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quinta-feira, 13 de junho de 2019

Em São Tomé e Príncipe," nostalgia das plantações coloniais" - Diz o Le Mond Afrique – Conheci a dureza da vida nessas plantações: não tenho saudades desse tempo de escravatura mas sinto pena que não tenha havido ao menos o cuidado da sua preservação. - Mas também o que se poderia esperar dessa herança, quando, no tempo colonial, os santomenses, nas roças, não iam além de escravos ou meros capatazes

 Jorge Trabulo Marques - Testemunhos

Sede da Administração da Roça Uba-Budo 2014

Roça Uba-Budo 2014
Uba-Budo 1963
Em São Tomé e Príncipe," nostalgia das plantações coloniais"  - Diz o Le Mond Afrique – 

Conheci a dureza da vida nessas plantações: não tenho saudades desse tempo de escravatura mas sinto pena que não tenha havido ao menos o cuidado da sua preservação. 

Mas também o que se poderia esperar dessa herança, quando, no tempo colonial, os santomenses,  nas roças, não iam além de meros capatazes 
 
  Nas restantes colónias, o negro ainda tinha a possibilidade de se defender - Se o patrão o chateasse, tinha para onde ir. Mas, em S. Tomé, cada roça era um potentado, uma colónia prisional, com hospital e a sua justiça. Havia muita prepotência - Pormenores da minha experiência, nesses feudos, mais à frente.

São Tomé-et-Principe, la nostalgie des plantacions coloniales- Titulo de um extenso artigo, publicado em 31 de Maio passado, pelo Le Mond Àfrique 

Uba-Budo 2014
 Começa por dizer que “O coração de uma economia baseada na produção de cacau e café, desde o final do século XIX até meados do século XX, as "roças" estão agora abandonadas. 


Uba-Budo 2014
"Antes, quando você abria a porta, havia pessoas e atividades por toda parte, mas tudo estava fechado . " Agida Lucia, 89, senta-se ao lado da estrada majestosa pavimentada com uma pedra antiga, uma plantação colonial abandonada de São Tomé e Príncipe . Esta mulher de origem angolana, ex-trabalhadora na plantação de cacau Agostinho Neto, sorri maliciosamente ao descrever o passado: "Ali estava a cantina. Acima, o escritório do capataz. Lá, um terraço e uma casa grande. Havia as costureiras, o hospital, o cinema ... Foi bom. " 

Ela fala de uma era sumptuosa que durou cinquenta anos, do final do século XIX até meados do século XX. Os trinta e dois das duas ilhas de São Tomé e Príncipe, na época portuguesa, eram então o coração de uma economia baseada na produção de cacau e café." - Continua mais à frente  
 "A ERA  SUMPTUOSA" DA ROÇA, QUE EU CONHECI,  ERA DURA E AFRONTOSA PARA QUEM NELA VERGAVA A MOLA E  SUMPTUOSA OU LUXUOSA PARA OS PROPRIETÁRIOS, REFASTELADOS NOS SEUS PALACETES, EM LISBOA - Claro que os grandes banquetes na "Casa do Patrão", na sede das roças, também não ficariam atrás. 




 
Na tropa - S. Tomé 1966
Roça Uba-Budo 1963
Desembarquei, ao largo da Baía Ana de Chaves, do navio Uíge,  em Novembro de  1963 para ir fazer um estágio na Roça Uba-Budo,  propriedade da Companhia Agrícola Ultramarina,  de um curso que tirei na Escola Agrícola, Conde S. Bento,  em Santo Tirso. Não tendo condições, devido à forma desprezível como ali eram encarados os técnicos, por indivíduos que ascendiam apenas à custa dos anos de serviço  e de uma certa brutalidade, acabei por concluí-lo na tropa, quando ali fui encarregado do sector da  Messe dos Oficiais e da  Agropecuária do quartel .Pude aproveitar para elaborar um relatório  e concluir o meu estágio - Fui substituir um sargento pedófilo, que fazia da quinta do quartel o lugar para devorar os cabacinhos de meninas.




