Era conhecido por Canarim ou Sum Canalim. Desenhava a lápis e a
tinta de madeira, e a sua marca preferida era a Robbialac . Por isso mesmo, talvez alguns dos seus desenhos ou estão já degradados ou não vão ter vida longa. Mas
ele também não pintava para eternizar o seu nome mas para viver intensamente o momento: como quem não quer perder a liberdade
da inocência, o lastro mais belo da memória.
Em parte também era escultor:
pois também pintava as esculturas que desenhava para o carpinteiro cortar. De “songués”
e “sanguês” da sua terra natal, bonecos de
homens e mulheres, em posturas de moleques ou de trajes típicos. As cores da
sua preferência eram os verdes e os vermelhos e o azul - Nos quadros gostava sempre de lhe colocar a
bandeira da república, que foi aquela que ele viu desfraldar, em 1910, quando
foi estudar para Lisboa - mas por pouco tempo. Pensamos que, fazendo-o, mais como sinónimo da liberdade que o
símbolo então profetizava de que propriamente como veneração ao colonialismo,
pois ele sabia muito bem quem usurpara a Roça
das Laranjeiras, onde nasceu.
PARA QUEM NÃO LEU A S.I. HÁ QUATRO DÉCADAS, FICA A CONHECER UM POUCO MAIS O PERFIL DO GENIAL ARTISTA- De quem muito se fala mas de cuja personagem pouco se lhe conhece - Não havendo sequer registos de fotos pessoais na Internet e parece-nos que até do dia da sua morte, que certamente terá passado despercebida.
A sua biografia não necessitava de catálogo, reduzia-se a umas breves
palavras, que geralmente eram impressas nas legendas dos seus quadros:
– Tais como. “Desenho do curiôso artista (artista Nativo da Província Portuguêsa S. Tomé) Pascoal Viana de Sousa Almeida Viegas Lopes Vilhete; que nasceu em Santana a 3 de Maio de 1894. O infeliz Bisnéto do 1º Barão d’Água-Isé. Foi aluno interno do Colégio Universal Calçada de Santana Nº 180, Lisboa, no ano 1908 pª 1912, do mêz de Fevereiro.”
– Tais como. “Desenho do curiôso artista (artista Nativo da Província Portuguêsa S. Tomé) Pascoal Viana de Sousa Almeida Viegas Lopes Vilhete; que nasceu em Santana a 3 de Maio de 1894. O infeliz Bisnéto do 1º Barão d’Água-Isé. Foi aluno interno do Colégio Universal Calçada de Santana Nº 180, Lisboa, no ano 1908 pª 1912, do mêz de Fevereiro.”
Além
das escassas linhas, em caligrafia desenhada, ao lado das legendas em que sintetizava a biografia e
explicava os temas dos seus quadros, como se fossem personagens de uma
autêntica comédia:
Tchiloli", o "Danço Congo", o "Fundão", o "Socopé", a "Santana", o "Cortejo Religioso" e o "Piadô Zaua"*.»entre outros assuntos que ia buscar ao fundo da sua memória mais longínqua, diz-se, atualmente, que, de Pascoal Viegas, o Canarim, pouco se sabe, a não ser que era um grande pintor que nasceu em São Tomé, com um quadro num museu de Nova Iorque – Sim, isto , porque, mesmo no período colonial, tal como o Mestre Diogo de Macedo, afirmara acerca dos artistas em geral, “nós os portugueses continuamos e continuaremos, fora do nosso sonho , a não saber nada… e a perceber menos ainda deste mundo que andamos há séculos a revelar ao próprio mundo”
Tchiloli", o "Danço Congo", o "Fundão", o "Socopé", a "Santana", o "Cortejo Religioso" e o "Piadô Zaua"*.»entre outros assuntos que ia buscar ao fundo da sua memória mais longínqua, diz-se, atualmente, que, de Pascoal Viegas, o Canarim, pouco se sabe, a não ser que era um grande pintor que nasceu em São Tomé, com um quadro num museu de Nova Iorque – Sim, isto , porque, mesmo no período colonial, tal como o Mestre Diogo de Macedo, afirmara acerca dos artistas em geral, “nós os portugueses continuamos e continuaremos, fora do nosso sonho , a não saber nada… e a perceber menos ainda deste mundo que andamos há séculos a revelar ao próprio mundo”
Também se diz nas considerações que se faz à vida e à obra do genial artista “curioso” que “ o nome que se tem como referência no país e na época
colonial é o de Pascoal Viana de Sousa Almeida Viegas Lopes Vilhete" - É verdade. Embora de reconhecido mérito, é
certo, mas o que o tornou famoso foi sobretudo o aproveitamento dos seus quadros pelas entidades coloniais, quando
se deram conta que era interessante (sob o ponto de vista político) associar as culturas locais como
elementos de propaganda turística do regime. De outro modo, quer o folclore,
quer a expressão pictórica nativa, era menosprezada. Era tida como distração de negros.
