amanhã às quatro horas! – No dia seguinte, às quatro horas eu fui lá, e ele disparou:
- Tenho um Governo pronto! Falta-me o Primeiro-ministro!... Você tem de ser o Primeiro-ministro!
- Não me fale nisso!.. Não tenho a minha vida organizada para isso!... Vivo da minha profissão!.. Não pode ser!... Deixe-me pensar!...
- Então pense até amanhã!...
Eu resolvi pensar dois dias mas não pude!... No dia seguinte, telefonava-me ele outra vez!..

JTM – E teve que aceitar!
APC – E tive que aceitar!.. Pronto!...
JTM – Foi um tempo agitado, na altura?
APC – Olhe!... Foi o pior tempo da minha vida!.. Foi o pior tempo da minha vida!... Extremamente agitado!... O Governo era um Governo não homogéneo!... Porque tinham querido fazer um Governo de coligação  - Quem  fazia o Governo não era o Primeiro-Ministro: o que estava na Lei Constitucional nesse tempo:  era o Presidente da República e o Primeiro-Ministro, só fazia trabalhos num Governo, que lhe tinham oferecido!...
E eu dizia: façam um Governo de Gestão, que é o que é preciso, nesta altura.
-“Ah mas é melhor fazer um Governo de coligação….”
- “Então façam um Governo de coligação” – Eu tive lá, desde o Álvaro Cunhal, até esse homem monárquico, que aí anda, o Ribeiro Teles!.. A Pintassilgo!... Estava no meu Governo!..

JTM - Havia então alguma confusão…
APC- Devo-lhe dizer que, nas reuniões do Conselho de Ministros, havia às vezes divergências… Pois cada um tinha a sua opinião sobre os problemas que se colocavam… Havia muitos problemas a resolver... Havia divergências!... Eu tentava soluciona-las mas elas … mas é uma justiça que eu nunca deixo de fazer ao Cunha, é esta:  é que, quando a coisa estava numa situação quase de impasse, o Cunhal encontrava sempre uma solução de equilíbrio, que todos acabavam por aceitar!... É um político extraordinário!...

JTM – Acha que o Partido Comunista Português devia ser chamado também a contribuir, também no Governo?
APC – Quando eu era Primeiro-ministro, veio cá, o Mitterrand e o d’Ferry, vieram cá: fora-me visitar. Estava um bocado preocupados por haver comunistas no Governo; era o Álvaro Cunhal e mais o Adelino Gonçalves, Ministro do Trabalho, que era um sindicalista bancário, o Porto, que tinham metido lá… O Mitterrand, às tantas, disse-me: - “mas você não se preocupa pelo facto de ter comunistas no Governo?”
- Bom, não sei porque é que você me faz essa pergunta, quando, você, agora, constitui em França,  a União de Esquerda, de Socialistas e de comunistas!... Se você lá, anda de braço dado com eles, não sei  porque estranha que eu tenha aqui dois ministros comunista, num Governo!... Onde estão numa minoria flagrante!...

JTM – Olhe, na altura quais foram os problemas mais difíceis que teve de enfrentar nesse período?
APC -  Tive logo de entrada uma greve dos correios… Passados, dois ou três dias, não havia correios, não havia telefones, não havia coisa nenhuma… E eu disse: isto não pode ser!... Não podemos estar sem comunicações… Chamei o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, que era o Costa Gomes, e disse-lhe: ó Sr. General! Nós temos de ocupar militarmente os correios para acabar com isso!...
- Oh diabo! Isso é uma coisa complicadíssima!"

