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domingo, 9 de outubro de 2011

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE E O 25 DE ABRIL – MOVIMENTO DAS FORÇAS ARMADAS IA SENDO ESMAGADO POR ROCEIROS COMANDADOS POR TENENTE-CORONEL SPINOLISTA - POR POUCO NÃO PROVOCARAM UM SEGUNDO MASSACRE DO BATEPÁ!

(atualizado em 19-8-2014  Morreu Pires Veloso, o “vice-rei do Norte” - PÚBLICO


Alvorada da revolução do  25 de Abril, de 1974, não foi praticamente notada neste dia em S. Tomé e Príncipe, senão para quem acompanhava as emissões estrangeiras de rádio, que  não era, naturalmente, o grosso da população  mas quando raiou foi como um rastilho que se ateasse a um foguete – Mesmo assim, houve quem quisesse ofusca-la – E pouco faltou para que os roceiros provocassem um banho de sangue e  Movimento das Forças Armadas  ali fosse abortado – Ou antes, um pouco retardado, já que a população, galvanizada pelas manifestações populares, não o ia permitir

 Mas eu soube da notícia ao raiar dessa alvorada. Era operador na rádio local e correspondente da revista angolana, Semana Ilustrada. A estação encerrava à meia-noite e abria (se a memória não me falha) às cinco e meia da manhã. 
Nesse dia, eu era o técnico escalado para abrir a estação e pôr o Hino Nacional no ar, seguido de  um programa de música variada – era mais uma das bobines gravadas que recebíamos regularmente da extinta Emissora Nacional. Poucos depois, chega o Raul Cardoso, que, na redação, passava ao papel as noticias transmitidas, em onda curta, por aquela estação, para depois serem lidas nos noticiários da "província". Pois não dispúnhamos de fax.

“Houve um golpe militar!!... Há uma revolução em Lisboa!", Confessava-me, mal   pôs os auscultadores à escuta.  Porém, as notícias dos acontecimentos em Lisboa, foram encaradas com reservas e a sua divulgação, começou por ser bastante lacónica - Só, depois do pôr-do-sol. já noite, às 19 horas, é que  O Emissor Regional difunde o seguinte comunicado da Repartição do Gabinete e distribuído pelo C.I.T

"Perante notícias de alteração da Ordem Pública na Metrópole, o Governador informa que o Governo Central está em pleno exercício das suas funções. A população tem dado um magnífico exemplo de calma e tranquilidade que o Governo e as Forças Armadas da Província continuarão a assegurar." 

 A ABOMINÁVEL Polícia Internacional e de Defesa do Estado NÃO DESMOBILIZA E CONTINUA   ACTIVA EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

Enquanto,  na  Rua António Maria Cardoso, capital do Império Colonial, os PIDES se entrincheiravam, metralhando quem se lhe opusesse ou eram presos e humilhados onde fossem localizados, em São Tomé, nada parecia perturbá-los: mesmo depois de já não existirem dúvidas, quanto ao êxito do Movimento dos Capitães de Abril, a PIDE teimou manter-se em atividade por algumas semanas, fazendo de contas que a situação na colónia não se ia alterar: porém, à cautela, houve o cuidado (com a conivência das secretas do CTI de STP)levarem os arquivos para aquele quartel e limparem os cadastros. 

Vi lá um Tenente, daqueles serviços, muito lesto à frente do edifício a conduzir as operações da remoção e transporte do recheio, que lhes interessava apagar. Fotografei a situação mas os negativos, infelizmente (tal como algumas centenas) ficou-me um colono com eles. Depreendi imediatamente que havia por ali marosca. 

Não me enganei. Pois, logo que foi permitida  a consulta pública dos arquivos da PIDE/DGS, na Torre do Tombo, me inteirei de que o meu processo  levara sumiço:  só lá encontrei as capas do dossier. Fora espancado e preso pela PIDE (na sequência da minha travessia de canoa ao Príncipe) e tinha a certeza que deveria lá ter alguns registos. Constatara que haviam limpado tudo.  Restavam as capas e o nome. Creio que fizeram o mesmo em todos os arquivos da PIDE/DGS  naquelas Ilhas. Duvido que tivessem deixado quaisquer folhas com os relatos dos seus abusos . E não foram poucos.Era uma questão que gostaria de apurar..

Por seu turno, a velha raposa do inspector (Nogueira Branco), ao dar-se conta de que o curso da revolução era irreversível, receando perder o comboio da história, quis armar-se em democrata e foi um dos primeiros subscritores do chamado Partido Democrático. - Um felizardo!... De regresso a Portugal, foi-lhe retido o "bago" mensal. Mas um oficial superior (seu amigo pessoal e conterrâneo), que havia ali comandado a Companhia de Caçadores de São Tomé e Príncipe , intercedeu e, a ovelha carneira de cabeleira branca,  lá continuou a receber a avultada mesada por "honrosos serviços prestados à pátria" - Foi-me dito, recentemente, pelo próprio oficial. 

Por sua vez,  os agentes também não pareciam nada preocupados.  Na esplanada do Rialto, continuavam a refastelar-se com cervejas, tendo-lhes ouvido dizer que "o novo governo vai precisar de nós". Passeavam-se ao estilo dos mesmos figurões do costume. Todavia,  um artigo de minha autoria, na Semana Ilustrada, desmoronar-lhes-ia quaisquer ilusões. “PIDES À SOLTA! QUEM OS RECOLHE?” Logo que o escândalo veio a lume, foram enviados para a Quinta de Santo António. Essa gente era perigosa; os seus dias, já pertenciam ao passado. Eles e a quase generalidade dos colonos, continuavam a pensar, como se nada tivesse acontecido. Recuavam-se a compreender a nova realidade! 



A 25 de Abril de 1974, os acontecimentos  do Massacre de Batepá, de Fevereiro de 1953, ainda estavam muito vivos na memória do Povo de São Tomé e Príncipe.
 

Ainda havia quem tivesse feridas nas pernas por cicatrizar das pesadas grilhetas - Fora as que sangravam no coração!....que dificilmente se apagam... Vi com os meus próprios olhos  essas feridas -  Ainda em chagas vivas por sarar! ... Provocadas por longo cativeiro, no campo de concentração de Fernão Dias, acorrentados a bolas de ferro, tal como aos escravos nos barcos negreiros. Vi também  a fotografia da cadeira elétrica e outras macabras imagens

Ainda entrevistei algumas das vítimas - "Prenderam-me durante 45 dias. Houve a ideia de arranjar mão-de-obra gratuita. E daí surgiram as prisões, mais prisões sem quaisquer razões para isso. Procurava-se emprego e não se encontrava. No entanto, as rusgas sucediam-se e as pessoas que encontravam eram presas. É claro que houve um ou outro que reagiu sobre essas atitudes." Declarações de Bartolomeu Cravid

.(...) "Desconhecem o lealismo dos filhos de um Império, desconhecem os aviões e os navios, e todo um arsenal de história, de espírito humano e real metralha, que Deus pôs à disposição dos portugueses"  - In FORROS, PRETOS E BRANCOS,  do jornal A VOZ DE SÃO TOMÉ -  12 de Fev. 1953 - Um dos artigos sobre o MASSACRE DO BETEPÁ

  PROPAGANDA COLONIAL-FASCISTA NOS MASSACRES DE FEV. DE 1953.

MASSACRE DO BATEPÁ (desencadeado a 3 de Fev. de 1953) - PODERIA TER-SE REPETIDO, CASO RICARDO DURÃO, LOGRASSE SAIR DO AEROPORTO E JUNTAR-SE AOS ADMINISTRADORES DAS ROÇAS -

"Assim, ficariam perfeitamente justificadas as perseguições aos judeus e os massacres políticos" - In  A VOZ DE SÃO TOMÉ - 12 de Fev. 1953

EM Fevereiro de 1953 - MULHERES E HOMENS, CRIANÇAS, VELHOS E NOVOS -   ALDEIAS INTEIRAS VARRIDAS E, OS QUE NÃO MATARAM, FORAM OBRIGADOS A APRESENTAREM-SE NAS REGEDORIAS COLONIAIS, SOB O FUZIL DAS ARMAS! - PARA SEREM ENVIADOS PARA O CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DE FERNÃO DIAS E BARBARAMENTE ABATIDOS OU TORTURADOS - TAL COMO OS NAZIS FIZERAM AOS JUDEUS.

SE O ENTÃO TENENTE-CORONEL, RICARDO DURÃO, TIVESSE TIDO RÉDEA SOLTA, CERTAMENTE  TERIA HAVIDO MAIS  UM OUTRO  Massacre de Batepá - .

