Exposição - No Centro Cultural Português, em S. Tomé - 28 a 30 de Julho
SOBREVIVER NO MAR DOS TORNADOS
SOBREVIVER NO MAR DOS TORNADOS
38 DIAS À DERIVA NUMA PIROGA


Sou natural da aldeia de Chãs (20 de Janeiro de 1945) do concelho de Vila Nova de Foz Côa, onde, nos últimos anos, após ali ter descoberto, em 2002, vários alinhamentos pré-históricos, com os equinócios e solstícios, tenho sido o responsável pela coordenação de vários eventos culturais. Sou jornalista (da ex-Rádio Comercial RDP), tendo vivido vários anos em São Tomé – ilha onde desembarquei, em Novembro de 1963, para um estágio, na Roça Uba-Budo, da Companhia Agrícola Ultramarina, do meu curso de Agente Rural, da Escola Agrícola de Santo Tirso. Várias foram as profissões que aqui exerci, até os primeiros passos do jornalismo, assim como também muitas foram as vicissitudes, bem como os dias mais felizes da minha vida, aqui vividos, entre aquela distante data e Outubro de 1975, cujas histórias dariam talvez matéria para alguns livros. Mas ficará para ocasião oportuna.

“Contar-te longamente as perigosas
Cousas do mar, que os homens não entendem,
Súbitas trovoadas temerosas,
Relâmpagos que o ar em fogo acedem,
Negros chuveiros, noites tenebrosas,
Bramidos de trovões que o mundo fendem,
Não menos é trabalhos que grande erro,
Ainda que tivesse a voz de ferro.”
Camões
Em resumo, direi que sou autor de várias travessias em pequenas pirogas primitivas, nos mares do Golfo da Guiné, por força de muitos treinos, sempre que me era possível, de praia em praia, nas frágeis canoas dos corajosos pescadores de São Tomé, aos quais desejo aqui expressar um abraço de reconhecimento e de admiração, não apenas pela dureza e risco das suas vidas, em que se expõem, sempre que partem para o mar, como também pelos ensinamentos que me prestaram, já que foram eles os meus melhores mestres.

Larguei à meia-noite, clandestinamente, pois sabia que se pedisse autorização esta me seria recusada, dada a perigosidade da viagem, levando comigo apenas uma rudimentar bússola para me orientar. No regresso de avião a São Tomé, fui preso pela PIDE, por suspeita de me querer ir juntar ao movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe, no Gabão, o que não era o caso. Levei três dias e enfrentei dois tornados. À segunda noite adormeci e voltei-me com a canoa em pleno alto mar. Esta era minúscula e vivi um verdadeiro drama para me salvar, debatendo-me como extrema dificuldade no meio do sorvedouro denegrido das águas.
Cinco anos depois, numa piroga um pouco maior, fiz a ligação de São Tomé à Nigéria. Uma vez mais parti sem dar a conhecer os meus propósitos, ao começo da noite, servindo-me apenas de uma simples bússola. Ao cabo de 13 dias chegava a uma praia ao sul deste país africano, tendo sido detido durante 17 dias por suspeita de espionagem, após o que fui repatriado para Portugal. Os jornais nigerianos destacaram em primeira página o feito.



Ó Deus Omnipotente e Salvador!... Ó JESUS CRISTO!...Ó BELO E MAGNÍFICO
EXEMPLO SENHOR MEU!... Que maior tormento e suplício aquele!... Deitado no duro
fundo daquele inconstante, encharcado, tosco e frágil madeiro escavado!… Porém,
mesmo assim, quão doce e infinito era aquele meu tormento!... Quantas vezes, me
lembrei da tua cruz e do teu calvário!... Quando já estavas prostrado e rendido
às leis da morte e da vida para te lançarem estendido ao sepulcro!..
Quantas!... Quantas vezes!... Quando tudo à minha volta me parecia revolto e
perdido… Sim, no meio avassalador daquelas espessas trevas e noites de breu,
cercado pelo tumulto escuro do mar e do céu! E, ante a imensa e tenebrosa
solidão, apenas se me afigurava vislumbrar o perfil do teu piedoso rosto…
Embora triste e macilento, banhado de suor e de lágrimas!... Mas coroado de
esplendorosa caridade e de compaixão… por aqueles mesmos que te traíram e não
compreenderam a tua humana, divina e nobre missão! Mas aos quais a áurea que
iluminava a tua face, me parecia resplandecer apenas emanada por um infinito
sentimento de amor e perdão…


Na verdade,
há momentos que, por tão tormentosos e solitários na vasta imensidão
oceânica, são verdadeiras eternidades – Que o digam todos aqueles que
passaram pela dramática e dificílima situação de náufragos. Outros, nunca o
terão podido expressar, visto terem ficado sepultados para sempre no silêncio
eterno do fundo dos abismos submarinos. Pessoalmente, quis Deus ou o
destino que fosse um dos sobreviventes, de entre os milhares de vitimas,
que, por esta ou por aquela razão, anualmente, são tragados pela voragem
dos oceanos e pudesse transmitir o testemunho daquilo que o
engenho, a força de vontade e o querer humano, poderão lograr, face às maiores
provações.
Sim, no meu caso, muitos foram os momentos de extrema aflição, que me pareceram verdadeiras eternidades, especialmente durante os longos e difíceis 38 dias, enfrentando tempestades, sucessivas, o doloroso sofrimento da incerteza e da fome, o suplício da sede, com tanta água à minha volta e, por vezes, mesmo bebendo-a, não podendo matar a sede, além de constantes e quase mortíferos ataques de tubarões – porém, de todas as memórias que perduram – e estou certo que perdurarão para o resto da minha vida – o que mais me apraz registar – em todo o imenso somatório das minhas vicissitudes, é o espírito de determinação, de coragem e de uma infinita paciência, o de, nunca, em momento algum, me ter resignado ao extremo abandono e solidão, de lutar, de jamais me ter rendido a cruzar os braços, face às imensas dificuldades, mas o firme e constante propósito de as poder superar.
Acabei por ser arrastado pelas correntes até à Ilha de Fernando Pó, já no limiar da minha resistência física, onde fui tomado por espião, algemado e preso numa cela de alta segurança, a mando do então Presidente Macias Nguema, após o que fui repatriado para Portugal, tal como me acontecera na Nigéria. Mas, agora, graças a uma pequena mensagem que levava do então jovem Governo de São Tomé e Príncipe, que recentemente tinha ascendido à sua independência, para saudar o povo irmão brasileiro, quando eu aportasse na sua costa.
registada com a máquina fixada no mastro, disparada com pau |
Já se passaram vários anos, porém essa minha experiência ainda está muito presente na minha memória. E duvido que algum náufrago possa alguma vez esquecer os seus longos momentos de abandono e de infortúnio.
Jorge Trabulo Marques
São Tomé
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