NOTAS BIOGRÁFICAS  -Adelino Hermitério da Palma Carlos nasce a 3 de Março de 1905, em Faro, vindo a falecer a 25 de Outubro de 1992, em Lisboa. Licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, com a nota final de 18 valores, foi delegado da Faculdade de Direito à Federação Académica. Conclui o doutoramento em Ciências Histórico-Jurídicas, também na Universidade de Lisboa, em 1934. Advogado reconhecido, defendeu inúmeras figuras oposicionistas à ditadura, como Norton de Matos, Bento de Jesus Caraça e Vasco da Gama Fernandes. Foi também professor na Escola Rodrigues Sampaio, no Instituto de Criminologia de Lisboa e, como Catedrático, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, da qual viria a ser director. Foi jubilado em 1975. Em 1949, foi mandatário da candidatura do general Norton de Matos à Presidência da República. Em 1951 exerceu funções como Bastonário da Ordem dos Advogados portugueses. A 16 de Maio de 1974 é nomeado primeiro-ministro do I Governo Provisório, pedindo a demissão a 18 de Julho desse ano. Em 1975 funda o Partido Social-Democrata Português. Foi mandatário e membro da comissão de honra da candidatura do general Ramalho Eanes à Presidência da República (1979). Pertenceu ao conselho consultivo do Partido Renovador Democrático. Em 1986 recebe a insígnia de Advogado Honorário. Adelino da Palma Carlos | 1905-1992 - Memórias da .

quarta-feira, 24 de abril de 2024

25 de Abril 1974 - O Capitão de Abril, Teófilo Bento, liderou às 03.05 da manhã do dia 25 de Abril a tomada das instalações da RTP, no Lumiar. – Faleceu, em 29 de Julho de 2020 aos 75 anos, então coronel

 Jorge Trabulo Marques - Jornalista e investigador 

O Assalto à RTP pelo Capitão Teófilo Bento – Nas 72 Longas  Horas, apoiado por um pequeno grupo de soldados, apenas vocacionados para os serviços internos do quartel – Houve muita ansiedade, alguma confusão e disparos, com a entrada de uma patrulha da PSP por uma das portas laterais

"O Bento foi um "puro", um homem bom, com grande humor e forte sentido solidário. Um genuíno Capitão de Abril, de todos os tempos, sempre fiel aos valores que nos lançaram na epopeia coletiva, de que o Teófilo, os seu camaradas da EPAM e todos nós nos continuamos a orgulhar", - É nestes termo que foi recordado pela Associação 25 de Abril,  no dia do seu falecimento  em 29 de julho de 2020.

Promovido, mais tarde, a Coronel do Exército, Teófilo Bento, então Capitão, foi o herói da tomada das instalações da RTP, às 03.05 da manhã do dia 25 de Abril  -    Foram 72 longas horas, de ansiedade e até de alguma confusão e disparos, apoiado por um pequeno grupo das chamadas tropas logísticas, mais conhecidas por “padeiros”, vocacionadas para serviços internos no quartel de que a intervir em operações, portanto, sem a preparação da que têm tropas operacionais. Na breve entrevista que nos concedeu, confessa-nos  o que ele considerou  ter sido um autêntico “jogo de poker”, tendo a sua vida chegado a estar a linha de fogo por um dos seus próprios soldados, quando uma patrulha da policia de Segurança Pública, logrou entrar por uma das portas laterais da instalações  – Horas desgastantes e de risco, que, no final, o levariam a ser conduzido para o hospital  
UM TRANSMONTANO DE ORIGEM HUMILDE E UMA VIDA SUBIDA A PULSO

Natural de  Picote, concelho de Miranda do Douro.  – Eis alguns passos da sua vida, contados numa entrevista concedida ao Jornal Nordeste, em 2011

"Até aos seis anos vivi em Picote, depois transferi-me para Sendim, ou seja, os meus pais é que se transferiram. O meu pai era Guarda Fiscal. Podia começar já por dizer que pertencia a uma família em que havia dinheiro, porque a maior parte das famílias, como se sabe, nessa altura, não conhecia a cor do dinheiro.