O GENERAL PIRES VELOSO (ENTÃO TENENTE-CORONEL) AGIU BEM, AO OBRIGAR, RICARDO DURÃO (DA MESMA PATENTE E TAMBÉM JÁ PROMOVIDO A GENERAL) A NÃO SAIR DO AEROPORTO E A VOLTAR NO MESMO AVIÃO A PORTUGAL - 

 ATITUDE SENSATA E INTELIGENTE QUE EVITOU UM BANHO DE SANGUE – – 

 
Talvez mais grave que o massacre de 3 a 7 de Fevereiro de 1953 - .(muito antes da guerra colonial), levado a cabo por milícias, fortemente armadas, dirigidas pelo próprio governador, constituídas por colonos, militares e alguns serviçais, que os roceiros e governo, atiraram contra os naturais da Ilha. Só pelo facto de se recusarem ao trabalho forçado nas obras públicas e nas grandes plantações do cacau e café. Houve quem reagisse e, não tardou, que um caso isolado, fosse tomado por  "rebeldes" de uma "revolta comunista". Foi tudo a eito...Quatro dias a ferro e fogo.  Com massacres que  se prolongariam, com  prisões, torturas e largas centenas de mortes num campo de concentração - Num procedimento similar ao das SS do Nazismo  

Ouvi algumas das vítimas e também  a versão, fria e cruel  do carcereiro e principal carrasco, um tal  Zé Mulato. Musculado presidiário que cumpria longa pena por ter assassinado a mulher e que foram buscar para chefiar o campo da morte de Fernão Dias.
.PALAVRAS COMO LIBERDADE, IGUALDADE, FRATERNIDADE, ERAM PALAVRAS OBSCENAS PARA O COLONIALISMO -

"Não se encontram dois indivíduos perfeitamente iguais" - Mas existem milhões a desejarem quase um pouco de nada dos privilégios concedidos aos que têm muito.


 
PARA TRÁS FICAVAM SÉCULOS DE OBSCURANTISMO, DOMÍNIO E DE EXPLORAÇÃO - O DESMORONAR DE UMA GRANDE MENTIRA - AQUELA  QUE CONSIDERAVA QUE  PARA IMPOR A SUA VERDADE "ficariam perfeitamente justificadas as perseguições aos judeus e os massacres políticos" -- NOMEADAMENTE O MASSACRE DO BATEPÁ -  - In VOZ DE SÃO TOMÉ FEV.1953  

Com a revolução dos cravos, caíam as algemas, renasciam novas esperanças; soavam outros ventos: soprados pelo movimento libertador das Forças Armadas, que também rapidamente ali encontrava eco nas duas ilhas – Os colonos receberam-no com apreensão e jamais se mentalizaram para o alcance das transformações que rapidamente se iam operar. E, na população negra – aquilo que inicialmente fora tomado com bastante desconfiança e incredulidade, depressa a galvanizava e a levaria a pôr-se inteiramente ao lado do programa e dos ideais independentistas, defendidos pelo (MLSTP) Movimento para a Libertação de São Tomé e Príncipe  , fundado em 1972 por Manuel Pinto da Costa, cujo secretário-geral e demais dirigentes, desde logo desenvolveram intensificada acção mobilizadora

Pondo-a em prática através de duas frentes: pela antena  do “Povo Livre”,  uma estação de rádio que passou a emitir de Libreville,  capital do  Gabão, no programa "A Voz do Povo de São Tomé e Príncipe", com o total apoio do Presidente Omar Bongo . E, no interior das ilhas,  com manifestações de protesto e acções de esclarecimento, intensa actividade política, protagonizada pela Associação Cívica – pró MLSTP, que entretanto fora criada  com a instauração das liberdades democráticas.  Formada, sobretudo, por jovens estudantes e  outros  elementos nacionalistas. 

Que se  saiba, nunca chegaram a pôr em risco  a integridade dos colonos  - aliás, estes,  nas roças até dispunham de apetrechado  arsenal, com armas já anteriormente distribuídas pelo exército colonial, havendo  formação e treinos  regulares, em campos de tiro.   



INDEPENDÊNCIA TOTAL, CÁ CU PÔVÔ MECÊ”

Cartaz com que foram dadas as boas vindas ao então Tenente Coronel Pires Veloso - O Primeiro e o último governador pós 25 de Abril - Este o aviso de que a vontade do povo santomense era soberana e imparável, por mais obstáculos que existissem.

 Os ativistas – pró-independência - não enveredaram pela luta armada mas causaram forte contestação e instabilidade, não dando tréguas a qualquer ideia ou projeto que não visasse a total libertação do povo oprimido do arquipélago. Promovendo uma constante onda de agitação política e social. Não deram hipóteses a que os movimentos federalistas ou neocoloniais, conquistassem adeptos e se implantassem. 



Independência-Já” era a palavra de ordem mais ouvida nos comícios e manifestações de rua. E, nos cartazes, os slogans mobilizadores pautavam-se, sobretudo, por um claro e único objetivo, expresso em linguagem popular : “Independência total, çà cu pôvô  mecê ”  -  Independência total é  tudo o que povo quer. Os jovens ativistas da Associação Cívica, foram a principal força interventiva e conciencializadora durante o processo de descolonização –. Sem a sua coragem e o seu dinamismo, porventura, ainda hoje as duas ilhas, eram colónias, tal como sucede a outros territórios que estão nas mãos de 61 países.
INVADIRAM O PALÁCIO, INSULTARAM O GOVERNADOR – E NO FINAL – QUANDO ME VIRAM ALI PRÓXIMO – CORRERAM ATRÁS DE MIM PARA ME LINCHAREM 

Uma manhã, ao saírem do palácio, depois de insultarem, o Governador, Pires Veloso – mal me viram sentado na esplanada do Restaurante Palmar, – onde pretendia inteirar-se daquela estranha ocorrência -, imediatamente correram furiosos atrás de mim!  E eram umas largas centenas. Se me apanhassem, naquele momento, estou convencido que me  tinham esmagado e linchado. - Mesmo assim ainda levei com uma pedra na cabeça. E o que me valeu foi ter subido por umas escadas e me ter  refugiado num telhado. À noite foi socorrido por um santomense que me levou para sua casa, onde estive escondido  quase duas semanas.
 
 Fugi para uma escada até que caísse a noite para me escapar para qualquer sítio, pois sabia que já tinham assaltado a minha casa e espatifado tudo. Era demasiado arriscado ali voltar.  Foi um rapaz negro (que me distribuía a Semana Ilustrada) que,  tendo-se apercebido da minha entrada naquela escada (onde por acaso pude esconder-me sem que fosse visto pelos moradores) que veio, mais tarde, em meu auxilio. Os colonos (muitos deles, em vez de regressarem às suas casas), optaram por se aquartelar com a tropa portuguesa. Nessa altura, as ruas à noite ficavam praticamente desertas e eu tive então oportunidade de escapar dali. Tendo passado quase duas semanas na casa dos pais desse generoso jovem, num autêntico esconderijo, algures no mato. 


PIRES VELOSO ALUDE,  NO SEU LIVRO:  “VICE-REI DO NORTE – Memórias e Revelações” À INESPERADA INVASÃO DOS COLONOS AO PALÁCIO DO GOVERNADOR

A manifestação podia ter acabado numa tragédia: havia o desejo de pegar em armas e atacar os defensores da Independência Total. Estes depressa galvanizaram as populações e o movimento do pró era imparável. Só se matassem o povo inteiro. Houve quem estivesse quase a perder as estribeiras.




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PIRES VELOSO, AGIU BEM,  EM  OBRIGAR O TENENTE-CORONEL RICARDO DURÃO A VOLTAR NO MESMO AVIÃO – ATITUDE INTELIGENTE QUE EVITOU UM BANHO DE SANGUE – E  REFORÇOU A CONFIANÇA JUNTO DOS DIRIGENTES NACIONALISTAS 

Faltou-lhes lá o Tenente-Coronel Ricardo Durão a liderar a revolta, que, uns dias antes, desembaraçara no aeroporto de São Tomé. Se o Tenente-Coronel Pires Veloso (hoje General), não o obrigasse a voltar no mesmo avião, estou certo de que, as águas que correm nas pacíficas Ilhas de São Tomé e Príncipe, ter-se-iam toldado por muitas manchas de sangue. E, sobretudo, se o Governador, não apelasse à calma dos manifestantes: os quais se rebelaram por motivos absolutamente injustificáveis, pois ninguém os molestou - Seguiram, depois, para  o quartel da Polícia Militar e Cinema Império. Porventura, na perspectiva de que, Ricardo Durão, os viesse comandar -  Já que a o episódio do seu regresso forçado não fora tornado público.