De
resto, nos africanos, a expressão artística (pintura, escultura e música) comportou sempre um lado mais
lúdico e sensitivo, que as pesadas lucubrações intelectualistas, assim o
assume e o reconhece, Pascoal Vilhete, na legenda com que descreve o
“Danço Congo” ao dizer que “Essa dança não é verdadeira de S. Tomé.
Dizem que foi um Nativo desta Ilha que andava no Congo é que veio plantar essa
brincadeira em S. Tomé; há muitos anos”.
Sim,
também os desenhos de Canarim, foram sempre tomados como sua brincadeira que o
transportava à adolescência E só não chegou a pintar “o carnal de Lisboa,
que foi o que mais adorou, porque, também lá esteve pouco tempo, e havia na sua
terra de origem carnavais bem mais genuínos e que tinham a ver com a sua
verdadeira identidade
CAMÕES PERDEU
UMA VISTA MAS CANARIM DEIXOU DE PINTAR QUANDO JÁ QUASE NÃO VIA DAS DUAS -
POBRE E ABANDONADO
Foi nos finais de Julho de 1971, que
me dirigi a casa de Pascoal Vilhete para o entrevistar – A entrevista, que a
seguir vou reproduzir na íntegra, foi publicada na Revista Semana Ilustrada, de
que era seu correspondente nestas ilhas
Começava assim: -"Vive em S. Tomé, nos subúrbios da pequena
cidade da paradisíaca Ilha Verde, lugar de arraial, numa modesta casa de
madeira escondida entre tufos de colorida e luxuriante vegetação, praticamente
arredado do ambiente buliçoso e palpitante que o cerca, entregue a si
próprio, à sua arte que é o seu· refúgio, a sua quase única razão de se sentir
feliz num mundo que é para si o dia-a-dia, devido a persistente surdez e perda
de vista, que o vai isolando cada vez mais.
"Chama-se Pascoal Viana de
Sousa Almeida Viegas Lopes Vilhete, bisneto do 1º. Barão de Água lzé. Homem de
uma grande simplicidade, Pascoal Vilhete é um autêntico artista, cuja virtude
permanece oculta, debaixo de uma timidez e de uma desconfiança de tudo quanto é
real na vida '' - Mário de Oliveira
"Pois foi justamente com esse
homem simples e humilde com quem há dias tivemos o prazer de conversar. Não o
conhecíamos, nunca o havíamos visto pessoalmente, e, portanto, até então, ainda
nunca tínhamos com ele dialogado. Sabíamos porém da sua existência, não pelo
que dele ouvíssemos falar, porque, apesar do muito valor que encerram as suas obras, é
quase desconhecido em S. Tomé e
Príncipe. Mas, amigos da leitura que somos, dele nos demos conta através de
escritos, sobretudo do conhecidíssimo e categorizado crítico de arte, Arquiteto
Mário de Oliveira, do qual inserimos algumas passagens.
