Ainda possuía alguns mantimentos, mas, à minha frente, ainda haviam de decorrer mais 23 longos dias e longas noites equatoriais. Longe, porém, de
conhecer o calvário que me esperava. Ao fim de cada dia, havia sempre a esperança
de que pudesse aportar a qualquer ponto da costa africana na manhã ou na tarde
do dia seguinte. Porém, os dias davam lugar às noites e estas sucediam aos dias. - Já aqui transcrevi alguns excertos do meu diário,
referente ao 15º dia e a outros dias, mas creio que vale a pena transcrever outras passagens,
que ia registando num pequeno gravador, que pude guardar no meu baú, um modesto
caixote do lixo (em plástico)
Diário de Bordo 1- Hoje,
15º dia. Grande decepção!... Um barco cargueiro passa aqui ao meu lado
...Faço-lhe sinais vários de aproximação... mas não correspondeu!... Não há dúvida nenhuma que tenho que contar
apenas com os meus modestos recursos. Mais nada!


(no
diário, recordo ainda os motivos pelos quais o comandante do pesqueiro não me largou
na corrente equatorial e a noite do naufrágio)

Diário de Bordo 3 - De noite, a dada altura, fui surpreendido por ruídos estranhos dos golfinhos, que andavam aqui a voltear a canoa (às cambalhotas por cima dela) e de um lado para o outro. É curioso, porque deixavam um rasto luminoso e exprimiam uns grunhidos!... Por um lado, aquilo pareceu-me simpático, mas, por outro, atemorizou-me. Depois dei umas apitadelas e consegui afastá-los.

Diário de Bordo 3 -Neste
momento, devem ser cerca das dez horas. Está a fazer um bocadinho de vento. A
canoa já está a balancear... Portanto, vou comer qualquer coisa, pôr uma vela e
ver se me aproximo o mais depressa possível da praia... Não sei a que praia mas
o que me interessa é que seja terra
NÃO
ADIANTEI NADA – ILUSÃO SOBRE ILUSÃO – E AINDA A IMAGEM DO BARCO QUE NÃO ME SAÍA DOS MEUS OLHOS - QUE TÃO PERTO PASSOU E QUE ME ABANDONOU
Diário de Bordo 4 - De
manhã avistei um barco!... Passou relativamente próximo de mim. Até tive a impressão
que ele vinha a aproximar-se... Mas ele manteve o seu rumo, certamente por não
me julgar perdido ou por me julgar muito próximo de terra... Espero que sim,
que esteja próximo de terra.. Aliás, tenho essa impressão, quer pelo aspecto do
mar – pela maneira serena como se apresenta – quer pelos contornos que eu
vislumbro.
Quanto a provisões?!... Estou ainda garantido com algumas latas. Mas, quanto a água, tenho muito pouca!... Claro que isso pode não representar problema... Se demorasse mais algum tempo, teria que recorrer à água das chuvas ou então dos peixes ou do mar. Espero que isso não seja necessário porque não é nada agradável...

(...)"A noite é clara! A imagem
rara!...Meu destino lá no mar.!...Meu barco baloiça nas ondas salgadas! Mais uma
remadas para descansar!... Olho mais ao longe, lá no horizonte, um clarão
brilhante reflecte o luar!... Remo!... Vivo cantando! o vento é brando, como a
mansidão do mar! Volto!... O sol já raia! e lá na praia está alguém para me
esperar!.. Meu barco baloiça nas ondas salgadas. Mais uma remas para descansar!...Olho
mais ao longe, lá no horizonte, um clarão brilhante reflecte o luar!..."
Diário de Bordo 6- Esta
foi a voz de Paco Bandeira, que acabei de escutar, bastante emocionado!.... Pois ainda continuo
esperando que chegue a uma praia....Neste momento, a contrastar com o de
ontem.... Ontem!... Era pavoroso! O mar estava agitadíssimo!.... Ondas alterosas,
com mais de dez metros, pareciam engolir a cada instante a minha canoa!... Hoje
não!... Hoje o mar está chão! Sereno!... Não há vento!...Eu queria velejar um
bocadinho mas não há vento...
A
água que tenho, já é pouca. Mas tenho esperança de que hei-de chegar a terra o
mais depressa possível. Se é como julgo estar na Baía de Biafra, portanto,
próximo de Fernando Pó, é natural que me aproxime da costa africana, talvez da
Nigéria.
BALEIA À VISTA...

