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terça-feira, 25 de junho de 2024

S. Tomé – Puíta a música dos escravos angolanos nas roças – Embaixada de Angola quer revigorar essa tradição musical na Roça Agostinho Neto, antiga Roça Rio do Oiro, onde também fui empregado de mato-escravo. Pois ambos trabalhávamos juntos e conhecíamos a rudeza de subir e descer as grotas, chovesse ou fizesse sol.

                                                 Videos com entrevistas a antigos trabalhadores

2014
Jorge Trabulo Marques - Empregado de mato e capataz dos jardins da cidade - Nov de 1963 - 1966 -   Fui militar, - em Angola e S. Tomé -  tendo sido aqui encarregado da Agro-Pecuária do quartel. Depois trabalhei na Missão de Inquérito Agricola e  na  BFAP, como polinizador de cacau e de baunilha e  apicultor -  Na sequência da descrição da minha primeira aventura de canoa de S. Tomé ao Principe  para a revista angolana Semana Ilustrada, acabei  por ser conrrespondente desta semanário em S. Tomé e  por  trabalhar como  operador de Rádio no ERSTP   - Desde então enveredei pelo jornalismo e fotojornalismo.

Almoço no mato Roça Uba-Budo1963

Roça Rio do Oiro 1977 

Refere o jornal Téla Nón, que "a embaixada de Angola em São Tomé e Príncipe tem um programa para revigorar os valores culturais santomenses de origem angolana.  É com este propósito que a comunidade de Agostinho Neto recebeu novos equipamentos para reconstruir o grupo de puíta.

Jorgina Baessa, uma das habitantes de Agostinho Neto disse ao Téla Nón que a Puíta da Roça desapareceu há muitos anos. No entanto, com o apoio da embaixada de Angola, os jovens da comunidade vão ser treinados pelos mais velhos, para o som da Puíta voltar a aquecer o terreiro de Agostinho Neto.  https://www.telanon.info/cultura/2024/06/24/44787/roca-agostinho-neto-volta-a-ter-puita/

A VIDA ESCRAVA NAS ROÇAS - Pena é que não fossem salvaguadadas as suas instalações e preservado e incentivado o seu cultivo.

Fui menino escravo aos 12 anos nas velhas mercearias de Lisboa, um sem abrigo, e, em 1963, trabalhei nesses feudos: Conheci bem a dureza da vida, nessas grandes propriedades, quer para os chamados serviçais, quer para os nativos que ali iam fazer os mesmos trabalhos, mas também para os empregados de mato, que eram igualmente escravizados, mal pagos e que apenas tinham direito à chamada graciosa, de quatro em quatro anos

De facto,  as administrações das grandes propriedades agrícolas nunca valorizaram a mão-de-obra dos forros, dos filhos da terra. É verdade que nunca foram além de meros capatazes, excetuando alguns mulatos, filhos dos brancos administradores ou feitores gerais. 

Roça Agostinho Neto - 2014 - Ex-Rio do Oiro

Puíta é uma dança tradicional de São Tomé e Príncipe, originária de Angola. Foi trazida pelos escravos angolanos e animava as noites nas senzalas das roças.

Era um dos géneros musicais, a par dos batuques moçambicanos e das mornas e coladeiras cabo-verdianas, que entoavam o terreiro das senzalas, sobretudo nas noites de sábado para domingo, visto nos demais dias da semana, depois do toque de silêncio da sineta, não ser autorizada qualquer manifestação sonora.

Escutei esses sons, acompanhados de vozes, mais fazendo verter lágrimas chorosas e de saudade, de que propriamente , expressões de alegres  diversões.

Inicialmente na Roça Uba-Budo, depois na Roça Ribeira Peixe, para onde fui mandado de castigo a contar caqueiros por me ter recusado a tratar por tu e ao velho estilo colonial, os trabalhadores. E, ainda antes do serviço militar,na Roça Rio do Oiro, atual Roça Agostinho Neto   


                            

 Roça Uba-Budo – S. Tomé - Com o “moleque” da administração colonial
                                              Filhos de angolanos, de pais forçados ao trabalho escravo


REGISTO EM VIDEO NUM CASUAL ENCONTRO  EM JULHO DE 2015 - Coms primos José Abel e Manuel Lomba Capito. Abel COM OS PRIMOS - FILHOS  DE PAIS ANGOLANOS - Mas já nascidos em S. Tomé – Na antiga roça Rio do Ouro, atual Agostinho Neto, a maior das propriedades agrícolas, pertencente à Sociedade Agrícola Vale Flor, onde, em 1965,  também conheci a dureza desses tempos,  como empregado de mato  - Pena que hoje as suas instalações estejam irreconhecíveis e os seus heróicos residentes a passarem por tão difíceis privações 
                               
