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sábado, 4 de dezembro de 2021

Guiné Equatorial – Malabo, Ilha de Bioko – Neste dia, 4-12-1975, finalmente libertado da famigerada prisão Playa Negra, também conhecida como Black Beach

 JORGE TRABULO MARQUES - JORNALISTA 


De Miserável náufrago a perigoso espião -NESTE DIA, há 46 anos, era finalmente liberto de uma das prisões mais terríveis do mundo, da famigerada prisión Playa Negra, na Guiné Equatorial, também conhecida como a Black Beach, solto na hora em que ia ser enforcado, graças a uma mensagem do MLSTP ao Povo Brasileiro-Quem entrava vivo, saía estendido numa padiola - E, naturalmente, ao então jovem Comandante Obiang, que acreditou na minha inocência   

 Regressei a Malabo, Ilha de Bioko, há quatro  anos para agradecer a quem me salvou da execução.

Embaixador Tito Mba Ada

Tendo sido recebido pelo Secretário-geral do Partido Democrático da Guiné Equatorial, Jerónimo Osa Osa Ecoro, na véspera do VI Congresso Ordinário do Partido Democrático da Guiné Equatorial (PDGE), acompanhado pelo Embaixador da Guiné Equatorial, em Lisboa, Tito Mba Ada, a quem devo o amável e honroso convite,  que diligenciou a  minha deslocação, a fim de poder apresentar, numa das intervenções do Congresso, o  público testemunho do meu reconhecimento por tão  corajoso e nobre gesto humanitário, muito antes de ascender à Presidência, contrariando as ordens recebidas do então auto-proclamado presidente vitalício, que insistia no meu enforcamento, não obstante o seu barbeiro pessoal - um santomense que enviou ao meu cárcere - lhe ter mostrado uma mensagem do MLSTP, que se destinava ao Povo Povo Brasileiro, caso concretizasse a travessia oceânica pela corrente equatorial, antiga rota da escravatura - Mesmo assim, ainda mais  desconfiado  ficou




A minha prisão ocorreu no reinado do supremo terror de Francisco Macias, o primeiro presidente da Guiné Equatorial pós-colonial de 1968 a 1979.. Ao longo de sua ditadura, ele cultivou um culto extremo à sua personalidade .

É referido que, "durante os anos que esteve no poder, estima-se que até 80 000 pessoas tenham sido mortas (de uma população de 400 000 na época) por seu regime. Ele já foi comparado a homens como Pol Pot devido à natureza violenta, imprevisível e anti-intelectual de seu governo.


Macías mudou o nome da capital, Santa Isabel, para Malabo, e o nome da ilha de Fernando Poo para o seu próprio, Macías Nguema. Em 1974, uma comissão internacional publicou um relatório classificando seu regime como o mais brutal do mundo

A 3 de agosto de 1979, seu sobrinho Teodoro Obiang Nguema Mbasogo organizou, com a ajuda de parte do exército, um golpe de estado que derrubou Francisco Macías

Aproximação à Ilha de Bioko Nov 1975

Tomado por espião e depois de ter passado a primeira noite nos calabouços de uma esquadra, fui transferido algemado para a cadeia central, o famigerado cárcere, no qual foram encarcerados, torturadas até à morte centenas de pessoas - Da minha miserável e nauseabunda cela, pessoalmente pude testemunhar os gritos lancinantes de sofrimento e de pavor de algumas dessas vitimas, ao serem espancadas pouco antes de serem enforcadas, o que acontecia todos os dias a partir do anoitecer.

Na manhã do dia 3 de Dezembro, quando menos esperava, um carcereiro chegou à porta da minha cela, algemou-me e ordenou-me que o acompanhasse - Senti logo um embate no meu coração, que não deveria ser levado para melhor destino - Mal transpus a cela, sou imediatamente agarrado por outro guarda, tendo à minha frente o Comissário da Cadeia, que já me tinha torturado com infindáveis interrogatórios para me conduzirem ao sítio das execuções.

