Hoje
vou evocar duas figuras que muito admirava - Com ambos me cruzei na
minha vida na qualidade de jornalista. E, depois, até nalguns momentos de
agradável convívio. Ambos grandes Homens. Cada um na sua arte e na sua
profissão Dignos exemplos de uma grande entrega e amor à vida que abraçaram.
Fazendo dela um desafio e uma descoberta - Porém, antes de aqui falar do pintor
Nadir Afonso e do coronel Pinto Batista, que esta semana nos
deixaram, vou começar por lembrar o excerto de um poema de Natália Correia, a
grande poeta com quem tive o prazer de conviver no Botequim.
Quando me derem por morta
de lágrimas nem uma pinga:
um trevo de quatro folhas
tenho debaixo da língua.
Está em regra o passaporte.
Venha o Limite da idade.
Não me chorem, não é morte
é só invisibilidade.
O que resta pós morte é
memória e saudade. Mas também isso com o tempo se desvanecerá.
Claro, no momento da partida, as lágrimas não são dos mortos. Não se pode
pedir aos vivos que não chorem os que lhe são queridos. Sim, a morte, qual
ausência de quem vê partir alguém com a certeza de que nunca mais
retornará, tal como o marinheiro que vai de viagem, levado pelo seu barco e se
perde para sempre no fundo das águas – E depois fica essa estranha imagem a
pairar na retina de quem assistiu à partida e nunca mais teve notícias. Na
verdade, essa é a fatalidade da vida, que faz com que, em a cada ser humano,
seja o destino a calendarizar o seu dia, que o deverá levar para
eternidade
Mas
"a morte não é assim um flagê-lo mas a retificação do que foi já
decidido" como diria Vergílio Ferreira "Ela
é apenas, com o nascer, o enquadramento de uma vida, que é o intervalo
solar de duas noites que a limitam. Mas se só houvesse luz, a luz não
existia"(..) Que há de mais importante na vida do que saber que há
morte? Filosofar é prepararmo-nos para ela. Disse-o Sócrates. Disse-o
Cícero. Disse-o Montaigne. Di-lo tu também que também és gente."
MORTE EM DEZEMBRO É MAIS CINZENTA E FRIA
Não se sabe se, nos últimos momentos, esse é também o sentimento de quem soçobra à vida. Sobretudo quando o Inverno se antecipa. Mas é, com certeza, de quem cá fica. Mas não menos pesada será, certamente, ou com duplo contraste, quando é coberta de neve – Não foi o caso. Nos últimos dias, até houve uns dias frios mas bonitos de Sol – Hoje, dia do funeral de Nadir Afonso por acaso, o céu até esteve muito nublado e, pelo fim da tarde, até molinhou por Lisboa, vindo a provocar alguns acidentes. No entanto, que luminosas não foram as manhãs, com que o Novembro quis honrar o Verão de São Martinho! Que viriam a prolongar-se até à primeira semana de Dezembro. Presenteando-nos com uma luz radiosa, sob a arcada de um céu azul claríssimo e transparente! Pena a frieza noturna, de quase dureza polar
Mas
eu não venho aqui, propriamente, para dissertar sobre a morte mas evocar
duas figuras que muito admirava, que faleceram quase na mesma data, nestes
últimos dias. O Coronel Alberto Alves Pinto Baptista, 89 anos de idade, 15-01-1924,
09-12-2013, natural de Lisboa. E Nadir Afonso
Rodrigues, natural de Chaves,11-12-1920, 11.12.2013 aos 93 anos, que
completaria no mesmo dia em que o destino o chamou.
É
justamente, ainda em parte, com o olhar preso à luz transparente desses
dias de brilho, de um Outono que se despede, que aqui recordo
duas personalidade de relevo, que tive o prazer de conhecer
pessoalmente.
QUANDO
E COMO CONHECI NADIR AFONSO E BAPTISTA PINTO
Nadir
Afonso, arquiteto, pintor e pensador, transmontano de gema, foi notícia em toda
a imprensa, rádio e televisão – Aliás, justíssima, pois, em boa verdade, a obra
do nativo de Chaves, é de dimensão internacional
.
(imagem da Net)
O
primeiro contacto que tive com o pintor Nadir Afonso, foi nas tertúlias
do Botequim de Natália Correia, no início dos anos 80 - E,
posteriormente, também nas suas exposições, e mesmo na rua. Era o homem que
assumia por inteiro as suas raízes, até no seu falar, em busca da invenção, da
sua invenção artística. Não fazia cerimónias, parava e correspondia a quem o
cumprimentasse. Mas notava-se que vivia absorvido na sua obra. Era, sem dúvida,
o tema que mais gostava de discorrer - Agora chegou a sua vez de responder à
chamada do destino..
