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segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Em S. Tomé e Príncipe, António José de Almeida (1866 - 1929), o sexto Presidente da República Portuguesa, conhecido pelo médico do Povo - Cargo que ocupou de 5 de Outubro de 1919 a 05-10-23 - Sete anos nas Ilhas Verdes do Equador, onde gozou de gerais simpatias na comunidade são-tomense (autóctone e colonos), quer pela postura humanitária que sempre assumiu, quer como impulsionador do sanatório então construído no local da Praia Pequena, perto da cidade de São Tomé

Jorge Trabulo Marques - Jornalista e investigador  - Texto de várias fontes

António José de Almeida, médico, especialista em doenças tropicais,  foi o único Presidente da Primeira República que cumpriu os quatro anos previstos na Constituição, após a proclamação da República e  um dos líderes políticos mais influentes, não obstante as  sucessivas e graves crises governativas que marcaram a sua presidência.

 APÓS O CURSO DE MEDICINA – EI-LO A CAMINHO DE ÁFRICA – Aquele que haveria de ser apelidado pelo Médico do Povo.

Apesar dos bons resultados, no exame de formatura em Prática Médica e Cirúrgica, aprovado por unanimidade com a classificação de Bom, 15 valores, não é admitido no corpo docente da Faculdade como é seu desejo. episódio por si denunciado na obra Desafronta (História d'uma perseguição), publicada ainda em 1895. Nela acusa três lentes de terem preparado a sua exclusão desde 1894, elogiando, pelo contrário, os que o terão defendido.

Coroa de flores - 05-10-20

António José de Almeida decidiu embarcar para África. Partiu em Março do ano seguinte e, após uma breve passagem por Angola, fixou residência em S. Tomé, onde permaneceu até 1903. Durante esses sete anos de autoexílio exerceu, de forma regular, a medicina, mas tal não significa que tenha substituído a pena pelo bisturi. De facto, a partir daquela ilha do golfo da Guiné, continuou a dar colaboração à imprensa republicana, sediada em Coimbra e Lisbo

Depois de lhe ter sido recusado o ingresso no corpo docente da Faculdade de Medicina de Coimbra, por via  de  criticas que havia dirigido  ao hospital da universidade, parte para S. Tomé e Príncipe, a bordo do vapor Cazengo, a 23 de março de 1896, a poucos meses de completar trinta anos de idade. A 25 de outubro publicou no jornal Resistência, um artigo em que criticou violentamente políticos e intelectuais que escreviam e teorizavam sobre África, sem nunca terem visitado o continente.

Numa carta que intitulou “De S. Tomé” focou a situação degradante em que se encontrava o hospital e expôs as condições difíceis em que se exercia medicina na ilha, onde nem sequer havia um microscópio.  Durante os sete anos em que permaneceu em São Tomé, lutou pela melhoria das condições de vida da população; por várias vezes se mostrou insatisfeito com a higiene e salubridade existentes: envolveu-se na construção de um sanatório na Praia Pequena e sublinhou a necessidade de ser impulsionada a ligação do centro comercial da cidade, por caminho-de-ferro, às povoações de Trindade e da Madalena. Regressou a Lisboa a 22 de julho de 1903, a bordo do navio Luanda. Foi eleito deputado, juntamente com Afonso Costa, Alexandre Braga e João de Meneses, em Agosto de 1906.

De regresso a Portugal monta consultório na Rua do Ouro, mudando-se depois para a Praça de Camões, 6, 1.º, onde adquire a auréola de médico dos pobres. Muito embora continue a exercer esta actividade é na política que vai adquirir maior notoriedade

António José de Almeida , de origens modestas natural de  São Pedro de Alva, Vale da Vinha, em 17 de Julho de 1866 – Faleceu em  Lisboa, 31 de Outubro de 1929  atacado de gota, passando os últimos anos numa cadeira de rodas . Em sua memória, foi-lhe erigido um monumento em Lisboa da autoria do escultor Leopoldo de Almeida e do arquiteto Pardal Monteiro.