Eram tempos difíceis nessa altura. O dinheiro era escasso, o que potenciava muitas famílias necessitadas…

Eram famílias necessitadas na generalidade. Em Sendim havia duas ou três famílias ricas, havia depois estas ditas remediadas, em que o chefe de família poderia ser Guarda Fiscal, tinha uma remuneração e, já tinham possibilidades de adquirir coisas com dinheiro que a maior parte das pessoas não tinha. Sem querer, isso faz-me lembrar que, li uma história da evolução económica da Europa, em que dei por mim a fazer uma comparação muito estreita entre a economia, a sociedade da idade média e a sociedade que eu conheci quando miúdo, em Picote e em Sendim. Eram os mesmos instrumentos de trabalho, os mesmos sistemas de troca de bens; trocavam-se sardinhas por ovos, por exemplo. Recordo-me de a minha mãe me contar que levava dois sacos de trigo a Carviçais, primeiro ao Pocinho e depois a Carviçais; isto é, onde chegava o comboio, para trazer sal. Isto, só para dizer, como era a situação nessa altura agora, se quiserem, comecem a fazer comparações com os dias de hoje.

Que outras recordações é que guarda da sua meninice, da sua juventude?

Além das dificuldades referidas que eram muito notórias, principalmente antes de as barragens aparecerem e começaram a dar algum trabalho, o que potenciou que algum dinheiro começasse a circular, fez com que as pessoas despertassem e descobrissem a existência de outros mundos e, também contribuiu para que nos apercebêssemos do mundo fechado em que vivíamos, o que levou, precisamente, a que milhares de transmontanos emigrassem para a França, clandestinamente, isto é, sem autorização. Quando eram apanhados, eram devolvidos, muitas vezes, em condições extremamente difíceis, porque até as pessoas da minha idade se lembram. Chamavam-se passadores as pessoas que auxiliavam esses indivíduos a dar “o salto”, assim se chamava o transferir-se para França, tentando, portanto, ganhar algum dinheiro.

Muitos transmontanos deram “o salto", realmente…

Sim, é verdade! Há pouco disse-me que esta entrevista tinha um nome que era “À procura da Liberdade”; deixe-me falar sobre isso. 
É evidente que a liberdade, como a fome, como outras situações extremas, como a guerra por exemplo, só quem a viveu… ou melhor, no caso da liberdade, só quem não a teve é que sabe o que é não ter liberdade. Por mais metáforas, por mais palavreado, por mais frases que se utilizem, é difícil caracterizar uma situação extrema e a falta de liberdade é realmente uma situação extrema. 
Já dei algumas entrevistas em que dizia que, só com o passar do tempo, me fui apercebendo do que era a falta de liberdade; a privação de liberdade para ganhar o seu pão, a sua vida, levou tanta gente a emigrar, clandestinamente, porque não lhes era permitido sair livremente. As pessoas não tinham liberdade para procurar melhores condições de vida.

Senti, por volta dos anos 60, ao acabar o curso na academia militar, onde era aspirante, uma necessidade premente de sair daqui, de conhecer outras culturas e resolvi fazer uma coisa que era habitual: viajar para o estrangeiro, normalmente França, Inglaterra… recorríamos a algumas associações que nos arranjavam trabalho. Trabalhava-se durante as férias o que nos dava o suficiente para viver, não diria que dava para pagar as despesas todas, mas auxiliava muito e era uma nova experiência. 
Eu fui para Inglaterra. Estamos no ano de 69, precisamente no ano que apareceu a minissaia, tínhamos tido notícia dela, é evidente que em Lisboa não havia, em Portugal não havia mas, tínhamos tido notícia dela. Foi nessa altura que fui para a Inglaterra onde trabalhei num hotel. Inicialmente pensei que era para trabalhar como porteiro para ganhar umas boas gorjetas, mas afinal era trabalho não especializado, internamente, lá no hotel. 
Foi uma experiência interessantíssima mas, o que mais me impressionou e, era esta a ideia que queria vincular, foi que eu tive a sensação de que tocava na liberdade. A liberdade via-se em tantas coisas… na minissaia, via-se na forma das pessoas trajarem, Londres já nessa altura era um cidade muito cosmopolita, havia indianos, havia tudo. Enfim, faziam o que queriam, cada um vestia-se como queria vivenciando os seus usos e costumes, havia “speakers corners” onde se reunia muita gente e se falava contra tudo e contra todos. Pegavam no caixote, subiam para cima dele, expunham as suas ideias livremente, de tal maneira que, se tinham audiência estava bem, se não tinham, não havia problema; às vezes, via-se um indivíduo a falar para três ou quatro pessoas, outras vezes a falar para um conjunto de pessoas. Realmente, todas essas coisas e, mesmo a actuação da polícia, ensinavam liberdade.