Na verdade,  não guardo da roça, as melhores recordações senão o facto de ter apenas 18 anos, ser um jovem  e da surpreendente beleza daquela paisagem, que todos os dias se me revelava, pese a humilhação a que era submetido desde a alvorada  até ao escurecer -  Pois não posso esquecer-me de como era difícil e dura a  vida na roça, tanto para os empregados de mato como para os trabalhadores - E foi esta a categoria que me foi dada, pelo Administrador da Roça Uba-Budo, quando fui para ali estagiar - 

O que recordo do meu primeiro contacto com a Roça Uba-budo, é realmente de muito má memória. O administrador, que era praticamente um analfabeto, tinha ódio a quem tivesse mais instrução académica de que ele; por isso mesmo, para me humilhar deu-me a categoria de empregado de mato: pouco tempo depois chamou-me à "Casa Grande" e disse-me: prepare a sua mala, tem ali um jipe à sua espera para o transportar: vai fazer o seu estágio na Ribeira Peixe. Você dá confiança aos pretos e já lhe tinham dito que tem que tratar os serviçais por tu. 

Como não obedeceu às minhas ordens, vou mandá-lo para o Sul - E é para o não o pôr imediatamente fora da Roça - E então que é eu fui fazer com um pobre de trabalhador cabo-verdiano, que também tinha sido mandado para lá de castigo? ... Contar cacaueiros velhos numa zona abandonada, coberta por um enorme capinzal e infestada de cobras pretas. 

2014 . Antigos escritórios da Roça Ribeira-Peixe
Rio do Ouro (Agostinho Neto) 2014
Todos os dias deparávamos com essas terríveis serpentes, até que, um dia, o pobre do cabo-verdiano (como andava descalço) foi picado e morreu ali aos meus pés. Nesse mesmo dia, ao fim da tarde, abandonei a roça. Peguei na minha pequena trouxa e pus-me a caminho em direção a São João dos Angolares – Quando aqui cheguei, era já noite alta e escura, tendo-me recolhido por entre uns arbustos, até de manhã, na margem da estrada, na vertente que desce para a baía, picado por nuvens de mosquitos. Depois apanhei uma boleia até à cidade.

Rio do Ouro (Atual Agotinho Neto) 2014
Enquanto não arranjei emprego na Roça Rio do Ouro (atual Agostinho Neto) ainda cheguei a dormir algumas vezes ao relento num dos jardins  do parque que ali havia próximo das máquinas da eletricidade, até que acabei por me dirigir para a que era então a maior propriedade agrícola, pertencente à Sociedade Agrícola Vale Flor.   

Roça Rio do Ouro 1964 -

Nesse tempo,  o Administrador, era um tal Sr. Fonseca, um barrigudo( tipo garrafão) que se dava ao luxo de, quinze em quinze dias, desflorar uma menina. Tal como ali se dizia, de  lhe tirar o cabaço. 
Rio do Ouro - 1964
Nessa altura, tudo era permitido: até expulsar um Governador que não fosse do seu agrado, que foi o que esse senhor chegou a fazer. De facto, a roça é linda(tal como toda a Ilha) mas acarreta um passado colonial de incalculável exploração. Milhares de cabo-verdianos deixaram ali rios de suor e as suas vidas. Eram a principal mão de obra - e escrava! Muitos deles nem sequer dinheiro lograram para voltar à sua pátria. 


Mas veja-se  o que diz o capitão  Joaquim de Lemos Salgueiro Rego, o brioso oficial que logrou denunciar as arbitrariedade dos massacres do Batepá pelo então Governador Carlos Gorgulho, em Fevereiro de 1953 : "dizia-me o Governador Carlos Gorgulho, que se admirava da minha ingenuidade nestas coisas já tão sábias em S. Tomé: Como ir arranjar trabalhadores?!.. Muito facilmente pá!...(...) Tratando-me por tu, como a toda a gente naquela terra, dizia-me abrindo o mapa: Trata-se de cercar com os teus soldados a zona tal e tal... e de manhã vais apertando o cerco e traz-me para a cidade essa gente que for saindo de suas casas. Assim se fazia e se entre as mulheres vinha alguma cachopinha bonitinha era isca para o grande homem. .. E  resto da caçada  era entregue pelos meus soldados  sob prisão ao comandante  das prisões - miseráveis barracões imundos onde os pobres dormiam pelo chão  - um tenente Santos Ferreira que se dizia parente do Ministro do Exército , natural de Viseu. 

