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quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Em São Tomé – Recordações de uma inesquecível estadia - O aniversário da Avó Alegria e da Mãe Vitalina Monteiro - a santomense de origem caboverdiana - Membro da Associação Cultural Moinho da Juventude, Cova da Moura, Amadora - E ainda as memórias da pancadaria à miudagem - junto ao antigo cinema Império - por dançar o KO de Cassius Clay sobre outro pugilista americano

Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista                 

Quando o avião da TAP, pousava, no aeroporto de Lisboa, por volta das 04.20 da manhã, do dia 19 de Agosto, com uma temperatura de 18º, meu pensamento voltou-se não propriamente para o que ia ver, quando descesse as escadas mas para a lembrança das imagens, que se  haviam fixado na retina dos meus olhos, durante a maravilhosa estadia,  em S. Tomé – Tanta coisa bela a recordar!... Tantas  belezas, que me fora possível contemplar!...  Tantos gestos de calorosa simpatia, de profundo e amistoso afeto!, que, ao invés de os saber ordenar em palavras, se me cruzavam no meu pensamento, afluíam, calorosamente, do meu coração à minha mente, refluindo e vibrando, ainda intensamente no meu peito, tal  como se tivesse perante um caleidoscópio magnifico, que me fosse dado o privilégio de assistir mas  impossível de o poder descrever ou ordenar.               Sim, vou ter muito que contar! - Além do que retenho na memória,  trouxe, também comigo, muitos registos fotográficos e alguns   vídeos, que  conto editar, dentro do possível. 
 

ANIVERSÁRIO DA  "AVÓ ALEGRIA" E DA MÃE VITALINA MONTEIRO

O aniversário não é uma festa qualquer: é a data que assinala o principio  de uma vida. Sabe-se quando nascemos, mas ignora-se o dia da partida. É a  data mais significativa de uma vida.  Sem dúvida, um dia muito especial na existência de qualquer  pessoa – Quando se está na flor da juventude, é o festejar a  idade de preparação para a vida, é simplesmente o pensar que a vida é eterna; porém, quando se é mais velho, claro que já é notar que se sopram mais velas, é  ter a consciência de se somar mais um ano de idade e menos outro no espaço temporal da longevidade, mas é também celebrar a maturidade  naquilo que melhor  a vida  tem para nos oferecer, lembrar as melhores recordações  – Seja como for,  o  dia de se cantarem Os "Parabéns a Você"  é sempre uma festa de caráter intimista,  propensa mais à  partilha com aqueles que nos são mais próximos, tanto em laços de família, como de amizade. 

Ora, precisamente por esse facto, quando alguém nos dá o prazer dessa partilha, é sinal de que muito nos estima e nos admira – Daí,  que, entre os agradáveis momentos, que, durante a minha estadia em S. Tomé, mais me surpreenderam, além do honroso convite para almoçar em casa do Sr. Bispo, D. Manuel António Santos, no seguimento da visita que fizera à minha exposição  fotográfica e documental, sobre as minhas aventuras, bem como a honrosa audiência concedida pelo Chefe do Estado Santomense, Manuel Pinto da Costa, assim como as concedidas por outras  altas figuras do Governo, em
exercício, nomeadamente, do Ministro da Educação, Cultura e Ciência, Olinto Daio e do ministro da Juventude e Desporto de São Tomé e Príncipe, Marcelino Sanches

 
Sim, além dos agradáveis momentos de convívio, que pude ter com o secretário da Embaixada Guiné Equatorial,Teodoro Elangui, assim como outros ministros e membros da equipa de Patrice Trovoada, que também tive o prazer de cumprimentar, naturalmente que  não posso esquecer a honrosa audiência, concedida pelo embaixador do Brasil, em S. Tomé e Príncipe,  José Carlos Leitão, a quem fui entregar a mensagem, de que era portador, escrita em 1975, mas que não chegaria ao destino, com a qual, o Povo destas maravilhosas ilhas, saudava  o Povo irmão brasileiro,  caso a minha travessia de canoa, fosse coroada de êxito - Além disso, muitos foram os momentos, com as mais diversas pessoas, umas anónimas outras mais conhecidas - Desde poetas, escritores, empresários, políticos, rostos amáveis e sorridentes  do Povo. Não esquecendo o meu companheiro da escalada do Pico Cão Grande, Cosme Pires dos Santos, com quem finalmente me reencontrei, bem assim a preciosa colaboração do jornalista Adilson Castro e outros seus companheiros. E, naturalmente, da Embaixada Portuguesa, desde a embaixadora Maria Paula da Silva Peneda, a outros membros da sua equipa, valioso apoio sem o qual não teria apresentado a minha exposição.
 
