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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Hoje em S. Tomé – A Marcha da liberdade recorda os que tombaram no campo de extermínio de Fernão Dias e em muitos outros pontos da maravilhosa ilha, subitamente transformada num lugar de assombro e morte, No seguimento da revolta que despoletou na Vila da Trindade, em 3 de Fev. 1953, contra o trabalho forçado das populações - Constituindo uma das manchas mais negras da colonização portuguesa, por força do desvario e loucura do Governador Carlos Gorgulho

SÃO TOMÉ HOMENAGEIA HOJE OS SEUS MÁRTIRES DO MASSACRE DO BATEPÁ DE 3 DE FEVEREIRO DE 1953 – COM A MARCHA DA LIBERDADE: -

O ano passado estive no local do antigo campo de concentração de Fernão Dias, onde, em 1974,   pude entrevistar alguns dos sobreviventes para a revista Semana Ilustrada de Luanda, com custos pesadíssimos de vida, pois STP e ainda não era independente


A Marcha da Liberdade é uma das já tradicionais manifestações populares, que marca o início das comemorações dos fatídicos massacres do  Batepá  de 3 de Fevereiro de 1953 -  O ponto de concentração, começa na Praça da Independência, na cidade de S. Tomé, habitualmente reunindo centenas de cidadãos, de jovens, adultos, de todas as idades, que depois se dirigem  para Fernão Dias, relativamente próximo do terreiro da antiga dependência da então Roça Rio do Ouro, local onde se situava   um autêntico campo de tortura e extermínio

A cerimónia foi inaugurada com a deposição de uma coroa de flores pelo Presidente da República, junto ao novo Monumento dos Mártires da Liberdade, de autoria do arquiteto Alexandre d´Alva -


Ouviram-se  cânticos e prédicas dos principais credos religiosos, que ali se fizeram representar. Viram-se rostos, ainda emocionados ou com as rugas e expressões, ainda bem estampadas nos  semblantes de um punhado de  sobreviventes, dos que lograram resistir e que ali compareceram - Que ainda hoje não conseguem disfarçar as mazelas imensas, de que foram alvos, os imensos sacrifícios, o terrível sofrimento, a que foram submetidos   - A contrastar com os sorrisos de alegria da juventude, a mais calorosa e participativa, que, embora informada do significado do lugar, sabe que a melhor forma de fazer perdurar a memória dos seus antepassados, dos que ali tombaram, é também honrá-los, em ambiente festivo, mas pacífico, com o entusiasmo e o calor da sua vitalidade, determinação energia - Pois, no fundo, é sempre este o maior desejo dos que sabem que vão morrer por uma  causa nobre e justa e a que não resta outra esperança, senão a certeza ou a confiança  de que os vindouros, possam desfrutar de um melhor bem-estar e modo de vida, que eles não tiveram.


Temos que render homenagem àqueles a que dedicaram o sacrifico extremo para devemos  hoje sermos livres; devemos fazer tudo para merecermos a liberdade que temos; porque aqueles que morreram em 53, fizeram um sacrifício para termos o que somos hoje – E temos que fazer o melhor para que aqueles que vierem depois de nós, também se orgulhem de nós” – Disse o então Presidente Manuel Pinto da Costa




Foi precisamente há 64 anos mas a lembrança  desses ignóbeis acontecimentos permanece ainda bem presente na memória coletiva do Povo Santomense, que hoje recorda as largas centenas de mortos que barbaramente foram espancados no Campo de Concentração de Fernão Dias,  


Em 1974, entrevistei algumas das vítimas para a revista Semana Ilustrada, de Luanda, uma das quais ainda  com feridas por sarar numa das pernas, com que foi acorrentada - Trabalhos jornalísticos esses que me haveriam de custar graves dissabores, violentas reações por parte, de alguns colonos. que me furaram os pneus do meu carro à navalhada, penduraram uma forca na porta de minha casa e me agrediram selvaticamente.

Escasseava a  mão de obra barata..E o governador planeava construir grandes edifícios à custa do trabalho forçado nas ilhas e  mandou o ajudante de campo armado em soldado nazi a comandar um grupo de milícias para  ordenar o trabalho obrigatório.. Num verdadeiro retorno aos primórdios do ignóbil e duro esclavagismo, até que,  numa remota aldeia perdida no mato,  algures pela Vila da Trindade, alguém se encheu de coragem e reagiu sobre o fogoso e arrogante alferes, que teve a reação popular que merecia  e à altura da leviandade e do desprezo como olhava a  população  e impunha  a sua vontade .






