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quarta-feira, 8 de agosto de 2012

NÁUFRAGO - 18ª DIA – MAIS UM BARCO PASSOU A ESCASSA DISTÃNCIA DA MINHA CANOA E ME IGNOROU


Algures no Golfo da Guiné, 8 de Novembro de 1975

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Diário de Bordo  1 - Hoje perfaz 18 dias que ando na canoa “São Tome” (Yon Gato) . Estou próximo da Ilha de Fernando Pó. Vejo-a perfeitamente. Estou a evitar, tudo por tudo, para não ir dar lá. Aliás, se pusesse a vela, o vento arrastar-me-ia, inevitavelmente. Também as correntes me estão a puxar na mesma direcção.  Estou aí a umas 15 milhas, possivelmente.

De noite, não choveu mas o mar esteve muito agitado. E eu tive de estar muito atento para evitar ser abalroado por algum barco ou para ver se me aproximava de terra 





Esta manhã, pesquei mais um tubarão. É o terceiro que pesco até agora. Outros iscaram e comeram a isca mas este foi pescado. Também apareceu aqui  um gigantesco!. Ainda tentei afastá-lo com um pau mas pouco depois desapareceu.

Pois a ilha está ali mesmo à minha frente.... As conjeturas que eu posso fazer neste momento, não são nenhumas... Quer dizer, tanto posso ir parar à Ilha de Fernando Pó, que estou a ver ali à minha esquerda (a bombordo), como passar ao lado dela e convergir para os Camarões ou continuar para Norte em direção à Nigéria. Por isso, neste momento, limito-me a aguardar. Aliás, é o que tenho de fazer, já que  não consigo navegar. Ontem, por acaso, consegui navegar um bocado, com auxílio do remo que improvisei, mas, efetivamente, não adiantei nada, porque, em vez de navegar para Norte, naveguei para Leste. Era só empatar tempo


AS PODRES CALMARIAS, CHEGAVAM A SER MAIS DESESPERANTES DO QUE OS TORNADOS – ESTES AINDA ARRASTAVAM A CANOA PARA QUALQUER PONTO - NAS CALMARIAS, COM O SOL DO EQUADOR A PINO E O MAR TRANSFORMADO NUM IMENSO AÇUDE, SEM  A MENOR BRISA E SEM ÁGUA POTÁVEL, ERA MESMO DE ENLOUQUECER.



 Diário de Bordo  – 2 Como não posso navegar, o que é que eu vou fazer?!....Vou-me deitar no fundo da canoa... Pois, o que é que estou para aqui a fazer a secar ao sol?!... Não tenho água já... Tenho ali um restinho de água das chuvas, que é choca e mal saborosa!... Pus-lhe uns pós que  me tinham dado para fazer água doce, mas, afinal, fica muito doce, demasiado doce e estraga-se rapidamente.... Ah!...mas pelo menos mata a sede, é o que importa.


Um objeto curioso que trago aqui comigo é um apito de uma boia de salvação (que me fora oferecido, pelos marinheiros do pesqueiro americano, Hornet). Vou dar aqui umas apitadelas (que ficaram também registadas no pequeno gravador) – Quer dizer que, se chegar junto de terra e houver por ali gente, pode ser que me ouçam com estas apitadelaszitas (não trazia nenhuma boia de salvação, mas levava pelo menos o apito)
 

VIOLENTO TORNADO AFASTA-ME PARA LONGE DA ILHA DE FERNANDO PÓ



Diário de Bordo 3 – É extremamente difícil fazer previsões no mar, principalmente quando se anda á deriva!...Há bocado, encontrava-me relativamente próximo da Ilha de Fernando Pó. Pois, de um momento para o outro, fui atirado por um violento temporal e já me encontro noutra posição. Portanto, fora de qualquer possibilidade, penso eu, de lá chegar. A menos que surja outro tornado e me arraste para lá!.






Este tornado aproximou-me mais para Norte, Noroeste. Devo estar agora mais próximo da costa nigeriana... Foi um tornado, violentíssimo!... Ainda continuam a fazer sentir-se os  seus efeitos. Ondas bastante alterosas!... O mar ainda muito cavado e ameaçador! (ouve-se na gravação, o  rugido das vagas)

Realmente tenho tido muita sorte!... É algo que está comigo e me leva a bom destino, quando não, já tinha desaparecido!... 