 JÚLIO  A. HENRIQUES  - "Com sinal de muita consideração e amizade  - Lê-se na dedicatória ao "Exmo. Senhor António José de Almeida" - No livro, que faz parte da minha biblioteca, com o título: -   ILHA DE S. TOMÉ  - SOB O PONTO DE VISTA  HISTÓRICO-NATURAL E AGRÍCOLA

Neste seu livro, faz esta referência:  "Ao fim de 18 dias ao amanhecer tive o prazer de me encontrar em frente da ilha de S. Tomé. Cedo desembarquei em torra tive a satisfação de encontrar amigos e grande número de administradores ele roças, que amavelmente me convidaram para visitar as culturas que dirigiam. No dia anterior tinham vindo dar uma grande demonstração de amizade ao Dr. António José de Almeida, que nesse dia deixava S. Tomé, onde era por todos sobremodo estimado

De facto, António José de Almeida, apesar das denúncias que ia fazendo de modo a se corrigirem erros e a se  encontrarem  melhores condições sanitárias, era um médico que gozava de gerais simpatias - Dai o apreço que lhe fora também manifestado  por Júlio Henriques  - 15-01-1838/ 07-05-1928 - notável  botânico, professor na Universidade de Coimbra, grande impulsionador da introdução dos modernos estudos botânicos em Portugal, autor da fundação  da Sociedade Bacteriana que  desenvolveu e consolidou o Herbário da Universidade de Coimbra e o Jardim Botânico de Coimbra, tendo realizado  extensas expedições botânicas em Portugal, Guiné-Bissau e em São Tomé e Príncipe para onde fora destacado para aprofundar o estudo da flora de S. Tomé e Príncipe, nomeadamente nos  trabalhos sobre a cultura da quina,  que então se afigurava como uma das formas de poder combater a malária.

ANTÓNIO JOSÉ DE ALMEIDA O TRIBUNO DA REPÚBLICA

Refere, Ana Paula Pires, neste seu estudo bibliográfico e documental,   ao abordar a sua ida para África, que, por esta altura, António José tinha já dois irmãos no continente africano: Joaquim António, emigrado em São Tomé, e Francisco António, que se encontrava em Angola. A 1 de Fevereiro, realizou, no Hotel Continental, em Coimbra, uma breve reunião de despedida em que estiveram presentes, entre outros, os amigos Silvestre Falcão, Alexandre Soares, João de Freitas, Ricardo Pais Gomes, Ângelo da Fonseca, Fausto Guedes Teixeira e Augusto GiL, António José de Almeida partiu para São Tomé e Príncipe, a bordo  do vapor Cazengo, a 23 de Março de 1896, a poucos meses de completar trinta anos

Chegou  a São Tomé dia 5 de Maio de 1896. Esperava-o a notícia da morte do Joaquim António  de Almeida

Ramo de flores - 05-10-2020

A acção de António )l)sé de Almeida e a forma como durante a sua estadia em Tomé,  denunciando, através de vários artigos publicados na imprensa, a situação que se vivia na colónia é de resto um bom e esclarecedor indicador de uma m que continuava a sobressair a incapacidade do Estado português implementar um sistema político-administrativo moderno; eficaz, que potenciasse, não si, ração económica dos recursos existentes em Africa, roas também a formação de pessoal técnico especializado. Sabemos, de resto, que os anos de 1890 e 1930 limitados pelos efeitos do Ultimato britânico e da l Guerra Mundial) são um período marcado  por um forte e progressivo envolvimento da questão colonial africana  política portuguesa.

Não é portanto de estranhar que, logo  a 25 de Outubro de 1896, tivesse publicado, o Jornal da Resistência,  um artigo crítico em que, desafiando interesses e modelos de pensamento, denunciou, em tom mais ou menos ousado, todos quantos escreviam e teorizavam sobre África, sem nunca terem sequer visitado o continente negro, lembrança diária, mais uma, da debilidade dos contornos em que se pretendia fazer apoiar as bases de uma política científica de colonização. Por essa altura, os exilados políticos eram também presença constante no arquipélago, realidade que por si só dificilmente poderia deixar de se traduzir num aumento de popularidade do republicanismo.

Chamava-se a atenção para as debilidades e deficiências do sistema administrativo colonial, apontando a carência de infra-estruturas que continuava a caracterizar a  colónia próspera, como São Tomé e Príncipe. Deve, a propósito, apontar-se, que, até ao  final da 1 República, a economia do arquipélago assentou, quase em exclusivamente  na plantação de cacau: no início do século XX existiam em São Tomé entre 200 a 250 roças.