A GALERIA DE ARTE DO CASINO ESTORIL -
ATRAVÉS DE NUNO LIMA DE CARVALHO, FOI A QUE MAIS DESTACOU OS TRABALHOS DE
NADIR AFONSO - DESDE HOMENAGENS A EXPOSIÇÕES
03/12/2010 HOMENAGEADO PELA GALERIA DE ARTE DO CASINO ESTORIL A Galeria de
Arte do Casino Estoril, a exemplo do que já fez em relação a outros autores,
homenageando-os com exposições colectivas, em que participaram muitos outros
artistas, propõe-se distinguir, também, Nadir Afonso, por ocasião do seu 90º
aniversário, com uma grande e qualificada exposição colectiva HOMENAGEM A
NADIR AFONSO - Espacillimité
04 dezembro 2010 O pintor, que hoje completa 90 anos, é o convidado de
honra do XXIV Salão de Outono do Casino Estoril. Uma
semana depois de, pela terceira vez, ter sido operado à coluna, Nadir Afonso já
estava debruçado sobre uma das várias telas que tem começadas. Desenrolada no
chão da sala de trabalho, no segundo andar da sua casa, em Cascais, o pintor
descobrira algo que precisava de ser retocado. "Eu demoro muito tempo para
criar uma obra", diz. "Isto é um namoro para encontrar a forma pura,
porque há leis matemáticas", Nadir homenageado aos 90 anos por
MARINA MARQU
EM OUTUBRO E NOVEMBRO PASSADO, A GALERIA DE ARTE DO CASINO ESTORIL VOLTOU A EXPOR ALGUNS DOS SEUS TRABALHOS - NUMA ALTURA EM QUE O ARTISTA JÁ ESTAVA BASTANTE ENFERMO
Exposição de Artistas
dos Países Lusófonos – 26-10-2013 – 26-11-2013 – Mostra de artistas plásticos
de pintura, escultura, desenho e fotografia - Entre os quais Nadir
Afonso
Outubro 2013 . Nadir Afonso na Galaria de
Arte do Casino Estoril - As leis da Estética. A essência da Arte, numa época em
que tais conceitos são ignorados e rejeitados
Nadir Afonso – É nome de arquiteto, que foi. E é nome de pintor que é. Sem dúvida, uma referência na Pintura Portuguesa Contemporânea. Transmontano, natural de Chaves, onde nasceu em 1920. Diplomado em Arquitetura, pela Escola Superior de Belas Artes do Porto, estudou pintura na École des beaux-Arts de Paris, como bolseiro do Governo francês e colaborou com o aquitecto Le Corbusier (1946-48 e 1951). Durante os três anos seguintes trabalhou no Brasil com o arquitecto Óscar Niemeyer, colaborando na elaboração dos projectos de Brasília e do IV Centenário da cidade de São Paulo. Regresso em 1954 a Paris. Abandona em 1965 a arquitectura para se dedicar totalmente à Pintura, em cujos trabalhos é visível a sua formação de arquitecto. Expõe regularmente na Galeria de Arte do Casino Estoril. É fascinante ouvir um homem destes. Saber o porquê do seu percurso. Conhecer as suas escolhas. Os seus projectos. As leis da Estética. A essência da Arte, numa época em que tais conceitos são ignorados e rejeitados - Nuno Lima de Carvalho – Outubro de 2013 – Artistas dos Países Lusófonos
2013
- O vídeo seguinte é uma entrevista, a Lili Caneças, muito amiga e
admiradora do pintor, que lhe fiz, em Outubro passado, durante a
inauguração da exposição dos Artistas Lusófonos, Entre os vários
trabalhos e autores, também ali foram expostos quadros de Nadir Afonso - Em
mais uma iniciativa de Nuno Lima de Carvalho, diretor da referida galeria
que, em Dezembro 2010, o homenageara com uma exposição dos seus trabalhos.
14 Dez.2013 A obra de arte não está na representação dos objectos._Por volta dos 17 ou 18 anos, pus-me a pensar que tinha de haver mais alguma coisa. E pensei, na minha ingénua idade, que a a alma, o espírito do artista, também era expresso. Mas como fui sempre coca-bichinhos, comecei a magicar que não era a alma, que tinha de haver leis. Depois de muito trabalhar e ‘cocar’, percebi que as leis eram as da geometria: as do quadrado, do círculo, do triângulo” Nadir Afonso, nome cimeiro na arte portuguesa
ALBERTO ALVES PINTO BAPTISTA - Seis comissões no Ultramar, que o haveriam de distinguir com as mais altas distinções e condecorações. Respeitado e respeitador, ao mesmo tempo afável, frontal. - Pese o facto da condição militar tender a impor a rigidez e sobranceria, não nutria complexos de superioridade, não era o caso. – Esteve em Goa. Foi Chefe do Estado-maior do C.T.I. de São Tomé Príncipe. Em Angola, comandante operacional de Luanda e comandante do Leste. Acompanhou o General Spínola, na Guiné. Além disso, foi também Diretor da Seleção Militar (pois o gosto da prática desportiva era também outra das facetas da sua personalidade); em Lisboa, foi Comandante do Batalhão da Guarda Fiscal e da PSP. E, por último, Juiz Presidente do Tribunal Militar, até 1992,altura em que passou à reforma.