Mal me apercebi da sua presença, e, vendo-o de camuflado, semblante  sisudo, pressenti imediatamente que não vinha para fazer coisa boa.     Não chegara a passar para o exterior do aeroporto: estava sozinho, junto a uma porta fechada, do lado direito do edifício, voltada a sul  e nos limites ainda da área reservada.

 Eu costumava ali ter  acesso para ir buscar o volume das revistas que  a redação me enviava semanalmente, de Luanda.. E, ao regressar, foi quando me apercebi da sua presença - Estava nitidamente com olhar de caso:  “Passa-se alguma coisa, Sr. Tenente-Coronel?!  -  Esboça uma sorriso amarelo e diz: Não, obrigado!..Não há problema nenhum!!... Vim cá só a passear!.. E não estou autorizado, não sei porquê!.... Que eu saiba, a Ilha ainda não é dos pretos." – Vi logo que havia por ali  tentativa de golpaça e não insisti.   Pires Veloso Governador de S. Tomé e Príncipe, alertado  para a sua presença, trocou-lhe as voltas. Obrigando-o a regressar no mesmo avião. E lá foi de volta  o  grandalhão oficial com uma verdadeira chapada sem dor, mas com muita humilhação e muito bem dada!

No seu livro de memórias ( “Vice-Rei do Norte - Memórias e Revelações) o agora General Pires Veloso, faz uma breve referência, mas é omisso em apontar o nome do oficial - Diz apenas o seguinte: “Sentindo que a minha atitude em recusar receber um oficial superior, enviado especial do Presidente da República, general Spínola – que fiz regressar no mesmo avião que havia trazido, sem o ouvir – havia obtido a aprovação entre os meus adversários, sabia ter conseguido com isso algum crédito.” 

Sem dúvida, um  procedimento sensato e inteligente de Pires Veloso; de outro modo, dificilmente apaziguaria as tensões existentes entre colonos e os dirigentes da Associação Cívica. Porque, o mais certo, era que os colonos (sentindo-se encorajados e comandados) passassem deliberadamente ao ataque, podendo desencadear a contra-revolução, de imprevisíveis consequências. 

O então Tenente-Coronel Ricardo Durão (hoje general) –   homem forte do Comando Militar  de S. Tomé e Príncipe  não esperava que, o brioso oficial Pires Veloso, lhe desse uma grande tapona. 
 
Peão de confiança de Spínola (não entrara na aventura contra-revolucionária spinolista de11 de Março de 1975 , porque não calhou, tal como outros, que viram o tapete sair-lhes dos pés .

O ex-comandante do Comando   Territorial Independente de São Tomé e Príncipe  (CTISTP), conhecia bem o arquipélago, as roças e  os roceiros, com os quais convivera em altas jantaradas e almoçaradas, nas sedes das administrações: pois era já um costume enraizado que a elite económica, há muito, mantinha com a tropa. Mas, agora, de certeza que não vinha com esse propósito – Os tempos eram de revolução. E os roceiros opunham-se ostensivamente! Já tinham invadido o Palácio do Governo e dir-se-ia que só faltava pegarem nas armas que possuíam nas arrecadações. O que não dispunham era de quem os apoiasse ou de um comando operacional. Supõe-se que deveria ser a missão que trazia na manga o velho amigo das altas comezanas e das festanças.de fatiota branca. Só que nem sequer chegou a sair da gare do aeroporto.. Saiu-lhe o tiro pela culatra - E ainda bem: 

O bom senso de Pires Veloso, uma vez mais esteve  à altura das suas responsabilidades, evitando mais uma enorme confusão - Ah, sim, não tenho a menor dúvida, teria havido muitas mortes em São Tomé: de parte a parte, eu seria uma delas. - Fui  tomado pelos colonos como o bode expiatório de todos os problemas.  E a  única arma que dispunha era a máquina de escrever, que ma escaqueiraram por completo,  - Tive de pedir  uma emprestada a pessoa amiga. Sabe Deus as adversidades por que então passei..

“Sentindo que  a minha altitude em recusar receber um oficial superior, enviado especial do Presidente da República, general Spínola – que fiz regressar no mesmo avião que o havia trazido, sem o ouvir -  havia obtido a aprovação entre os meus adversários, sabia ter conseguido  com isso algum crédito"

"Aproveitando esse crédito, organizei uma reunião, no Palácio do Governo, com dirigentes da Associação Cívica para tratar  do assunto das armas da Organização Provincial dos Voluntários"

Tentei convencê-los  a serem eles próprios  fazerem a entrega dessas armas no Quartel-General, o que fizeram, nesse mesmo dia.

Poderá imaginar a sensação de alívio e bem-estar quando, ao cair da tarde, o coronel Cardoso do Amaral, me comunicou que tudo tinha corrido muito bem e que o armamento havia sido recebido!

Foi uma fase no processo da descolonização, decisiva e marcante, fundamentalmente porque havia conseguido, além do controlo de grande quantidade de armas dispersas pelo Território, ter as Forças Armadas disciplinadas, para além de um entendimento com respeito e confiança mútos entre autoridades portuguesas, dirigentes do MLSTP, Associação Cívica e população em geral”

(...) nós tudo procurámos fazer para que a passagem de S. Tomé e Príncipe, de colónia a pais independente, se fizesse com suavidade, tolerância, compreensão, ora criando um mínimo de estruturas que ajudassem ao funcionamento de uma nova Democracia, ora denunciando erros e, na medida do possível, corrigindo-os do passado.

“Porém, esta minha atitude de tolerância” – refere o agora General Pires Veloso - , “compreendendo o estado de uma larguíssima maioria  do povo (que não pensava noutra coisa          que não fosse a Independência Imediata), fechando os olhos, por vezes, a pequenos incidentes provocatórios e procurando o diálogo, não foi bem aceite por algumas centenas de brancos ainda no Território.

Confusos, não tendo entendido bem quão profunda havia sido a revolução de 25 de Abril, um dia invadiram o Palácio querendo falar comigo.

Em tom de crítica, acusaram-me de actuar como um verdadeiro Governador, ser mole demais, sem capacidade de decisão e pedindo protecção para essa noite, pois tinham informações de que os pretos iam massacrá-los.

Tranquilizei-os na medida do possível, garantindo-lhes que eu, nessa noite, pessoalmente, iria patrulhar a cidade, o que fiz, conduzindo um VW, por vezes acompanhado com o meu ajudante de campo.

Nas casas dos portugueses não apagaram as luzes e, quando ouviam o motor do meu carro (era o único a circular), abriam a janela. Eu dava-lhes a Boa-Noite e eles correspondiam.

Preservar o nome e a presença de Portugal

Viveu-se então a fase final do processo, em ambiente de boas relações entre autoridades portuguesas e são-tomenses, num clima de tranquilidade e compreensão, que culminou, a 12 de Julho, com uma festa de dignidade ímpar, com um respeito total entre todos”.



O COLONIALISMO E O ESCLAVAGISMO, EXISTIRAM E AMORDAÇARAM OS POVOS AFRICANOS AO LONGO DE SÉCULOS! 

 - NÃO ERAM PALAVRAS DESTITUÍDAS DE SENTIDO. PESSOALMENTE AINDA PUDE TESTEMUNHAR OS ASPECTOS MAIS FAMIGERADOS DESSA VIOLÊNCIA E DESCRIMINAÇÃO EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE. 

O colonialismo e a escravatura há muito foram condenados pela história. Houve, porém, regimes que não abdicaram dessa ignominiosa exploração humana. O regime ditatorial Salazarista, ainda encarava os negros (nas grandes plantações de café e do cacau, onde a mão-de-obra era quase a troco de nada e tolerava as mais infames arbitrariedades) como massa bruta ou carga para canhão. Assisti a muitas chibatadas. E não eram só os negros as vítimas. Na imagem ao lado, como empregado de mato na roça Uba Budo, numa curta pausa para o almoço - Formava-se no terreiro da roça às 05.30. Pegava-se às 06.00 e só se largava ao pôr do sol chovesse ou fizesse sol.



Quem diz o contrário é porque  não viveu de perto com a dura realidade do colonialismo. E também a não sofreu no corpo e no espírito – porque não atingia apenas negros mas também os brancos mais indefesos, os empregados de mato nas roças e do comércio, modestos funcionários públicos, intelectuais e  todos aqueles que de algum modo se lhes opusessem ou não pactuassem com o sistema.

 As ditaduras fascistas e colonialistas, apoiavam-se (apoiam-se ainda) numa propaganda retrógrada, opressora, disfarçada e hipócrita: - Não esclarecem, reprimem, exploram e embrutecem. O progresso que ostentam serve minorias privilegiadas e não as populações. Para muitos dos colonos das roças “o preto” tinha que ser mandado, sem ele “era um animal à solta” ou de carga; não tinha “capacidade para ser independente.” Era uma mentalidade brutalizante, demasiado arreigada. Nada os fazia mudar. As manifestações populares (com que o povo exteriorizava o seu “grito de “Independência Total”) eram tomadas como agressões. E, espante-se! – Muitos desses brancos, eram outras tantas vítimas da exploração e dos  abusos dos roceiros. Coitados, não tinham culpa: era fruto do seu analfabetismo e também da mentalização Salazarista que lhes havia sido  incutida.