Por isso, foi com vivo entusiasmo
que fomos ao encontro desse grande artista, quase ignorado das gentes de São
Tomé e Príncipe. Pois disso tivemos ocasião de constatar, sobretudo do povo, que
o devia conhecer e acarinhar, ou, pelo
menos, saber da sua existência, porque ele, afinal, sintetiza o povo, pertence
a ele e é dele que as suas pinturas nos falam. Mário de Oliveira, confirma-nos que sim:
“As figuras humanas que Pascoal
Vilhete representa, são possivelmente os
seus amigos da juventude, porque o artista sentiu e viveu em S. Tomé, com uma verdadeira nostalgia. Aí a
pintura tem sido o seu refúgio - um verdadeiro paraíso terreal. Este fenómeno,
aliás, pode apreciar-se em todos os pintores ingenuístas, pela simples razão de que nestes pintores não
existe “batota”, a intenção subconsciente
está sempre a descoberto. A recordação dum mundo que não existe nunca, senão
aquele pedaço de terra perdido na infância, onde Pascoal Vilhete, com os
seus amores, ia ver o Tchilôli, o Danço
Congo, o Fundão, etc., etc. , temas· que hoje o artista continua a pintar numa
absoluta quietude , contraditoriamente conciliada com uma pavorosa sensação de
mistério”
E lá o fomos encontrar em sua
casa, na companhia de sua filha, uma alegre e
bonacheirona negra de certa Idade, completamente absorto e entregue à
execução-de alguns dos seus famosos quadros.
Não nos conhecíamos, por isso –
artista e repórter -, iam encontrar-se pela primeira vez frente a frente num
franco e agradável diálogo. Recebeu-nos com simplicidade, mas recebeu-nos muito
bem.
Vimos nele, logo de início, um
sorriso aberto, como que a desejar-nos as boas-vindas. Pareceu-nos ter ficado satisfeito
com a nassa visita inesperada. Pois, Pascoal Vilhete, confessou-nos que as pessoas já não o cumprimentam, já não
lhe falam. Daí, o desabafar-nos com certa amargura:
“Antes de perder a vista eu
falava muito. Tinha muitos amigos. Agora as Pessoas já não me cumprimentam, Já
não me ligam nada”
Mas será mesmo assim ou serão os
efeitos da implacável surdez e cegueira que o ameaçam? Ninguém por certo saberá
responder. Talvez um pouco de tudo, cremos nós.
Daí, que, Lisboa, para onde
partiu quando jovem, com 14 anos, seja agora recordada na sua mente com
profunda saudade.
Gostava de voltar a Lisboa - em
Lisboa, tinha lá muitos amigos. Tinha lá um rapaz chamado Augusto dos Reis Sá
Nogueira, e um rapaz de Setúbal, mas esse rapaz não sei se ainda existe ou não.
E a verdade é que até os próprios
vizinhes de Pascoal Vilhete mal o conhecem. Disso tivemos oportunidade de
verificar. Pois, para conseguirmos encontrar a sua casa, foi-nos mesmo bastante
difícil. As voltas que demos e as pessoas a quem perguntámos por ele, não têm
conto. E, afinal, ele mora tão pertinho de nós!
Passa-se assim normalmente com os
grandes génios. Quando são votados ao abandono, são desprezados ou humilhados,
se possível for”.
POR OCASIÃO DAS COMEMORAÇÕES DO 5º CENTENÁRIO DOS
DESCOBRIMENTOS DE SÃO TOMÉ E PRINCIPE - Serviram-se dele, compraram-lhe alguns quadros . E prometeram operá-lo à vista - Mas não foram além de promessas
As entidades oficiais – Câmara e
Turismo – compraram-lhe alguns desenhos para lhe fazerem as reproduções - E, mais tarde, foi referido que, pelo Centro de Informação e
Turismo foram tomadas diligências no sentido de Pascoal Vilhete ser operado
à vista. Aguarda-se, apenas, cirurgicamente, a altura própria. O Dr. Sousa Dias
prontificou-se a operá-lo gratuitamente. E ainda bem que assim é, pois senão
corre-se o risco de se vir a perder, segundo afirma, Mário de Oliveira, o nosso
primeiro grande pintor ingenuista. -
A ENTREVISTA COM PASCOAL VILHETE –
ATRAVÉS DA QUAL É POSSÍVEL COMPREENDER MELHOR O HOMEM E O ARTISTA
“E eis agora, caros leitores, em
linguagem simples, algumas passagens da curiosa conversa havida com Pascoal
Vilhete, ou Sr. Canarim, que nos dão um
retrato fiel do homem e do artista - era assim como, na edição da revista
angolana, Semana Ilustrada, iniciava a única entrevista que, o singular pintor santomense,
deu em sua vida, a um órgão de comunicação social – Do qual também não existem
fotos pessoais, que não as que lhe fizemos em sua casa
J.M. – Senhor Canarim: porque
pinta? Qual o motivo que o levou a pintar?