NÃO FOI ESQUECIDO - MAS OS HERÓIS NEM SEMPRE SÃO RECORDADOS À ALTURA DA SUA DIMENSÃO
Passados os conflitos, quando os exércitos já não precisam do seu sacrifício e
sua generosa abnegação, serão, quanto muito, apenas lembrados por aqueles que
viveram as mesmas vicissitudes e correram os mesmos riscos. - A menos que
possam servir de proza para alguma história de circunstância.
Todavia, conquanto apenas tenha tido uma
simples notícia na secção de necrologia do Correio da Manhã, e algumas
referências de antigos camaradas e no portal dos veteranos do Ultramar,
pelo menos a instituição militar prestou-lhe as honras devidas, com uma salva
de armas - Independentemente dos critérios com que a história possa julgar
o período dramático da Guerra do Ultramar - guerra inútil e estúpida,
mercê de teimosias míopes, que tantas vidas haveria de ceifar - , não é
lícito que se esqueça esse tão pesado como arriscado sacrifício - De um
tempo, extremamente penoso aos povos africanos e a Portugal
Entrevistei-o
para a Rádio Comercial, acerca das recordações que guardava da sua permanência
nas lindas ilhas do equador que, naturalmente, me descreveu como maravilhosas e
de ali ter passado, com a sua esposa e os dois filhos, momentos inesquecíveis.
Quer no desempenho das suas funções militares, quer da impressão que
trouxera das populações, a que se referia como gente muito pacífica e
alegre, e, recordando-me também as belezas paradísicas da sua
paisagem e das suas praias. E aquele mar! O azul daquele mar equatorial!
Dizendo-se um apaixonado pela vastidão imensa oceânica, que ele
percorrera por várias vezes, desde o Atlântico ao ìndico, nos paquetes
com os soldados para o Ultramar. E que ali ali rodeava aquelas
paradisíacas ilhas, até se perder pelos confins do horizonte. Razão pela
qual muito o surpreendera a descrição que lhe fizera das minhas
aventuras marítimas. E que acabaria por ser pretexto para agradáveis momentos
de convívio. Até, porque, também ele era um estudioso das navegações marítimas
portuguesas - E, nessas minhas viagens, havia também o propósito de ir ao fundo
da história. Pelo seu interesse manifestado, num desses encontros, fiz questão
de lhe oferecer um livro do Prof. Luís de Albuquerque, autografado pelo autor,
gesto que muito apreciou, dada a admiração que nutria pela obra de tão
reputado historiador.
NA
VIDA HÁ COINCIDÊNCIAS QUE PARECEM NÃO SURGIR POR ACASO.
NA VIDA HÁ COINCIDÊNCIAS QUE PARECEM NÃO SURGIR POR ACASO.
Como
tomei conhecimento da sua morte?..Justamente ao fim da tarde do seu funeral
para o cemitério dos Olivais. De facto, há coincidências que dão que
pensar – Pois não é que, vindo eu a pé da Biblioteca Nacional, ao passar frente
à Pastelaria Vá-Vá, no bairro de Alvalade, ali próxima da sua residência,
que ele frequentava regularmente (onde, aliás, me encontrei várias vezes em
cordial convívio), pois do que me havia de lembrar? Surpreendentemente,
sou tentado a ir lá dentro a ver se o via ou a ter notícias da sua
saúde. Perguntando ao empregado por ele, sou então informado que havia
falecido, tendo o seu funeral se realizado neste dia. Entretanto, pouco depois,
entra no café o Dr. António Alves Baptista, advogado – Ato contínuo, diz-me o
mesmo empregado: “Olhe, vem aí o filho!”. Escusado será dizer que aproveitei a
circunstância para o cumprimentar e me associar ao sentimento de
dor da família enlutada. E foi através da sua amabilidade e cortesia que pude
aqui publicar algumas das fotografias, recordando uma extraordinária
personalidade, amável e um excelente conversador, bom pai de família e um
distinto oficial
A
primeira vez que falei com o coronel Pinto Bptista,, foi no Tribunal
Militar de Santa Clara, onde era Juiz Presidente. Tinha ali ido assistir ao
julgamento do Manuel Alentejano, figura então mítica do mundo crime, que
entretanto havia entrevistado para a Rádio Comercial e Tal e Qual,
no Estabelecimento Prisional de Lisboa – Curiosamente, antes da sessão do
Julgamento, dirigi-me à secretaria do Tribunal, apresentando-me como
jornalista, solicitando a necessária autorização, tendo sido recebido
por Pinto Baptista. O qual não só me concedeu essa premissa, como,
depois, me iria chamar a depor na qualidade de testemunha
abonatória.
