Algures no Golfo da Guiné, 23 de Novembro de 1975 - Há 50 anos - Na sequência de tentar atravessar o Oceano Atlântico, numa piroga santomense, pela rota da escravatura, lembrando os ignominiosos tempos do tráfico de escravos, em que as Ilhas de São Tomé e Príncipe, serviam de interposto desse hediondo e desumano mercado .
O diário neste dia foi parco de palavras: mais de silêncio de que de narrativa: ainda não me sentia rendido à solitária fatalidade, que parecia estender-se por um imenso manto líquido em torno de mim, mas as energias anímicas iam realmente fraquejando.
Algures no Golfo da Guiné, 23 de Novembro de 1975 - Há 50 anos - Jorge Trabulo Marques -
Navegando com a pequena vela de tempo
O diário neste dia foi parco de palavras: mais de silêncio de que de narrativa: ainda não me sentia rendido à solitária fatalidade, que parecia estender-se por um imenso manto líquido em torno de mim, mas as energias anímicas iam realmente fraquejando. À frente os pormenores. Mas este era o meu estado de espírito, que jamais esquecerei. Estou muito fraco. Mal me posso levantar: tenho-me limitado às tarefas mais indispensáveis. A pôr a roupa a secar e a despejar a água que se acumula no fundo da canoa. Mas tudo isto é exaustivo!.. Exige-me um inaudito esforço e eu estou muito fraco!.. . Disponho apenas de uns três ou quatro anzóis. Mas não tenho iscas; não vale a pena lançar a linha e o anzol. .
Travessia Nigéria S.Tomé - 12 dias - Março 1975
Muitas vezes, prostro-me de joelhos junto à borda de canoa para ver se apanho algum peixe à mão. Há sempre peixes de todos os tamanhos à volta da canoa e acompanhá-la. Alguns vêm à cata das lapas que nascem no costado. Mas quando estendo o braço para os apanhar, escapam-se-me; são mais rápidos de que eu! Mais das vezes acabo por desistir e deito-me no fundo da canoa para poupar as minhas forças – Pois, mesmo atolado numa autêntica salmoura, tenho necessidade de descansar. Nem que fosse sobre um tapete de pregos. - Até porque não consegui dormir em toda a noite.
Diário vertido para um pequeno gravador, guardado num velho contentor do lixo
SINTO UMA GRANDE DUREZA NO ESTÔMAGO...
Diário de Bordo1Éjá o fim de tarde do 34º dia. Mais um dia que passei... praticamente deitado sobre o fundo da canoa... Com os braços cruzados, pois não tenho outra solução.... O mar continua com bastante ressaca... O vento agora não é muito forte.... Mas a única solução que tenho é realmente deitar-me no fundo da canoa, até para não gastar energias... Para não fazer muito esforço físico.
Não tenho comida... Sinto uma grande dureza no estômago... Uma grande dor nas costas!... Todo o meu corpo me dói... Há uma fraqueza geral em mim...
De manhã, vi muito ao longe a chaminé de um barco....mas bastante afastado! O mar contínua muito bravo!... O equilíbrio é realmente difícil...
Estou apenas com três comprimidos e água das chuvas... Mais nada no estômago... Tenho um apetite voraz...Neste momento eu comia não sei o quê!...
Um pormenor importante que notei é apenas da água... que têm uma cor esverdeada... Mais escura de que o habitual....Agora as correntes mudaram de direção. Estou sendo arrastado para sul... Agora já não é de oeste para este...
A bem dizer, a morte é a minha companheira de todas as horas. Convivo, lado a lado com a sua vertigem, seja atraente ou aterradora, vagueio à superfície do abismo da sua imensa sepultura. A qualquer instante poderei desaparecer e quase sem dar por isso. Basta que os dedos engalfinhados das suas poderosas mãos, que a noite cobre com golas rendadas e franjadas de luto, me surpreendam a dormir ou até em qualquer instante da minha penosa vigília. Mas, se tiver de morrer, se for chegada a minha hora, paciência!... Também não é caso para desesperar.Antes de me meter nesta aventura, equacionei todas as hipóteses: de viver e de morrer. Estou preparado para tudo; para o que o der e vier.- Só desejo que ao menos me acolha no seu leito, como um dos bravos, dos que não lhe viram a cara e lhe dão luta, e, sendo assim, só lhe peço que ao menos seja um pouco mais complacente e me livre da terrível agonia dos miseráveis afogados que impiedosamente já sufocou e tragou nestes mesmos mares.
