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sexta-feira, 6 de maio de 2016

Petróleo em S. Tomé – Em 1912 – Analises químicas do eminente Prof. Charles Lepierre: “Tive, ha tempos, ensejo de proceder á analyse dum oleo mineral africano” (…) o dito oleo nasce á beira-mar na freguezia da Guadalupe, Ilha de S. Thomé.

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Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista e investigador

Apresentação do estudo  de Paul Charles Lepierre, químico e professor universitário de origem francesa que se distinguiu no estudo e caracterização físico-química das águas minerais e minero-medicinais de Portugal. Delegado do Governo Português na Exposição Internacional de Paris. Professor do Instituto Superior Técnico de Lisboa;  preparador e chefe de trabalhos do Laboratório de Microbiologia da Universidade de Coimbra; professor de Química da Escola Industrial de Coimbra, cidade onde viveu 20


Charles Lepierre


Apresenta uma côr acastanhado escura; tem o aspecto e cheiro dos oleos mineraes empregados para a lubrificação. II Densidade a 15° - O, 945;
Debaixo. do ponto de vista petroleo convem  pois pesquizar afim de ver se não apparece producto mais volátil, por meio de sondagem, o que é provavel.  
d) Mas sob o ponto de vista oleo mineral, para lubrificação ou outras applícaçõos (combustível, vernizes, etc.) o  producto bruto (purificado por filtração conveniente  ou por um tratamento · pelo acido sulfurico, seguido de lavagem) poderá encontrar bom emprego." - Continua mais à frente 

AFINAL, HÁ MAIS DE UM SÉCULO, JÁ SE SABIA QUE O PETRÓLEO JORRAVA EM TERRA, TAL COMO O NASCENTE DE UMA FONTE – MAS ATÉ HOJE AINDA CONTINUA SEM SER EXPLORADO

1963
2014
Quando trabalhei na Roça Uba-Budo, como empregado de mato, dizia-se que havia quem fosse abastecer-se de petróleo, para iluminação, na Lagoa Amélia. No ano em que ali cheguei, em 1963, já a  sede da roça era iluminada através de dínamo elétrico em motor hidráulico,  não havia necessidade de se ir lá abastecer – Mas, nas dependências, situadas no meio do mato, ainda era preciso outro tipo de iluminação, pelo que, o petróleo que jorrava na cratera da  Lagoa Amélia,  à falta de petróleo num bidão, podia ser mesmo o recurso para que as trevas da noite, não estendessem a sua escuridão, às senzalas  e outras habitações, desde o manto florestal envolvente, por ali adentro.  E também, já nesse tempo, por lá haviam aparecido uns sujeitos, pelo terreiro da roça,  junto a uns jipes, que, embora vestindo de caqui tropical, e pondo na cabeça o mesmo capacete do empregado  de mato ou feitor, tinham ares de  serem  uns engenheiros ou coisa no género – dizia-se: olha! Devem ir à lagoa Amélia para explorar o petróleo.  Viam-se ali de vez em quanto mas nunca se soube nada de concreto. E assim tem sido até hoje.

2014
Na verdade, as  Ilhas de São Tomé e Príncipe, já foram caracterizadas como sendo um campo experimental humano, sim, porque, ao longo dos tempos, para aqui vieram escravos, judeus, brancos, negros, orientais, gentes das mais diversas proveniências - Eses pequenos paraísos, que se erguem na imensidão do Golfo da Guiné, têm sido  um verdadeiro campo experimental  de vidas e dramas humanos, mas também no domínio da ciência, por aqui passaram os mais eminentes homens, além dos  corajosos marinheiros que vieram ao seu encontro.

Um eclipse solar, no dia 29 de Maio de 1919, à Roça Sundy, na  ilha do Príncipe, fez deslocar o astrónomo inglês, Arthur Eddington, a fim de provar que Einstein estava certo. Agora é  Mark Shuttleworth, o milionário sul-africano, o primeiro homem africano que viajou para o Espaço, a deixar-se fascinar pelos encantos desta ilha, com empreendimento turístico de vulto.

E então, em São Tomé, quantos não foram os homens da ciência, que aqui não chegaran?... Astrónomos, botânicos, agrónomos, geólogos, professores, doutores e sacerdotes , gente culta dos mais diversos saberes - Mas agora eu vou apenas  citar Gago Coutinho, porque o seu nome até ficou associado a um Ilhéu, é indissociável desta ilha, nomeadamente quando se viaja a caminho do sul, ao  encontro do Ilhéu das Rolas.


