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quinta-feira, 14 de abril de 2022

NÁUFRAGOS DO TITANIC - A Singela Homenagem de quem viveu como eu o sufoco aflitivo das ondas - Foi na noite de 14 de abril de 1912, às 23horas 40 m, durante sua viagem inaugural, entre Southampton, na Inglaterra, e Nova York, nos Estados Unidos, que o navio Titanic chocou com um iceberg no Oceano Atlântico com mais de 1 500 pessoas a bordo e o afundou na madrugada do dia seguinte

Jorge Trabulo  Marques - Jornalista - A singela homenagem em expontâneos versos 

Repousa a 3.800 metros de profundidade - Sob as coordenadas
41º 43' 35" N, 49º 56' 54" W

 

Náufragos do desespero!
das inumeráveis viagens inacabadas,
dos inarráveis rumos que foram traçados
e dramaticamente, riscados,
abruptamente destroçados, 
afundados no torvelinho das águas!..

Tal como vós, também um dia parti de um porto,
de um indistinto porto tracei meu rumo,
perdi-me, voguei errabundo, fui náufrago!...
Vivi todas as  sensações e emoções do mundo,
como só talvez as  viva intensamente 
quem se abra de corpo aberto
e coração fundido à pulsação
desse plangente limite,
viscoso, movediço, sorvente!
-  Na tumultuosa e erma vastidão! 



  Naufraguei!...
Vi-me ignorado  de toda a palavra,
irradiado do próprio sonho,
felizmente resisti  e sobrevivi!
Náufragos, irmãos meus!
Afinal, irmãos de todos os homens,
de todos os seres e de todas as coisas! 
Ricos ou pobres - O sufoco do mar não os distingue,
engole-os e traga-os a todos por igual.

Tal como vós, ó náufragos do Titanic,
 fiz do meu pequeno barco
não a mansão luxuosa 
mas o mesmo lar no grande mar!...
e, através das suas ondas,
rugidoras de presságios,
se não tive a  vossa sorte,
quantas vezes naveguei e aspirei,
em cada espuma,
em cada noite cerrada,
em erma bruma,
um perfume salgado de morte!...




Eu, que sozinho voguei  
sob noites equatoriais povoadas de assombro e trevas
e habituei  meus olhos e  meu  instinto  
a ver o  que as sombras, as névoas,
os nevoeiros nocturnos ocultam ou encobrem,  
sim, ainda mesmo agora 
- à distância do espaço e do tempo - 
,claramente ainda diviso  o pronúncio sinistro 
das mais trágicas horas de luto!... Distingo o perfil  inconfundível 
 de esbelto  e moderno navio - O seu  vulto ainda navegando 
e sulcando a superfície denegrida das águas! 
Sim, como que a antevendo  o sinistro momento, 
que vai anteceder o brutal choque com o Icebergue,
ao pavoroso afundamento que vai seguir-se por escassas horas.

Entretanto, vendo o desespero dos que saltam para o mar, 
que em vão procuram agarrar-se às bóias  ou dos que são descidos
precipitadamente para as escassas baleeiras que foram arreadas.
Mesmo assim, choram, gritam, gesticulam e imploram protecção divina!

Vendo tão claramente o drama, que até me parece
que esta minha emocionada visão, é  de quem lá esteve,
não fruto da minha imaginação! - Que eu sou também
 um dos seus náufragos que  mergulha no mar e se salva!

Sim, neste momento em que as palavras 
se soltam livre e espontaneamente da minha mente,
eu nem sei se não serei mesmo, mais do que o poeta 
ou a figura encarnada de um feliz sobrevivente, 
alguém que, tendo lá estado, sobrevivido ou morrido afogado, 
porém, passados tantos anos, em vez de ter ficado até uma velhice senil,
tenha cedo partido para a eternidade e ressuscitado - Se calhar é isso mesmo.