Diário de Bordo 8 - Há uma serenidade!... Só se vê mar!... Absolutamente mar!... Mar e mais nada!... A
minha canoa a vaguear, a vaguear!...

Há
qualquer coisa de místico!....Ontem! no meio daquelas ondas!... Alterosas!!...De
vez em quando, uma ou outra entrava com
alguma água, dentro da minha canoa!... Eu sentia-me ao mesmo tempo pequeno e
gigante!... Pequeno!... No meio de tanta grandeza!.... E gigante!... por vencer
tamanha força!...
Diário de Bordo 9 - Os
peixes, aqui ao lado; de vez em quando a saltar!... Pois, são decorridos 15 dias
e tal, que me encontro nestas circunstâncias, vivendo numa autêntica banheira,
a que eu, pomposamente, dei o nome de hotel.

Diário de Bordo 10 - Pois...
não sei!... Não sei!... Estou longe de tudo!... Longe das vistas de toda a
gente!... Perdido nesta imensidão!... É de facto uma imensidão!... Eu, se
caísse aqui, não me salvaria!....


Diário de Bordo 11- Realmente...
sinto-me saturado!... Saturado!... Olho para a minha canoa... vejo tudo em
desordem!... Não sei!... Logo de manhã, passou um barco, perto de mim... Fiz
tudo por tudo por ir à fala com ele...
Pois preciso de água... Tenho muito pouca!... Tenho apenas uns dois litros de
água... Pelo menos para me dar água... No entanto, o barco continuou a sua
marcha, como que indiferentemente a mim!... Afinal de contas, só posso contar
comigo e com a minha canoa. Com mais ninguém. E com uma força!... Uma força
qualquer!... Sim, uma força divina!... Uma força superior!...
Diário de Bordo 12 - Apenas
a presença de aves, aqui perto e de peixes, aqui debaixo da canoa.... Peixes de
todas as espécies são a minha companhia... Nesta serenidade!...Nesta calmaria!...Não
sei se isto é prologo para mais uns momentos como os de ontem....O mar é
assim!... Umas vezes sereno, outras furioso!
Diário de Bordo 13 - Fim
de tarde do 15º dia. Estou a ouvir o Duro Ouro Negro (Muxima) através da Rádio Nacional
de São Tomé e Príncipe. Uma tarde serena!... Mas, no horizonte, ao longe, nuvens
carregadas, nuvens escuras!....Ameaçam chuva!...
Já vislumbrei contornos da costa africana, portanto, espero chegar à manhã.... Os tubarões continuam aqui a voltear a canoa. Tentei pescar alguns mas já me comeram as iscas. O naylon mostra-se demasiado frágil para a força deles. Agora surgiu o tubarão martelo, completamente verde!... Deixa uma sombra verde por onde passa!... Há tubarões de todas espécies!...Há bocado, um tubarão martelo, deu aqui uma cambalhota! Tem a cabeça realmente do feitio de um martelo e é completamente verde!.. É bonito, é lindo!... Mas ameaçador!... Outros tubarões, os mais feios, são precisamente os que vão mais vezes ao anzol.... Há bocado, houve um que veio ao anzol, mas, claro, arrebatou-o logo, porque era muito grande!
Já vislumbrei contornos da costa africana, portanto, espero chegar à manhã.... Os tubarões continuam aqui a voltear a canoa. Tentei pescar alguns mas já me comeram as iscas. O naylon mostra-se demasiado frágil para a força deles. Agora surgiu o tubarão martelo, completamente verde!... Deixa uma sombra verde por onde passa!... Há tubarões de todas espécies!...Há bocado, um tubarão martelo, deu aqui uma cambalhota! Tem a cabeça realmente do feitio de um martelo e é completamente verde!.. É bonito, é lindo!... Mas ameaçador!... Outros tubarões, os mais feios, são precisamente os que vão mais vezes ao anzol.... Há bocado, houve um que veio ao anzol, mas, claro, arrebatou-o logo, porque era muito grande!

