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quarta-feira, 23 de maio de 2018

São Tomé e Príncipe, - Cristo! Tende Piedade” dum Povo pacífico, amável, generoso mas oprimido e sofredor- É URGENTE OUTRO RUMO E NOVOS CAMINHOS - Manuela Margarido - 1925 – 2007 -- Amanhã, Quando as chuvas caírem, As folhas gritarem d’esperança Nos braços das árvores, Os homens se esquecerem de seus passos incertos, A força do Sol e da Lua vergastarem, Implacavelmente, O resto da terra irei Desafiar os mais trágicos destinos”

Jorge Trabulo Marques - Jornalista - 
 POETIZA MARIA MANUEL MARGARIDO -  UM CORAJOSO EXEMPLO DE SENSIBILIDADE E DE PATRIOTISMO



Manuela Margarido

"Manuela Margarido cedo abraçou a causa do combate anticolonialista, que a partir da década de 1950 se afirmou em África, e da independência do arquipélago. Em 1953, levanta a voz contra o massacre de Batepá, perpetrado pela repressão colonial portuguesa.- Denunciou com a sua poesia a repressão colonialista e a miséria em que viviam os são-tomenses nas roças do café e do cacau.

 Estudou ciências religiosas, sociologia, etnologia e cinema na Sorbonne de Paris, onde esteve exilada. Foi embaixadora do seu país em Bruxelas e junto de várias organizações internacionais.

 Em Lisboa, onde viveu, Manuela Margarido empenhou-se na divulgação da cultura do seu país, sendo considerada, a par de Alda Espírito Santo, Caetano da Costa Alegre e Francisco José Tenreiro, um dos principais nomes da poesia de São Tomé e Príncipe."


Amanhã,
Quando as chuvas caírem,
As folhas gritarem d'esperança
Nos braços  das árvores,
Os homens se esquecerem de seus passos incertos,
A força  do Sol e da Lua vergastarem,

Amanhã,
Quando a força dos rios
Derramar o seu sangue na lonjura dos campos,
O ventre das flores amadurecerem de filhos,
As pedras do caminho se calarem de dor,
As faces dos homens sorrirem de novo,
As mãos dos homens se apertarem de novo,
Amanhã,
Irei de passadas longas
Pelos caminhos largos e certos,
Irei de passadas longas
Sem coração de conóbia
Ou cintas de panos com bênçãos de Deus,
Irei pelos tenebrosos caminhos da vida,
Irei,
De tam-tam
                   em tam-tam,
Irei
Desafiar os mais trágicos destinos,
à campa  de Nhana, ressuscitar o meu amor.
Irei
1959 - Maria Manuela Margarido

O NOVO CANTO DA MÃE

Mãe: nós somos os teus filhos
Que sem vergonha
Quebram as fronteiras do silêncio.
Os filhos sem manhãs
Que rasgam as noites que cobriam
as carnes das tuas carnes.

Nós somos, Mãezinha,
os teus filhos
Os pés descalços.
Esfomeados.
Os meninos das roças,
Do cais,
Os capitães d´areia,
Os meninos negros à margem da vida,
Que despedaçaram o destino do teu ventre,
Que endireitaram os instantes
Que marcaram socalcos na terra firme,
Na profundidade das trevas da tua vida.

Nós somos, Mãezinha, os teus filhos,
Sexos que germinam vida,
Forças que desfloraram a virgindade dos dogmas,
Fecundaram minérios de esperança.
Olhos, diamantes de amor,
Mãos que esfacelaram a espessura dos obós
E em cujo silêncio verde
Gemina a CERTEZA:
Mãezinha:
Nós somos os teus filhos.


VÓS QUE OCUPAIS A NOSSA TERRA

E preciso não perder
de vista as crianças que brincam:
a cobra preta passeia fardada
à porta das nossas casas.
Derrubam as árvores fruta-pão
para que passemos fome
e vigiam as estradas
receando a fuga do cacau.
A tragédia já a conhecemos:
a cubata incendiada,
o telhado de andala flamejando
e o cheiro do fumo misturando-se
ao cheiro do andu
e ao cheiro da morte.
Nos nós conhecemos e sabemos,
tomamos chá do gabão,
arrancamos a casca do cajueiro.
E vós, apenas desbotadas
máscaras do homem,
apenas esvaziados fantasmas do homem?
Vós que ocupais a nossa terra?