O ex-comandante do Comando   Territorial Independente de São Tomé e Príncipe  (CTISTP), conhecia bem o arquipélago, as roças e  os roceiros, com os quais convivera em altas jantaradas e almoçaradas, nas sedes das administrações. Spínola, não queria a independência desta ex-colónia, alegando que as ilhas estavam desertas, quando foram descobertas pelos portugueses (estafado argumento para justificar o domínio sobre  as populações autóctones), tendo-o enviado com a missão de se juntar aos roceiros e liderar um golpe contra-revolucionário.
 
Mas não chegou sequer a transpor a alfandega do aeroporto. Teve de aguardar, junto à aerogare, mas do lado voltado para a pista e fora das vistas do público,  até que fosse recambiado no mesmo avião. Humilhação bem feita e à altura das circunstâncias.
 
Desta vez não vinha de farda branca, como era costume  pavonear-se pelas  roças nos jipes dos patrões. E nas suas jantaradas. Envergava o camuflado de operacional. Vinha pronto para liderar a revolta.  Cumprimentei-o e perguntei-lhe o que se passava  - pois vi logo, pela sua cara e  traje, que havia ali sinais de golpada à vista. 

 Ele conhecia-me, sabia bem que eu não estava do lado da sua barricada e foi parco de palavras.  Que eu saiba, até hoje, o caso nunca chegou a ser notícia. E tão pouco a informação foi conhecida naquele momento pelos nacionalistas (mas foram informados, ainda nesse dia)  pois,  se o vissem por lá, teria havido, logo ali,  uma grande confusão...E talvez tivesse sido ele a primeira vítima. A aerogare estava cheia de gente,  era dia de "São Avião!".  Da maneira que andavam os ânimos tensos, de certeza que não se safava de um valente aperto.

Simpático com a burguesia roceira, que o obsequiara, na  sede das administrações, na "Casa Grande" ao pomposo velho estilo colonial - cínico com quem lhe conviesse, e, nos meios do exército, era tido como  um  duro...  Amedalhado por "altos feitos" pela sua manifesta lealdade ao império colonial, via-se que era dos tais que não deixava os seus créditos entregues por mãos alheias. Os roceiros, haviam-no obsequiado com lautos banquetes e ele não lhes queria ser ingrato. O que não toleravam é que os defensores do 25 de Abril, lhes falassem em independência e em liberdades democráticas. Certamente que eu teria sido um dos que fazia parte das suas listas, dos traidores e indesejáveis brancos a abater.  Já em Lisboa, não podia passar frente ao PIC NIC no Rossio. Era o ponto de encontro dos colonos.

Um dia, uma dúzia deles, apanharam-me no Metro e voltaram agredir-me traiçoeiramente, como se estivessem na selva em São Tomé. Tal como fizeram na então chamada "Praça de Portugal", quando me dirigia a minha casa, por volta das oito da noite. Aguardavam-me emboscados no interior de um carro estacionado. Não havia luz na cidade, e, mal me viram, encadearam-me com os faróis e atiraram-se a mim como lobos. Tendo-me deixado, quase morto e prostrado no asfalto

Não me mataram, porque, entretanto, viram os faróis de outro carro e puseram-se na alheta. Noutra ocasião, arrombaram-me a casa, escaqueiraram com todas as minhas coisas e puseram-me uma forca pendurada à entrada da porta.  Por duas vezes, furaram-me à navalhada os pneus dos meu carro. Entre outras patifarias.

 
CLUBE MILITAR NA CIDADE - POUSO HABITUAL DOS OFICIAIS, GOVERNADOR,  ALTOS,  FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS, SEUS FAMILIARES   E OS ROCEIROS  

- Os únicos negros que lá se viam, eram os criados. Debruçado sobre o mar e num palacete a condizer com os convivas, era demasiado chiquérrimo para que a raia miúda ali entrasse... Bailes, banquetes e comezanas - Numa das imagens (o  do lacinho) é o velho patrão Fonseca (António Joaquim da Fonseca) antigo administrador-geral da Sociedade Agrícola Vale flor, com sede na Roça Rio do Ouro: autoritário: solteiro contumaz, mas ávido de cabaços, pois, de quinze em quinze dias, lá tinham que lhe levar uma donzela. 

SORTE PARA O POVO SANTOMENSE E PARA O PRÓPRIO LÍDER DO ABORTADO GOLPE CONTRA-REVOLUCIONÁRIO

Se, Ricardo Durão (agora general) ou algum militar aceitasse comandar os roceiros, como aconteceu no Batepá, teria havido outra  mortandade!... Ainda maior!... Milhares de são-tomenses teriam sido baleados!... Até porque muitos dos implicados naquele massacre, ainda por lá por lá se passeavam à vontade...

Pessoalmente, também achei prudente não lançar o alerta, sobre a presença de Ricardo Durão, uma vez que  ia ser recambiado. Não havia interesse em gerar mais tensões das que já existiam. Teve sorte.. E também o povo de são-tomense, que se livrou de uma séria ameaça à sua integridade. Teria havido muitos mártires!...E já bastava de sangue derramado por séculos de colonização.  

Pirou-se quase da mesma forma que o  Zé Mulato, o capataz do sinistro campo da morte de Fernão Dias, outro dos grandes assassinos no massacre do Batepá, que, para não se expor a eventuais represálias,  teve de embarcar para a terra do seu pai (antigo colono, natural da região de Viseu),  tendo entrado no aeroporto pela porta do "cavalo" disfarçado.  Quando alertei Pires Veloso, da presença do inesperado oficial, ele já lhe tinha dado instruções para regressar no mesmo voo. "Já sei que ele aí está: vai já no mesmo avião. Não se preocupe".  

O movimento pró-independentista apreciou atitude do Governador, que até então não acreditava nas boas intenções de Pires Veloso, pois via-o com desconfiança - Os são-tomenses olhavam os militares portugueses, como tropa de domínio colonial. Porém, a partir daquela altura, o Governador passou a ser visto como um dos seus e  com outros olhos. No seu livro  “Vice-Rei do Norte - Memórias e Revelações, o agora General Pires Veloso, faz uma breve referência, mas é omisso em apontar o nome do oficial  - E alude também à  inesperada invasão dos colonos ao Palácio do Governo - 

PIRES VELOSO, O GOVERNADOR CERTO PARA LEVAR A CABO – E PACIFICAMENTE - UM PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA, QUE COMEÇARA DA FORMA MAIS TENSA E ATRIBULADA

Repito: não fosse a serenidade, firmeza  e sensatez de Pires Veloso, nem quero imaginar o que poderia ter acontecido! Não se constava que algum negro tivesse molestado  fisicamente qualquer branco!  Mas, de facto, havia colonos que continuavam a agir como se nada tivesse mudado. A palavra independência era algo impensável e que lhes custava admitir. 

Os roceiros estavam fortemente armados e constituíam uma séria ameaça!  Nas propriedades agrícolas, havia muitas armas: as velhas Mauseres, que foram usadas pela infantaria Nazi.Com que, os colonos, habitualmente se treinavam.   Também eu, aos 18 anos, fui obrigado a participar, nesses treinos - A imagem ao lado, sou eu, à entrada da Praia Roça Uba-Budo,  e um pouco mais ao fundo, ficava o campo de tiro ao alvo, onde, aos Domingos  de manhã, cada branco fazia para ali a fogachada que quisesse.

 .Através do seu livro de memórias, “Vice-rei do Norte”, alude às reações do Secretário-geral das ONU, Kut Waldheim  e o dirigente da OUA, Salim, Salim, junto do nosso embaixador na ONU, face às queixas apresentadas pelos independentistas. No entanto, o antigo Governador e Alto-Comissário, considera que a questão havia sido empolada. E que, mais tarde, foram as mesmas personalidades a reconhecerem  que não se justificavam as tais razões invocadas com  “ a falta de liberdades democráticas”.

PIRES VELOSO,  USA O TERMO  DE “A GUARDA PRETORIANA DOS DONOS DAS ROÇAS” – NÃO ESTAVA ENGANADO

E não exagera. Os colonos nas roças estavam armados e bem armados. Refere, ainda, em  “Memórias e Revelações”, que,  “era notória a apetência dos responsáveis da Associação Cívica por terem armas em seu poder, talvez para dizerem ao mundo, como os da Guiné, Angola e Moçambique, que também eles haviam alcançado a independência com luta armada” – Não creio que fosse este o desejo dos ativistas da Associação Cívica Pró-MLSTP – O são-tomense é por natureza pacifico. E, Pires Veloso, julgo que se apercebeu bem desse facto. As suas ações nunca foram além de comícios e manifestações. Não vi que alguém ali tivesse pegado numa arma ou levantasse sequer essa questão. Participei em algumas das reuniões dos seus dirigentes e ninguém ali falou em pegar em armas. 