Mais a mais, se eu partir para o lado de lá, ninguém vai saber como e quando a morte me chamou. Ninguém vai ter de cavar a minha sepultura, pois tenho-a, aqui ao meu lado, sempre aberta. Não, não posso receá-la... Pois haverá maior solidão do que aquela que agora que me envolve?!...Do que aquela em que estou profundamente mergulhado?!... Haverá maior martírio do que aquele que eu vivo nestas horas, dolorosamente incertas e infinitas? Que me arrastam, não sei para que confins desta imensa e tumultuosa negridão!
A morte?!... Como posso eu temer a sombra da minha própria sombra se nem sequer a enxergo?... Que diferença fará a minha triste figura das sombras soltas, do confuso tumulto que campeia à superfície da conturbada planura que a espessa noite impele, transfigura e oculta?!... Noite sobre a qual vogo e ninguém me distingue e nem eu vejo o fundo do madeiro que piso!... Que contraste haverá de mim e das trevas que ondulam por toda a parte e têm como coberto o negrume de um espesso e pesado céu?!...Oh, sim!. Haverá maior solidão do que aquela quepovoa o meu coração de mil sobressaltos, angústias e de incertezas?!... Sim, que meconfunde e esmaga sob o teto da mesma assombrosa atmosfera em que vagueio, sem rumo e pedido!..
Oh, como posso eu virar as costas à Soberana Morte, se ela me chamar?!... Até porque, se o mar me levar, meu corpo, nunca ficará tão sozinho como agora se encontra....Há uma cova continuamente aberta, que já recebeu milhões de vidas e não se importa de continuar a receber ainda muitas mais vidas! - Que foi a sepultura dos milhares de escravos que, nestes mesmos mares, agonizaram horrivelmente, nos escuros porões dos barcos negreiros ou foram atirados vivos para o tumulto das ondas!.. A morte quando bate a porta, não distingue o escravo do escravizador, do pobre do rico. Levou corsários e piratas, criminosos algozes, sem escrúpulos, que não chegaram a ser mais valentes com as tempestades de que com as suas vítimas. Não poupou e não se condoeu de corajosos e intrépidos pescadores, pilotos e marinheiros. Oh quantas vidas, por aqui já não terão parecido, na vastidão do "Grandíssimo Golfo", nestes mesmíssimos mares de outrora, do passado e do presente!... Mares eternos" Mares de sempre! Mares de inesperados tornados e perigosos tubarões!
Na verdade, já lá vão algumas horas depois que o sol se pôs, e eu continuo sem me poder deitar. Sinto-me exausto e possuído por um desejo irresistível de dormir.Estou para aqui enrodilhado como um miserável trapo. Abrigado debaixo de um toldo para me defender dos espirros das ondas, porém, do que eu não consigo proteger-me e defender-me, é da água que entra através da rachas. Há a que aflora pelo sítio onde assenta o mastro e também ainda a que atravessa as rachas que estão acima da linha das águas. Só que, acima dos 40 cm submersos, os 20 cm que restam, é muito pouco. Entra lentamente mas, como não pára de entrar, vai-se avolumando. E eu não disponho de bombas para a escoar; tenho que o fazer eu com o balde ou com a espátula.
Apetecia-me estender ao comprido,pois é assim que eu faço nas noites mais serenas,e quando não chove, tal como são estendidos os cadáveres nos caixões - Sim, esta canoa é um caixão flutuante. Não é feito de várias tábuas mas num só madeiro. Mas estou a ver que não vou conseguir. Sofre constantes balanços. As ondas estalam no costado com fortes chicotadas. Por mais que escoe a água, o fundo continua num autêntico charco. De volta e meia, lá tenho eu de me ajoelhar para a escoar e espreitar o ambiente lá fora. E é o que vou fazer agora. Não deve faltar muito para a meia-noite. Mesmo sem horas, sinto o seu peso. E de noite já reajo às mesmas horas, como um autómato. Não para verter a água que faz da canoa uma banheira, pois só a baldeio quando me cobre as costas - E agora não estou deitado, mas quero saber como tempo está lá fora.
Está a molinhar. Vejo relâmpagos a rasgar o negrume das distâncias. Com o barulho das ondas ainda não ouvi o trovão, mas não deve tardar a fazer soar por aí a sua orquestra. Meu Deus!...Este mar não me dá tréguas nem descanso!.. Pelo que vejo, espera-me um resto de noite, ainda mais confuso e atribulado. Uma noite, açoitada por um vento furioso, que parece não se acalmar.