Memória da Ilha do Príncipe
 

Mãe, tu pegavas charroco
nas águas das ribeiras
a caminho da praia.
Teus cabelos eram lemba-lembas
agora distantes e saudosas,
mas teu rosto escuro
desce sobre mim.
Teu rosto, liliácea
irrompendo entre o cacau,
perfumando com a sua sombra
o instante em que te descubro
no fundo das bocas graves.
Tua mão cor-de-laranja
oscila no céu de zinco
e fixa a saudade
com uns grandes olhos taciturnos.

(No sonho do Pico as mangas percorrem a órbita lenta
das orações dos ocás e todas as feiticeiras desertam
a caminho do mal, entre a doçura das palmas).

Na varanda de marapião
os veios da madeira guardam
a marca dos teus pés leves
e lentos e suaves e próximos.
E ambas nos lançamos
nas grandes flores de ébano
que crescem na água cálida
das vozes clarividentes
enchendo a nossa África
com sua mágica profecia.


- Maria Manuela Margarido
  1957.


Paisagem
Alto sonho, alto
como o coqueiro na borda do mar
com os seus frutos dourados e duros
como pedras oclusas
oscilando no ventre do tornado,
sulcando o céu com o seu penacho
doido.
No céu perpassa a angústia austera
da revolta
com suas garras suas ânsias suas certezas.
E uma figura de linhas agrestes
se apodera do tempo e da palavra


 - Maria Manuela Margarido, no livro "Alto como o silêncio & outros poemas – Testemunho de uma geração". [organização Inocência Mata, António Andrade, Danilo Salvaterra, e Júlio Pires]. Ourém: CoOi - Conde Oliveira, 2007.

Roça
A noite sangra
no mato,
ferida por uma aguda lança
de cólera.
A madrugada sangra
de outro modo:
é o sino da alvorada
que desperta o terreiro.
E o feito que começa
a destinar as tarefas
para mais um dia de trabalho.

A manhã sangra ainda:
salsas a bananeira
com um machim de prata;
capinas o mato
com um machim de raiva;
abres o coco
com um machim de esperança;
cortas o cacho de andim
corn um machim de certeza.

E à tarde regressas
a senzala;
a noite esculpe
os seus lábios frios
na tua pele
E sonhas na distância
uma vida mais livre,
que o teu gesto há-de realizar
- Maria Manuela Margarido, no livro "Alto como o silêncio & outros poemas – Testemunho de uma geração". [organização Inocência Mata, António Andrade, Danilo Salvaterra, e Júlio Pires]. Ourém: CoOi - Conde Oliveira, 2007.

Vós que ocupais a nossa terra
E preciso não perder
de vista as crianças que brincam:
a cobra preta passeia fardada
à porta das nossas casas.
Derrubam as árvores fruta-pão
para que passemos fome
e vigiam as estradas
receando a fuga do cacau.
A tragédia já a conhecemos:
a cubata incendiada,
o telhado de andala flamejando
e o cheiro do fumo misturando-se
ao cheiro do andu
e ao cheiro da morte.
Nos nós conhecemos e sabemos,
tomamos chá do gabão,
arrancamos a casca do cajueiro.
E vós, apenas desbotadas
máscaras do homem,
apenas esvaziados fantasmas do homem?
Vós que ocupais a nossa terra?
- Maria Manuela Margarido, no livro "Poetas de São Tomé e Príncipe". [organização e prefácio Alfredo Margarido]. Lisboa: Casa dos Estudantes do Império, 1963.


MARIA MANUELA CONCEIÇÃO CARVALHO MARGARIDO 'DEPOIMENTO AUTOBIOGRÁFICO' 
"Sinto-me como a última geração do que se convencionou ser o império português. Há no meu sangue uma mistura de continentes, nos meus afectos uma mistura de gentes, na minha formação a cultura portuguesa, na minha poesia o resumo do pulsar da minha ilha.
Nasci na Roça Olímpia na ilha do Príncipe, S. Tomé e Príncipe, a 11 de Setembro de 1925. O meu pai, David Guedes de Carvalho, era de uma família judia do Porto, de nome Pinto de Carvalho. A minha mãe era mestiça, filha de angolana e indiano. O meu avô materno era descendente de uma família Moniz, de Goa, e trago bem marcada a fusão das minhas origens.
Comecei a viajar para Portugal muito nova. A primeira vez que aqui estive tinha apenas três anos e fui baptizada em Lisboa.