Praia do Uba-Budo - 2014

2014 

Estas algumas das palavras de um relatório da Curadoria dos Serviços e Colonos: - “Tenho observado ultimamente que por parte de alguns patrões, se vem cometendo um abuso grave que consiste em castigar ou com serviços pesados ou com agressões serviçais que capturados como fugidos são enviados para as propriedades, depois de punidos e admoestados na Curadoria, ou ainda depois de regressarem às roças quando aqui veem apresentar qualquer reclamação.-

 … o patrão que der uma bofetada num indígena pode ser punido pelo artº 346º ( do Código Trabalho dos Indígenas) mas tanto este castigo como as palmatoadas, que não causem doença e nem provoquem  impossibilidade de trabalho, dadas com sentimento paternal, por motivos atendíveis, são vistos com reserva pela autoridade


De volta à Roça, em 2014, depois de ali  ter trabalhado em 1963- E alguns meses de 64


Uba Budo - Praia - 1964
Oh! o meu passado que não volta 
mas ressurge intacto na minha memória.
Aqueles dias de permanente descoberta 

nas Roças Uba-Budo, Ribeira Peixe e Rio do Ouro 
- Eu pouco menos era de que outro escravo, 
todavia, a beleza do mato?!..  - Uma maravilha inigualável!...
Eu tinha 18 anos e partira da minha aldeia
 para  ali fazer um estágio como Agente Rural,

 que frequentei na Escola Agrícola de Santo Tirso;
 tudo para mim era novo e me fascinava!... 

 
Não havia uma encosta ou uma grota que fosse igual à outra!
Os cacauzais repletos de frutos de todas as cores, desde o tronco às pernadas
 e aquelas árvores exóticas enormes, que lhes serviam de sombra,
 que eu não descansei enquanto não lhe conheci 
todos os seus nomes - Depois havia ainda as matabalas 
e outras herbáceas com as folhas pintalgadas e até ananases bravios
que nasciam por entre o capim verde. De volta e meia dava duas machinadas
num cacho de bananeira e metia-o numa velha cova aberta de cacaueiro,
 dois dias depois, todas as bananas estavam maduras e amarelinhas, que consolo! 
- Reacendiam de aromas e de cheiro!
Os serviçais, ao terminarem as  empreitadas das capinas, 
da apanha ou quebra do cacau ou da sulfatagem, eram obrigados
apanhar  umas quantas ratazanas que tinham de apresentar antes de largarem  
- a maior praga do cacau - , mas, alguns,  à falta de proteínas, 
até as levavam para casa, como se fossem pequenos coelhos
- E só depois, os infelizes, eram autorizados a  voltar  à senzala 
- Mas, o  empregado de mato (sempre de machim na mão), lá ficava 
a vaguear por aqueles frondosos caminhos das plantações 
até quase ao pôr-do-sol. Só depois regressava
ao terreiro e ao chalé. Mata-bichava e almoçava da marmita
que o muleque lhe tinha ido levar,  confecionado
pela samú negra - A minha tinha o dobro da minha idade!

Caué - 1964

Na verdade,  não guardo da roça, as melhores recordações senão o facto de ter apenas 18 anos, ser um jovem  e da surpreendente beleza daquela paisagem, que todos os dias se me revelava, pese a humilhação a que era submetido desde a alvorada  até ao escurecer -  Pois não posso esquecer-me de como era difícil e dura a  vida na roça, tanto para os empregados de mato como para os trabalhadores - E foi esta a categoria que me foi dada, pelo Administrador da Roça Uba-Budo, quando fui para ali estagiar 
Roça Uba-Budo-2014

A DIFÍCIL VIDA NAS ROÇAS DE MÁ MEMÓRIA  - Para a maioria dos que ainda nelas resistem - sobretudo, de origem cabo-verdiana, com o coração ruído de saudades  das suas queridas ilhas, a situação, em que se encontram, atualmente, não é boa, mas  verdade é que, para quem ali trabalhou, como eu,  esses enormes feudos coloniais, trazem também lembranças de febres palustres e  rosários de humilhações, de muitos sacrifícios e  adversidades 



Uba-Budo 1963



Desembarquei, em S. Tomé, a bordo do navio Uige, em Novembro de 1963 para fazer o meu estágio 
de Agente Técnico Agrícola, da Escola Agrícola Conde S. Bento, em Santo Tirso - Não tendo condições, devido à forma desprezível como ali eram encarados os técnicos, por indivíduos que ascendiam apenas à custa dos anos de serviço  e de uma certa brutalidade; acabei por concluí-lo na tropa, quando ali fui encarregado do sector da  Messe dos Oficiais e da  Agropecuária do quartel .

Com os fulgores da  independência, as roças foram nacionalizadas, porém, como,  as suas instalações, careciam de arranjos  periódicos de conservação, depressa passaram a ruínas e a mato.  Agora, naquelas que não foram privatizadas, cada um vai plantando e colhendo o que pode para a sobrevivência pessoal ou familiar. 

 


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