P.V – Foi uma coisa a calhar… não
aprendi.
J.M. – Então você não aprendeu
mesmo nada?
P.V. – Eu aprendi mas foi quando
tirei o 2º grau. A gente fazia desenho
mas fazia uma cadeira… ou uma coisa
qualquer.
J.M. – Mas o Sr. falou-me há
pouco de Lisboa: que foi lá a fazer?
P.V. – Foi o meu padrinho, Sr.
Luís Carlos, que me mandou ir.
J.M. – E porque é que o mandou
ir? Vivia lá em Lisboa?
P.V. – Sim. Tinha lá um
escritório. Queria que eu fosse tirar o curso de guarda-livros. E mandou-me ir
para lá. Depois, quando fui, estive no hotel Frankfurt
J.M- Esteve hospedado ou a
trabalhar?
P.V. – Não, não estive a
trabalhar. Estive lá até arranjar um colégio.
J.M. – Quanto tempo?
P.V. – Pelo menos dois meses.
P.V. – Para o Colégio Universal
na Calçada Santana, defronte à Igreja da Pena.
J.M. – E então o que estudou?
P.V. – Tirei o 2º grau. Depois do
2º grau comecei a estudar francês, inglês, etc. Depois aprendi a trabalhar à
máquina. Queria tirar o curso de guarda-livros
mas depois o meu padrinho mandou dizer ao meu pai… e mandou-me embora.
J.M. – Mas o Sr. não chegou a
frequentar as Belas-Artes?
P.V. – Quê?!... Não conheço essa
casa.
J.M. – E quanto tempo é que esteve em Lisboa?
P.V. – Fui em Fevereiro de 1908 e
vim em Janeiro de 1912.
J.M. – E porque é que voltou para
S. Tomé e Príncipe?
P.V.- Voltei, porque meu padrinho
não queria que eu continuasse o estudo. Porque, se eu continuasse o estudo, não
deixava ele intrujar meu pai. Porque essa Roça de Santana das Laranjeiras, foi
de meu pai.
J.M- Como se chamava ele?
P.V. – João Viegas de Abreu
Pascoal Vilhete.
COMEÇOU POR BRINCADEIRA A
DESENHAR – BONECOS, CAVALOS, DANÇO CONGO… PEGAVA NUM LÁPIS E FAZIA QUALQUER
COISA…
J.M.- Então explique-me lá: como
é que o Sr. começou a pintar? O que é afinal o levou a procurar a pintura?
P.V- Pegava num lápis… fazia
qualquer coisa. Depois… calhou. E pronto!
J.M. – E primeiro começou a
pintar o quê?
P.V. – Bonecos. Cavalos. Danço
Congo.Tchilôli, Cirurgião. Enfim… brincadeiras da terra.
J.M. – E esses desenhos, os
bonecos que o Sr. tem feito, são de coisas de São Tomé, da sua terra, ou também
de Lisboa?
P.V. – Só são coisas da minha
terra. Olhe. Uma coisa até está aqui. – E Canarim apressa-se acto contínuo, a
mostrá-la, ao mesmo tempo que no-la identifica: - É um boneco de madeira, é um
“songue”.
J.M. – Então o Sr. também faz
bonecos de madeira? – Interrogamos de imediato.
P.V. – Sim, Senhor. Faço manequim
de “sangue” com filho às costas e de “songue” com cinzeiro na mão. Mas só risco
e pinto. O carpinteiro é que corta.
J.M – E quanto é que leva por
cada peças dessas?