É um facto que existiam por lá alguns elementos mais fundamentalistas, que Pires Veloso cita no seu livro, e com posições, mais extremistas, com as quais eu próprio discordei à sua frente, que achavam que o fim do colonialismo no arquipélago, só poderia terminar "com a saída completa dos colonos” – E, de facto, atendendo ao comportamento irredutível destes, em boa parte até tinham fundamentas razões. Mas longe de desejarem pegar em armas. – Quem queria pegar nas armas eram os colonos  - E só não aconteceu, uma tragédia, porque, à última hora, lhes faltou o comandante dessas operações

 A SITUAÇÃO ERA PERIGOSÍSSIMA” DIZ PIRES VELOSO – SE ERA?!...AS ROÇAS FORAM ARMADAS PELO EXÉRCITO COM MÁUSERES , MAS O ROCEIROS FIZERAM ENTRAR NA ILHA METRALHADORAS CLANDESTINAS - QUE CERTAMENTE AINDA ESTÃO POR LÁ ENTERRADAS E NÃO FORAM DEVOLVIDAS COM AS MÁUSERES

Além das velhas máuseres, alguns até possuíam metralhadoras. Ao sul da Ilha, na Praia Grande, em 1964, foi encontrada uma baleeira abandonada.  Eu vi essa baleeira branca e a PIDE  por lá a investigar o caso. Foi admitida a hipótese de ter havido um descarregamento de armas por parte dos soviéticos (mais uma vez os comunistas à baila) para fins subversivos. Mais tarde  ouvi bichanar ao feitor geral da Roça Ribeira Peixe, onde trabalhava, o seguinte desabafo para o chefe dos escritórios:  “Agora já podemos dormir descansados!... Estamos  na selva do inferno mas já  temos metralhadoras para matar o preto que se atreva a fazer-nos o que fizeram em Angola!. Enganámos os PIDEs. O exército só nos quis dar as máuseres, que nem para matar pássaros já servem, mas agora já temos com  que  nos defendermos”.

Pires Veloso, refere que “ a situação era perigosíssima”  – inteiramente de acordo: – há muito eu sabia que as roceiros estavam armadas até aos dentes. (...) Esclarece que “tratava-se de material distribuído à chamada Organização Provincial dos Voluntários que, no fundo, constituía a guarda pretoriana dos donos das roças”

“Em determinado momento, para mim, a situação ficou altamente preocupante” – refere o ex-governador, “ quando, ocasionalmente, tive conhecimento de que, nalgumas roças, havia arrecadações com material de guerra, melhor do que o exército dispunha. Apesar dessas roças estarem já sob controlo dos “guerrilheiros”, estes ainda não haviam mexido nesse material”

SE OS ACTIVISTAS PRÓ-INDEPENDÊNCIA, QUISESSEM PEGAR EM ARMAS, TÊ-LO-IAM FEITO – QUANDO OS ROCEIROS ABANDONARAM AS ROÇAS  - MAS NÃO O FIZERAM PORQUE ESSE NÃO ERA O SEU OBJECTIVO

Os roceiros abandonaram as roças e alojaram-se no quartel militar e no Cinema Império –  Se os militantes da Associação Cívica, quisessem enveredar pela via armada, não teriam devolvido essas armas, que foram lá buscar – E fizeram-no, não porque quisessem fazer uso delas, mas para evitar que as mesmas os matassem.

FALA-SE DO Quinto Império  - MAS LONGE DE SER O IMPÉRIO COLONIAL - ESTE FOI UMA PERDA DE TEMPO. UM DESPERDÍCIO E UM VERDADEIRO DESASTRE PARA PORTUGAL  E PARA OS POVOS QUE OPRIMIMOS - Será que a maioria da população portuguesa, vivia melhor ou estava mais desenvolvida que os povos que escravizámos?... Quando nos servimos da mão-de-obra escrava?!... Seguramente que não: "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça / Desta vaidade a que chamamos fama!" - Luís de Camões

 Em 1492 centenas de crianças judaicas são arrancadas à força dos lares dos seus pais e enviadas a povoar São Tomé.

Se, em vez de colonizarmos e ocuparmos, nos tivéssemos dedicado exclusivamente à navegação e ao comércio, através de meios pacíficos e da reciprocidade, respeitando os costumes e o modo de ser dos povos, se não éramos hoje a língua mais falada do mundo, éramos, pelo menos, o povo mais viajado e, por certo,  o mais sabido: teríamos aprendido muito e influenciado também ainda muito mais o Mundo. ..
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E,de facto, rezam alguns documentos que, as instruções régias iam no sentido de se manterem boas relações com os africanos, nomeadamente com os chefes das tribos - pois, sem as quais, se tornaria impossível qualquer género de trocas ou de negócios. O exemplo dessa preocupação é o facto de, mesmo na fase inicial da colonização destas ilhas, se encontrarem diversas cartas de alforria, concedidas para libertação dos escravos a homens livres - Mas eram exceções, pois, até que a escravatura fosse completamente abolida e alforria um dado definitivo, ainda haveriam de decorrer alguns séculos. Veja-se o que defendia a Constituição Política de 1822: "Todos os portugueses são cidadãos e gozam desta qualidade..." - excluindo os escravos


«Os trabalhadores negros de angola enviados para São Tomé eram tratados como gado - cada um tinha ao pescoço um colar metálico com o nome do plantador de São Tomé a quem era destinado".  A bordo dos navios negreiros, atulhados e fedorentos,  "a comida era-lhes dada em grandes caldeirões, dando lugar a lutas em que metade se perdia; só os mais fortes se alimentavam. Os passageiros comentavam: "Que animais e que brutos são estes escravos." » Observações de Heli  Chatelain, linguista e missionário protestante que viajou a bordo de um vapor português, juntamente com 200 angolanos recrutados no interior.

Nenhum dos países europeus, que se entregaram à colonização,  deixou de se servir da desumana mão-de-obra escrava e está isento de culpas, porém, há historiadores que defendem que o protestantismo dos Holandeses era mais prático que o catolicismo. "Não se importavam em levar consigo tantos sacerdotes , o seu objetivo era o comércio e não a conversação dos bárbaros ao cristianismo" - "Quem quer que se proponha descobrir novas terras e novas tribos, precisa de ser paciente sofredor, não propenso a exaltar-se com facilidade, antes desejoso de conciliação" - Esta era uma das normas imposta  aos marinheiros e colonizadores - É claro que de boas intenções, esteve sempre o inferno cheio: - Palavras e atos, quem não conhece as diferenças?..

.Sim, mas se se tivéssemos seguido a conduta do pacifismo,  a das relações amigáveis e não a do domínio e da subjugação, podíamos não ser uma potência colonial, mas éramos, seguramente, o império da universalidade e da espiritualidade - Infelizmente, os tempos eram de trevas, quer para o grosso da população portuguesa, quer para os martirizados  povos africanos, que colonizámos. 

"Os portugueses mais inteligentes...atribuem francamente  a presente ruinosa situação da África Oriental Portuguesa, no fundamental ao comércio de escravos, que afastou a população europeia da agricultura ou de qualquer outra fonte de riqueza" - Livingston

  Abandonavam-se os campos e alguma coisa que se fazia era com trabalho escravo: "Um escravo mouro, encontrado em Lisboa, de noite ou de dia,  sem uma cadeia de ferros de 12 arreteis será confiscado, devendo a metade do seu valor caber  aos Hospital de Todos os Santos. Os escravos são proibidos de jogar. O testemunho dos seus acusadores faz sempre prova contra eles(...) Um escravo que fira o seu amo será condenado à morte." Pedro Ramos de Almeida

António Vieira, ..... Fernando Pessoa......,Agostinho da Silva  e outros pensadores, acreditaram que ainda podíamos descobrir um outro império...  - Oxalá que sim - Então, agora, que não há meio de sairmos da era da turbulência e do vazio. De uma crise marcada pelo egoísmo, pela violência e ausência de valores - Venha ele!... Pois vale mais tarde de que nunca...