Não tendo ali quem pudesse defender o recluso, e sabendo da publicação de um livro de minha autoria (baseado numa entrevista e excertos do seu diário de prisão), surpreendentemente, após iniciada a sessão, perguntou-se se me não importava de declarar o que pensava do seu comportamento, uma vez que também o conhecia e vesitara, por várias vezes na prisão. Dei-lhe o meu apoio e não estou arrreependio dessa ajuda. Há muitos engravatados, que se passeiam cá fora e bem piores. Estava ali para ser julgado, devido a uma sublevação de soldados e de presos de delito comum, creio que no Hospital Prisão de Caxias, que ocorreu no período atribulado pós 25 de Abril. Houve por lá uma certa confusão, ao ponto de incendiarem as camaratas e levarem o sargento-dia para um telhado - O Manuel, juntando-se aos amotinados, acabaria por liderar esse rocambolesco episódio. Era essa sua participação que o haveria de conduzir ali à barra daquele Tribunal - A pena aplicada (cujos pormenores me não ocorrem) seria revertida em cúmulo jurídico, uma vez estar a cumprir 25 anos.
Aquele gesto e preocupação, da parte do um Juiz em querer ouvir o meu testemunho e não limitar-se a uma mera formalidade judiciária. pareceu-me, pois, muito compreensível e profundamente humano. Mais tarde, tendo-me cruzado, com o Sr. Coronel Pinto Baptista, numa das carruagens do Metro (que ele utilizava, como qualquer cidadão, pois não era de vaidosas ostentações), ao cumprimenta-lo, perguntou-me se sabia qual era a situação do Manuel Dias, e foi então, nesse breve diálogo, que soube da comissão militar que tinha cumprido em S. Tomé, nos princípios do anos 60, como Chefe do Estado-Maior do CTISTP.
Quase
idêntica surpresa, em Tribunal, tive-a, mais tarde, num julgamento na Boa Hora
- Quem ali ia ser julgado era o Manuel e o grupo dos seus amigos. Estava uma
equipa da RTP para registar a sentença. Porém, quando o operador da câmara se
aproxima do Manuel, a mesma é atirada ao chão, num autêntico pontapé de
artes marciais. Lá tiveram que ir embora, com a câmara partida, até porque a
equipa fora avisada de que não seria permitida a recolha de imagens durante a
audiência. Porém, outra supressa ainda estava por acontecer. Afinal, a sentença
era adiada para mais tarde e, um dos elementos do grupo, natural do Porto,
poderia ser libertado nesse dia, se garantisse que ia comparecer à última
audiência, dado já ter faltado numa das anteriores. Respondeu que não tinha
dinheiro - "Então prefere ficar preso? -pergunta o juiz-presidente"
Nisto, encontrando-me um pouco atrás, e perante a estupefação dos guardas
prisionais, que esperavam que o gesto fosse proibido pelo juiz, passo mil escudos
ao Manuel, o qual, por sua vez, os entrega ao seu companheiro - Após alguns
instantes de silêncio, responde: "Sim! Senhor Dr. Juiz! Garanto que posso
vir do Porto a Lisboa" - No final, é o próprio juiz que me vem
agradecer, dizendo-me que o Tribunal devia ter uma espécie de saco azul para
resolver questões desta natureza, que por vezes acontecem. De facto, se
importante é saber aplicar a justiça, as suas leis, não menos é o conhecimento
de quem se julga.
HÁ
EPISÓDIOS QUE MARCAM PERCURSOS E VIDAS
Desde
então, desde aquele curioso episódio no Tribunal Militar de Santa Clara, pude
encontrar-me, por várias vezes, com o Coronel Pinto Baptista no Café
Vá-Vá, ali junto de sua casa, que ele frequentava regularmente, tanto mais que
a minha residência não fica muito longe. Situado na Av. EUA, já famoso
nos anos 60, por ser conhecido por o "ninho dos lacraus", onde
se reuniam vários realizadores de cinema e também alguns artistas da canção.
Jorge
Trabulo Marques - jornalista profissional
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