Diário de Bordo 15 - Pois
tenho tudo arreado... A canoa, enfim, aos solavancos, tomboleando ao sabor da
corrente. Uma corrente que se faz sentir, evidentemente, ouvindo
Muxima-ai-oé!... É realmente, uma canção africana que eu gosto muito de ouvir.
Diário de Bordo 16 - Não
há dúvida nenhuma... O mar é cheio de beleza!..... Umas vezes ameaçador!...Outras vezes
belo! Maravilhoso!... De plenitude!...De alegria e de paz!...
Há
uma serenidade em tudo o que vejo aqui... E há vida!... Há a luta dos peixes
pela sobrevivência!... Luta mais feroz, talvez que a dos homens!...
Diário de Bordo 17 - Pois é já ao anoitecer... A canoa com uma coberta, faz-me lembrar, não sei o quê... Uma espécie de junco chinês!... Apenas a rádio o meu rádio a tocar e mais nada!...Ah! sinto uma sensação de me deitar ao mar!....Enfim, tomar um banho... Mas não posso!...Não posso!....(de seguida canto a Barca Bela) Quem quer ver a barca bela?/ Que se vai deitar ao mar/ Nossa Senhora, vai nela / E os anjos vão a remar! / S. Vicente, é o pilotJesus Cristo, o general
Diário de Bordo 17 - Parece-me
que tenho ali a costa de África !...O céu está agora carregado para lá...Deve estar a
chover, com certeza, porque as nuvens estão para lá a descarregar chuva!.... Mas
ainda estou muito longe.... Vejo, lá longe!... A umas 20 milhas, contornos de
Fernando Pó...
(E volto a cantar: “Quem quer ver a barca bela” e “Ó
Noite Plácida!
Diário de Bordo 18 - Ó
noite plácida!.... Avança a medo!... Como em segredo! Por sobre o mar!!... Eu
nesta hora, tão doce e calma!... Sinto a minha alma, voar!...Voar!!..”
(Deitado
sobre o fundo da canoa e velas arreadas)
Diário de Bordo 19 - São
cerca das 10 horas da noite. O ruído que se ouve são as vagas a baterem constantemente e arrastarem-me!...Neste
momento, não tenho qualquer vela içada...Estou aqui deitado numa espécie de
caixão!...
De
tarde, as nuvens ameaçavam chuva... Agora, não sei...Ainda não vi... Hei-de
espreitar daqui a bocadinho....a ver como o tempo está lá fora...Oxalá se ache
bom, senão daqui a pouco, fica tudo isto molhado!... (pausa) Silêncio
absoluto!..Estou num completo abandono!...
Não choveu mas a noite foi muito ventosa e horrível!... No horizonte negro, os relâmpagos rasgavam constantemente a escuridão. O tornado não me atingiu, senão o efeito da ondulação e da ventania. E eu até desejava que chovesse alguma coisa para recolher água das chuvas, pois a reservas de água doce, estavam praticamente esgotadas. Não tive um minuto de descanso – Foi mais uma longa e exaustiva vigília – No dia seguinte, o meu diário de bordo, seria muito breve - Por esse facto, aproveito para aqui o transcrever – Tendo apenas feito o primeiro registo a meio da tarde – De referir que não tinha relógio; as horas eram calculadas pelo curso aparente do sol ou do passar do tempo ou quando ouvia o rádio - Mas depois até isso me faltou, quando as pilhas se esgotaram.