MAIS UM BARCO QUE SEGUIU O SEU RUMO – A CANOA ERA UM MADEIRO COMO OUTRO QUALQUER  - IGUAL A TANTAS TORAS QUE ANDAVAM À DERIVA E NÃO PRODUZIAM QUALQUER SINAL NO RADAR OU ENTÃO NÃO LIGAVAM – Para justificar a deceção, que me cavava a alma, eu arranjava sempre uma explicação, que mais não fosse para que o sentimento de abandono, não fosse maior.

Diário de Bordo  4 – Vi um barco! O barco viu-me perfeitamente! Mas o barco devia ter também as suas dificuldades... Não sei se me viram, eu vi-o nitidamente!... Devia estar a umas duas ou três milhas. De qualquer maneira, uma vez mais um barco  passou, indiferentemente a mim!


Diário de Bordo 5 – Estou a vislumbrar os contornos da Ilha  de Fernando Pó! Agora ficou completamente descoberta!... Tem lá uns picos muito curiosos... Altos!....Talvez mais altos do que o Pico de São Tomé (e era verdade, o Pico de São Tomé tem 2024 m, enquanto em Bioko, existe o  Pico Basile com 3012)  Neste ponto é difícil as correntes levarem-me para lá. O mar está com  uma forte calema!...

Diário de Bordo  6 – Fim de tarde do 18º dia! Esta tarde (um pouco mais calma) a contrastar com a manhã que esteve muito tempestuosa!... Violento tornado assolou aqui esta zona onde me encontro. Estou relativamente próximo da Ilha de Fernando Pó, que agora tenho à minha direita a leste. Não sei precisamente a quantas milhas, mas muito próximo!





A costa de África ainda continua misteriosa. Ainda não se descortina nada!... Não deve estar longe, mas só amanhã é que a poderei visitar, se entretanto a viagem decorrer normalmente... Não está a chover mas o mar continua bastante agitado e a dificultar-me!... Quer dizer... favorece, favorece o andamento da canoa. Imprime-lhe outra velocidade, tem essa vantagem.... Mas, francamente, é penoso! é penoso viajar assim!... Porque é necessária uma vigilância constante a cada vaga, para controlar os movimentos da canoa. Às vezes há vagas que chegam a galgá-la e molhar-me completamente.
 





ESTE DIÁRIO SÓ FOI POSSÍVEL GRAÇAS À TRANSCRIÇÃO DO REGISTO NUM PEQUENO GRAVADOR - QUE PUDE RESGUARDAR DO MAR NO CAIXOTE DE PLÁSTICO, QUE SE SE VÊ NA IMAGEM - IGUAL AOS DO LIXO

 Diário de Bordo  7 – Esta tarde, tive umas lutas com uns tubarões, que andavam aqui em volta!... A um gigante, que andava aqui a ameaçar-me, consegui dar-lhe umas machinadelas e já acabou por fugir.... Realmente, só visto!... A figura que eu fazia aqui, sozinho, neste vasto oceano, lutando, enfim, pela minha sobrevivência...

Se me perguntassem, ao ver assim o mar  e eu estivesse em terra, se eu iria?... Não!!... Não me sentia com coragem!... Mas, estando eu no mar, sim, sinto coragem para o enfrentar! O mesmo aconteceria se estivesse  num paquete, como aquele, que há bocado vi!... Também se me dissessem  se queria ir numa canoa, em tais condições de mar, não aceitaria. Mas eu acabei por me resignar e tenho enfrentado a fúria do mar e do vento!...

Diário de Bordo  8 – As aves continuam aqui  sempre à minha frente, não sei porquê.... É curioso este aspeto!... Sempre aves, desde há quatro dias que vejo as aves aqui à minha frente....Os peixes, há momentos em que eles desaparecem. Se calhar são os tubarões que os afugentam. Mas normalmente andam  sempre aqui em volta... Até há uma qualidade de peixes que acabou por me tirar todas as conchazinhas que já tinham nascido no costado da própria canoa. Fizeram uma limpeza radical. Ainda bem - (eram as rêmoras, peixes parasitas, com a sua ventosa na cabeça, que se colam aos tubarões ou no costado das embarcações e que acabariam também por me devorar todos os anzóis e iscas e nunca lá ficavam, pois os seus dentes são talvez mais afiados de que os dos ratos ou dos coelhos)

Diário de Bordo  9 – A noite está-se aproximar. Vai ser uma noite mais escura, com certeza. Não obstante, já estarmos com a lua em quarto crescente.


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