"Tudo começara na vila da Trindade, com a população nativa a ser perseguida há meses com rusgas permanentes e arrebanho de pessoas para as obras do Estado. Ao anoitecer do dia 3 de Fevereiro de 1953, o tenente Ferreira e o Zé Mulato, acompanhados de soldados armados de espingarda e baioneta, apareceram num jipe em atitude provocatória. Um homem que passava, descuidadamente, na rua principal abatido pelas costas. A população, aterrada com o tiroteio, corre a refugiar-se no mato. E, no dia seguinte, principiaram as prisões em massa, as rajadas de metralhadora, morte de gente indefesa. Com a desculpa, disparatada, de que os nativos, armados machins, se preparavam para marchar sobre a cidade para matar o Governador. E, por fim, nomeariam como  governantes  personalidades desafetas  ao Governo, como o Engº Graça , os professores Januário e Maria de Jesus, os chefes e mentores da revolta. E também alguns brancos-forros, Vergílio Lima, Carlos Soares, Américo Morais  - In Crónica de uma Guerra Inventada – por Sum Marki


"A forma como o Governador durante o tempo do meu Comando tratava e dirigia a sua obra, "com dinamismo - que o tinha -sob os aspectos de desenvolvimento material e económico era, sendo bem observado, em vários detalhes, como um ditador à maneira da gestapo no tempo de Hitler na Alemanha. Era ele e só ele quem tudo mandava. sentindo que a minha outra função de Administrador do Concelho inerente ao meu comando da Polícia iria ser toda subordinada às suas firmes e despóticas vontades em acionar as suas obras que dia a dia se faziam por toda a parte. Assim, o Governador determinava ao Administrador do Conselho que mandasse apresentar na Repartição das Obras Públicas a quantidade de trabalhadores que desejava para qualquer obra. Mas, como se me tornava impossível por falta de ficheiros e registos de elementos a convocar e a chamar pelos diversos Regedores das Freguesias da Ilha, comunicava isso mesmo - em geral pessoalmente ao Governador - que se admirava da minha ingenuidade nestas coisas já tão sabidas em S. Tomé! ...

Como ir arranjar- trabalhadores?!...Muito  facilmente pá: como já do antecedente: forma que era já do tempo em que ele tinha tomado posse daquela Grande Propriedade que era do Estado mas que .ele governava à sua maneira de conseguir homens para  trabalho, E como era ? Por meio de RUSGAS! Tratando-me por TU, como aliás a toda a gente daquela terra, dizia-me abrindo o mapa, a planta, da Ilha. Tratas de cercar com os teus soldados a zona' tal e tal ... e de manhã vais apertando o cerco e trazes-me para a Cidade essa gente que for saindo de suas casas. Assim se fazia e se entre as mulheres vinha alguma cachopinha bonitinha em isca para o homem grande ... E o resto da caçada era entregue pelos meus soldados sob prisão ao comandante das prisões -miseráveis barracões imundos onde os pobres dormiam pelo chão-um tenente Santos Ferreira que se dizia parente do Ministro do Exército, natural de Viseu" - Excerto - Em próximo post conto retomar as suas memórias.

 SOBREVIVENTE - A DOR QUE O TEMPO AINDA NÃO APAGOU - ESPANCADA À CRONHADA DEPOIS DE LHE METEREM A CABEÇA NUM TANQUE DE  ÁGUA - Era menina e estava grávida.




Ainda  jovem, e  mesmo grávida, não foi poupada à brutalidade facínora das ordens do então Governador Carlos Gorgulho: arrastada à força de sua casa, levada para um calabouço na então Vila de Trindade, espancada barbaramente, Primeiro deu-se o saque às casas: carregaram o que puderam dos modestos teres e haveres, após o que as incendiaram.