Assisti, sem querer, a uma cena que me impressionou. Uma altura em que eu passava peloPiccadilly's Circus, um sítio em que se juntavam os hippies que, também nessa altura, estavam na moda. Eu passava muitas vezes por ali e via esse pequeno largo cheio deles; tinha umas escadas internas e o pessoal sentava-se por ali, de qualquer maneira e, houve um dia em que passei e percebi que devia ter havido uma decisão da polícia para evacuar. Já tinham evacuado, praticamente, a praça toda, estavam apenas dois casais, que estavam instalados, rodeados por dois polícias, notoriamente, a tentar convencê-los a saírem de lá e eles, provavelmente, inventando explicações e mais explicações, estou a dizer inventando, porque eu estive, sem exagero, meia hora a assistir à cena e dizia para mim próprio: isto, em Portugal, seria impossível. Verifiquei, sei lá, qualquer má resposta que ofendeu a polícia, ou que a polícia achou mais incorrecta. Pegaram neles pelas costas e meteram-nos em duas carrinhas e foram embora, primeiro impressionou-me a eficácia da polícia. Isto só para dizer que tudo era diferente e tudo me dizia que era quase como se tocasse a liberdade, o que não existia em Portugal.

Realmente, essa sua experiência deve tê-lo marcado profundamente. Temos, no entanto, que voltar um pouco atrás no tempo para lhe perguntar de que forma o marcou o facto de ter nascido nesta região?

Penso que o ter participado no “25 de Abril” teve um pouco que ver, ou talvez muito, com o ter nascido nesta região. Como disse, sou filho de um guarda-fiscal, sou um filho já tardio, tinha dois irmãos muito mais velhos que, por acaso, estiveram em África mas, tinham regressado antes dos acontecimentos que se verificaram, os acontecimentos relacionados com a guerra ultramarina. O regresso, de pelo menos um deles, deveu-se ao falecimento do meu pai. A minha mãe viu-se com um miúdo de oito anos para criar. A única coisa que sabia fazer era a lida da casa. Como o meu pai era guarda-fiscal e, numa aldeia, isso significava mais que ser remediado, quase significava ser duma classe alta, porque havia dinheiro, a minha mãe fez das tripas coração, virou-se como se costuma dizer. Ela ainda está viva, tem 98 anos, está num lar em Miranda, mas foi sempre uma pessoa que me marcou muito porque fez realmente um esforço fabuloso para conseguir educar-me com aquilo que ficou. Quase diria que teve de inventar formas de fazer dinheiro para me educar. Tive o azar de ser de uma aldeia, de não ter feito o exame de admissão na devida altura, o que me obrigou a ir para um colégio em vez do liceu que ficava mais caro e, assim, estudei em Miranda e diga-se de passagem que ao fim do primeiro ano já estava a dizer que não queria estudar mais, porque via os miúdos que estavam a trabalhar na barragem e não tinham que ir preparar as lições para casa. Aí valeu o meu irmão, regressado de África por causa da morte do meu pai que disse: se tivesses tirado más notas, talvez, assim como tiraste boas notas tens de continuar a estudar. Também lhe devo muito a ele, como é evidente, por causa disso. Fui criado de maneira a perceber as dificuldades que existiam em casa. Fiz o 2.º e 5.º anos, vim fazer exames a Bragança e, depois do 5.º, tive de mudar para o Porto. 