Entre críticas crescentes, António José de Almeida focou a situação degradante em que se encontrava o hospital. Vale a pena recordar a carta intitulada "De São Tomé", onde expôs de forma clara as condições difíceis em que se exercia medicina na ilha, dizendo não existir um microscópio:"( ... ) Vergonha comparável a esta, só a maior  ainda de não existir um hospital, onde o colono europeu possa, ao menos, morrer cm paz." .Não é portanto surpreendente que tenha classificado o hospital  militar e civil de "pardieiro", descrevendo-o como "( ... ) um casarão imundo, cheirando mal. sob o sol e sob as moscas. À primeira vista, parece um montão de escombros dum incêndio, com as suas paredes manchadas e fendidas ( ... ) Latrinas não há

( ... )a sala de autopsias é qualquer coisa parecida com um alpendre de almocreves( ... ) uma coisa reles, com entranhas de chiqueiro e aspecto de abegoaria."117

Neste contexto, os argumentos suscitados pela intervenção de António José de Almeida entroncavam numa outra questão premente: a necessidade de se entender a colonização não apenas do ponto de vista social e económico mas também no âmbito da higiene e da patologia; para atrair e fixar colonos era preciso garantir/assegurar a melhoria das suas condições de vida. Nesse sentido a criação, a 24 de Abril de 1902, da Escola de Medicina Tropical de Lisboa, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Teixeira de Sousa, reflectia, do ponto de vista teórico, a compreensão lógica de que era preciso institucionalizar o ensino da medicina tropical, alicerçando-o na realização de missões científicas e viagens de estudo às colónias portuguesas e estrangeiras'". Ficava também claro qual deveria ser o lugar a ocupar pela saúde no âmbito da politica externa, sensivelmente pela mesma altura era criado o hospital colonial.

Em Novembro de 1902, começou a funcionar a cadeira de Higiene e  Climatologia, regida por Silva Teles, na Escola de Medicina Tropical.

(…) No seu conjunto, importa referir também que o final do século XIX tinha trazido novos problemas aos proprietários de roças, relacionados na sua maioria com as dificuldades levantadas por Angola em torno do recrutamento de serviçais: foi justamente Por esta altura que começaram a vir a público inúmeras críticas relativamente às condições de trabalho dos angolanos no arquipélago. António José de Almeida sublinhou a importância do problema, dando-lhe eco nas páginas da imprensa: ( ... )é presentemente uma vergonha( ... ) o colono miserável que se sujeita a trabalhos que a civilização, há muito, destinou aos animais domésticos( ... )"

No meio de tudo isto não podemos esquecer o interesse e a necessidade de se definirem grandes linhas de estratégia governativa, realidade também patente na crítica e no tom com que António José de Almeida deixou antever a necessidade de se delinear uma "política científica de colonização" 122• Por junto, percebe-se a imprescindibilidade de se resolverem, além da questão do trabalho, problemas tão importantes como o estatuto do indígena ou a relação político-administrativa entre a metrópole e as colónias.

Deve por isso apontar-se, também, a miséria e a situação económica e social  difícil que vinha afectando uma parte considerável da população europeia, para que  o arquipélago tinha surgido como destino de emigração, recordando os apelos instantes ao poder político para que se limitasse o fluxo migratório. António José de Almeida um dos rostos deste combate, revelando, desde logo, uma grande preocupação e encontrar os instrumentos necessários para auxiliar os colonos sem recursos económicos, vale a pena sublinhar que foi graças à sua iniciativa que foi constituída  a Associação  Pró-Pátria, instituição que, entre Março de 1902 e 30 de Abril de 1903, repatriou 88  europeus, indigentes e doentes.

Além da perda do irmão, a estadia em São Tomé foi marcada ainda pela notícia da morte de José Tomás de Sousa Martins, a 18 de Agosto de 1897. Deve, a propósito, apontar-se a forma sentida com que deixou registado, nas páginas da imprensa; o epitáfio  que lhe dirigiu, evocando a partida de mais um Mestre•

Foi também nesta altura que começou a colaborar no jornal A Praça Públia.