Maria dos Santos, mais conhecida por Mena, agora com 80 anos,  é um  dos rostos debilitados, que ainda hoje espelha o testemunho do incomensurável sofrimento, angústia e lágrimas, por que viveu há 62 anos, - É uma das mártires, ainda sobrevivente dos hediondos massacres de Batepá, que tiveram inicio nos horrores da longa e pavorosa noite de 2 para 3 de Fevereiro de 1953 e que iriam prolongar-se nos ignóbeis espancamentos e torturas,  até à morte, infligidos  a centenas de santomenses, em terríveis interrogatórios, desde brutais choques elétricos, à violenta palmatoada, ao chicote, cacetada e cronhada, a soco e a pontapé,  quer  no afrontoso cárcere da prisão local,  onde os presos, coabitavam  exíguos e afrontosos espaços, em deploráveis e nauseabundas condições higiénicas, quer numa das salas da Fortaleza S. Sebastião (a capitania dos Portos), transformada em laboratório   ao estilo da Gestapo hitleriana, sob a batuta do  famigerado médico Aragão, locais donde partiam para o Campo de Concentração Fernão Dias   

NÃO LANÇARAM 12O HOMENS AO MAR PORQUE A TRIPULAÇÃO DO BARCO SE OPÕS




UM CABO-VERDIANO CORAJOSO - REBELOU-SE CONTRA O COMANDANTE DO NAVIO, EVITANDO QUE OS SANTOMENSES FOSSEM LANÇADOS  AOS TUBARÕES - MAIS TARDE A PIDE DESCOBRIU-O E METEU-NO FAMIGERADO CAMPO DO TARRAFAL

- Na imagem, o corajoso Bernardino Lopes Monteiro, com os dois filhos:  o mais  crescidote, o Vital Monteiro, falecido em 1974, e o mais novo, Victor Monteiro,  que chefiou o  Gabinete do ex-Presidente da República de S. Tomé e Príncipe, entre outras anteriores altas funções.

É uma das raras fotografias que tem de seu  pai.  envergando a farda azul de marinheiro, que  ele tanto gostava de vestir aos domingos, na antiga Roça Rio do Ouro, para onde, anos mais tarde, haveria de ir como contratado - Farda essa com a qual se orgulhava de  trazer à memória as suas recordações de imediato do navio António Carlos, designadamente da rebelião  que ali protagonizara, convencendo,  o resto da tripulação negra a juntar-se à sua indignação, evitando, com a sua coragem e heroicidade, tão horrível afogamento.

Como também trabalhei nesta roça, como empregado de mato, recordo-me perfeitamente da sua imagem: era o homem da leitaria: pelo seu aspeto fisico, até cheguei a pensar que fosse branco mas era mais um dos pobres sacrificados da escravidão daqueles tempos.

Toda a gente o conhecia e estimava: era uma pessoa muito comunicativa, amaével e simpática, que parecia saber um pouco de tudo e ter mais cultura de que os brancos que o chefiavam.



 CORONEL VICTOR MONTEIRO, FILHO DE BERNARDINO LOPES MONTEIRO - ELE CONTA O QUE LOGROU APURAR DE SEU PAI 


 REVELAÇÕES DE DOMINGOS VAZ MARTINS - CONHECIDO POR PÔMPI"

Atualmente a morar no Pantufo, onde o conheci, na companhia do Coronel Victor Monteiro, aquando do meu regresso a S. Tomé. E é realmente espantosa a sua revelação, pois vem desfazer algumas dúvidas acerca dos designios que levara Gorgulho a embarcar tantos presos num barco! - Diz ele o seguinte, referindo-se  às confissões que lhe fizera o seu amigo, Nhô Novo:

"Ele  disse-me que o branco queria jogar os presos no marEntão ele não aceitou. Nhô Novo  não ficou contente com aquilo”, opôs-se: “Disse que é gente como nós. Não pode atirar ao mar, é pecado! Talvez seja por isso que puseram na cadeia de castigo. Discutiu e disse-lhe que não podia jogar os homens ao mar dessa maneira
.