Vejo as habituais manchas luminescentes, aqui e além no ondulado negro das ondas, brilhos confusos e terríficos, vindos de mil direções, e certamente também das profundezas, que refulgem, que reluzem e tremeluzem de onde em onde. Que aparecem e desaparecem. São as manchas do plâncton e certamente da fauna marinha das profundidades que o persegue às horas mais escuras e sinistras, que aflora à superfície.
Quando fiz a travessia de São ao Príncipe é que eu fiquei arrepiado. Era simplesmente pavoroso ver as ondas em vez de a branquear de espumas, vê-las franjadas de lume. Com explosões que faziam lembrar um mar em chamas. Até a pá do remo parecia sair de um mar a arder. Ou saída da corrente do magma de um vulcão explodindo e cuspindo a sua lava. Estas imagens são muito comuns nos mares tropicais. Agora já estou habituado a esses estranhos brilhos. Não é istoque me assusta ou preocupa.Mas a chuva que apanho no corpo e as tempestades noturnas que só vêm dificultar ainda mais a minha segurança e sobrevivência.
Algures no Golfo da Guiné, 22 de Novembro de 1975. -
Jorge Trabulo Marques
Meu estendal após cada chuvada
Diário de Bordo1Passei uma noite, exaustiva!... De chuva... O mar extremamente agitado e muito perigoso!...A manhã continua com um mar cavado, com muita ressaca!...Há vento!... E eu sem ver a costa de África... Estou muito fraco!... Muito fraco!... Vou tentar colocar a vela... Vou ver se consigo fazer alguma coisa neste mar extremamente difícil e perigoso!
Mas é-me quase impossível navegar. Se ao menos dispusesse de um remo capaz!... Perdi o que tinha com o tornando na primeira noite - perdi quase tudo. E o que improvisei, é demasiado tosco. E o mau tempo, próximo da costa, é muito mais perigoso de que no alto mar... Continuo sem qualquer sustento. A única coisa que já meti à boca foram umas folhitas de umas ervas que encontrei vogando à superfície do mar. Água das chuvas não me tem faltado e então agora até demais., porque, desde há umas largas horas que ainda não parou de chover. Estou para aqui encolhido a um canto da popa da canoa, quase imóvel, repassado pela humidade e arrepiado pelo frio.
NOITE NEGRA, LONGA E TEMPESTUOSA E DIA CHUVOSO, CINZENTO E TRISTE - Mais um longo e tormentoso calvário de fome e de incerteza
A manhã amanheceu baixa e plúmbea: despertou com uma enorme tristeza de lágrimas. Ou será porque sou eu que me sinto imensamente triste?!... O mar ressoa a sua fúria nervosa, ainda não se acalmou, e o sol, perdido que parece estar lá pelos confins do seu habitual giro, dificilmente hoje irá fazer a sua aparição e mostrar a pino o esplendor do seu sorriso equatorial.
A noite foi longa e tumultuosa, com ondas intermináveis! Cada minuto tinha a dimensão da imensa negridão e, cada hora, mais parecia uma eternidade. Ondas rugidoras e lúgubres, ameaçavam cuspir-me a todo o momento para o sinistro sorvedouro, que se ocultava e estendia numa compacta massa tumultuante. Horas intermináveis, horas terrivelmente infinitas! Flutuando perdido ao sabor do rolar de vagas furiosas. Mas, finalmente, tenho um novo dia pela frente!... Sinto-me muito fraco e abatido, mas felizmente ainda estou vivo - Assim o testemunha o meu diário gravado, que defendo do mar no meu baú - um antigo caixote do lixo
Passam hoje 50 anos... O relato do meu diário, relativo ao 33º dia (o gravado, sublinhado a azul) foi registado precisamente, neste mesmo dia do mês, mas já foi há muito tempo - Muitos que me irão ler, ainda não tinham nascido. Perguntar-me-ei, hoje: o que seria agora o meu corpo tragado no fundo do mar?!...Se calhar - por entre as algas e os sedimentos daqueles fundos abismos, sobre os quais voguei - já nem sequer restasse a sola das minhas sandálias.
Sim, estou vivo. Dou graças a Deus! - Imerso pelo rolar terrível das ondas e do grito afogado do vento, à deriva em tão minúsculo esquife e ainda ter sobrevivido?!...Só por Obra e Graça de Deus e por Divino Milagre!... - E, todavia, não sou católico, mas reconheço que me valeu nunca ter perdido a confiança, ter sempre lutado e também nunca ter perdido a fé, que me foi ensinada em criança - De facto,, já não sou o tradicional católico, mas acredito em algo sobrenatural.