Sucedeu, porém, que, por um feliz acaso, talvez milagroso (pelos vistos, a sorte protege os audazes), soa o telefone no corredor da morte - Era o então o Comandante Teodoro Obaing Nguema Mbasongo, atual Presidente da República da Guiné Equatorial, sobrinho do todo poderoso, Francisco Macías Nguema, a ordenar ao Comissário da Prisão para ser conduzido à presença, ao gabinete do então supremo comandante das policias e das forças armadas, que me recebeu, inicialmente de forma austera e desconfiada: com estas palavras: " O que se passa contigo?!... Porque te meteste num canuco e o que vieste aqui fazer?!.. Lamento mas tenho que cumprir as ordens de Sua Excelência e tenho de o executar hoje!...

Respondi-lhe que era um náufrago e para me soltarem as algemas e lhe mostrar a mensagem do MLSTP, que trazia no bolso atrás das minhas calças - Como estava carimbada, não duvidou da sua autenticidade e, ao sentar-se na sua cadeira de vime(enquanto eu ia permanecendo sempre de pé e à sua frente) me passou a questionar de forma mais descontraída e simpática

Bom, lá tive que voltar a repetir o que já havida dito várias vezes, que não era espião e as razões pelas quais me havia metido na canoa e ido ali parar - Mas quando o vi soltar uma gargalhada e pedir-me para que lhe contasse mais alguns pormenores dos meus longos dias no mar, disse cá para os meus botões: este é dos meus!... Estou a ver que está a gostar da minha aventura. Por volta do meio-dia, depois de me ouvir, ordenava ao Comissário para me soltarem

A MENSAGEM do MSLTP, QUE ME SALVOU A VIDA - Que se destinava ao povo Brasileiro, assinada por José Fret Lau Chong, ministro da Informação, Justiça e Trabalho …., aproveitando a travessia atlântica do camarada Jorge Trabulo Marques, que servindo-se de uma simples canoa, vai percorrer o mar, de S. Tomé ao Brasil, evocando a rota por que, na era retrógrada, os escravos eram conduzidos para as plantações da cana do açúcar, o povo de S. Tomé e Príncipe, representado pela sua vanguarda revolucionária, o MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE (MLSTP), saúda fraternal e calorosamente, o povo irmão do Brasil" -

QUE ATREVIMENTO É ESSE!!" - QUASE ME IAM MATANDO QUANDO HASTEEI A BANDEIRA DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE - Deu-me um grande empurrão e rasgou-me a bandeira

Na viagem à Nigéria, levei as duas bandeiras: a de São Tomé e Príncipe e a de Portugal Mas, nesta viagem, apenas levei o pavilhão do jovem país independente aonde regressei sem um centavo na algibeira e onde encontrei todo o apoio que precisei para mandar construir a canoa e para a aparelhar.- Sim, e donde parti para grande aventura. No meu cárcere, em Bioko, um de dia resolvi hastear a Bandeira Nacional de São Tomé e Príncipe, - Quando o carcereiro, que, de volta e meia vinha espreitar a minha cela, topou, mas que heresia!... Foi buscar imediatamente a chave da cela e, ao entrar lá dentro, deu-me um empurrão contra a parede, e, ao mesmo tempo que agarrava nela e a amachucava, levando-a, berrava: "Su mercenário! ¿Qué descaro!! Qué falta de vergüenza!!

POUCOS DIAS DE CATIVEIRO, MAS AUTÊNTICAS ETERNIDADES - QUEM NÃO RECEBESSE COMIDA DO EXTERIOR, MORRIA DE FOME

A cadeia não fornecia alimentação: tinham de ser os familiares. Nos primeiros dias, quem me passou alguma comida (massa de mandioca, regada com óleo de palma, que mais das vezes a vomitava para a lata das necessidades, pois eu estava magríssimo e, o meu estômago, já não estava habituado a comer alimentos sólidos, há muitos dias), sim, quem me deu alguma comida, foram os próprios condenados, que trepavam curiosos à minha janela gradeada, durante o curto recreio que dispunham, num átrio para a qual a minha cela estava voltada. Creio que, naquela altura, devia ser o único europeu preso. Agora, depois que houve por lá uma tentativa fracassada de Golpe de Estado, em Março de 2004, estão lá presos alguns dos implicados. Mas nada que se compare às tenebrosas condições daqueles tempos.

