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sábado, 15 de outubro de 2022

São Tomé - Sum Alvarinho – “Awa wê” –Partiu para o reino da invisibilidade o artista que deu a voz e sons às lágrimas das vítimas do Massacre do Batepá de Fevereiro 1953 ” – Mas agora há um livro, depois da “Crónica de Uma Guerra Inventada” de Sum Marky, que fala de “As Pessoas Invisíveis” de autoria de José Carlos Barros, que faz a viagem ficcionada a esse trágico passado, retomando elos de memória que poderiam passar ao esquecimento

 Jorge Trabulo Marques - Jornalista 

A notícia, que começou por ser conhecida através das redes sociais, não adianta pormenores das circunstâncias do seu falecimento. Recorda o “passado  e a herança coletiva um reportório variado, no qual se destacam a elegíaca canção ”53 ni San Tomé” e ”Cacau é ouro, é prata e diamante”. Fundador e líder, nos anos 60, do conjunto Maracujá, enveredaria depois por uma carreira a solo marcada por temas de intervenção. ‘Sun Américo” é uma das suas criações mais populares. Estamos mais pobres, mas as canções perduram. RIP, Sun Alvarinho” – Diz o Téla Nõn.


O romance intitulado “As Pessoas Invisíveis”, de José Carlos Costa Barros,  vencedor do Prémio Leya 2021,  narra uma viagem por vários tempos da História recente de Portugal, desde a década de 40 do século XX   –– das movimentações na raia transmontana durante a Guerra Civil de Espanha à morte de Francisco Sá Carneiro –  E um desses períodos, passa justamente pela narrativa de um “episódio de terror e violência colonial que resultará na morte de centenas de são-tomenses, na sequência de protestos e da recusa do trabalho compelido nas roças, mostrando como o fim legal da escravatura precedeu, em muitas dezenas de anos, a sua efetiva abolição. Entre realismo e magia, Poder e invisibilidade, ignomínia e sobressalto, o presente romance, de uma maturidade literária exemplar” – Diz o júri que o distinguiu


CURIOSA COINCIDÊNCIA -  Depois da “Crónica de Uma Guerra Inventada” de Sum Marky, pseudónimo do luso-santomense, José Ferreira Marques (1923-2003), nascido em S. Tomé, que denuncia as arbitrariedades de que foram vítimas da ignomínia colonial salazarenta, os povos autóctones naqueles trágicos dias de Fevereiro de 1953, enquanto o espírito do cantor  Sum Alvarinho, passa a viajar pelo reino da invisibilidade, eis que surge o livro do escritor José Carlos Barros, a dar-nos conta de “As Pessoas Invisíveis”, que, por um certos dotes mágicos, embora já não fazendo parte do mundo dos vivos, ainda  nos podem falar do seu passado, que  faz a viagem ficcionada a esse trágico passado, retomando elos de memória que poderiam passar ao esquecimento

Não será naturalmente com  Sum Alvarinho que o leitor irá  confrontar-se. No entanto, se ouvir cantar “Awa wê” - “53 ni San Tomé”, como documento no vídeo que lhe ofereço, com o registo da sua voz, não deixará de compreender  ainda melhor o sofrimento de que foram alvo as massacradas vitimas e outros enredos.

Sim, paz à  alma  de um dos mais genuínos artistas da música das Ilhas Verdes do Equador – De quem tanto amou as maravilhosas ilhas verdes do equador e as poetizou -E, como só ele, logrou cantar de forma profundamente sentida as centenas de  vitimas dos fatídicos massacres do  Batepá,  nomeadamente em Fernão Dias,  - local onde se situava   um autêntico campo de tortura e extermínio, sob o comando de um verdugo, conhecido por "José Mulato, recrutado das celas da prisão por vários crimes de violência doméstica e homicídio. 



“Estamos mais pobres, mas as canções perduram” diz a poetiza e escritora Conceição Lima, ao prestar o seu tributo à memória do seu compatriota Sun Alvarinho, referindo que foi o fundador e líder, nos anos 60, do conjunto Maracujá, que enveredaria depois por uma carreira a solo marcada por temas de intervenção. ''Sun Américo'' é uma das suas criações mais populares"

Por sua vez, diz a poetiza Olinda Beja, citando o tema Cacau é Ouro, é Prata, é o Nosso Diamante Também" - uma outra canção que meu querido primo Alvarinho eternizou dando assim coragem e esperança num produto que deveria continuar a ser a aposta do futuro. Na Expo98 eu e o meu grupo "Bô Tendê" (27 bailarinos) apresentamos a canção do Alvarinho em bailado que foi aplaudido de pé! Foi uma maravilha! No final Alvarinho que fazia parte do grupo musical (e que não sabia da surpresa) ficou feliz até às lágrimas... Mas a Cultura (lá como cá) tudo esquece!!! DEP Alvarinho. A minha gratidão!"