Se o ter nascido é já por si um milagre de Deus, - pois quem é que ainda duvida que haverá milagre maior e mais maravilhoso de que um nascimento ou a reprodução das espécies?!... No entanto, o ter resistido, a tão dura provação - e o leitor há-de ver que as maiores tormentas, por que passei, ainda estavam por vir - sim, não sei se não será menos espantoso como o milagre de a minha mãe me ter parido numa noite fria de Janeiro, no seu modesto leito habitual e sem parteira.
Tenho urinado com regularidade mas estou preocupado porque já nem me lembra que tivesse feito uso do pequeno balde de plástico para evacuar. Claro que eu sei que não tenho metido quase nada na barriga, mas precisamente por isso é que me aflijo, que às vezes os intestinos até deixem de funcionar.
A BÚSSOLA PERMITE-ME SABER PARA QUE PONTO NAVEGO OU VOU SENDO ARRASTADO - MAS, COM O CÉU ESCURECIDO E CHUVOSO, SINTO O PESO DO TEMPO, A SUA ADVERSIDADE MAS DESCONHEÇO A QUE HORAS ANDO
Diário de Bordo2 Não sei que horas serão da tarde do 33º dia. A verdade é que até agora tem chovido bastante!... Há bocado não estava a chover... Estava o mar bravo!... Mas de um momento para o outro passou a chover... Só chuva!... E vento!...
Diário de Bordo3Agora volta a haver uma certa calmia... Mas já vejo ameaças de chuva no horizonte... Ainda não comi nada... Aliás, comi agora um bocadinho do resto do tubarão (pescado há vários dias) que está estragado praticamente... Estou cheio de fome! Não consigo pescar!... Não vejo terra... Estou realmente bastante... não direi desmoralizado... mas abatido psicologicamente.
O tubarão é dos peixes, cuja carne não aguenta muito tempo - Mal se pesca, não tarda a que seja uma carcaça em decomposição - No mesmo dia, pesquei dois: um deitei-o fora, o outro guardei-o para iscas e para o que desse e viesse - Mas gera um autêntico fedete. Quando mastigo alguns bocaditos - roendo as barbatanas, sim, é o que tenho feito, quando o vazio do estômago se me torna mais insuportável. Não fecho os olhos, mas fico com uma azia tremenda.
Estou convencido que alguns ataques dos tubarões, que de volta e meia se atiram como torpedos contra o costado da canoa, se devem a isso mesmo: ao cheiro que os atrai. Pois os tubarões veem mal mas têm um notável olfato.
Claro que não me sinto desmoralizado, pois continuo com a convicção de que hei-de chegar a terra. O que eu desconheço é quando a poderei alcançar. Sim, mas, fisicamente, faltam-me as forças, estou muito fraco. Já não tenho a mesma energia que tinha quando deixei São Tomé. A minha canoa é comprida mas frágil – Não tem mais de que um metro de largura, por 60 cm de altura, 40 cm dos quais, estão abaixo da linha de água. Foi talhada num madeiro, cortado na floresta, próximo da Vila das Neves, da praia donde parti.
Diário de Bordo4 Em relação às correntes, em vez de de me aproximarem para norte, estão-me a levar ao longo da costa de África... Irei ter provavelmente ao recanto do Golfo do Biafra...Não vejo outra alternativa... Agora o que eu não sei é o tempo que irei demorar.
Esta manhã, a canoa, ficou alagadíssima!... devido às chuvadas!... Estou exausto, digamos assim.
Claro que não me sinto vencido ou resignado à minha sorte, e vou lutar, lutar, enquanto puder. Mas a verdade é que, dormir no fundo de um madeiro escavado, flutuante e encharcado, submetido a constantes balanços, a rolar a rolar e à deriva num mar escuro e encapelado, numa confusão tremenda, se, já de si, é um tormentoso calvário, que não me dá tréguas, nem descanso, quem é que, cheio de fome, pode ter o mínimo de repouso e de tranquilidade, ter um sono reparador, com o estômago completamente vazio?!... É que, além de toda a incerteza que me oprime, também o estômago se me contrai , num horrível sofrimento!
