Há
53 anos, em Fevereiro de 1970, fiz a ligação, clandestinamente, numa frágil
piroga de S. Tomé ao Príncipe -
Larguei à meia-noite, clandestinamente, pois sabia que, se pedisse
autorização, me seria recusada, dada a perigosidade da viagem, levando comigo
apenas uma rudimentar bússola para me orientar. Fui preso pela PIDE, por
suspeita de me querer ir juntar ao movimento de Libertação de São Tomé e
Príncipe, no Gabão, o que não era o caso. – No mês seguinte, depois de ter sido
preso e espancado pela PIDE, pude descrever esta minha aventura na revista
Semana Ilustrada, de Luanda, de que ficaria seu correspondente
Foram três dias emocionantes em que, por vezes, se
sentiu perdido. Enfrentei dois tornados. À segunda
noite adormeci e voltei-me com a canoa em pleno alto mar. Esta era minúscula e
vivi um verdadeiro drama para me salvar, debatendo-me como extrema dificuldade
no meio daquele denegrido sorvedouro das águas
O regresso foi de avião, mas, no aeroporto, tinha a PIDE à sua espera. Além disso, a Capitania dos Portos, aplicou-lhe uma pesada coima. Por seu turno, a Estação Agrária, onde trabalhava, descontou-lhe oito dias ao seu vencimento.
A
história da canoa solitária depressa se espalhara por toda a ilha, causando
grande admiração e surpresa na população
em geral, nomeadamente nos pescadores da terra que, por não compreenderem a sua
temeridade, o julgaram como feiticeiro. Mas, se a notícia correu célere, não
foi graças à divulgação dos órgãos de comunicação social locais. Estes,
receosos da censura, apenas viam na referida travessia uma gorada tentativa de
fuga para a costa africana, dando-lhe o
mínimo de relevo possível, como no caso do jornal “A Voz de São Tomé”, que
escreveu o seguinte: “Por informação da E.N. de Lisboa, o Emissor Regional de
São Tomé e Príncipe, anunciou que Jorge Trabulo Marques chegou ao Príncipe,
numa canoa, que partira desta ilha”
Algumas
semanas depois, compensaria esta lacuna, narrando a minha aventura numa revista angolana e da qual
passaria a ser correspondente. Desse modo, demonstraria através do meu exemplo
e das minhas próprias palavras que era possível percorrer, voluntariamente,
numa pequeníssima e frágil piroga (40 cm de altura por 60 cm na sua maior
largura), um extenso e bem agitado mar. Contrariando, assim, aqueles velhos
pavores ancestrais ( na esteira das teorias do navegador e investigador francês
Alain Bombard) de que, perdida a terra de vista, se perdem todas as esperanças
- O que não é o caso, desde que não se entre em desespero e se aproveitem os
recursos que o mar oferece.
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