Porém,  o nome da figura, que aqui hoje me traz, é o  do eminente  Charles Lepierre, autor da primeira analise das pesquisas do petróleo em S. Tomé, um dos mais reputados químicos: - Ele  também esteve  nestas maravilhosas ilhas,  e, curiosamente,   na mesma altura em que também por ali andava  Léon Paul de Choffat,  vulto incontornável na Geologia de Portugal

Trata-se, com efeito,  da primeira análise química sobre a  existência de petróleo em S. Tomé, com a data de 1912  – Que eu saiba, pese o facto de não terem faltado  promessas de  exploração do petróleo, em S. Tomé e Príncipe, o documento, a que e refiro, praticamente, permancia ignorado  - O que tem vindo a lume, de volta e meia, são  as já habituais  noticias de concessões de blocos,  avanços e recuos de pesquisas,  polémicas e especulações; não se tem falado de outra coisa.

Pois, mas o estudo que  aqui venho hoje divulgar, o único risco que poderá incorrer é o do,seu extremo  rigor científico: - que poderá   não ser acessível a todos os leitores – Mesmo assim,  vou transcrevê-lo na íntegra, com  a mesma  ortografia da época - Embora sendo apologista de que (se as línguas evoluem)  e reconheça a necessidade de se  adaptarem a acordos ou regras à sua evolução, sim, mas para que nada se perca, vou reproduzi-lo, tal como ele   foi publicado na Revista de Chimica Pura e Applicada, em Abril de 1812, depois de ser apresentado na sua comunicação à Sociedade   de Chimica Portugueza, na sessão de 12 de Março Scientifica de 22 de Março de 1912

COMMUNICAÇÕES

Analyse dum oleo mineral em São Thomé

Prof. Charles Lepierre:

1. Tive, ha tempos, ensejo de proceder á analyse dum oleo mineral africano. E' o resumo das minhas informações que apresento e que constituem apenas uma modesta contribuição para o estudo dos productos portuguêses ;
Segundo as informações colhidas o dito oleo nasce á beira-mar na freguezia da Guadalupa, Ilha de S. Thomé. O eminente geologo Paul Choffat não tinha conhecimento desta formação.

Apresenta uma côr acastanhado escura; tem o aspecto e cheiro dos oleos mineraes empregados para a lubrificação. II Densidade a 15° - O, 945;

Viscosidade relativa, referida aos-primeiros productos distilados, 52.

III Distillação fraccionada. - O producto bruto, secco, submettido á distiliação fraccionada, só começou a ferver á temperatura de 180°. . ·
 De 180° até 250°, apenas distilou o, 75 por 100cc, isto é,  menos de 1%. Continuando-se methodicamente a dístillação verifica-se, como consta do quadro que segue, que até 300cc, passou, ao todo, 12,75% do oleo submetido á operação.
De 300° até cêrca de 350°, distillou mais 31,75 º/ou, seja ao todo 12,75 + 31,75=44,50%
Ficou na retorta um resíduo espesso preto, fluido a quente, cujo volume representava 55%50 do producto total, seja mais de metade. É um breu.
Mhetodos seguidos

A densidade de cada fracção subiu de 180° até 350°, quasi sem alteração, a não ser acima de 340° onde houve já um pouco de pyrogenação.  
V. A viscosidade, determinada cm cada uma das fracções, tambem subiu gradualmente.
Tomei por unidade de viscosidade à viscosidade dos primeiros· termos da distillação, que são os menos viscosos.

 Conclusão

VI. a). Do exame dos  numeros precedentes  e do estudo: dos quadros que seguem resulta nitidamente que o producto examinado tem todos os caracteres dum oleo mineral
 b) Tal como nos foi apresentado contem apenas 12,75% de producto petrolífero, isto é susceptivel de dar um bom petroleo  iluminante. Com efeito o petroleo bem rectificado dístilla entre 150 e· 300°. Ora o nosso oleo examinado, até 250° dá apenas menos de 1 º/o de producto e até 300° passou ao todo 12, 75% d'oleo. ·

Como estas fracções  correspondem ás ultimas partes dos petroleos iluminantes, o petroleo assim obtido não seria de boa qualidade. É demasiado viscoso para isso. 
·
C} Debaixo. do ponto de vista petroteo convem  pois pesquizar afim de ver se não apparece producto mais volátil, por meio de sondagem, o que é provavel.  
d) Mas sob o ponto de vista oleo mineral, para lubrificação ou outras applícaçõos (combustível, vernizes, etc.) o  producto bruto (purificado por filtração conveniente  ou por um tratamento · pelo acido sulfurico, seguido de lavagem) poderá encontrar bom emprego.