As MACABRAS OPERAÇÕES DO NAVIO ANTÓNIO CARLOS NO PERIODO COLONIAL -
Em Fevereiro de 1953, cerca de centena e meia  de santomenses, iam ser largados no mar  por ordem do Governador Carlos Gorgulho- Tal não aconteceu porque a tripulação, liderada pelo imediato Bernardino Lopes Monteiro,  se sublevou - Porém, alguns anos mais tarde, no caso de prisioneiros de guerra guineenses, persistem  fortes suspeições, de, que o crime tenha mesmo sido consumado, com uma parte da carga humana, engaiolada nos porões e da qual apenas chegou metade ao seu destino - Quem levanta a questão é  um tripulante, que acusa o comandante como uma figura odiada:  "Foi ainda a bordo deste mesmo navio que nos deslocámos de Bissau a Cabo Verde (Tarrafal) na Ilha de Santiago) para ali embarcar supostamente 88 ex-prisioneiros de guerra, mas por razões que nunca cheguei a saber apenas 44 voltaram para a Guiné .Era então Comandante do António Carlos o conhecido e odiado pelas gentes da outra banda, o  "Herói do Barreiro"... Estou a falar-vos do longínquo ano de 1964. (***). - Pormenores mais à frente. Luís Graça & Camaradas da Guiné: Guiné 63/74

CAMPO DE EXTERMÍNIO DE FERNÃO DIAS

Um local pantanoso, infestado de mosquitos, embora a escassos metros da praia, onde muitos presos, ou  eram imediatamente acorrentados e lançados ao mar ou, ainda sob o peso de fortes grilhetas,  obrigados a carregar pesadas tinas de água ou grandes blocos de pedra, por forma a que o seu extermínio ainda fosse mais doloroso, porque física e psicologicamente mais sórdido e lento, quando não sufocados pelo terreno movediço da lama para onde também eram atirados ou mortos vivos em valas abertas pelos próprios prisioneiros, que eram obrigados a cavar a sepultura, sob as prepotências e as arbitrariedades de um contratado angolano, um tal Zé Mulato, um inqualificável verdugo que  que as autoridades foram buscar à cadeia,  onde  cumpria pena de assassínio, para chefiar o dito campo de morte. 

 EM PORTUGAL - NUMA REMOTA ALDEIA - TAMBÉM HOUVE OUTRO MASSACRE

Claro que não se pode dizer que, em 1953, os tempos também fossem bons para os portugueses que viviam na “metrópole do império colonial”, muito pelo contrário: eram tempos de repressão, de fome e de miséria – E a pequena aldeia do Colmeal onde nasceu o meu bisavô paterno, varrida por ação de um processo judicial, injusto e prepotente, no dia 10 de Junho de 1957, com os seus habitantes despejados à força, com  desfecho trágico de casas queimadas e algumas mortes por balas da GNR- a guarda pretoriana do regime colonial-fascista -, é  também outra das páginas negras da História da Lusitânia moderna 

Conheci pessoalmente a dureza desses tempo, quando fui trabalhar aos 11 anos, como marçano em Lisboa. Daí  que, os criminosos  acontecimento que ocorreram em Fevereiro de 1953, em S. Tomé, sob o comando do próprio governador colonial,  tenham que também de ser analisados -não estritamente por via de  ódios raciais – mas num contexto mais abrangente – O da época colonial e do fascismo que se servia de todos os meios para defender os interesses de uma certa burguesia privilegiada – Infelizmente é esta a situação a que estamos assistir através da ideologia liberal. 


Ainda entrevistei algumas das vítimas - "Prenderam-me durante 45 dias. Houve a ideia de arranjar mão-de-obra gratuita. E daí surgiram as prisões, mais prisões sem quaisquer razões para isso. Procurava-se emprego e não se encontrava. No entanto, as rusgas sucediam-se e as pessoas que encontravam eram presas. É claro que houve um ou outro que reagiu sobre essas atitudes." Declarações de Bartolomeu Cravid


CAMPO DE EXTERMÍNIO ÀS ORDENS DE UM CRIMINOSO CAPATAZ


"FUI UMA MÁQUINA BRUTA A MATAR" - A uns matava-os a soco, outros a tiro, à paulada ou à machinada! Alinhava-os ao longo da vala para não me darem muito trabalho.Alguns ainda gritavam lá dentro, mas calava-os imediatamente, com umas quantas pazadas de terra. Nem era eu que as deitava, mas a outra "empreitada" que vinha logo  a seguir.  - ...Fui duro!... Bem sei... Tinha de ser...E não me pergunte se  estou arrependido,não senhor! Não estou!!.. - Outros amarrava-os  à cadeira dos choques eléctricos!... "até pulavam!...Até gritavam!... 