P.V. – Comecei a vender por
150#00.
J.M. – Não é caro, Sr. Canarim. É
barato.
P.V. – Sim. E isso dá-me muito
trabalho. E tenho gasto muito dinheiro,
porque também tenho que pagar ao carpinteiro. Tenho que primeiro andar cortar
isto. Depois é que faço desenho e tudo.
J.M. – Muito bem. Então o Sr.
Canarim desenha, depois, o carpinteiro trabalha a madeira e por fim você pinta a figura, não é assim?
P.V. Pois. Eu faço o risco.
Depois ele vai com a serra rodear.
J.M – Nesse caso, o Sr. a ter que
pagar ao carpinteiro, pouco lhe deve ficar. Vive então com muitas dificuldades,
não é verdade?
P.V. – Ah! Mesmo muitas!
J.M. – Quantos filhos tem?
P.V. Tinha seis .Morreram quatro,
e fiquei com um rapaz e uma rapariga.
J.M. – É casado?
P.V. – Não. Não casei. Tive uma
amiga. Mas agora…
J.M. – Seu pai tinha uma roça?
P.V. – Sim, senhor. Com sino e
tudo.
J.M – Mas, agora…
MAS AGORA….
Mas agora… Achamos que está tudo dito. Uma
frase áspera e sombria na via de um homem, que não vale a pena activar.
Resta-nos apenas variar o tema. E foi mesmo isso que fizemos. E com igual força
de curiosidade de que vínhamos precedidos, a mesma incontida ânsia de
penetrarmos nas profundezas recônditas da via do homem e do artista,
prosseguimos:
J.M – Então, Sr. Canarim.
Conte-nos lá mais coisas da sua pessoa. Estamos desejosos de ouvir. Diga-nos
lá, por exemplo quais as melhores recordações de Lisboa?
P.V- Ah! Tenho muito boas
recordações. Lembro carnaval de Lisboa. Carnaval de Lisboa é muito bonito!...
Trem, da Avenida da Liberdade. Mas agora já deve ser outro carro fino.
J.M. – Se lhe mandassem fazer uma
pintura de Lisboa, ainda era capaz?
P.V. – Não. Já não era capaz. Já
não tenho bem na ideia.
J.M – Dos seus quadros que tem
feito, de qual é que gostou mais de pintar?
P.V. – Eu gosto de todos. Mas
Tragédia e Danço Congo é que gosto mais.
UTILIZA TINTA ROBBIALAC
J.M. - Já reparei que nas suas pinturas, o Sr.
Canarim utiliza muito verde e o vermelho. Porque será? Tem algum gosto especial
por essas duas cores?
- E Canarim, como que apanhado de
surpresa, respondeu-nos:
P.V. – Ah! É tinta da república.
É da bandeira. E também gosto de fazer
com tinta azul e tinta branca, que é a bandeira portuguesa de
antigamente. Mas também gosto do encarnado porque sobressai mais. Fica mais
bonito e faço o verde, de vez em quando, devido às folhas das bananeiras, das
palmeiras. Da paisagem.
J.M – O Sr. Canarim, desenha
normalmente a bandeira portuguesa nos
seus quadros. Com que sentido?
P.V. – Para ficar uma coisa
bonita. Eu quando estive em Lisboa, havia lá a república e eu vi lá essa
bandeira. . Eu estava lá ainda.
J.M- Quanto tempo é que você leva
a pintar um quadro?
P.V. – Conforme. Às vezes quinze
dias, e mais. E agora cada vez pior. Não vejo. A vista começa a arder.
J.M. – Gostava de ser um bom
pintor? De ter aprendido a arte de pintar?
P.V. – Ah! Tinha habilidade; se
meu pai me deixasse….
J.M – O Senhor utiliza tinta
vulgar, tinta das portas. Que marca é gasta?
P.V. – Tinta Robbialac.
J.M.- E pinta sobre cartolina?
P.V. – É sim senhor.
J.M. – Sabe, Sr. Canarim: os
pintores geralmente utilizam tintas especiais. Nunca ninguém lhe ensinou a
empregar outras tintas?