Mas, seja como for, ainda diviso, ainda revejo, todos os momentos
 do prenúncio e do seu afundamento - O casco e as  linhas aprimoradas
que lentamente se afundam e suspiram, que lentamente soçobram e  asfixiam,  
que lentamente mergulham, vergam e se  revolvem na líquida massa negra azulada,
movediça, ondulada e informe, coalhada de pedaços de gelo do mesmo icebergue, 
que depois de lhe deferir  duro golpe fatal, ali mesmo o vai sepultar!... 
Com idêntica crueldade e gélido  brilho  ao que espelham as mortuárias águas!...
 O mesmo que é reflectido do sideral firmamento, no qual as estrelas 
mas continuam silenciosas mas rutilam.  

Vejo-o e distingo-o, como se aquela noite de tragédia 
se  fixasse no éter para sempre, perpetuada  na atmosfera vítrea  
da amortalhada imensidade!  Espelhada no rosto dos astros 
No calendário programado  dos grandes naufrágios do mar !
 . Oh, sim, o sufoco cruel das águas! Quem o não conhece?!..
Quem ainda não se engasgou até com um copo de água?.
Nem é preciso que seja no mar - Oh, sim!... 
- Afrontosa crueldade marítima, cuja hora idêntica 
ainda hoje perpassa nítida e clarissima pela minha mente!.
Tantas vezes a revi, a revivo, como que renascida
dos confins da memória e da minha adolescência.

Ainda eu era criança, já na escola primária, em minha casa
e na  minha aldeia se falava  do afundamento de um grande navio 
- O mar ficava muito longe e era então para mim um grande mistério.

Por isso, quando alguém embarcava para África ou Brasil, 
todas as noites se rezava, até haver notícias da chegada.
 Talvez por essa razão, quando andei sozinho e perdido no mar, 
muitas vezes me passaram pela mente as aflições dos afogados do Titanic!

Dentro de mim, lateja , pois, o humano sofrimento 
das suas dolorosas angústias e lamentos, as lágrimas perdidas! 
Pelo  meu peito, perpassa ainda o peso das longas horas incertas! 
O calvário dos sofridos tormentos! - E, no meu estômago, sinto ainda 
como que o trago  amargo do sal engolido no remoinho das  trevas! 
Sinto-o ainda como que  a subir-me pela  garganta acima e a vir-me à boca 
um certo sabor vazio das viceras, sentido naqueles dias de sede e sem comida

Oh!  Como eu alguma vez  me poderei esquecer dos infindos momentos, 
vividos,  quando, a horas altas da noite, por ter adormecido, 
rolei da canoa borda fora para o seio negro das águas

Caleidoscópio de memórias que me vai permitindo,
não só mergulhar no meu passado de náufrago, 
transportar as minhas emocionantes recordações marítimas 
e ao mesmo tempo ir descobrindo  na límpida transparência 
de funéreo negrume alvacento e frio, onde o Titanic se vai afundando
todo o pavoroso carrossel dos contornos da sua fantasmagórica e terrível tragédia!

Jorge Trabulo Marques

SÓ QUEM CONHECE NOS OLHOS O TERROR DA VIOLÊNCIA DO  MAR OU  O SUFOCO  E A AFRONTA DAS ÁGUAS SALGADAS,  NA  GARGANTA, PODERÁ AVALIAR QUÃO DUROS SÃO OS MOMENTOS DÉ AGONIA OU DE INCERTEZA

Passei por essa terrível experiência, na minha travessia, a bordo de  uma minúscula e frágil piroga de S. Tomé à Ilha do Príncipe, na noite em que , ao adormecer a canoa me precipitou  na amalgama de uma rodopiante negra  massa líquida.

Posteriormente fiz outras aventuras,  de S. Tomé à Nigéria, em 12 dias, - E, ainda nesse mesmo ano, a tentativa da  travessia da Ilha de Ano Bom ao Brasil,  junto à qual fui largado de um pesqueiro americano, que me conduzira, desde S. Tomé  até às suas proximidades,  para apanhar a grande corrente equatorial. e que acabaria por se saldar em 38 longos dias, grande parte dos quais ao sabor das correntes e dos ventos.

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