Fazer jejum, de vez em quando, até pode ser saudável, mas, sendo no mar e prolongado, é muito doloroso!... Desgasta e abre o apetite - E, então, como eu lhe poderei dar resposta, não tendo alimentos comigo, nem tendo conseguido pescar?!... Sim, a fome, aguça o engenho, mas seguramente que não é a melhor companheira para a tranquilidade do corpo e do espírito
Oh, mas quem me dera agora recuar àquela hora ensolarada e brilhante da manhã, em que deixava a linda praia da Vila das Neves, envergando uma simples t shirt, de calção e descalço, empurrando a minha canoa, com todos aqueles meus amigos, que me ajudavam a arrastarem-na para o mar.
Eu a receber, de encontro à minha face eaopeito, a encher os meus pulmões, aquele bafo quente e acariciador, aquela doce maresia com o sabor mesclado de sal e dos odores perfumados da margem luxuriante, caminhando e pisando as frondes (as andalas) dos coqueiros, enterrando os pés naquela areia negra e rugosa, escorregando nalguns dos seus gogos reluzentes, que pareciam cantar, com o vai e vem das ondas, com o marulhar carinhoso das águas, como que recebendo-me, festejando e participando comigo, no mesmo prazer e alegria, no mesmo sentimento comum de aventura e descoberta, que tão intensamente me possuía!
Prazer de total e pura entrega a um mundo maravilhoso e sagrado, às forças brutais e naturais dos elementos, rendido à sua face sedutora e ameaçadora! Ao mundo primitivo e original da vida!... Ciente de que ia ao encontro de uma vasta superfície líquida, cujos horizontes se mantêm, continuamente, tão próximos, como distantes e inatingíveis... Mas, por isso mesmo, num permanente desafio de deslumbramento, despojamento e descoberta - Sim, não levava sequer um centavo no bolso. E para quê ser escravo do dinheiro?.. Era como se fosse em demanda de um Verdadeiro Mundo Novo, mais divino e mais puro.
Ah! que sensação de liberdade! Que momentos mais indescritíveis aqueles, que se me abriam aos meus olhos, ávidos e ansiosos! Irmanado ao mar, atraído pelo prodígio da sua grandeza e a vertigem do seu fascínio!.. Oh, como aquele oceano se me revelava tão vasto, tão azul, lânguido e tranquilo! – Tantos sentimentos e tão belos!.. Tantas emoções, que agora recordo mas que parecem já tão distantes e arredias de mim.
Oh, mas embora longínqua de mim, como posso eu esquecer-me dessa esplendorosa manhã! Cuja harmonia e beleza, tão calorosamente fazia pulsar meu coração!... Não de quem pertencesse a um país ou a uma pátria, ou mesmo partia de uma ilha que já era soberana e independente, onde tive todo o apoio e carinho para levar a cabo esta minha aventura. Não, esse é um sentimento e uma gratidão, que jamais se diluirá, que guardarei para sempre num cantinho especial do meu coração...
Na verdade, o que então sentia, como que a fluir febrilmente na minha mente e no meu peito, era a sensação de que o sangue que me corria nas minhas veias, era o mesmo todos os peixes e de todas as aves, que esperava encontrar na minha jornada pelo mar fora, o mesmo de todos os homens, de todos os seres e de todas as espécies, de cujo mundo me separava. Era como, se eu próprio, o vagabundo anarca e lascivo, que, partindo, praticamente sem rumo e sem destino, já não pertencesse a parte alguma da Terra e tivesse, como única pátria todo mundo e toda a humanidade!...
E, por estranho que pareça, o que é que eu agora sinto, nesta manhã cinzenta, turbada e triste?!... Sinto que tudo isso se me desvanece com a angustiante e amarga sensação, de que, mais de que me sentir um apátrida, sou afinal um proscrito, a criatura mais esquecida da Terra inteira!... - Ninguém sabe onde estou, nem eu mesmo sei onde me encontro ou para onde vou.
Diário de Bordo5- O céu está muito carregado e parece quase noite. ...Sinceramente, sinto-me muito isolado!... Alagado completamente!...
Eu sou a criança chorosa
Estou exausto!... Neste momento apetecia-me chamar ... Pai!...Meu pai!... Afinal, você tinha razão!.... - Porquê?!... Meu filho!...
Estou para aqui!... Não estou desiludido!... Tenho fé que hei-de chegar a terra!.... Mas, sinceramente... tenho tido tanta calma!... Tanta perseverança! ...No meio de tantos perigos... De tantas dificuldades!... Talvez já não existisse... Mas... eu hei-de chegar a terra.... Estou par aqui perdido.... nesta imensidão! Cinzenta!... Neste mar acinzentado... Nesta vastidão!...