A minha mãe morreu cedo e dos meus irmãos, só a Maria Helena está viva. Um dos irmãos foi juiz na Madeira, Moçambique e Angola. Ficaram sobrinhos, um deles meu afilhado, também é advogado. No Princípe e em S. Tomé, tenho uma cunhada, sobrinhos e a minha prima Julieta do Espírito Santo, entre outros parentes menos próximos.


Apesar de ter passado grande parte da infância em S. Tomé e Princípe, não falo, fluentemente, o crioulo. Filha de professora e de juiz, havia na minha casa a pretensão de que os filhos fossem um exemplo no modo de se expressar. O professor Lindley Cintra costumava gabar a correcção do modo como me expressava na nossa língua.

Fiz a minha escolaridade num Colégio de franciscanas em Valença do Minho e, depois, no Sagrado Coração de Maria, em Lisboa. Por esse tempo, a madre-geral do Sagrado Coração era americana e tinha o hábito de organizar uma cerimónia no final do ano lectivo onde apresentava as classificações finais das alunas. Eu tive boas notas e vinte valores em comportamento, em delicadeza, em pontualidade. A madre, muito simpaticamente, exclamou: vinte e um valores! Eram os frutos da mentalização inculcada pelo meu pai que nos dizia que, como judias e mestiças, deveríamos estar melhor preparadas do que as outras raparigas para vencer na vida. Foram palavras que me marcaram para sempre.

Voltei para África nas vésperas da guerra. Todos nós, africanos, voltámos para casa.


Regressei de S. Tomé muito doente e fui para Valença do Minho repousar. Curei-me graças aos cuidados do Dr. Tapian, um médico muito considerado na época.


Casei em Lisboa e por aqui fiquei muitos anos.


Estive sempre atenta aos anseios dos africanos que aqui estudavam. Encontrávamo-nos na Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, onde participava em actividades culturais, com residentes de todas as colónias. A Associação C.E.I. foi fundada em 1943 e era a fusão de diversas Casas de Estudantes oriundos de todo o espaço do ultramar português. (...) Era uma iniciativa apadrinhada pelo regime.

(...) Lembro-me de que, no chão de uma sala, havia um grande mapa com todas as colónias da autoria do Arquitecto Trofa Real, de Angola, que também frequentava a Casa.


(...) A Casa dos Estudantes do Império estava organizada por secções autónomas: de Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, e assim sucessivamente. Assegurava alojamento e tinha cantina própria. Era, também, lugar de convívio e de cultura: organizavam-se exposições, colóquios, recitais, bailes e actividades desportivas. As produções literárias dos associados eram publicadas na revista Mensagem, fundada por Carlos Ervedosa, Alfredo Margarido e Costa Andrade e constitui, hoje, uma obra de referência das primeiras produções de poetas e escritores da lusofonia.

Eu colaborava nos eventos culturais e aparecia por lá para conversar. Falávamos de livros, da situação política nacional e internacional e, naturalmente, das nossas terras.

Estiveram lá Amilcar Cabral, Agostinho Neto, Chissano, Fernando Mourão, Narana Cossoró, Rui Romano, Francisco Tenreiro, meu amigo pessoal, entre outros de que não me lembro agora.


O Francisco Tenreiro foi muito importante para as gerações seguintes do arquipélago pela consciência étnica que imprimia nas suas poesias. Através dele seguimos de perto o pensamento e a obra de Senghor e de Aimé Césaire que, de certa forma, se tornaram nossos mentores do mesmo modo que foram referências históricas para a África negra. (...) Os meus poemas tornaram-se mais africanos.


Em Alto como o Silêncio (Lisboa, 1957), a minha poesia é a saudade dos sons, cheiros, luz e, também das angústias, dos medos e sonhos da minha ilha. As minhas composições falam dos homens, dos pássaros, dos cacaueiros, dos coqueiros e do mar que nos libertava e nos oprimia.


(...) Na década de sessenta começaram as perseguições e os exílios.


Em 1965, a PIDE/DGS selou as portas da Casa dos Estudantes do Império e o ficheiro foi apreendido para facilitar as identificações. Esse ficheiro está, agora, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Em 1993, a Câmara Municipal de Lisboa celebrou os cinquenta anos da fundação da Casa e publicou uma brochura alusiva ao acontecimento.