P.V. – Nunca ninguém me ensinou
nada. Tintas outras não conheço. Faço só.
J.M – Pois bem, Sr. Canarim. E
aqui é que está o valor. Não concorda connosco?
P.V. – Sim, de facto. Dá-me muito
trabalho. É muito difícil. Cai um pingo de tinta e estraga tudo. Mas agora
dizem que há outra de uma forma não sei de quê!
J.M – Quantos quadros calcula ter
pintado em toda a sua vida?
P.V. – Oh! Não sei. Não me lembro
ao certo.
J.M – Que preço faz normalmente
por cada quadro seu?
P.V. . Trezentos escudos.
J.M. – Isso é muito pouco, Sr.
Canarim. Não deve compensar o trabalho que lhe dá, não acha?
PV – Mas, que se há-de
fazer. Ninguém dá mais, mas a vista é
que me mata , senão!…
J.M – Senão o quê, Sr. Canarim?
P.V. – Fazia mais desenhos. Ou
então ia para Lisboa, que lá é melhor.
J.M- Tem apenas trabalhado na
pintura, ou também tem feito outros trabalhos?
P.V. – Só nas pinturas. Nas
pinturas e nos bonecos. E também tenho pintado bandeiras nas freguesias, dado
cor às imagens na igreja de Santana, e outras mais.
E com isto pusemos ponto final às
nossas perguntas pois que para o nosso bom homem, para a sua débil saúde,
passaria a ser abuso a mais.
Restava-nos, unicamente e uma vez
mais, agradecer-lhe a sua tão justa solicitude
à nossa entrevista. E ficámo-nos, portanto, por aqui, esperançados de
que tenhamos dado a conhecer, aos nossos leitores, todos os pormenores de um
verdadeiro artista.
DOIS ANOS DEPOIS – NUM ARTIGO DA
S.I. RECORDANDO A ENTREVISTA E O PINTOR – JÁ QUASE CEGO E CADA VEZ MAIS SÓ E
AMARGURADO
Parece-me que foi há dois anos que me desloquei a casa do curioso pintor ingenuista de S. Tomé, e o
entrevistei para a Semana Ilustrada. No entanto, conservo bem vivo na memória o
interessante diálogo que mantive, demoradamente, com este autêntico artista, um dos maiores
pintores ingenuistas contemporâneos; no dizer do conhecido e reputado critico
de arquiteto Mário de Oliveira.
Guardo desse agradável encontro
as melhores impressões, ,quer da sua arte, quer mesmo a impressão humana
colhida da sua pessoa. Não posso esquecer os seus belos quadros, plenos de
riqueza de cor e expressividade, de pitoresco e gracioso do folclore santomense
dos seus tempos de rapaz. Quase todas ou mesmo todas as suas pinturas remontam
ao seus tempos de juventude. E mostram-nos, de facto, alegre e bizarros
quadros, preenchidos na sua totalidade por cenas e motivos da vida e do
folclore da Ilha.
Também sempre que o vejo
tenho-lhe perguntado como tem ido a saúde, mormente a recuperação da sua vista
que está em vias de perder por completo.
Os seus óculos, de lentes graduadíssimas, parece que já pouco lhe podem valer.
As melhoras não têm sido animadoras.
E é pena, realmente, que ninguém
lhe acuda, que ele não encontre os recursos necessários para o tratamento da
sua vista. E que este” curioso pintor”, aliás, como ele próprio se define, mas grande artista de
S. Tomé, não possa continuar a proporcionar-nos a sua agradável e apreciada
arte. A muita arte que de facto ainda teria para nos oferecer.
