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segunda-feira, 9 de novembro de 2015

S. Tomé - À Sombra do Oká – A surpreendente poesia de Olinda Beja – Livro que tem como referencial a árvore mais gigante e mítica das Ilhas, com os seus duendes, curas e feitiços, mas cujos versos vão além do mito – Diz o escritor santomense Albertino Bragança

Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista


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 À Sombra do Ocá, é o mais recente livro de Olinda Beja, que tem uma história, que, segundo a sua autora, lhe levou dez anos a concluir, e, por isso mesmo, é o corolário de uma longa jornada de sangue, suor e lágrimas –– Precisamente, por esse facto, constituiu, para Olinda Beja, um momento particularmente feliz, expresso por  um largo sorriso, nas primeiras palavras com que se referia acerca desta  sua obra, perante uma sala, completamente cheia, de amigos e de gente admiradora da sua poesia, segundo ela de gente bonita, que ali esteve à sua frente, no passado sábado, dia 7, ao começo da noite, na Casa Internacional de S. Tomé e Príncipe,  para a ouvir declamar e cantar – Pois são assim todas as sessões e tertúlias poéticas de OLINDA BEJA, Poeta e narradora  O  que escreve é para ser lido, declamado e cantado . É, realmente, deste modo, com tanta ternura, emoção  e encanto, só a nativa poetiza santomense o sabe fazer.



O Oká de Guadalupe
Desta vez, não pôde ter o habitual acompanhamento de Filipe Santo, o músico da  sua ilha, que geralmente a acompanha, visto estar  em digressão artística, lá para os confins do Oriente, mas, quem o substituiu, Nery Ribeiro,  o musico e cantor brasileiro, também ali dedilhou e interpretou sons tropicais, que arrancaram longos aplausos pela assistência.

 A BELA E CATIVANTE POESIA DE OLINDA BEJA – DIZ Albertino Bragança



Olinda Beja e Albertino Bragança

Danilo Salvaterra
 “É bela e cativante a poesia de Olinda Beja. Ela peregrina, solta, pelas ilhas maravilhosas e pelas suas gentes e tem o mérito de trazer ao nosso convívio e fazer-nos regressar aos saudosos rincões da infância, através de rara emoção estética – disse o escritor   Albertino Bragança,  durante a cerimónia de apresentação do seu mais recente livro de poesia, À Sombra do OKá

“Pese embora a gentileza do convite e a prontidão com que cordialmente reagi ao mesmo, confesso-vos que me senti um tanto ou quanto intranquilo por não descortinar à partida como  abordar uma obra tão prenhe de intuição psicológica, qualidade que, não raras vezes, impede ou, no mínimo, dificulta a sua abordagem por quem não a concebeu e lhe deu forma.


Leonel D'Alva
Daí decorre que tenha viajado com requerida minúcia pela obra e me tenha confrontado, logo a partir do título, com algo que, para o leitor menos cauto, poderá constituir quase que motivo de perplexidade: acontece que no acervo dos mitos santomenses, componente essencial da sua tradição, a relação entre o humano e o oká se pauta sobretudo pela cura através do “paga devê”, manifestação em que predominam as figuras do “santo d’aua”, do doente e do curandeiro, mas também pela propalada existência de duendes, feiticeiros, bem como de uma numerosa plêiade de espíritos nem sempre muito benignos.

Reconhecendo embora que “o mito dá ao homem a ilusão, extremamente importante, de que ele pode entender o universo”, eis que Olinda Beja parece pretender ir para além do mito e resgatar o oká da sua multissecular imagem. 
De facto, apostada porventura na dessacralização do oká e dos seus arredores, a poetisa caminha decididamente em sentido oposto ao usual, na pura convicção de que “o lento fluir das horas dissipará o odor da noite em meu regaço/…não haverá mais sombras nos meus sonhos”.

Trata-se para Olinda de marcar encontro com a inspiração num recanto paradisíaco de protecção, intimidade e diálogo, avesso às tensões, às diatribes e aos desalentos em que a existência humana é tão fértil. Não é, pois, sem razão que a autora conclama, segura de si, que “à sombra do oká repousarão meus dias/ atados em silêncio e em penumbra/será ali minha última casa, meu pássaro de fogo ancorado em meus límpidos ossos.”


Muito antes, terá sido também a sombra do oká a apoiá-la na missão que colocou a si própria de encontro com as suas origens, tendente a consumar, de uma vez por todas, o jogo fluido de evocações nostálgicas a que persistentemente se vinha dedicando.