Eu não podia vir para o liceu, como disse e tudo isso ficava bastante caro. Fiz os estudos equivalentes ao terceiro ciclo e aí voltei a Bragança. Tive sempre uma ligação com Bragança e quando chegou a altura de ir para a universidade escolhi a academia militar fundamentalmente por questões económicas. Percebia, perfeitamente, que não podia ir para a universidade. Até gostaria de ter ido para engenharia, mas percebia perfeitamente que não tinha condições financeiras para tal. Ouvi dizer que na academia militar pagavam um salariozinho, enfim, davam subsídio, davam alimentação e não pagava pensão. Foi isso que condicionou a minha ida para a vida militar, não foi efectivamente a minha vocação especial. Foi mais uma condição económica que, diga-se de passagem, aconteceu a muita gente que depois veio a participar no “25 de Abril”, vieram a ser capitães de Abril. Temos que nos lembrar que nessa altura já tinha começado a guerra. A frequência na academia era alimentada, fundamentalmente, por classes ricas. Enfim toda a tradição da nobreza, mas quando começou a guerra deixaram isso para os pobres e os pobres preferencialmente, do interior, por isso é que nessa altura a frequência na academia militar era de Trás-os-Montes e das Beiras.as que me está a impressionar - Excerto de  

Entrevista com Coronel Teófilo Bento - Capitão de Abril

nordestecomcarinho.blogspot.c

terça-feira, 23 de abril de 2024

São Tomé e Príncipe - Custo de vida colonial - Antes do 25 de Abril – Nas roças ainda persistia a escravatura do tempo do chicote - Tanto para trabalhadores nativos como para os chamados serviçais, que eram contratados de outras colónias, nomeadamente de Cabo Verde, Guiné, Angola e Moçambique.

 Jorge Trabulo Marques - Jornalista  - Antigo aluno da Escola Agrícola Conde S. Bento, em Santo Tirso  - Com videos registados na Roça Uba-Budo, em 2014, bem como na antiga Roça Rio do Oiro,  atual Agostinho Neto e noutras roças

A vida era dura e escrava também para o empregado de mato, tal como também ali fui. Depois das tarefas executadas, das capinagens, das colheitas ou das quebras de cacau, subindo e descendo vertiginosas grotas, tinha que vaguear pelos caminhos ou trilhos do mato, limpando os rebentos dos cacacueiros com a catana (machim) na mão, chovesse ou não a granel: - havia que suportar todas as intempéries até ao último raio de sol . Além disso, o escravizado empregado de mato, só podia gozar das chamadas férias graciosas, regressarem às suas aldeias, de quatro em quatro anos

Daí que não possa esquecer-me daqueles duros dias da chibata nas costas e das palmatoadas, dadas pelos capatazes, sintonizados com a hierarquia das ordens do Patrão da "Casa Grande", em que não faltava comida, ao estilo farta cavalos, mesmo que fosse fuba com bolor e feijão furado com bicho, lagarta na couve, peixe seco quase apodrecer, o que não mata engorda, porque também era a ração que davam às vacas e a outros animais, pois, saco vazio não fica de pé e interessava que todos, sem exceção, fossem animais de carga.

Era farta e folgada para os administradores e feitores gerais, mas sobretudo para os donos das roças, mais deles vivendo refastelados na “metrópole”, à sombra dos avantajados lucros das grandes plantações, especialmente de cacau e de café e livres de prestarem contas ao Estado do que arrecadavam, pois chegavam a ter até mais poder de que os próprios governadores. Sem outras preocupações que não fossem as de encher os seus cofres por depósitos na banca e por transferências sistemáticas para à Metrópole
.
Além do palácio do administrador, dos armazéns, das várias instalações tecnológicas ,escritórios, das senzalas, creches, capelas, hospitais, a bem dizer também podiam reprimir e aplicar castigos físicos à vontade.