Esta tarde vi grandes toras!!... Grandes Paus!... Tábuas!... E eu confundia-me com isso...Como um ser desprezível!... Talvez como esses paus à deriva... a mesma coisa.
Confesso que já começo a ter algum receio que uma ou outra dessas enormes toras, de tamanhos descomunais, que aparecem e desaparecem à tona das ondas com incrível rapidez, se precipitem de encontro à minha canoa e a desfaçam. De dia ainda as vejo e ainda posso acautelar-me mas de noite é que eu não consigo localizá-las. Também existe a possibilidade de ser abalroado por um barco mas estes raramente os vejo e as toras já vi muitas!
Realmente, nunca vi o mar assim tão sujo como agora. Desde há uns dias para cá, tenho observado com mais frequência essa sujidade. É certamente por me estar a aproximar do recanto mais setentrional do Golfo da Guiné. Pois é para aqui, com certeza, que vai parar toda a sorte de detritos e madeiras, que são despejadas pelas águas dos estuários. E depois também há os poços de petróleo. Pois também tenho visto muitas manchas de óleo, grânulos de crude, os mais diversos objetos de plástico, esferovites, raízes - Quando vejo uma folha verde e a posso apanhar, levo-a imediatamente à boca.
DEPOIS DAS GRANDES CHUVADAS O HORIZONTE FICA MAIS DESCOBERTO E O MAR COSTUMA ACALMAR - FINALMENTE, DE NOVO CONTORNOS DA COSTA AFRICANA OU DA ILHA DE BIOKO
Diário de Bordo6- O fim da tarde está-se a pôr suave..O mar já não está tão agitado como esteve....Não chove.... O céu está brusco... Nublado... Apenas descoberto a poente...
Tive agora a felicidade de vir nítidos contrastes da costa de África a Norte e a Este... Que me dão a impressão de uma grande serra! De uma montanha!... Se a vista não me falha.... Portanto a distância não é muita.... Mas pode ocupar-me ainda o dia de amanhã...
Esta tarde , como já tive oportunidade dizer.... foi uma tarde bastante aborrecida... Por várias vezes choveu torrencialmente!... Alagando a minha canoa....
Como ainda não comi praticamente nada, senão umas barbatanas do tubarão... uns bocaditos para mitigar a fome....estou cheio de fraqueza....
Para evitar que a canoa se virasse
Tive ocasião de ver muitos paus, muitas tábuas. também à deriva como eu... E, de vez em quando, o mar com manchas de óleo... O que me leva a crer, portanto, que eu estava a ser arrastado para terra... Porque o mar... as coisas não ficam!... Vão ter a terra... Estou convencido, pois, que hei-de chegar a terra.
Diário de Bordo7. -Espero passar uma noite mais ou menos descansado... Não sei... Não sei como será... Peço só que não chova.... Porque quando chove é muito chato!... A gente fica todo molhado... É muito aborrecido!.
Neste momento o poente apresenta um panorama bonito!... O sol por entre nuvens!... É muito agradável neste momento!... Na altura de ver o sol a poente... De resto, o céu mantém-se cinzento e o mar igualmente.
Diário de Bordo8Segundo os conhecimentos que tenho, estou convencido de que posso sobreviver mesmo só a água... Durante alguns dias... Portanto, sobre este aspeto, estou mais ou menos conformado.
E, enquanto a tarde declina, com o sol a espraiar os seus últimos raios num ocaso esplendoroso e tingido por um vermelho de sangue, vou-me abstraindo de todos os pensamentos e ideias funestas que durante a tarde me perturbaram. Já nem penso nas palavras que ainda há pouco me conformavam. Só vejo raios de esperança e de luz. Estou completamente abstraído de tudo o que me tem preocupado. Apesar da enorme fraqueza que me desgasta e destrói e de ter o corpo cheio de chagas pela humidade, tal como o de Cristo, depois do suplício na cruz, mesmo assim, sinto reviver dentro de mim uma infinita ânsia de vida. Apenas concentro a minha atenção para as bandas onde o sol se esconde. Só contemplo esses raios que se estendem até mim, sobre a vasta planura do imenso círculo que me envolve. Donde recebo uma sensação de paz, de majestosa quietude e devota serenidade.
.Mas por pouco tempo - O crepúsculo nestes mares é rápido e, entretanto, a noite adensa-se: a oriente e a ocidente: o cenário já não é o mesmo. Tudo mergulhou sob uma abóbada densa e sombria. Por todo o lado se estende uma vasta solidão.Há um silêncio absoluto que contrasta com agitação do mar pela tarde adiante.Não sei para onde vou sendo arrastado. Mas também não adianto preocupar-me. Vogo à flor das águas, que tanto me poderão arrastar para o abismo, como para um acolhedor recanto, um tranquilo porto de abrigo e me salvar..Só amanhã, à hora do sol nascer, quando um novo dia surgir é que eu eu poderei saber.