Esperemos que não caia no esquecimento, ele que delega à posteridade um reportório único e variado, no qual se destacam, entre outros,  Dédo, Lagaia, Legadu, Menguana, Ielca, Meu Coração Está de Luto; Pixe Podê; Quem é o Culpado, e, muito especialmente, a elegíaca canção ''53 ni San Tomé'', também conhecida por Awa wê –


Hino, este, verdadeiramente sentido e comovedor, expressando o sofrimento das vítimas do Betepá, que haveria de ser a maior nódoa da colonização portuguesa em África, provocada por um governador e seus acólitos, que, depois dos dois primeiros anos de uma governação, aparentemente calma e até de o distinguirem como uma espada, pressionado pelos grandes roceiros, se lhe meteu na cabeça de que haveria de aumentar a exploração económica com produção de cacau e de café nas roças e de ser o maior artífice das obras públicas – E, de facto, a ele se ficariam a dever muitas das principais construções que ainda hoje perduram. Só que à custa de um elevado sofrimento e despotismo.

Tal como já tive oportunidade de escrever, em canoasdomar, em 3 de Fev de 2016, https://canoasdomar.blogspot.com/2016/02/s-tome-e-principe-homenageou-hoje-os.html o governador mandou o ajudante de campo armado em soldado nazi a comandar um grupo de milícias para ordenar o trabalho obrigatório, até que, numa remota aldeia perdida no mato, algures pela Vila da Trindade, alguém se encheu de coragem e reagiu sobre o fogoso e arrogante oficial, que teve a reação popular à altura da leviandade e do desprezo como olhava a população e impunha a sua vontade .


A partir daí o Governador Gorgulho - para salvar a face dos seus desmandos e prepotências, e, como os grandes erros, nunca vêm sós, para justificar uns cometia outros, cada vez mais graves. passou acusar os "rebeldes" de comunistas, através da imprensa e da rádio. E não tardou que os colonos - incentivados ao ódio à dita "hidra comunista", respondessem ao apelo dos muitos boatos propalados”

(Mas foi assim que a noticia se espalhou)

Lêem-se no início de um dos capítulos, estas palavras” O Governador temia perder o controlo  da situação . Porque no início parecia que tudo podia ir correr mais ou menos a bem. Um despacho contra a vadiagem e outro a proibir a produção de aguardente e a comercialização de aguardente de cana. Fragilizá-los . Umas rusgas comandadas por Mané Angola a espalhar o terror. Caçar um nativo de vez em quando e levá-lo à cadeia. Um hoje. Quatro amanhã. E apertar o fundo do funil dos empregos de batina branca. E esperar que viessem comer  à mão administrativa. A vergarem e assinalarem finalmente os contratos. A engrossarem as fileiras do trabalho braçal. Nas roças. Nas obras públicas.

E afinal começava a perder-se o pé” – remata o autor

Sim, e quem era senão o Governador Carlos Gorgulho

E o Mané Angola, senão o Zé Mulato, natural de Angola, um corpulento criminoso, que foram buscar à prisão para chefiar as brigadas, que me declarara, quando o questionei, depois do 25 de Abril,  sobre as prepotências e os crimes de que era acusado, respondeu-me:  Em Fernão Dias eu era o capataz  e fui uma máquina bruta a matar!!...Era eu quem mandava. Cumpria ordens!...O que querem agora que eu faça?!..Querem que eu me mate?!..

Sim, confessava-me ele num certo dia e com  palavras  de arrepiar, numa entrevista que depois não chegou a sair na Semana Ilustrada 

Disseram-me de Luanda que era muito chocante e não podia ser publicada: Em Fernão Dias eu era o capataz  e fui uma máquina bruta a matar!!... Era eu quem mandava. Cumpria ordens!... O que querem agora que eu faça?!.. Querem que eu me mate  ou querem que eu me deixe  matar por eles?!... Agora andam para aí a rondar-me a porta:  o primeiro que aqui entrar,  deixo-o aqui degolado, não sai daqui inteiro nem vivo!... Querem que lhes dê o  mesmo trato?!...  A uns matava-os a soco, outros a tiro, à paulada ou à machinada!  Alinhava-os ao longo da vala para não me darem muito trabalho. Alguns ainda gritavam lá dentro, mas calava-os imediatamente, com umas quantas pazadas de terra.  Nem era eu que as deitava, mas a outra "empreitada" que vinha logo  a seguir.