QUANDO A BELEZA DE UMA ILHA É MANCHADA DE HORROR, DESTRUIÇÃO E MORTE


Além de alguns sobreviventes, cujos relatos transcrevi em anteriores trabalhos jornalísticos, neste site, embora com alguma relutância, e, diga-se, também com algum receio, pois desse homem tudo era possível, pude também entrevistar o famigerado Zé Mulato . A entrevista não chegou, no entanto, a ser publicada, não por falta de vontade  minha, mas por decisão editorial da revista Semana Ilustrada, atendendo à crueza das suas declarações . Contudo, as suas palavras, tendo-me soado, quase como o silvo das balas, com que crivou as suas vítimas, ou através da violência da barbárie de espancamentos, ficaram-me como que retidas na memória para sempre – Exercício esse que fiz, neste site,  há 3 anos, por ocasião da celebração do 36 º aniversário da independência de S. Tomé e Príncipe . A dado passo dizia eu o seguinte:

A paz  que ali reinava dantes, dava lugar a um autêntico cenário de horrores: por todo o lado havia a imagem e o cheiro da morte!...- E aqueles que conseguiram escapar,  feridos ou vivos, onde quer que se encontrassem, vertiam agora lágrimas de dor e de luto, de desespero e aflição.

Rara era a família santomense que não chorasse um dos seus mortos.
 - Porém, o macabro crime não tardaria também a atingi-los  da forma mais violenta e cobarde. Enceta-se a caça aos "culpados" e outro cenário cruel rapidamente vai ter lugar – No Campo de Concentração de Fernão Dias

Ouvi as declarações e os desabafos de algumas das vítimas que sobreviveram  ao massacre do Batepá  e às prisões  e  torturas de centenas de mortes que se seguiram.

Por fim,  também ouvi o principal carrasco, cujo diálogo registei para um pequeno gravador . Recebeu-me na sua oficina, cá fora, encostado à sua carrinha. Mas não foi fácil falar com o  corpulento Zé Mulato. E até me dirigi a ele com alguma relutância e   medo,  receando que pudesse ter a mesma atitude intempestiva  dos colonos e me agredisse - Não o fez fisicamente mas as suas palavras soaram-me a balas, a extrema violência e a  fusis!

Não queria falar e vi que também estava zangado comigo: "Você é um parvo!!..
Tinha obrigação de conhecer  melhor o preto!!..Eu sou negro e analfabeto e sei bem o que sou: conheço a minha rês!!" 
Mas depois de o deixar desabafar, lá foi desfiando alguns dos episódios, revelando pormenores dos seus cruéis atos, num tal  acontecimento macabro.

- Sim, já me haviam relatado os seus crimes, mesmo assim não esperava tão inesperada confissão. actos de tamanha impunidade e crueldade!
Descritos  com tão flagrante e  desbragada  sinceridade. Tão crassa frieza,  impiedade e desfaçatez, cujas palavras ainda  me não  saíram completamente dos ouvidos, tal a impiedade com que as pronunciou e  a impressão com que ainda  hoje as recordo. Sim, confessava-me ele num certo dia e com  palavras  de arrepiar:



"Em Fernão Dias eu era o capataz e fui uma máquina bruta a matar!!... Matei mais de mil!
Era eu quem mandava. Cumpria ordens!...O que querem agora que eu faça?!..
Querem que eu me mate ou querem que eu me deixe  matar por eles?!... 
Agora andam para aí a rondar-me a porta: o primeiro que aqui entrar, deixo-o aqui degolado, não sai daqui inteiro nem vivo!...Querem que lhes dê o  mesmo trato?!... 
A uns matava-os a soco, outros a tiro, à paulada ou à machinada! 
Alinhava-os ao longo da vala para não me darem muito trabalho.
Alguns ainda gritavam lá dentro, mas calava-os imediatamente, com umas quantas pazadas de terra. Nem era eu que as deitava, mas a outra "empreitada" que vinha logo  a seguir.

O campo estava vedado de arame farpado….Mas houve quem fugisse. Houve uns macacos que se puseram andar!!. Por isso,  passei acorrentá-los para não se escaparem, e, às vezes,  para não me maçar  muito, mandava-os carregar água do mar em potes até se cansarem!.. E tinham que andar ligeiros, dar a volta pelos coqueiros  e a despeja-la ali de novo à beira  da praia!

