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sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Caetano Costa Alegre -Tributo ao poeta São-tomense

Ó poeta das Ilhas maravilha! Sai da sepultura e volta à terra!

Ó saudoso poeta! Que tão cedo partiste na flor da idade!

Tu, que não pudeste conhecer a plenitude da liberdade!

Na ilha que amavas, onde foste gerado e ali te criaste!

Indo a estudar para outras paragens de coração a sangrar!

Escolhendo na faculdade medicina a vida que não gozaste!

 

Oh triste sina à tua, que ao teu paraíso, já não pudeste voltar!

A morte, que traiu os teus risonhos sonhos, foi ainda mais forte!

Partindo amargurado e triste prá outra margem da invisibilidade!

Mas não a poesia dos teus ousados versos que nos legaste!

Desejando que as cinzas do teu corpo se espalhassem ao vento!

De alma liberta e pura na vastidão dos mares e na celeste altura!

Por toda a Terra, na infinitude dos astros, por ilimitado tempo!

Oh, sim!.. Tu que desejavas poetizar a vida inteira!

E não querias a morte por estátua nem por companheira..



Ó beleza milenar das Ilhas! Ó sagrada Natura!

Ó morte traiçoeira, vil e aziaga!

Que tão cedo a vida lhe roubaste!

A nós restam-nos os seus belos versos!

E a ele, fazei-lhe ao menos a sua vontade!

Que as cinzas do seu corpo, sejam impelidas

pelo vaguear dos ventos no seu eterno sopro,

que não sejam como almas perdidas ou almas penadas!

Que subam e vagueiem muito acima e além dos etéreos espaços!

E, por um instante, jamais se quedem, se apartem ou se desfaçam!

E não fiquem calcinadas no gélido silêncio da sua humilde tumba!

No horror da fundura eterna da térrea e ignorada sepultura...


"Não quero! Tenho horror que a sepultura

mude em vermes meu corpo enregelado.

Se no fogo viveu minha alma pura,

quero, morto, meu corpo calcinado.

Depois de ser em cinzas transformado,

lancem-me ao vento, ao seio da natura...

Quero viver no espaço ilimitado,

no mar, na terra, na celeste altura.

E talvez no teu seio, ó virgem linda,

tão branco como o seio da virtude,

eu, feito em cinzas, me introduza ainda."



Caetano da Costa Alegre , nasceu em S. Tomé, a 26 de Abril de 1864, no seio de uma família crioula cabo-verdiana, na então colónia portuguesa de São Tomé.

Em 1882 mudou-se para a Metrópole e frequentou as aulas de uma escola de medicina em Lisboa, para formar-se como médico naval. Morreu de tuberculose antes de poder cumprir tal objetivo, com apenas 25 anos.

É reconhecido, que, Caetano Costa Alegre, “foi um dos primeiros, poetas africanos de expressão portuguesa a colocar sua condição de africano na poesia, com versos assim: "Ah! Pálida mulher, olha, a noite é negra e tem milhões de estrelas,/ o dia é belo e branco e tem apenas uma".

A sua poesia revela a dolorosa angústia de quem teve a cor como estigma indiciando já, um certo negrismo literário, configurador da etnicidade que marcará a literatura africana de língua portuguesa. Foi compilada postumamente no livro Versos (1916), cuja edição foi promovida pelo seu antigo companheiro e amigo Artur da Cruz Magalhães (1864-1928).

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