Noutra vertente, o espectro político nacional experimentava algumas modificações, Recorde-se que foi justamente durante este período que surgiu o Partido Regenerador Liberal, fundado na sequência do abandono de João Franco do partido Hintze Ribeiro, a 14 de Maio de 1901126• Refira-se por isso a dissolução da Câmara Deputados, a 4 de Junho, e a publicação, dois meses mais tarde, de uma nova lei eleitoral, significativamente denominada "ignóbil porcaria", e cujo principal objectivo principal era justamente  conter o aumento da representação de franquistas e republicanos no parlamento.

Nas vésperas da partida. em Julho de 1903, António José de Almeida, tinha marca indelével  no território e nas gentes de São Tomé. Durante sete anos lutou  melhoria das condições de vida da população, mostrando-se por várias vezes insatisfeito com as condições de higiene e salubridade existentes: foi de resto com esse espírito  que se empenhou na construção de um sanatório na Praia Pequena, apontando a necessidade de se impulsionar igualmente a ligação do centro comercial da cidade,, por caminho-de-ferro, à povoações de Trindade e da Madalena. Fechava-se um capítulo – Excertos .

RAUL BRANDÃO  - Faz várias referências a José António de Almeida, num dos seus livros “MEMÓRIAS” – De que extraímos alguns excertos

27 de Maio 1911

- Quando os republicanos preparavam a revolução - diz Simões Raposo - foi-lhes oferecido dinheiro estrangeiro. Em oiro, mas pagava-se um juro fabuloso. O António José opôs-se sempre a que viesse dinheiro de fora. Nem do Brasil o quis aceitar.

-18 de junho 1911 -  Nos últimos seis meses que precederam a revolução, lidei a todas as horas com o Miguel Bombarda. Não era nada um impulsivo com para aí se diz. Era um homem duma energia de ferro, que depois de tomada uma resolução nunca voltava atrás. As pequenas coisas não o preocupavam, as grandes estudava-as e resolvia-as. Nunca vi persistência assim, nem tão grande poder de organização- diz o António José de Almeida.

Simões Raposo:

- Sim, algumas vezes em reuniões de exaltados ouvi falar  num atentado contra D. Carlos, mas  sempre, nessas ocasiões, o António José de Almeida, repelia e protestava essas ideias. E até minha opinião  que o atentado do Terreiro do Paço foi um mal para a República.

25 de Agosto 1911  - Ontem foi eleito por grande maioria Presidente da República, Manuel de Arriaga. E a vitória do candidato de António José de Almeida. Na véspera fui procurá-lo à rua da Santíssima Trindade, n.0 35. Um salão burguês com quadros de Silva Porto e Ramalho. O velho, que mantém certa aparência de vigor, com a cabeleira branca, a pera branca, e a sobrecasaca antiquada, é uma figura arrancada a um quadro romântico. Tudo mudou, a sociedade, que é egoísta, os homens, que são ferozes - só êle se conserva inalterável e ingénuo.

Este António José de Almeida, com quem lido há meses, é uma força generosa e simpática. O tempo de governo envelheceu-o. Irrita-se, barafusta: depois passa-lhe tudo com um riso excelente que aflora e ecoa.

Há outra coisa que o honra: acredita, começa sempre por acreditar em toda a gente. Uma grande generosidade, um grande arcabouço e uma voz poderosa e magnética. Não é decerto um homem de negócios, como os governos modernos necessitam, ou um político de oportunidades como para aí se requer. Falta-lhe talvez espírito crítico. É um orador: até os seus artigos são discursos. Adora as multidões, vive dos seus aplausos. Mas justiça, liberdade e povo, que para os outros não passam de palavras, - são para ele realidades profundas. Outros chegam a ministros e mantem os seus escritórios de advogado com maior negócio - ele está pobre. Ainda hoje lhe ouvi dizer que não tinha dinheiro para ir de carro para casa. 

Em S. Tomé ganhou uma pequena fortuna: mãos abertas, deu-a, levaram-lha: ficou sem pataco.

- Ontem passou por mim um figurão que me disse, de grande charuto na boca, e acenando-me com dois dedos :-Adeus doutor .. · - e que tanto dinheiro me levou! E eu não posso fazer um fato novo.

Foi ele quem salvou o Quelhas e outros conventos do incêndio. Vive numa barafunda. É um idealista. Deu tudo à república. Tem-lhe sacrificado a vida e os interesses.

 

 

 

 

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