VII A. densidade foi avaliada com a balança de· Mohr-West-phal.
 A viscosidade, por meio dum apparelho que improvisei e que era essencialmente constituido por uma galheta, com torneira de  vidro  de 10ºcc. O tempo avaliado em minutos e segundos, que o liquido leva por escoar é directamente proporcional á viscosidade, e como o volume, a temperatura, e a· orifício de  escoamento eram constantes obtém-se assim determinações precisas do valor relativo da viscosidade - que era o nosso caso.

O índice  de refracção foi determinado a 15° com o excelente  apparelho de Féry, que dá immediatamente e por simples leitura o índice com 4 decimaes  em relação á dupla-risca amarella do sedio

o foi determinado a 15° com o excelente  apparelho de Féry, que dá immediatamente e por simples leitura o índice com 4 decimaes  em relação á dupla-risca amarella do sedio.  
VIII.· O pequeno quadro seguinte prova bem que o producto estudado entra no grupo dos oleos rnineraes, de que tem as constantes geraes

                                                    Ebulição            Densidade       índice refractometrico
Ethér de petróleo, gazolina ….30º-70º…………0,650………………….. 1,37
Benzina ele petróleo………… …..70 -150º………07 a 0,75……………. -
Petroleo iluminante…………….. 150-300º--------0.780 a 0,820………1,45
Oleos mineraes………………………300-350º……………… »0.840…………1,48-1,50
Vaselinas, paraffínas, etc .....fusão 35º-75º

IX. Natureza chimica do oleo examinado.
Era interesante, tratando-se dum producto africano, aproveitar a ocasião para uma pequena contribuição para o conhecimento  chimico dos jazigos petrolíferos.
É sabido que os petroleos  americanos são  constituídos por hydro-carbonctos C n H 2 n+2; acyclicos, ao passo que os petroleos europeus (Cáucaso, Galicia, Rumania, etc.) são formados. Por hydro-carbonetos Cn H2n os naphtenos, isomeros  das olefinas, mas differentes destas por serem hydrocarbonetos saturados como o demonstrou  pela primeira vez o meu Mestre Schutzenberger.
São hydrocarbonetos cyclicos, que se podem considerar· como hexahydretos dos hydrocarbonetos benzénicos:

Por exemplo:

 C.6 H6+ 3H2 = C6  H12
C7 H8 + 3H2 = C7 H14


Os naphtênos foram estudados também por Beilstein e Kurbatow
Nesta ordem d'ídeas verifiquei que, contrariamente ás olefinas, os productos distillados do oleo que estudei não fixam sensívelmente bramio (sobretudo em solução sulfocarbonica) (1); Tambem  não fixam o acido sulfuríco concentrado· e quente. Não são atacados pelo permanganato de  potassio em solução concentrada e misturado com !{OH concentrada. · ..

Appliquei também o methodo de Ríche e Halphen (t) que serviu  para distinguir os petroleos russos dos petroleos americanos, methodo baseado na differença de solubilidade, numa mistura em volumes eguaes de chloroformio  e d'alcool a 93° G. L., que as diversas· fracções da distillação, com densidade e  egual apresentação , pelo facto  de serem constituídos por hydrocarbonetos de series differentes.
Os numeros que constam do quadro N.1 demostram que  se trata de oleos análogos aos oleos europeus, visto ter   a solubilidade destes, solubilidade que é muito maior que a dos petroleos americanos.

 D'ahi conclue-se nitidamente, sob o ponto de· vista chlmíco,  que os óleos mineraes africanos (S. Thomé) apresentam um conjunto de caracteres que me leva a aproxima-los dos petróleos europeus e a afasta-los dos produtos petroliferos do continente americano.
Talvez estes factos tenham algum interesse para  a geologia geral  e para a· formação dos jazigos petrolíferos. para o conhecimento dos quaes esta nota é uma pequena· contribuição-

·(1)Empregando o bromio, dírectamente, ha desenvolvimento de ·H Br em virtude da formação de derivados de substituição, como  verifiquei.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 1912

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