A partir dali, encontradas que foram a mãe e as ilhas do seu encanto, o ego poético confidencia à autora que “ali ninguém mais se atreverá a negar-me o chão/a negar-me a mátria, o húmus materno doce e quente, quente e húmido” e isto porque  “o velho ôká há-de proteger minhas estradas/com seu manto de verde/e rosa púrpura”.
São tão estreitos e intensos os laços entre o sujeito poético e a mítica árvore - despida esta, como foi dito, do estigma horrendo e fantasmagórico doutros contextos -, que Olinda apela finalmente o oká a vir buscá-la, vaticinando que “terás em teu ventre meu último poema/minha salgada memória feita de cais e lenhos de canoas”.

É bela e cativante a poesia de Olinda Beja. Ela peregrina, solta, pelas ilhas maravilhosas e pelas suas gentes e tem o mérito de trazer ao nosso convívio e fazer-nos regressar aos saudosos rincões da infância, através de rara emoção estética, “os cheiros a gengibre, a açafrão, a pimenta, a canela em flor…… /e voltarás a plantar banana-ouro e prata e mandioca/e ossame e pau-pimenta e fruta-pão/ voltarás a solfejar canções de esperança/na voz eterna dos nossos conjuntos em noites do fundão ……. /e descerás em passo firme o caminho de Água Arroz/Guadalupe, Fruta-Fruta, Santo António”.
Os seus versos, um misto harmonioso dos citados lugares, cheiros e sons, perpassam como um rio, pulsante e vivo, pelas nossas veias, apostando em acarinhar, promover e divulgar em tal percurso os valores que reflectem e ilustram as fibras mais íntimas do nosso sentir colectivo, ou seja, a nossa cultura.


Já ouvimos Thomas Man proclamar que “a arte engrandece a vida”. Aconselha-nos agora o poeta torrejano e amigo de longa data, Eduardo Bento, “sorve gota a gota cada momento do tempo. Que vale mais, mortificar o corpo ou deixar que ele se embriague de luz, de alegria ou dança?”

Se assim é, folguemos então para que revigore e perdure no tempo a veia poética de Olinda Beja, ávidos como estamos de nos
continuarmos a deleitar com a melodia, a fragrância e o apurado sentido estético dos seus versos. - Albertino Bragança




Mãmâ África - Ode ao berço da Humanidade - Poema escrito e cantado por Olinda Beja, habitualmente também acompanhado pelo Filipe Santo, nas sessões poéticas -

PRELÚDIOS

no limiar da sombra de um velho oká
se espreguiçam sons e brisas, rastejes e ondas
e nossas fragilidades todas
aqui se semeiam amores e ódios, intrigas e fleumas
 aqui se amantizam lamentos e alegrias
como jogo de bligá em domingo festivo

na sombra do oká o rasto do obô primevo e fiel
como a palavra poema em juramento solene
aqui sob a ramada desta árvore frondosa que dará canoa
 e boia e jangada e caixa
de guardar memória
a palavra deslizará como óleo de coco em nossa pele ansiosa
a palavra florirá para depois coagular nas bocas sedentas do dizer

e da palavra sairá a esperança
a força
a redenção
a palavra será seiva
a exsudar-se da árvore mãe
a penetrar na alma de todos os ilhéus

aqui não há desertos nem oásis nem tão pouco
 rios despidos de fronteiras
nem rochedos agrestes a encobrir ternuras
aqui há tão somente a sombra deste oká inderrubável e imóvel

imponente e longevo
casto como os silêncios de nossos sofridos e longínquos avós

aqui ficará a Palavra quente e odorífera como o café da manhã
 em casa de avó Belmira

e virás então falar-me dos campos acesos de frutos e de almas
de veredas onde jamais se voltarão as costas ao silêncio
contar-me-ás das ausências em teus portos
teus líquidos abismos de luxúrias e desmaios

contar-me-ás dos perfumes intensos de teus rios
 opulência exultada em loucas e abruptas quedas

teus falos a rasgar a virgindade do ôbo
teus agrestes penhascos como espada a perfurar o coração
do impuro
teus magmas incandescentes, teu húmido musgo entre fetos
e lianas
teus suores frios de escravatura e submissão
 noites longas de mãos cravadas nas fendas da alma

teu rumorejo se ouvirá a muitas milhas de ti
teu rastrear de folhagem, teu ondular de flor sem norte

em intimo e libido fulgor com a genuína palavra do poema
ligarás o teu coração ao meu

não esperes pelo sol para te aquecer a terra
nem pela chuva para te fertilizar os campos
nem pelo semeador para te encher de searas

pega no arado das palavras e verás
que elas produzem o pão da nossa vida



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