Em 1962 fui presa, em Caxias, pela P.I.D.E. Eu tinha conhecido Salazar nas festas centenárias da cidade de Guimarães, era então aluna num colégio de Valença e, como tinha boa voz, fui escolhida para, com o Amândio César, darmos as boas vindas a Salazar. E ele beijou-me! Eu repetia para a P.I.D.E. que o Salazar me tinha beijado, que era amiga do Cardeal Patriarca, mas de nada me valeu. Afinal, nós queríamos tão somente a autonomia das colónias, inspirados no modelo francês. Ninguém nos ouviu.


A minha poesia tornava-se num grito de liberdade. Em Vós que ocupais a nossa terra (1963), denuncio "a cobra preta que passeia fardada", a polícia e os soldados do continente, tema que foi recorrente na minha poesia de contestação. É um poema muito dorido e que reflecte o sentir da geração esclarecida das ilhas nessa época.


O espartilho da censura e da opressão política empurrou-me para o exílio. Fui para Paris onde fiquei trinta anos. Fiz lá a minha formação académica. Diplomei-me em Ciências Religiosas na École Pratique des Hautes Études, onde fui aluna de Roland Barthes. Licenciei-me em Letras (Fui aluna de Francastel) e estudei Cinema. Fui secretária-bibliotecária do Instituto de Estudos Portugueses e Brasileiros da Sorbonne, e secretária da Liga Portuguesa do Ensino e da Cultura Popular em Paris. Também fiz teatro, quando era dirigido pelo Benjamim Marques. Com o Carlos César fiz a Barca de Gil Vicente. Ia colaborando em jornais e na revista Estudos Ultramarinos.


(...) Continuei a escrever sobre temas africanos e publiquei Os Poetas e Contistas Africanos (S. Paulo, 1963); Poetas de S. Tomé e Príncipe, (Lisboa, 1963); Nova Soma de poesia do mundo negro "Présence Africaine nº 57" (Paris, 1966).


Depois da Revolução de Abril, iniciou-se uma nova fase na minha vida, talvez mais aliciante ou, espero, mais útil à minha pátria recém-nascida. Era a oportunidade de dar a conhecer aquelas ilhas que amo, pequenos pontos no Atlântico Sul para os grandes países da Europa, procurar dar a conhecer a cultura própria das suas gentes. Tenho orgulho em ter sido embaixadora de S. Tomé e Príncipe em dez países (dos quais Inglaterra, Alemanha, França, Holanda, Bélgica, Suécia e Noruega) e oito organizações (entre elas a UNESCO e a FAO).


Quando Mário Soares foi Presidente da República Portuguesa, ocupei o lugar de consultora para os assuntos africanos.

Enquanto fui embaixadora, foi com muita emoção que ocupei o lugar em Paris, a cidade onde cresci culturalmente. Para além dos assuntos relacionados com as minhas funções oficiais foram importantes as relações de amizade.


(...) Acabada a minha tarefa, pensei voltar à ilha do Príncipe onde ainda sou proprietária da Roça Olímpia, uma grande extensão de coqueiros, cacaueiros e cafézeiros que se espraia pela costa. Mas não tenho meios económicos nem saúde para a explorar. (...)


Sempre tive consciência de que os valores portugueses nos tinham formado as raízes do pensamento, até no modo como reagimos à colonização. (...)


Fez-se a descolonização e o meu país sentiu-se livre. Mas independência não foi nem é tudo. Há muito para fazer em toda a África, é necessário e urgente cuidar da língua portuguesa, para que se mantenha. Estou confiante de que outros virão para concretizar os sonhos da minha geração, talvez de outro modo porque os tempos exigem sempre desafios diferentes. A nossa utopia será substituída por outras utopias que darão sentido às lutas por um mundo melhor.



Gosto de pensar que tantos anos de perseverança num ideal, que se concretizou ao longo da minha vida, é reconhecido aqui e lá no meu pequeno país"
- Maria Manuela Conceição Carvalho Margarido "Depoimento autobiográfico". in: Revista de Estudos sobre a Mulher, Lisboa: Edições Colibri, n. 9, ano 2003 | reproduzido em 'Almariada blog' e 'Lusofonia poética'. (acessado em 8.8.2016). 

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