Sobre as causas da tragédia do Batepá, já se escreveram vários textos,   apontando para a desmedida ambição do Governador  Gorgulho, que “se lançou num vasto programa de construções e melhoramentos públicos  recorrendo indiscriminadamente a rusgas constantes nas povoações nativas  por forma a angariar mão-de-obra barata ou gratuita. - Conforme diz Sum Marquky, em Crónica de Uma Guerra Inventada”, o primeiro autor a debruçar-se sobre as ignóbeis ocorrências, ( sim,  mas quem  faria a  divulgação das primeiras fotos daqueles factos, 20 anos depois a par de testemunhos a sobreviventes,  seria a  revista angolana Semana Ilustrada, de que era correspondente em S. Tomé e Príncipe dos testemunhos de alguns dos sobreviventes,  O leitor, aí tem, pois, uma extraordinária obra, que vem reforçar o que já se disse.

AS PESSOAS INVISÍVEIS”  - De José Carlos Barros, é pois um excelente romance que nos oferece uma  história que “começa na Berlim de 1980, onde é encontrado um caderno que relata a descoberta, em terras portuguesas, de uma jazida de ouro, segredo que leva a narrativa de volta aos anos da Segunda Guerra Mundial, à exploração de volfrâmio e à improvável amizade de um engenheiro alemão com o jovem Xavier Sarmiento, que descobre ter o dom de curar e se fascina com a ideia de Poder”.

É a sua história, de curandeiro e mágico a temido chefe das milícias, que o leitor acompanha ao longo do romance, assistindo às suas curas e milagres, bem como aos amores clandestinos e à fuga intempestiva para África.”

Tem, pois, o leitor à sua disposição, em “AS PESSOAS INISÍVEIS” mais uma extraordinária  obra, que também lhe fala de "um episódio de terror e violência colonial que resultará na morte de centenas de são-tomenses, na sequência de protestos e da recusa do trabalho compelido nas roças".

Em que, segundo “o leitor é convocado para preencher com a sua imaginação o não dito, os silêncios, o invisível", acrescentou.

Outro aspeto salientado na escolha desta obra de autoria de José Carlos Barradas, “foi o trabalho de linguagem, o domínio de uma "oralidade telúrica a contrastar com a riqueza de vocabulário e de referências histórico-sociais".

“ E não foi a primeira vez que José Carlos Barros concorreu ao Prémio Leya, já que em 2012 foi finalista com o romance "Um Amigo para o Inverno", editado no ano seguinte pela chancela Casa das Letras.

Autor de vasta obra poética, a sua estreia na prosa aconteceu com "O Prazer e o Tédio", romance que o cineasta André Graça Gomes adaptou ao grande ecrã, em 2012, sem financiamento e com atores amadores. A longa-metragem foi rodada em Boticas, onde o escritor nasceu, em 1963, e aborda a angústia do mundo rural.

Licenciado em Arquitetura Paisagista pela Universidade de Évora, José Carlos Barros vive em Vila Nova de Cacela, no concelho de Vila Real de Santo António, no Algarve.

Tem exercido atividade profissional no âmbito do ordenamento do território e da conservação da natureza, e foi diretor do Parque Natural da Ria Formosa. Foi também técnico superior do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina e da Direção Regional do Ambiente do Algarve.

Antigo deputado do PSD, José Carlos Barros foi vice-presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António e presidente da Assembleia Municipal da mesma cidade. É vereador, sem pelouro, naquela câmara.

Entre os vários livros de poesia que escreveu destacam-se "uma abstração inútil", "Todos os náufragos", "Teoria do esquecimento", "Pequenas depressões" (com Otília Monteiro Fernandes) e "As leis do povoamento" (editado também em castelhano).

Com "Sete epígonos de Tebas" venceu o Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama 2009.

Os seus livros de poesia mais recentes são "O uso dos venenos", "A educação das crianças", "Estação - Os poemas do DN Jovem", e "Penélope escreve a Ulisses".

O Prémio LeYa tem um valor de 50 mil euros e é o maior prémio literário para romances inéditos de todo o mundo de língua portuguesa.

Atribuído por prova cega, a autoria dos romances é desconhecida ao longo de todo o processo de leitura e avaliação.

 

 

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