MAS VEJA SÓ POR ONDE ANDÁMOS PERDIDOS...VEJA A MENTIRA QUE ANDÁMOS APREGOAR E A  DEFENDER - SIM, SERÁ ESTA A CULTURA DE QUE NOS DEVEMOS ORGULHAR?... VEJA O FERRETE, QUE O COLONIALISMO ATRIBUÍA AOS FILHOS DE SÃO TOMÉ - ESTE É APENAS UM DOS MUITOS MAUS EXEMPLOS - SÓ PELO FACTO DE SE RECUSAREM A SER ANIMAIS DE CARGA 

"...Que o pobre "fôrro" tem falta de qualidade de trabalho, tudo o revela (...).Que ele não conhece a gratidão, nem a sente para com os que o arrancaram da barbárie primitiva e fizeram seu igual, especialmente  quando usa gravata, ficamo-lo sabendo agora." 

"Eis porque há forros e forros... E se não enxergarmos distingui-los e tratá-los conforme a distinção que assim fizermos, corremos o risco de, endémica e periodicamente, assistirmos à repetição deste «destoar» de S. Tomé

"(...)alguém vive em casas iguais às nossas, diz aos nativos  que o avô deles já aqui estava quando os portugueses chegaram, o que toda a gente sabe ser falso pois as ilhas eram desertas"

 (..)"Esse alguém, é inimigo a enfrentar, sob pena de ter sido inútil o sangue dos mortos!".

A REAL METRALHA QUE DEUS PÔS À DISPOSIÇÃO” DOS COLONIZADORES
 ANTIGAS ROÇAS DE CACAU E CAFÉ – AUTÊNTICOS FEUDOS (UM ESTADO DENTRO DE OUTRO ESTADO), ONDE TODO O PODER SOBERANO ERA PERMITIDO –  ATÉ A CHIBATADA! MAS A MELHOR HERANÇA QUE SOBEJOU FOI NACIONALIZADA E DESTRUÍDA – A MAIORIA DAS ROÇAS ESTÃO HOJE IRRECONHECÍVEIS!

Todos recordam que as roças eram exploradas por colonos portugueses que conseguiam melhores proveitos à custa da mão-de-obra barata dos nossos ancestrais contratados (que de facto eram escravos, visto que não podiam regressar aos seus países de origem). Em segundo lugar, a maioria das roças funcionava como um autêntico feudo (Estado dentro do Estado), onde o patrão detinha todo o poder sobre as pessoas que nele viviam, onde o poder e a justiça da Metrópole nem do Governador na Colónia não se aplicavam. Nas roças foram cometidas talvez as maiores injustiças da era colonial. Muita gente defende o Marco de Fernão Dias e por vezes esquece que o nosso passado também está marcado em cada pedra das nossas roças. Por outras palavras, cada roça é um monumento e devia ser preservado como tal.” –17 jul. 2009 Tluquí Sun Deçu: Porquê que nós sempre persistimos nos mesmo erros?

Palavras  que subscrevo inteiramente – pois conheci essa negra realidade. Mas também poderia estar de acordo com a sua crítica aos erros que posteriormente se cometeram após a independência E que são apontados no seguimento do mesmo texto: “volvidos 34 de independência, após repetidas tentativas de viabilização falhadas com várias empresas e a famigerada distribuição de terras, os nossos dirigentes e a maioria dos são-tomenses ainda não perceberam que o modelo das roças é um modelo falhado. Nós temos de reinventar as roças e adaptá-las à nossa realidade actual.” E, pelos vistos, era justamente o que deveria ter acontecido: “Não deu os resultados almejados, a reforma agrária não foi acompanhada da  necessária ruptura e substituição do antigo modo de produção por outro mais modernoÉ o que se conclui noutro texto de autoria de Maria da Graça do Espírito  Santo Costa.

Tenho pena que se tivessem cometido tais erros. Não me surpreendem: são erros de um jovem país que parte em busca da sua identidade e da sua afirmação. O colonialismo explorou a terra e o povo durante séculos e nunca se importou em preparar quadros e apontar-lhe o rumo da sua auto-determinação. – A Revolução de Abril, cometeu também muitos erros mas não tem propriamente culpa, pois não fez mais do que  pôr cobro a uma situação caduca e intolerável. Mas como fazer melhor, quando a herança que se tem em mãos, é consequência do obscurantismo e da opressão?!... Era de prever, que, um  dia, à força do Salazarismo querer tudo, nos ia deixar sem nada – Nos lançaria para uma enorme crise social e económica e nos deixaria arruinados – Daí que tenham sido muitos os escolhos , desde que o nosso país e os povos que subjugavam, se abriram a novos rumos na senda de uma saudável convivência, tolerância e espírito democrático.

O 25 de Abril devolvera a liberdade ao Povo Português e a promessa da libertação dos povos sob o jugo colonial. A censura foi erradicada e a imprensa passou a publicar livremente os seus artigos, reportagens e a exprimir as opiniões. A minha experiência na Roça, fora suficiente dura e dececionante para me alertar e a tomar  consciência de que o colonialismo, não servia nem os povos das ilhas nem sequer muitos dos pobres colonos, que para ali iam na esperança de uma vida melhor.  Também fora enganado. Por isso, não vi outro caminho que não fosse o de apoiar o movimento libertador. 



Graças ao relato da minha primeira aventura marítima – a travessia de canoa de São Tomé ao Príncipe – na Semana Ilustrada (a que já me referi em anteriores postagens) lograra ser correspondente desta revista angolana, e, posteriormente, vir a colaborar como operador na então única estação de rádio, das ilhas. - O que aconteceria mas por um preço elevado, dado ter sido espancado e preso pela PIDE e pago pesada coima à capitania.


O diretor da referida publicação, apreciou a história, que foi editada em sucessivos capítulos, e, tendo descoberto em mim alguns dotes para a escrita, convidar-me-ia a colaborar. Dada a inexistência de outras publicações - à exceção do quinzenário A VOZ DE SÃO TOMÉ (órgão oficioso do regime) - não me foi difícil conquistar leitores. E também muitos problemas. Mesmo antes do 25 de Abril. Com artigos censurados e algumas patifarias.  

Só pelo facto de ter feito uma pequena crítica a um membro do Governador Silva Sebastião, ao Director de Turismo, foi-me levantado "um sumário inquérito" por um tal fascista Eng. Freire  - O bastante para o Diretor da Estação (sob pressão daquele alto quadro da E.N., que ali se encontrava em comissão de serviço, e era vizinho e  amigo do dito funcionário superior) enviar um telegrama à EN(conforme documenta a imagem) para suspender a minha admissão nos quadros da empresa pública, tendo continuado como mero colaborador - Vá lá que podia ser pior. Se não fosse a revista gozar de implantação, tinham-me posto na rua.

De facto, a palavra independência – pese os ventos sopraram desfavoráveis ao colonialismo – era ainda uma blasfémia. E as reações não se fizeram esperar. 

Não por parte da população negra (de quem tivera sempre o maior apoio, carinho e compreensão) mas por ações agressivas de grupos de colonos, que não aceitavam que se denunciassem certas arbitrariedades perpetradas pelo regime derrubado, tal como não viam com bons olhos qualquer artigo em que  se desse voz  ao movimento  libertador da descolonização e independência. Cedo comecei a compreender que a toda a sua ira era descarregada sobre mim! 

Custavam-lhe aceitar as mudanças que o espírito de Abril desencadeara, quer no continente quer nas colónias. Não vou aqui relatar os episódios das suas lamentáveis agressões, a que, aliás, resumidamente, já me referi – a forca de corda que me penduraram à porta de casa ou recordar as navalhadas, com que, por duas vezes, furaram todos  aos pneus do meu carro, e tantas outras patifarias. Pertencem ao passado e dariam muitas histórias. 

AS ROÇAS DE MÁ MEMÓRIA  - FEUDOS DA ESCRAVATURA À INDEPENDÊNCIA


Muitos portugueses (colonos) foram vítimas das prepotências e da exploração dos roceiros – Pessoalmente, fui um dos  muitos escravos nas roças - não eram só os africanos;  também eu trabalhei naquela roça grande!- Na Roça Rio do Ouro,   hoje conhecida por Roça Agostinho Neto Estive lá até que fui  mobilizado para a tropa, tendo ido tirar o curso de sargentos milicianos, em Angola, seguido do curso dos comandos e regressado ao CTI de STP, onde conclui o serviço militar.