No entanto, em 2014, quando ali voltei, pude constatar, com um misto de tristeza e decepção, que, além das instalações se encontrarem muito degradadas, praticamente em ruinas e irreconhecíveis, nem por isso a vida ali conheceu melhores condições. Tendo ouvido desabados, como este: no tempo da escravatura, tínhamos comida, agora, que somos livres, falta-nos quase tudo.

NÃO ESQUEÇO A DUREZA DAQUELES DIAS NA ROÇA


Sim, continua ainda muito presente na minha memória, aquele recuado ano, quando para ali fui em 1963, com 18 anos, a fazer um estágio do meu curso agrícola, que havia tirado em Santo Tirso, um tal Pereira, administrador, pouco tempo depois, mandou-me de castigo a contar cacaueiros velhos para a Roça Ribeira Peixe, da mesma Companhia Agrícola Ultramarino, por me ter recusado a tratar os pobres serviçais por tu: - um dia chamou-me lá à administração, para me dar esta ordem: “ o Sr Feitor Geral, já lhe disse, mais de umas quantas vezes, que os serviçais têm de ser tratados por tu; não se lhes pode dar confiança: tem uma hora para arranjar a mala; preciso do jipe, não se demore. Vai fazer o seu estágio na Ribeira Peixe.





Na roça Bombaim - Não vi grandes diferenças, em 2014

E o estágio, que me impunha era o de contar cacaueiros abandonados, para os lados da Roça Novo Brasil, numa zona de grande capinzal e infestada de serpentes Eu contava cada caule e um trabalhador Cabo-verdiano, que andava com uma caldeirinha de água de cal na mão, à medida que os contava, ia-os marcando com umas borrifadelas para não me enganar na contagem – Creio que aquele trabalho, era mais uma forma de me humilhar e de me fazer desaparecer de que propriamente pela sua utilidade agrícola

Todos os dias, eu e o pobre do escravo, deparávamos com serpentes a levantarem-se ao nosso lado ou dependuradas nos ramos: como ele andava descalço e eu com galochas, um dia pisou uma dessas cobras pretas, picou-o e acabou por morrer ali mesmo: peguei no cavalo e fui ao hospital a buscar um antídoto, mas, quando voltei, já tinha morrido – Deparei com uma imagem impressionante: boca espumosa e a cor da pele passara de negro a um rosto contorcido e raiado de manchas violáceas
Roça Uba Budo 2014 -

Fiquei de tal maneira chocado e revoltado, que, nesse mesmo dia à noite abandonei a roça: fui a pé até S. João dos Angolares, onde dormi no mato, espicaçado por nuvens de mosquitos.

No dia seguinte, apanhei uma boleia para a cidade: e, como não tinha dinheiro, andei por lá a dormir no parque e a ter que me alimentar da fruta que ia colher no mato. Uns dias depois, fui à CM, que me arranjou um emprego de capataz dos jardins da cidade: Mas, como, quase todos os dias, passava por mim, um tal Aprígio Malveiro, secretário da Câmara, a chatear-me a cabeça, armado em roceiro, insinuando que eu também tinha pegar no machim e limpar as ervas, fui pedir emprego na Roça Rio do Ouro, onde fiquei até ir cumprir o serviço militar.



De seguida, algumas das linhas de um extenso e pormenorizado artigo que publiquei na revista angolana Semana Ilustrada, de que fui correspondente, desde 1970, a Março de 1975, mês em que fui forçado abandonar a Ilha de S. Tomé, em canoa, rumo à Nigéria, para me defender das agressivas perseguições de que estava sendo alvo por parte de alguns colonos por dar voz às manifestações pró-independência e a outras questões que a censura até então proibia, o que sucedeu com vários artigos meus. Mas este lá passou. Voltei ainda no mesmo ano, após a independência para tentar a travessia oceânica de canoa.,. Não realizaria esse sonho mas acabaria por conhecer uma dramática experiência de náufrago ao longo de 38 dias. https://canoasdomar.blogspot.com/2019/11/34-dia-perdido-no-golfo-da-guine-nao.html
CUSTO DE VIDA

