19 de Setembro é conhecido como o dia da
mulher Santomense,
efeméride que tem servido de pretexto para a discussão das várias facetas,
problemas e questões, no campo social,
politico, económico e cultural da presença feminina, não apenas no seu país, como na diáspora. Data que teve a
sua génese no dia em que um grupo de corajosas mulheres
santomenses, decidiu tomar parte ativa nas campanhas de mobilização popular, pós
25 de Abril, com um conjunto de reivindicações
junto do Palácio do Governador , com a estridência de alguns tachos e panelas.
Aqui lhe deixamos, como nossa
singela homenagem às mulheres de S. Tomé e Príncipe, a entrevista que fizemos, há dois
anos, a Maria dos Santos, mais conhecida por Mena, então com 80 anos,
O excerto do texto que a
seguir reproduzimos, foi publicado em Odisseias Nos Mares, em 30 de Janeiro, 2015, sob o titulo Memórias do Bate-Pá (1) -
Auschwitz, em S. Tomé também existiu: no campo do extermínio de Fernão Dias e
nas cadeias da morte lenta das duas Ilhas. http://www.odisseiasnosmares.com/2015/01/memorias-do-bate-pa-1-auschwitz-em-s.html
ESPANCADA À CORONHADA DEPOIS DE LHE METEREM A CABEÇA NUM TANQUE DE ÁGUA - Era menina e estava grávida.
Ainda jovem, e mesmo grávida, não foi poupada à brutalidade facínora das ordens do então Governador Carlos Gorgulho: arrastada à força de sua casa, levada para um calabouço na então Vila de Trindade, espancada barbaramente, Primeiro deu-se o saque às casas: carregaram o que puderam dos modestos teres e haveres, após o que as incendiaram.
NÃO LANÇARAM 12O HOMENS AO MAR PORQUE A TRIPULAÇÃO SE OPÕS
Memórias do hediondo Massacre do Batepá
Sim, lá estava ainda a mola de um velho chassi calcinado, assim como a carapaça do motor, junto às raízes da árvore da fruta pão. E, pelo que me apercebi, não me mostravam tais memórias como meros souvenires (que julgo, o terão feito pela primeira vez a um jornalista), dado tratarem-se de peças que têm muito a ver com um período, muito sofrido, do casal que ali vivia, e que depois passaram também a ser, como que um relicário sagrado para os filhos e netos., pelo que não deixei de ver nos olhos e nos rostos de todos, quantos ali se encontravam presentes, como que o perpassar um sentimento, misto de dor, frieza e de angústia, difícil de apagar e de esquecer.
De referir que, inicialmente algo renitente, com expressão dura e não oculta de alguma desconfiança, como se, porventura, a memória que os brancos lhe deixaram, naqueles martirizados dias, ainda pudesse ser estampada num português que agora lhe batia inesperadamente à porta. Sim, pude ver que há chagas psicológicas, feridas no coração, que deixam marcas para o resto da vida – Sobretudo, no seu caso, quando era ainda menina e moça, se bem que já grávida (pois em África o fenómeno da procriação manifesta-se mais cedo que nas regiões frias) e, além de a espancarem, quase a sufocaram quando lhe meteram a cabeça num tanque de água para a obrigarem a confessar que estava envolvida na tal fictícia conspiração comunista
CAMPO DE EXTERMÍNIO DE FERNÃO DIAS
EM PORTUGAL - NUMA REMOTA ALDEIA - TAMBÉM HOUVE OUTRO MASSACRE
Claro que não se pode dizer que, em 1953, os tempos também fossem bons para os portugueses que viviam na “metrópole do império colonial”, muito pelo contrário: eram tempos de repressão, de fome e de miséria – E a pequena aldeia do Colmeal onde nasceu o meu bisavô paterno, varrida por ação de um processo judicial, injusto e prepotente, no dia 10 de Junho de 1957, com os seus habitantes despejados à força, com desfecho trágico de casas queimadas e algumas mortes por balas da GNR- a guarda pretoriana do regime colonial-fascista -, é também outra das páginas negras da História da Lusitânia moderna –
Conheci pessoalmente a dureza desses tempo, quando fui trabalhar aos 11 anos, como marçano em Lisboa. Daí que, os criminosos acontecimento que ocorreram em Fevereiro de 1953, em S. Tomé, sob o comando do próprio governador colonial, tenham que também de ser analisados -não estritamente por via de ódios raciais – mas num contexto mais abrangente – O da época colonial e do fascismo que se servia de todos os meios para defender os interesses de uma certa burguesia privilegiada – Infelizmente é esta a situação a que estamos assistir através da ideologia liberal.
Ainda entrevistei algumas das vítimas - "Prenderam-me durante 45 dias. Houve a ideia de arranjar mão-de-obra gratuita. E daí surgiram as prisões, mais prisões sem quaisquer razões para isso. Procurava-se emprego e não se encontrava. No entanto, as rusgas sucediam-se e as pessoas que encontravam eram presas. É claro que houve um ou outro que reagiu sobre essas atitudes." Declarações de Bartolomeu Cravid
Pouco depois do 25 de Abril, vi com os meus próprios olhos essas feridas - Ainda em chagas vivas por sarar! ... Provocadas por longo cativeiro, no campo de concentração de Fernão Dias, acorrentados a bolas de ferro, tal como aos escravos nos barcos negreiros. Pude entrevistar algumas dessas pessoas para a Revista Semana Ilustrada.
"Você que é amigo dos pretos, veja se tem a coragem de publicar estas fotografias! Ao mesmo tempo que mas passa algumas para as mãos, pedindo-me, que, logo que as fotografasse, lhas devolvesse. Com a recomendação: "Mas se o fizer, acautele-se! Olhe que eles ainda andam quase todos por aí e não vão gostar - Agradeci-lhe o gesto e a recomendação mas não me amedrontei. Pelo contrário, tinha ali um bom motivo de reportagem, entre mãos mas, para isso, precisava de ouvir alguns dos sobreviventes e de fazer as entrevistas que me fosse possível.
COMETERAM CRIMES HEDIONDOS E NÃO FORAM PRESOS
Outro colono, que também identifiquei, era o “Silva Pereira Taxista”, um branco que habitualmente estacionava o carro frente ao Restaurante Palmar - Quando lhe falei no assunto, quase me ia fuzilando com os olhos: você não tem vergonha de me vir falar de um caso , que já foi resolvido pelos Tribunais?!... Vás-se f...." - Vi logo que não era pelos brancos que devia começar - Estava visto que dali não lograva qualquer declaração. De resto, a primeira vez que ouvira falar dos Massacres do Batepá, foi depois do 25 de Abril
Eu desembarcara, a bordo do paquete Uíge, em Novembro de 1963, numa altura em que ainda devia haver bastantes mais feridas por cicatrizar do que após o 25 de Abril de 1974, mas nem assim nunca ninguém me falou de tais factos. A razão é simples de compreender: eram das tais conversas, publicamente proibidas, tal como proibido chegara a ser o livro das “MEMÓRIAS DE UM AJUDANTE-DE-CAMPO”, a que conto vir a falar numa das postagens seguintes.

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