Desempregado e desiludo com a malvadez e as prepotências do administrador Roça Uba Budo, fui lá pedir trabalho - Apanhei um velho autocarro, desde a cidade  até Guadalupe e apresentei-me lá manhã cedinho. Esperei que o administrador se dirigisse aos escritórios, tendo-o  abordado pessoalmente: "O que é que você faz aqui?"... pergunta,  mal me aproximo dele. "Estou desempregado e venho pedir-lhe trabalho, Sr. Fonseca....Vim fazer um estágio na Roça Uba Budo, depois fui mandado para a Ribeira Peixe. E não me dei lá bem"... "Já sei quem é você... Já sei o que se passou... O Pereira, já me falou de você.... Não sabia o que lhe havia de fazer e mandou-o para a Ribeira Peixe!... Aqui tudo se sabe... Ele diz que o queria mandar embora, porque fala muito com os pretos!... Que dá muita confiança aos serviçais... Mas eu não me importo que fale com eles!... desde que acabem as empreitadas!..."
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"Então você é o técnico agrícola?!...Ele falou-me disso.... Sabe... nós aqui somos todos técnicos!!.. O que precisamos é de práticos!... Aqui, todo o branco, tem de começar por empregado de mato - Imediatamente, chamou o Chefe de escritórios, o Sr. Menezes e disse-lhe: "tome nota do nome dele,  entregue-lhe, já um machim e que vá  já ter  com o feitor-geral para ir com uma "formatura" colher cacau no mato. Ponha o capacete e não se demore!" - Sim, porque eu tinha-o na mão, quando falei com ele. Nem podia ser de outro modo. Ele era o grande senhor. Dizia-se que a roça tinha 150Km2 de área: era um estado dentro de outro estado. E lá fui despachado em três tempos. 

Apesar de tudo, ainda não era dos piores: o Pereira, da Roça Uba Budo (administrador-geral da Companhia Agrícola Ultramarina) era ainda mais prepotente - e, sobretudo, racista.  O Fonseca (administrador-geral das três roças, Rio do Ouro, Bela Vista e Diogo Vaz) ainda dormia com as negras (com as meninas!..) e era capaz de dar uma sonante gargalhada, com outros roceiros, depois de um almoço bem regado. Quando se passava dos carretos, nunca alteava a voz... Se alguém, vinha junto dele queixar-se...Toca a andar... toca andar!.... Vai ter com com o Sr. feitor-geral...  Não dizia mais nada. Virava as costas e ninguém lhe desobedecia. Com o Pereira, era impensável  alguém vir reclamar à sua frente...  Era o diabo em pessoa. Gritava e era capaz de desatar à bofetada a qualquer empregado de mato.  

Não se lhe conhecia senão a postura do  típico "militarão roceiro", insensível, duro e implacável.  Era casado com uma branca (casos raros nos costumes da roça, que impunham a samou), mas ele fora sempre um dos protegidos dos  proprietários, que viviam refasteladamente em Lisboa e só lá iam de avião, na Gravana, quando o clima é mais ameno e fresco, fora dos grandes calores da época das chuvas, dos nove meses quentes e húmidos, tendo-o autorizado a levar a mulher. - Azedo e autoritário, via-se mesmo nele, na selvajaria grotesca das suas palavras e na rudeza estampada no rosto,  o ódio que ostentava contra os escravizados trabalhadores,   sendo, por isso, incapaz de dormir com uma negra!-  

Olhava os serviçais com desprezo, exigia que fossem tratados "todos por tu e abaixo de cão!" - Não se importando, absolutamente nada,  que lhe fosse distribuído, de ração,  o peixe seco de Moçâmedes, azulado e podre, tal como o feijão, bichoso  e furado, que era retirado dos armazéns húmidos e fétreos: argumentava ele: o que não mata, engorda!.. E não se contentava, que o trabalhador completasse a empreitada: no termo da capinagem ou da colheita dos sacos de cacau, exigia ainda que cada um apanhasse umas quantas ratazanas e  as apresentasse aos capatazes no terreiro. Dizia que o veneno não chegava e era "preciso pôr cobro às maiores pragas dos cacaueiros" . Porém, tal era a carência de proteínas, que havia sempre quem  levasse algumas para a senzala..

Além disso,  fechava os olhos aos brancos que ainda usavam a chibata e a palmatória, tal como um tal Inspetor do Trabalho(que em vez de zelar pela defesa dos empregados e serviçais, punha-se ao lado dos patrões) uma espécie de "girafa" magricela (era de tal têmpera, que a comida nunca o engordava) mas era useiro e costumeiro nas habituais galas de sábados, na "Casa Grande", fazendo assim vista grossa a todos os desmandos e prepotências - procedendo-se, quase à semelhança dos tempos do anterior administrador, um tal Amorim,  que se suicidou. Um facínora, que mobilizara, toda armada das três roças, nos Massacres do Batepá - E do qual se contavam as histórias mais bizarras e as arbitrariedades, mais incríveis.  

Pois bem, eis o que me ordenou, esse tal Pereira , administrador-geral da CAU (Roça Uba Budo, a sede, Ponta Figo e Ribeira Peixe) quando fui apresentado na administração: ele, sentado por trás de uma enorme secretária, eu jovem de 18 anos,  para quem tudo era ainda uma descoberta, mas também para quem cedo, tudo começava por ser uma grande desilusão, sim, eu plantado no meio da sala,  de pé e em sentido, tal  como um soldado à frente de um general, atento mas constrangido, pois nem sequer se dignara estender-me a mão, enquanto ele passa imediatamente ao responso: 

"é o Sr. Jorge Marques?!...Pois então ouça o que lhe digo!... Julgo que o sr. Agostinho, já lhe explicou a disciplina da roça. Aqui toda a gente trabalha e cumpre as minhas ordens!...Ouça-me e não se esqueça o que eu lhe digo: O negro é molengão e  não se lhe pode dar confiança!...Nada de conversas!... Esses mandriões não fazem nada se você não se impuser!... Não se lhe pode chamar por você!... É tudo por tu e abaixo de cão!. Disciplina de ferro!!... Ouviu o que lhe disse?!... Se não for assim, não se faz nada deles!! Não trabalham!!.... Por agora, fica na sede da Roça,  depois irá para uma dependência. Pode ir embora!...Levem-no lá..."- Foram estes os termos que empregou,  quando o feitor-geral e  um empregado do escritório, me encaminharam à sua presença, no dia seguinte ao meu desembarque em São Tomé.

- Como não respeitei as suas instruções, uns meses depois marchava para a Ribeira Peixe, ao sul da ilha e na zona mais quente e  húmida, mais insalubre e pluviosa, para um "estágio"  nos cacauzais  abandonados, já encobertos por capim e  "capoeira", numa área que já não se distinguia da floresta do  obó,  infestada pela temível cobra preta. Missão: contar cacaueiros decrépitos, que um pobre trabalhador cabo-verdiano (igualmente de castigo) ia marcando  com cal - Não havia dia algum, que não nos deparássemos com meia dúzia das tais perigosas serpentes. Eu ainda andava de galochas, o pior é que ele andava descalço. Um dia vi morrer um serviçal... Em menos de meia hora passou de negro a roxo!..  Tanto suor e tanto sofrimento naquelas roças!... Cabo-Verdianos, Moçambicanos, Cabindas, Angolas, uns mártires!  - Também os Forros, os Tongas  e os Angolares - uma etnia da ilha, constituída essencialmente por pescadores - Só que, aos nativos, quando os chateassem demasiado, viravam-lhes as costas e já não apareciam...Foi por isso que houve o massacre do Batepá.


Claro que o Fonseca também tinha as suas paranoias: pois qual o colono, que ascendia a administrador-geral da roça, que não fosse autoritário, por tramar este e aquele branco e  tratar os negros  através da dureza, da prepotência e da selvajaria verbal?!.. Um dia caiu-lhe um izaquente no ombro, ordenou imediatamente o abate de todas essas árvores, cujas sementes substituíam o feijão e eram fundamentais na alimentação dos povos das ilhas - SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE PLANTAS E Povos.

Espero que, esse senhor Ricardo Durão,   que conviveu à grande e à francesa, com estes e outros gulosos e arrogantes colonialistas, mas sobretudo que teve o desplante de ir da metrópole (Portugal) para se juntar aos golpistas,  sinta alguma vergonha em voltar aquelas maravilhosas ilhas. As gentes são generosas e pacificas e sabem perdoar - Mas há atitudes que não podem ser branqueadas.  Não me admiraria, no entanto, que já o tivesse feito: pois, aqueles que mais se opuseram ao processo da descolonização,  nas ex-colónias, são os que agora estão na mó de cima. Os mais bem vistos!...  Não é com eles que os novos ricos africanos, fazem os melhores negócios, dirigem a banca e promovem as coligações políticas  preferenciais?!...  

Muitos dos dirigentes, em  África, parece que já se esqueceram da exploração e das brutais diabruras dos colonialistas: deixaram-se influenciar e corromper pelas "maravilhas" do capitalismo global e   pouco ou nada se importam com o passado, estão-se marimbando para o povo(que se debate com a miséria e carências de toda a ordem) e tornaram-se incomensuravelmente ricos, eles e os seus. Em muitos casos, piores que o antigo colonizador. Por sua vez,  a maioria dos retornados, em Portugal, são racionários e continuam  agarrados a preconceitos Salazaristas e coloniais. Eles lá sabem quem melhor  os serve...E os que não foram retornados,  mas cobiçam as riquezas de África, também não se perdem e até são recebidos de braços abertos...
 