 COM AVÓ ALEGRIA

 







O aniversário dos 82 anos da "Avó Alegria", rodeada de netos e bisnetos,  que, agradavelmente,  haveria de partilhar, no passado dia 4 de Agosto,  na rua do Bairro Quilombo: De seu nome Margarida  Lázaro dos Ramos, nasceu, em S.Tomé, no dia 4 de Agosto de 1933  Vive num pequeno casebre de madeira, onde as bananeiras se misturam com um pequeno aglomerado de casas de madeira, habitadas todas pela mesma família - Outro momento, particularmente  caloroso e significativo,  foi o aniversário da Vitalina Monteiro…. – 

Gesto amável e surpreendente a  convite  de seu irmão, o Coronel Victor Monteiro, que culminaria um dia de intensa mas profícua atividade arqueológica: de mergulhos em lugares de ondas turbulentas, que já ali roubaram algumas  vidas, pejados de espinhosos ouriços negros – isto para já não falar nas longas caminhadas a pé ou da exaustiva deslocação, nos populares “yates” amarelos, na companhia do  jornalista, Adilson Castro e a colaboração de um pequeno grupo de nadadores santomenses. Domingo cansativo mas coroado de sorte: a descoberta de objetos, perdidos no tempo e na bravura do mar, que, a comprovar-se a sua antiguidade,  poderão constitui-se como valiosos testemunhos históricos: da que não existe nos compêndios coloniais e que, silenciosamente, aguarda ser reescrita.






DIA DA  MÃE VITALINA MONTEIRO


Afinal, quem é a corajosa e dedicada mulher, que além de ser a mãe dos seus três filhos, tem sido também uma verdadeira mãe de centenas de crianças desfavorecidas, de muitas pessoas, sem eira nem beira, que buscam o indispensável apoio social para as suas vidas, o gesto humano e solidário de sobrevivência na Travessa Outeiro, nº 1 , Cova da Moura, considerado um dos bairros  mais problemáticos da área urbana  na cintura mais populosa de Lisboa,  sim, quem é esse abnegado coração?  - que tem dedicado uma grande parte da sua vida a auxiliar e a minorar a solidão e o sofrimento de outras vidas - É, pois, Vitalina Monteiro!


De descendência cabo-verdiana,  nasceu na antiga Roça Rio do Ouro, no dia 16 de Agosto, há 52 anos, tendo partido para Portugal, aos 22.. Aí estudou e se lançou nos desafios da vida. Nomeadamente, no de assistente social, no abraço amigo e dedicado da ASSOCIAÇÃO CULTURAL MOINHO DA JUVENTUDE: projecto comunitário sediado no Alto da Cova da Moura na Amadora, de que é tesoureira e  que tem como objetivos ajudar todas as pessoas com dificuldades de integração no Bairro, fornecendo serviços que vão do acompanhamento aos pais na educação e nos cuidados a ter com os seus filhos, a actividades de tempos livres para crianças desde os dois meses  - Que apoia até aos  20 anos.

 
Tal tem sido a entrega e a dedicação a este projeto, que já não vinha a S. Tomé, há 20 anos Parece-nos que é das tais pessoas cuja vida tem sido um exemplo de amor ao próximo. Mas, finalmente, agora, pelo mês de Agosto, fazendo-se acompanhar de sua filha e os dois filhos, lá arranjou um tempinho para vir matar saudades, junto do seu irmão, o Coronel Victor Monteiro (diretor do Gabinete do Presidente da República, bem como dos sobrinhos por parte do irmão mais velho Vital Monteiro, falecido, aos 22 anos, em 1974, em Portugal. Por isso mesmo, e após tão longa ausência, a festa do seu aniversário, oferecida em casa de seu irmão, na companhia de familiares e amigos, foi realmente muito calorosa: - teve, praticamente, um duplo significado: o de ouvir cantar os “parabéns a Você” mas, simultaneamente, o de festejar o regresso à sua maravilhosa Ilha

EPISÓDIO LONGÍNQUO NO TEMPO MAS AINDA MUITO PRESENTE NA MEMÓRIA 

Victor Monteiro  - Sempre de rosto levantado e voz calorosa e franca. Dos  raros homens de antes quebrar de que torcer.

- Foi realmente um grande prazer encontrar-me com  a mesma pessoa que, naquele distante dia da sua adolescência, quando ainda era rapaz, fixara a minha imagem para o resto da sua vida, devido a um episódio que é também ao mesmo tempo o testemunho, não só das suas recordações, como  de um tempo colonial, que, em múltiplos aspetos, não   deixa grandes saudades. Era então furriel miliciano. O episódio, que aqui recordo,  passa-se em frente das escadarias do então Cinema Império, mas começa lá dentro.

O cinema Império, construído nos anos 19501960, era a grande sala dos espetáculos coloniais: não só da exibição de filmes, como de peças teatrais, desfiles de concursos de misses, espetáculos de teatro ou musicais, com atores ou músicos  que vinham em digressão da “metrópole” (lá, por exemplo, chegou a cantar Bana, o popular artista cabo-verdiano). Pois era no interior desse edifício, onde quase todas as semanas havia estreias de filmes, que, a sociedade colonial, ia exibir também as vaidades das suas melhores farpelas. 