António Guterres, no penúltimo dia da COP30. disse aos jornalistas que países e negociadores devem fazer prevalecer a ciência lembrando que antes de qualquer lucro vêm as pessoas; ele defendeu triplicar financiamento para adaptação e mitigação focada na eliminação de combustíveis fósseis; presidente do Brasil, Lula da Silva, diz que mapa para transição precisa ser levado a sério.
Secretário-geral da ONU discursou em Belém, apelando a compromissos concretos e mais ambiciosos no financiamento e também no abandono dos combustíveis fósseis.
Cúpula dos Povos foi aberta oficialmente a 12 de novembro em Belém (PA), reunindo cerca de 1,3 mil movimentos sociais, redes e organizações populares para criticar a falta de participação popular na COP30 e apoiar a Palestina. O evento, que decorreu até 16 de novembro na Universidade Federal do Pará, nas margens do Rio Guamá, destacou a insatisfação com a ineficiência das medidas dos governos para conter o aquecimento global.
O que está a falhar é a vontade política de tomar as decisões necessárias. Por favor, negoceiem de boa-fé para atingir um compromisso ambicioso. A nossa única linha vermelha deverão ser os 1,5 graus centígrados. Sejam corajosos, sigam a ciência e coloquem as pessoas antes do lucro”, apelou num discurso no recinto da COP30, que decorre em Belém, no Brasil. Na visão de Guterres, o resultado justo terá de ser “concreto em termos do financiamento à adaptação, credível nos cortes de emissões e suportável em termos de finanças”.
Primeiro, o financiamento. No que diz respeito à adaptação, Guterres defende que os fundos comprometidos para este fim tripliquem até 2030, e que seja atingido um equilíbrio entre este investimento e aquele em mitigação.
No que diz respeito ao já criado Fundo de Perdas e Danos, denuncia que está “quase vazio” e apelou a que fosse capitalizado e de mais fácil acesso. “Eu apelo a todos os financiadores: parceiros bilaterais, fundos climáticos e bancos de desenvolvimento multilaterais que se cheguem à frente e previnam tragédias“, rematou, para depois acrescentar: “Nada disto é possível sem financiamento que seja previsível, acessível e garantido.
Precisamos de um caminho credível para concretizar o objetivo de financiamento de Baku [300 mil milhões de dólares anuais de fontes públicas e 1,3 biliões de fontes públicas e privadas]”.
Em segundo lugar, endereçou os cortes de emissões. Guterres alertou que os planos climáticos submetidos pelas Partes (as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas) apontam para um aquecimento acima dos 2 graus centígrados: “É uma sentença de morte para muitos. Os planos nacionais têm de ser o chão, não o tecto“.
Neste âmbito, apontou as energias renováveis como solução, e apelou à criação de uma Coligação Global de Redes, Armazenamento e Eletrificação, ao mesmo tempo que apoiou a coligação que tem vindo a reivindicar um guia para o abandono dos combustíveis fósseis. Terminou com o desejo de reverter a desflorestação até 2030.
Guterres “à espera” dos EUA No final do discurso, em resposta aos jornalistas sobre a mensagem a deixar a Donald Trump e se via a possibilidade que os EUA, entrando nas negociações, tivessem alguma influencia positiva, Guterres foi sucinto: “Estou à sua espera” e “a esperança é a última a morrer”.
De acordo com a Bloomberg, apesar de os EUA se terem retirado do Acordo de Paris, e terem a saída “oficial” marcada para 27 de janeiro do próximo ano, e não ter inscrito nenhum delegado para tomar parte nas negociações, ainda pode enviar representantes a qualquer momento. Isto porque, neste momento, os EUA ainda são parte do acordo de Paris e da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC, em inglês)https://eco.sapo.pt/2025/11/20/a-espera-dos-eua-na-cop-guterres-faz-acusacao-geral-o-que-esta-a-falhar-e-a-vontade-politica
30ª Dia Numa piroga A noite em que um eclipse total da Lua escureceu o mar e o céu numa tumultuosa cortina de trevas. Não se enxergava um palmo à frente do meus olhos - Nem sequer os contornos da piroga - Durante quase hora e meia foi como se o mundo não existisse. -Sucedeu na noite de 18 para 19-11-1975
O mar e o céu pareciam unidos nas mesmas sombras e pela mesma escuríssima cortina - Senti uma profunda solidão! - Tanto mais que havia mais nuvens que abertas, que por sua vez iam também eclipsando as estrelas e tornando-as ainda mais longínquas - Além de que o mar permaneceu toda a noite muito cavado.