Imagem extraída de Dona Augusta « É tudo gente morta

Fui encontrar na Casa da Imprensa, durante vários anos, como assistente social, a mulher do roceiro da Dona Augusta  - Uma dama habituada a tratar "os pretos por tu", foi isso que me impuseram, quando me mandaram desterrado para o sul da Ilha, lá para a Ribeira Peixe, onde também aquela roça se situava - E foi isso que constatei numa visita que ali fiz a um domingo: "Então são horas de vires a fazer o almoço!!" 

Mas, afinal,  o que  que é que essa senhora percebia  de assistência social?!..Qual a sua formação para ir apoiar os jornalistas?!..Foi por essa e por outras - por, certas direções que por lá passaram,  olharem mais nos empregos políticos de conveniência e não no futuro da instituição,  que hoje,  a Casa da Imprensa , está de pantanas... Um dia dirigi-me ao gabinete da dita assistente social - na sequência do despedimento coletivo  da Rádio Comercial (sim, apenas os que não dispunham do cartão dourado .Jobs for The Boys), reconhecendo-me, fui recebido como se ainda fosse empregado de mato na roça -  Era esposa de um tal  "Sr.Patrão Caldeirinha": ambos viveram ao belo estilo colonial na Casa Grande da imagem ao lado. Retornaram mas desenrascaram-se bem:  Um dia encontrei-o, no Largo Camões, confessou-me que  estava ligado a contabilidades e militava num partido - Pelos vistos, devia estar na maior. E ela não ficava atrás, pois arranjaram-lhe  um bom tacho.  

COLONIALISMO: O QUE PODERIA TER SIDO UMA OPORTUNIDADE INTERESSANTE DE INTERCÂMBIO COMERCIAL E DE CULTURAS - ENTRE CIVILIZAÇÕES - RAPIDAMENTE SE TRANSFORMOU NA MAIS  IGNÓBIL EXPLORAÇÃO HUMANA, EM PILHAGEM E DOMÍNIO, EM DESBRAGADO  COMÉRCIO E MÃO-DE-OBRA ESCRAVA -  POR EUROPEUS: portugueses e espanhóis, seguido de ingleses, franceses e holandeses, entre outros.

HÁ, PORÉM, QUE RECONHECER A CORAGEM  DAQUELES QUE SE AVENTURARAM AO MAR...

ADMIRÁVEL A GESTA ÉPICA DOS PRIMEIROS NAVEGADORES PORTUGUESES QUE SINGRARAM MARES QUE DESCONHECIAM (se bem que, em boa parte, mapeados, embora rudimentarmente ou com escassa informação) NAVEGANDO NAS CONDIÇÕES MAIS PRECÁRIAS E ADVERSAS - FEITOS TÃO MARAVILHOSAMENTE CANTADOS NOS VERSOS DE CAMÕES. EM  Os Lusíadas - 
HÁ PORÉM QUE DISTINGUIR A EPOPEIA MARÍTIMA DA COLONIZAÇÃO, QUE SUBJUGOU E TIRANIZOU OS POVOS.


Uma coisa é a verdade histórica (e foi essa que eu procurei através de várias travessias em pirogas e que ainda hoje questiono), outra, as omissões ou  a que convinha ao Reino.. Todavia,  há que realçar a coragem dos marinheiros lusitanos, que se fizeram ao mar apenas munidos de um mero astrolábio - Não dispunham de sextante, nem de cronómetro ou sequer de almanaque náutico que lhes possibilitasse algum rigor da navegação - Embora dispondo de alguma informação, iam à aventura!.. 

Quantos naufrágios!... Quantos se perderam!... "Ó mar salgado, quanto do teu sal /São lágrimas de Portugal!/Por te cruzarmos, quantas mães choraram, /Quantos filhos em vão rezaram! In  -Pessoa: MAR PORTUGUÊS

"O mar e o vento faziam tamanho estrondo, que quase nos não ouvíamos, nem entendíamos uns aos outros" (...) E vendo-se todos em tão grande perigo, ficaram assombrados, e fora de si, julgando ser esta a derradeira hora de vida" - In História Trágico Marítima


- Sou português  e não descuro os feitos marítimos dos meus antepassados. Mas também não quero fazer  como a avestruz. Nem fazer dos compêndios coloniais, uma bíblia sagrada. Sem deixar de admirar a coragem dos antigos navegadores,  busco outras interpretações. Eu próprio me desloquei de canoa, em Dezembro de 1970, desde a Baía Ana de Chaves ao recanto d Anambó local onde terão aportado pela primeira vez, João de Santarém e Pero Escobar -

Curiosamente, (confrontando as imagens) vejo que o sítio está agora mais bem conservado do que estava naquela altura, onde passei uma noite horrível, com as costas sobre lascas e gogos de todos os tamanhos e feitios (pois ali não existe praia de areia), mesmo quase sobre a margem onde as ondas vinham bater, embrulhado pelas palmas dos coqueiros mas constantemente a ser espicaçado e mordido por enormes caranguejos do mar e da terra, que não me deram um minuto de descanso -  Não me deitei no mato, receando as cobras negras. E, ao alvorecer, perante aquele vetusto e simbólico padrão,  rodeado de palmas, tão belas, sonoras e verdejantes, não me importei de  homenagear os marinheiros de quinhentos, com a bandeira portuguesa.  

Não sei se com ambiente igual ao do antanho, talvez muito próximo. Mas  muito diferente do que agora está - Julgo que foi transformado num local turístico. Vêem-se castanheiros bravos, que não existiam, mais palmeiras de que coqueiros e fizeram por lá um terreiro e instalações, que não havia. E talvez melhores acessos. O padrão estava rodeado de erva e capim (em semi-abandono) e era quase ao rés-vés  da praia. Até parece que foi removido.  Compare a imagem de então com a actual, em:**Padrão dos Descobrimentos - Anambó,***e ainda em  :Anambó
 
Não é seguro que aportassem, naquela pequena enseada, tal como não é segura a data, quando ali desembarcaram. Pessoalmente, nunca acreditei (desde que, em 1963,  meus olhos  viram tão formosa ilha) que  os portugueses tivessem sido os primeiros seres humanos a pisarem aquela ilha  - Desde logo fiquei com a convicção de que, de  há muito, há muitos  séculos ou talvez milénios, as ilhas do Golfo da Guiné, já eram conhecidas e haviam sido povoadas. por povos do litoral africano  

Todavia, quer os portugueses, nas frágeis caravelas, quer os primeiros povoadores, nas suas toscas pirogas, foram lobos do mar e heróis desbravadores à sua maneira. 

À semelhança das grandes migrações no Pacífico: considerados os "navegadores supremos da história":  velejando  em linha, cada uma à distancia da visão da canoa  que lhe seguia atrás, até qualquer delas divisar uma ilha habitável, atravessaram vastas extensões daquele imenso oceano, colonizaram as mais remotas ilhas, algumas a milhares de milhas, umas das outras, não dispondo sequer de uma bússola ou de qualquer outro instrumento náutico

MAS, SE A EPOPEIA PORTUGUESA, É ADMIRÁVEL, PENSO QUE O MESMO NÃO  SE PODE DIZER  DO  COLONIALISMO DURO E CRU - PORQUE ELE AMORDAÇOU E OPRIMIU OS POVOS INDEFESOS E PACÍFICOS. EXPLOROU-LHES AS RIQUEZAS NATURAIS À CUSTA  DE MÃO DE OBRA ESCRAVA  - CLARO QUE NÃO FO A PLEBE  QUE ENRIQUECEU, MAS UNS QUANTOS PRIVILEGIADOS. 

O 25 DE ABRIL É CONSEQUÊNCIA DO COLONIALISMO E DE UMA DITADURA INCAPAZ DE PÔR TERMO A UMA GUERRA CRUEL E DE DAR UM RUMO DIGNO A PORTUGAL E ÀS COLÓNIAS

Portugal perdeu a sua oportunidade histórica. Nem sequer soube dar às colónias a auto-determinação e independência, quando o poderia ter feito - Foi o primeiro a instalar-se em África e o último a sair... Mas devia ter sido o primeiro a dar o exemplo..  Quando, em todo continente africano, se erguiam as bandeiras nacionalistas da independência, o Salazarismo e Marcelismo, insistiam na  guerra... Um guerra injusta e cruel!.. Depois, tudo se precipitou.. - Deixando atrás um trágico balanço de milhares de vitimas para ambas as parte.

Jorge Trabulo Marques - jornalista

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