Dei muitos murros e pontapés até se cagarem! Depois mandava-os abrir as covas  para outros os enterrarem! Não tenho pena de nenhum dos que matei!...Foram  uns  milhares de  "comunistas"  à  vida! ...Fui duro!... Bem sei... Tinha de ser...E não me pergunte se  estou arrependido,não senhor! Não estou!!.. - Outros amarrava-os  à cadeira dos choques eléctricos!... "até pulavam!...Até gritavam!... 

Eram uns tristes ... Coitados!...Passavam sede e fome!.. .Andavam magros como os cães!... Alguns caiam já mortos!..Eu sei...Foi duro!.. Eram meus patrícios!... Mas quem é que os mandava ser comunistas?!.. Houve muitos que sempre  negaram a morte do alferes  por mais verdoadas que levassem!

Oh! mas quando o cacete lhe caía nas costas!...Ou o chicote lhes zurzia na cabeça e no focinho!...Não havia língua que não se soltasse!
Abria-se-lhe logo a boca p´rá  verdade!!... E os desgraçados até  me davam vontade de rir quando de repente confessavam:
." - Perdoa-me Zé Mulato! Perdoa-me Zé Mulato!
Eu sou comunista! Eu sou comunista! … Não me mates!!Não me  mates!!!
Estou arrependido!..não me meto mais noutra!!"
- Era então quando lhe dava mais porrada!
Virava pau em cima deles!... Pau até partir ou rachar cabeça deles!.. Ainda mais os  espancava!!...

Comunistas? - pergunto eu. Sabiam lá os tristes massacrados o que era o comunismo!Nem  ele próprio sabia. Mas, lá está... Zé Mulato era lesto e  mau!
Portava-se como todo o  mundo fosse seu. Cumpria as ordens que vinham de cima por inteiro e ainda abusava!... Queria lá saber do sofrimento alheio!...
O verdugo  era impiedoso e não hesitava!


"Depois duns  valentes choques eléctricos, aos mais renitentes, desapertava-lhe as fivelas, tirava-lhe os coletes e as correias, soltava-os,  ficavam doidos e tontos, pareciam macacos esgazeados! … Atiravam -se direitos às paredes às cabeçadas! Até sangrarem-lhes os dentes!...Caiam no chão e  esperneavam!
E eu depois lá tinha de acabar com eles, com uns pontapés na cara! Esmagava-os!!...  O negro é rijo!... Custa a morrer! 
Eu também sou da mesma fibra..  e venha aí o primeiro  que me queira dar alguma cacetada! Senão os matasse nunca mais morriam e se acalmavam!
Dava em maluco!... Ainda ia ficar mais estragado do que eles!!..
Então era gritaria a toda a hora e  nunca mais se calavam!..

Mas Sô Zé Mulato tinha o perfil do carrasco ideal, nem ia ficar louco nem minimamente  se impressionava! - E, pelo que me disse, até achava muita graça e  piada - Porém, a tal cadeira  - só de se ver - era mesmo real e  macabra.

Sim, ainda vi a imagem cruel e fotografada desse abominável suplício!- Tive-a nas mãos mas não a pude publicar: o editor da Voz de São Tomé, (jornal do regime), essa e outras horrendas imagens não mas facultou nem ele as publicou - espero  que estejam  guardadas em arquivo- Um tal militar (um tenente fascista)  encarregou-se de limpar os arquivos da PIDE e o que não interessava.

O que se passou tem de ser interpretado à luz da ignorância e das trevas da época - em que apenas uma reduzida elite, parasita e corrupta, vivendo à sombra do regime colonial e ditatorial, tirava proveito e fazia o que bem lhe apetecia - Há que não ignorar esse passado mas  o

lhar em frente, sem remorsos e com os olhos confiantes num futuro melhor: Portugal e S. Tomé falam a mesma língua - e ambos os povos foram vítimas do ignominioso e longo período colonial fascista. .E, afinal, muitos de nós cresceram e viveram à sombra da mesma bandeira -
Porém,  a história não pode ser nem apagada nem esquecida: faz parte dos dois países

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