Ontem,
de facto, estive próximo da Ilha do Príncipe. Mais propriamente, do Ilhéu das
Tinhosas. Afastei-me... agora ando para aqui!... Não há vento. Há uma
calmaria!...Longe de terra, com falta de água!...
Fim
de tarde do 16º dia. Um dia bastante aborrecido!... Há bocadinho, houve um
tubarão que investiu contra a minha canoa! Andou aqui em volta dela, dando-lhe rabanadas
violentas e só consegui afugentá-lo com o auxílio do machim!... Estava a ver
que me queria virar a canoa... Realmente foi uma situação bastante desesperada.
(levanto-me para espreitar)
Noite
escura!... Sombria!!... Ouço apenas o bater da água do mar nas paredes da minha
canoa!...Sinto-me só!...Tenho aqui ao meu lado o meu pequeno rádio, com o qual
posso ouvir várias estações e entre elas a Rádio Nacional de São Tomé e
Príncipe
(ligo o rádio)
Diário de Bordo 20 - Neste
momento está a dar notícias!... (sobre a guerra no Vietname) Não me interessam as notícias! Estou arredado
disso tudo!... Gosto de ouvir música, mais nada... Nem sempre... Às vezes quero
ficar indiferente a tudo. Alheio completamente a tudo!... Só o mar!...O mar que
me atrai...Não sei porquê!...Não sei porquê!...
Eu
algum dia haveria de pensar que me encontrava assim...nesta escuridão! Neste
abandono!... Aqui metido!... Num tronco de árvore escavado!... Sozinho!...Entregue
a mim próprio!... mais nada!...
(Após
uma pausa, ligo de novo o pequeno transístor, mas simultaneamente dou-me conta
que o tempo está a mudar)
Está
a começar a fazer mau tempo!... O vento
está a soprar forte!!... O vento está a soprar forte!...Vou ver o que se passa....Noite
medonha!...Escura!... Fria!...O mar
está a ficar agitado!... Estou debaixo de
nuvens escuras! Vai chover, com certeza!... O vento começa a soprar mais forte!
– (e no gravador ouve-se perfeitamente a ventania)
Não choveu mas a noite foi muito ventosa e horrível!... No horizonte negro, os relâmpagos rasgavam constantemente a escuridão. O tornado não me atingiu, senão o efeito da ondulação e da ventania. E eu até desejava que chovesse alguma coisa para recolher água das chuvas, pois a reservas de água doce, estavam praticamente esgotadas. Não tive um minuto de descanso – Foi mais uma longa e exaustiva vigília – No dia seguinte, o meu diário de bordo, seria muito breve - Por esse facto, aproveito para aqui o transcrever – Tendo apenas feito o primeiro registo a meio da tarde – De referir que não tinha relógio; as horas eram calculadas pelo curso aparente do sol ou do passar do tempo ou quando ouvia o rádio - Mas depois até isso me faltou, quando as pilhas se esgotaram.
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16º DIA
Já
são dezasseis dias passados que me encontro numa canoa, em pleno Golfo da
Guiné. Devem ser três horas da tarde. Sinceramente, encontro-me muito desiludido!
Muito desanimado!..Cheio de sede!... Não tenho praticamente água!...


Encontro-me muito desanimado!... Não perdi ainda a esperança de que hei-de
chegar a terra... Hei-de me salvar!...Mas, sinceramente, sinto-me muito
saturado, muito saturado!... A situação é extremamente difícil!... Ponho a vela
e canoa não obedece... Não há vento!...Por outro lado, a falta do leme (que lhe
adaptei e a perda do remo) é que provocou isto tudo!... É uma situação delicada!
Bastante, mesmo!...Perdi até o apetite de comer!... Aliás, eu tenho muita sede!
Imensa sede!.. Oxalá que chova!

Mais tarde, voltaria a ser atacado por um outro tubarão enorme e da mesma espécie. Mas só daria duas voltas; à segunda, esperei-o.num dos bordos e deferi-lhe um golpe com o machim, tendo-o afastado - Desesperado, propriamente, nunca estive. Nem com ataques de tubarões, nem com tempestades. Mas também não vejo outras palavras para descrever, certas situações dramáticas.
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