Nos dias seguintes, passei a receber uma cestinha, com frutos e outros alimentos, por parte do barbeiro do Presidente Nguema, um amável são-tomense, que era também o representante diplomático e que ali tinha ido a seu mando para recolher informações a meu respeito - Para que não duvidasse das minhas intenções, pedi-lhe que lhe mostrasse uma mensagem autenticada pelo MLSTP, que lha entreguei para a mostrar ao Sr. Presidente - Mas ele no dia seguinte, devolveu-me, com ar de desapontamento e de tristeza, confessando-me que Sua Excelência ainda havia ficado mais desconfiado com este papel

- Então, agora, que acha que me vai suceder? - Perguntei

Respondeu-me, com este argumento: eu disse-lhe era verdade que o Sr. Jorge Marques queria atravessar o oceano numa canoa - Falei-lhe que tinha ouvido a entrevista que o Sr. Jorge, havia dado à Rádio Nacional, antes da sua partida, mas ele acha que é truque e que você é um espião e que tem de o condenar ... Bom, enquanto aqui estiver, eu posso trazer-lhe alguma comida.

Agradeci-lhe o generoso gesto da sua coragem e disponibilidade (sim, a quem daqui volto a mandar um carinhoso abraço de profundo eterna saudade, pois já não faz parte do mundo dos vivos), no entanto, ainda mais preocupado fiquei, pois comecei a imaginar, que se o Presidente Macias não acreditava no seu barceiro pessoal, era mesmo sinal que eu ia mesmo acabar por ser enforcado e passar pelos mesmos tormentos que se faziam ouvir de noite nos calabouços de tortura e de execução.

Sim, no dia 4 de Dezembro de 1975 quatro anos antes de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, ascender ao poder., havia-me chamado ao seu gabinete para saber a razão pela qual me havia metido num "canuco" e desembarcado ilegalmente numa das praias, pois o seu tio suspeitava que eu fosse um espião ao serviço do imperialismo americano para recolher secretamente informações e me juntar aos inimigos do povo - Claro, que na cabeça de Macias, não encaixava a ideia de que um europeu pudesse meter-se numa piroga para fazer uma aventura, que não fosse a de ter sido largado (nas proximidades) por um qualquer navio de guerra inimigo do seu regime.

Se não se desse a circunstância de possuir uma mensagem do MLSTP ao Povo Brasileiro, mas sobretudo graças à generosa e humanitária compreensão de seu sobrinho, Teodoro Obiang, sim, dificilmente teria escapado ao fuzilamento. Mesmo quando fui libertado, o seu sobrinho autorizara-me a permanecer na Ilha e até a aceitar o convite (que me havia feito o seu Comissário) para trabalhar nas fincas, dado ser técnico agrícola e ter experiências das roças. E ele gostar "muito do trabalho que os portugueses, ali haviam desenvolvido nas fincas" - Só que, o ditador Macias, continuava desconfiado e ordenou a minha imediata expulsão - Estava autorizado a sair mas não podia permanecer

No passaporte ficaria escrito que tinha quinze dias para partir de qualquer fronteira, mas não foi isso que sucedeu. E a minha sorte foi que nesse dia havia o avião da Ibéria, quando não teria que sair a nado - O pior é que ninguém queria pagar-me a viagem. E o avião não podia levantar voo sem mim. Foi um dilema para o comandante, que só foi resolvido duas horas depois da hora prevista da partida - Mas isso dá outra história

 

 


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