Capitão Salgueiro Rego
Esses nativos apanhados nas rusgas  lançavam de rancor detestando os meus soldados e graduados pela forma como eram agarrados para o trabalho onde iam por vezes rusgas seguidas  não se apanhando os vadios  que dormiam o dia inteiro por vezes em cima das árvores com medo de serem presos. Disto fazia eu sentir  ao Sexa nos dias do meu despacho ao que ele retorquía: Tens cagaço? Eu não Sr. Governador, mas a forma como se fazem estas "convocações" numa terra onde não há indiginato  (selvagem) deve haver maus resultados. Pois é assim que eu quero que se faça. Eu vim também para cá com ideias boas , mas verifico hoje que estes gajos só vão à porrada!! E assim se foi fazendo  sempre os meus dois anos e dois meses até à célebre guerra do Matá-Pá e Bate-Pá em Fevereiro de 1953"   Capitão Salgueiro Rêgo  - In Memórias de um Ajudante de Campo e Comandante da Policia - II - Volume  

São Tomé-et-Principe, la nostalgie des plantacions coloniales- 31 de Maio passado, pelo Le Mond Àfrique


2014 -Aspeto parcial da Senzala da Ribeira-Peixe
(...) Em 1913, o arquipélago - diz o artigo foi o maior exportador de cacau do mundo. "Havia 20.000 pessoas nas aldeias e 33.000 nas plantações. Estes tinham um tremendo poder económico e político " , diz Fernando d'Alva, historiador e professor da Universidade de São Tomé e Príncipe (USTP). "Essas roças eram entidades perfeitamente organizadas. Eles moravam lá melhor do que do lado de fora: tinham eletricidade, acesso à saúde, ferrovias, luxo e uma organização feudal oleada ”, explica.

Edifícios decrépitos no coração da floresta 

Senzala - Ribeira Peixe 2014
A particularidade do arquipélago era que não havia trabalhadores nos campos de São Tomé e alguns dos próprios santomenses tinham papéis mais importantes na gestão das plantações. Os trabalhadores agrícolas eram todos africanos do continente. Com a abolição da escravatura em 1876, "empreiteiros" foram então trazidos - muitas vezes à força - de Angola, Moçambique, Gabão ou Congo. "Trabalhamos muito, mas podíamos comer todos os dias ", lembra Agida. Mais tarde, tudo mudou. "

2014
Para pouco a pouco, o boom na produção em larga escala de café e cacau na África Ocidental e o crescente desinteresse dos colonos portugueses por este arquipélago distante no meio do Golfo da Guiné levaram ao declínio plantações. As únicas memórias desse passado próspero são edifícios decrépitos no coração da floresta e os descendentes dos trabalhadores, que ainda vivem no local, herdeiros infelizes de uma época passada.

(...) A poucos metros de distância, a neta de Agila, Sheila, de 19 anos, disseca caracóis com uma faca. Ela também, apesar de sua pouca idade, fala nostálicamente de um passado que ela ainda não conhece. Sheila quer fazer lei, lutar pela "herança" . Um símbolo entre outros desta herança perdida é o hospital de Roça , que era "um dos melhores em São Tomé" , de acordo com outro morador, um motociclista. 


Salvaguardar o património é um debate 
O antigo hospital, um grande edifício de paredes rosadas com vista para a plantação, não funciona mais e os que ali trabalhavam agora moram ali. Hoje, deixa o sol perfurar o que resta do telhado: as telhas foram removidas, as paredes dos anexos desapareceram ... "É culpa do Estado que não fez nada para mantê-lo em boas condições ", diz o mototaxista, sob condição de anonimato. 
Willy, que de bom grado guia turistas na plantação contra alguns dobras, a moeda local, não concorda: "Não se pode dizer que é o estado que destruiu. Estas são as pessoas daqui que vieram pegar pedaços de telhado, vigas e paredes. E hoje eles dizem que é o estado ... "
 

Quebra do cacau - 2014
Em São Tomé, um dos países mais pobres do mundo, a preservação do património é debatida. De fato, após a independência em 1975, um regime socialista foi estabelecido e todos os Roças foram nacionalizados. "Mas não funcionou, houve falta de habilidades. O número de técnicos que conheciam os métodos de produção era muito baixo ", afirma o historiador Fernando d'Alva. 
Em 1991, com o advento do sistema multipartidário e a liberalização da economia do arquipélago, o Estado desistiu: concessões foram criadas, alguns projetos encontraram compradores, outros foram deixados para trás. abandono como a plantação de Agostinho Neto. Pouca esperança para os 1.300 habitantes desta cidade : em março, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) apresentou a ideia de um futuro investimento na reabilitação de roças . Mas Agida e sua neta Sheila permanecem cautelosas. "Muitas vezes nos disseram que isso ia mudar. Mas ainda estamos esperando " , suspira a velha senhora.  https://www.lemonde.fr/afrique/article/2019/05/31/a-sao-tome-et-principe-la-nostalgie-des-plantations-coloniales_5469854_3212.html

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