(….) A roupa, o calçado, o sabão, é um subir que nunca mais acaba!
Ah! E o pão? O pão nosso de cada-dia? Para o dobro!
(...) Num destes , dias ,encontramo-nos com certa dona de casa ,no mercado Municipal. A título de curiosidade, perguntamos-lhe que espécie de géneros ia comprar. ( pagar). Começou por nos dizer, antes de mais, que era mãe de cinco filhos. E estava a adquirir condimentos para preparar um calúlú, o prato típico da terra ,para o almoço do seu marido e dos seus cinco filhos. E já que nos falou do seu marido, quisemos também saber qual a profissão e quanto ganhava.

Referiu que trabalha na Roça e ganha 28$00 diários. Em seguida, e antes de entrarmos no assunto que nos tinha levado a interpelá-la, pretendemos igualmente nos dissesse qua era a sua ocupação. Se fazia mais alguma coisa além das lides domésticas.

A esta pergunta, acrescentou que apenas cuidava dos filhos, pois eram ainda menores, andavam todos na escola, e, fora isso, tratava ainda de um pouco de criação. De uns leitãozitos, uns tantos bicos de galinhas, e de uma cabra, que criava lá no seu quintal. Criação essa, que, em seu ver lhe dá bastante jeito para fazer face aos seus gastos domésticos.

Depois falou-nos então, perto de uma banca que ali se encontrava, com os géneros expostos, dos que iria comprar para fazer o dito calúlú para o almoço do seu marido e dos seus filhos.

Para isso, segundo nos disse, precisaria de adquirir: 4$00 de kiábos,1$00 de beringelas, 1/2 kg de couve, que estava a 15$00 o kg, 2$00 de makaké, $50 de piripiri,1/2 kg de tomate, na altura 18$00, meio litro de óleo de palma pelo que ia dar 3$00,e no mercado do peixe que teria de comprar pelo menos 1,5k,que lhe custaria cerca de 25$00. Depois destas compras que teria ainda de passar pela loja a fim de ir comprar o arroz, pelo menos também cerca de 1,5kg, do trinca, que lhe ficaria a 7$00 o kg.

Depois passaria pela padaria, onde, como eram sete ao todo lá em casa, gastaria mais 7$00,pois o pão agora está a 1$00 cada um. Quanto à fruta, que teria de levar umas 7 ou 8 bananas, para sobremesa, de que não poderia prescindir, e lhe custariam 2$50

Finalmente, que teria apenas de pensar no frango ou galinha para confecionar o calúlú, mas de que ,apesar de estar a 35$00 o kg, não teria problemas pois de boa criação felizmente tinha lá no seu quintal.
Eis, pois, a traços largos os géneros e o custo por que viria a ficar um dos pratos a uma das muitas atarefadas e preocupadas donas de casa, á no burgo, para uma refeição do seu agregado familiar num vulgar dia da semana.

CONTINUAM A AUMENTAR AS COTAÇÕES DO CACAU, COPRA E COCONOTE

Segundo as ultimas informações que nos foram prestadas, os principais produtos agrícolas de S. Tomé — cacau, copra e coconote — continuam a aumentar de cotações no' mercado internacional, onde atingem números até agora nunca alcançados,
Em contrapartida (até perece um paradoxo) a principal mão-de-obra, pelo menos a mais apreciada até a data, continua a registar acentuada sangria para o exterior, como consequente reflexo de uma menor produtividade e aproveitamento das explorações agrícolas.

Um dos motivos da retirada dos trabalhadores rurais para outras parcelas' do território nacional, nomeadamente para a Metrópole, é, como se sabe, o da procura de uma melhor compensação salarial, e de outras regalias que os 28$00 que aqui lhes pagam não chega a satisfazer.