Após a independência, o largo onde se situava, que  tinha ao centro uma estátua de um dos “descobridores”que é substituída por um obelisco,  passa a chamar-se Praça dos Heróis da Liberdade e ao cinema é dado o nome de Cinema Marcelo da Veiga – Entretanto, nos anos 8o, uma parte do edifício desaba, é reabilitado mas, pelos vistos, de efémera funcionalidade, já que, tanto quanto me apercebi, é nele que se situa a sede de um dos principais bancos em São Tomé. 


Também o frequentei, por várias vezes, tanto nas minhas reportagens, como quando ali ia assistir ao cinema ou a outros espetáculos. Até Mário Soares, no tempo em que Salazar lhe forçou o desterro em S. Tomé, era um dos frequentadores,  nas estreias dos filmes. Viu-o ali várias vezes, no chamado balcão, situado no primeiro piso, enquanto na zona do rés do chão, onde os preços eram mais baratos, sobretudo na plateia da frente, junto ao écran, sentava-se o zé povinho,, a classe dos desfavorecidos e oprimidos  - Ainda me lá cheguei a sentar com a minha companheira santomense, por não se sentir à vontade no balão dos colonos e elites.  Mas era aí, nas filas mais avançadas, que as fitas cinematográficas, encontravam maior eco:  onde as cenas dos filmes mais se faziam vibrar: até porque, por vezes, ao ruído das vozes, também se juntava o do fundo das cadeiras a bater. E foi precisamente isso que aconteceu, quando  o famoso boxer Cassis Clay, leva ao tapete o seu adversário, um  pugilista  branco, igualmente de nacionalidade  americana. 

Antes de cada estreia de um  filme,  havia geralmente a exibição do chamado jornal de atualidades, com um documentário de notícias do estrangeiro ou de propaganda ao regime. Naquele dia, a fita era aguardada com enorme espectativa, sobretudo pela camada mais jovem – Ia ser exibido o filme Trinitá o Cowboy Insolente – E, curiosamente, como que para estimular ainda mais os ânimos, uma parte do documentário, que o antecedia, reportava-se a um combate de boxer, entre o negro  Muhammad Ali   outro pugilista, também americano mas branco .

Mal  a sineta anuncia o início do combate, o branco atira-se ao boxer negro, como um leão, o que faz exaltar a plateia branca, donde são nítidas as vozes de euforia e algumas até de provocação, destinadas a melindrar a plateia negra, que, silenciosamente, segue  o desenrolar dos primeiros rondes.

É claro que, Cassius Marcellus Clay, Jr., nascido em 17 de janeiro de 1942 em Luisville,  , Kentucky, que, em 1999, haveria de ser considerado “O Desportista dp Século”, um dos maiores ídolos da história do boxer, podia muito bem ter arrumado o seu adversário. Não o fazia – comentava-se na altura - para não matar o espetáculo e valorizar o próprio  combate  - Preferia levar alguns murros ou fazer de conta que os levava para depois, num soco bem assente, levar o adversário ao tapete. E foi justamente o que se viu nas imagens daquele documentário. Nessa altura, é então a vez da plateia negra ficar ao rubro e, só se calar depois de se ascenderem as luzes e  de grossa bastonada policial . 

Porém, a carga policial, não ia ficar por ali: no fim da exibição do filme, um grupo de miúdos, ao abandonar a porta da plateia, corre para o largo fronteiro ao cinema e começa a dançar, clamando o seu ídolo. Eu estava ali parado, no alto das escadas, a apreciar aquele segundo espetáculo, Não me sentia minimamente molestado; pelo contrário, no íntimo até me divertia e aprovava a exuberância da garotada. Mas quem assim não pensa é um grupo de soldados da Polícia Militar, que, antes de entrarem para o jipe, desatam à bastonada aos miúdos. Vendo aquela  prepotência, e envergando eu a farda de furriel miliciano, logo, portanto,  mais graduado que os soldados, não concordando com tamanha desfaçatez, gritei, ordenando, alto em bom som: "faz favor vão embora! Deixem essa pobre gente em paz!" – Quem,  entre os garotos, também exibia a sua satisfação era, pois, o homem que, anos mais tarde, haveria de me dar um grande abraço, quando seguia no seu jipe, com um amigos e me vê a caminhar  junto ao edifício do antigo Liceu. 

A bem dizer, já não me lembrava muito bem desse longínquo episódio, mas quem viveu a humilhação e a prepotência, como foi o caso de Victor Monteiro, claro que não  poderá esquecer  facilmente, tais memórias da sua adolescência, foi o que constatei quando nos reencontrámos,  39 anos depois de ter deixado São Tomé para a tentativa de uma travessia oceânica, numa frágil piroga, que haveria de saldar-se num longo e penoso calvário de 38 dias à deriva.  

 Porém, quanto não vale depois depararmo-nos  com amigos, tão generosos e tão dedicados, como é o caso de Victor Monteiro, sem o apoio do qual, dificilmente teria revivido tão gratas como maravilhosas recordações

Um comentário :

ALBERTO HELDER disse...

O relato das incidências dentro do cinema é igual ao que se passava nos anos 1964/1966, altura em que prestei serviço militar obrigatório e era frequentador assíduo daquele espaço cultural. Ai que saudades, ai, ai.
Saudações.
Alberto Helder