USADO COMO INSTRUMENTO DE
PROPAGANDA COLONIAL
Tal como dizíamos nesta
entrevista, que nos concedeu, quem primeiro se referiu a Canarim, foi Mário de
Oliveira, arquiteto, urbanista, pintor e crítico de arte português, autor do
projeto da Escola Técnica Silva e Cunha,
atual Liceu Nacional de São Tomé e Príncipe –
A bem dizer foi ele que o notabilizou. A revista PANORAMA (arte e turismo, editada pelo regime),em Setembro de 1967, consagra-lhe a capa com um dos seus desenhos, servindo de chamada de atenção a um artigo sobre o Tchiloli, de autoria de Fernando Reis; no ano seguinte, em 1968, portanto, dois anos antes das comemorações dos 500 anos destas ilhas, Amândio César, na antologia “Presença do Arquipélago de S. Tomé e Príncipe na Moderna Cultura Portuguesa, edita-lhe vários desenhos (mas a preto e branco), entre os vários textos da referida obra, repescados de “O Mundo Português”, 1936, tendo no verso da reprodução, unicamente a breve resenha descritiva que o artista costumava fazer – como legenda - em cada dos seus quadros, mas dir-se-ia que o ignora ao mesmo tempo, visto não o incluir na antologia dos pintores, desenhistas e aguarelistas que, no período colonial, “melhores quadros” proporcionaram de S.Tomé e Príncipe.
A bem dizer foi ele que o notabilizou. A revista PANORAMA (arte e turismo, editada pelo regime),em Setembro de 1967, consagra-lhe a capa com um dos seus desenhos, servindo de chamada de atenção a um artigo sobre o Tchiloli, de autoria de Fernando Reis; no ano seguinte, em 1968, portanto, dois anos antes das comemorações dos 500 anos destas ilhas, Amândio César, na antologia “Presença do Arquipélago de S. Tomé e Príncipe na Moderna Cultura Portuguesa, edita-lhe vários desenhos (mas a preto e branco), entre os vários textos da referida obra, repescados de “O Mundo Português”, 1936, tendo no verso da reprodução, unicamente a breve resenha descritiva que o artista costumava fazer – como legenda - em cada dos seus quadros, mas dir-se-ia que o ignora ao mesmo tempo, visto não o incluir na antologia dos pintores, desenhistas e aguarelistas que, no período colonial, “melhores quadros” proporcionaram de S.Tomé e Príncipe.
Fala de Fausto Sampaio”, dizendo,
nomeadamente, que “só ele encontrou as
cores e os motivos que deram amplitude maior à sua arte” (…) “Se me debruço no
tempo vejo as cores gárrulas de Fausto Sampaio a gravarem para o mundo dos
sentidos a “Ponta do Cossaco”, a “Cascata” da Roça Guégué, a “Represa de Água
da Roça Boa Entrada, o “Pico de S. Tomé”, da Roça Lembá, um retrato natural do “Tonga”,
o “Cão Grande” na Roça Novo Brasil” (…) “Fausto Sampaio foi um pintor que todo se entregou ao Ultramar.
Mas é verdade que, em S. Tomé, ele encontrou as cores e os motivos que deram
amplitude maior à sua arte”. Alude a Jorge Barradas, a um Neves de Sousa e uma Rachel Roque Gameiro, que “soube dar , na sua
arte filigranada, alguns aspectos únicos de S. Tomé”. Não esquecendo as 20 aguarelas e 27 desenhos de autoria do arquitecto Mário de Oliveira, “o apaixonado paisagista”
que, “em 1961, apresentava no Salão do Palácio Foz , uma mostra de pintura toda
dedicada a S. Tomé”. Contudo, de Canarim, tanto quanto me apercebi, destaca-o nas ilustrações que reproduz mas
não o comenta.
Mas é, sobretudo, em 29 de julho
de 1970, que o nome de Canarim é catapultado para a fama, conforme diz Luciana Éboli,
, com o lançamento “de um impresso das suas
pinturas para retratar aspectos da cultura de São Tomé, entre eles a já
conhecida representação do Danço Congo – “em prol das comemorações dos
quinhentos anos do descobrimento de São Tomé e Príncipe, que evidenciou a
iniciativa de cooptar e integrar as culturas locais e torná-las participantes
de uma nova identidade “sincrética-luso-são-tomense”, conforme palavras de
Valverde, iniciada pelos governantes na década de 60 - que passou a divulgar a
cultura através do caráter folclórico estritamente turístico. In identidade e memória cultural em São Tomé e Príncipe
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