Mas não poderei dizer que fosse uma noite muito anormal - Pior teria sido se chovesse. Direi que a observação daquele Eclipse lunar foi apenas um episódio em mais uma longa noite de vigília e de reflexões na minha vida.
Referem registos que “O eclipse lunar de 18 de novembro de 1975 foi um eclipse total,[1] o segundo e último de dois eclipses lunares do ano. Teve magnitude penumbral de 2,1352 e umbral de 1,0642. Teve duração total de 40 minutos. Lua tinha 6% de seu diâmetro na sombra umbral da Terra, e possivelmente adquiriu uma tonalidade vermelha-alaranjada brilhante, mais escuro ao sul e visivelmente mais brilhante ao norte, que estava mais próxima da borda umbral. O eclipse parcial durou 3 horas e 29 minutos no total. h
Vem um vento grande lá fora,
Um vento cavo, triste e profundo
Vem soprando!
Vem soprando!.... Soprando!.
Varridos dos confins do Mundo!
Aqui vou sozinho e mudo
Esperando o instante que passa
Alheio a nada, desconfiando de tudo
Puro, como a sombra que esvoaça.
Mas serei eu porventura assim
Que por esta noite escura vou indo
Indo comigo e fora de mim
Preso a um desejo, sentindo?!...
É muito difícil a resposta
Impossível talvez responder
Sei que a tristeza me bateu à porta
Sei donde venho, é o que posso dizer
Não sei todavia onde estou
Não sei tão pouco a que venho
Não sei tão pouco onde vou..
Jorge Trabulo Marques – Por mares do Golfo da Guiné
A noite em que observei um eclipse total da Lua - Calculo que por volta da meia-noite - - O céu e o mar ficaram mais negros que nem na mais negra noite de tempestade - Não se enxergava um palmo à frente do meus olhos - Nem sequer os contornos da piroga - Durante quase hora e meia foi como se o mundo não existisse. O mar e o céu pareciam unidos nas mesmas sombras e pela mesma escuríssima cortina - Senti uma profunda solidão! - Tanto mais que havia mais nuvens que abertas, que por sua vez iam também eclipsando as estrelas e tornando-as ainda mais longínquas - Além de que o mar permaneceu toda a noite muito cavado. Mas não poderei dizer que fosse uma noite muito anormal - Pior teria sido se chovesse. Direi que a observação daqueleEclipselunarfoi apenas um episódio em mais uma longa noite de vigília e de reflexões na minha vida.
Referem registos que “O eclipse lunar de 18 de novembro de 1975 foi um eclipse total,[1] o segundo e último de dois eclipses lunares do ano. Teve magnitude penumbral de 2,1352 e umbral de 1,0642. Teve duração total de 40 minutos.[2]
Um eclipse total raso viu a Lua em relativa escuridão por 40 minutos e 12 segundos. A Lua tinha 6% de seu diâmetro na sombra umbral da Terra, e possivelmente adquiriu uma tonalidade vermelha-alaranjada brilhante, mais escuro ao sul e visivelmente mais brilhante ao norte, que estava mais próxima da borda umbral. O eclipse parcial durou 3 horas e 29 minutos no total.https://pt.wikipedia.org/wiki/Eclipse_lunar_de_18_de_novembro_de_1975
OBRIGADO Ó DEUS POR ME TERES CONCEDIDO A SEMENTE DA LIBERDADE E DA GRAÇA DE SER TAL COMO SOU - HUMANO MAS ESPIRITUAL E TRANSCENDENTE
VIVIDA COM TRANSCENDENTE ESPIRITUALIDADE - VALE A PENA IR AO ENCONTRO DO SILÊNCIO ONDE A VOZ DE DEUS MELHOR SE PODE ESCUTAR -
Sou o peregrino, e assim tem sido A MINHA SINA, num peregrinar constante: seja na imensidade e solidão dos mares, sob as suas violentas tempestades ou paralisantes calmarias, seja nos mais solitários, ermos e altos penhascos, procuro, não me canso de procurar, não propriamente o rumor de uma palavra marítima ou terrestre, mas algo que esteja para além de mim e até da minha própria compreensão e do espaço circundante.