O conto que fala do Príncipe, a ilha que tinha um rei e se chamava Sanam, antes dos portuguese s ali terem aportado
No anterior post deste site, anu
Olinda Beja pegou no antigo nome do Príncipe, Sanam, que se diz constar num antigo mapa, antes dos navegadores portugueses, terem aportado às ilhas verdes (a cujo assunto me referi neste blogue e procurou e associar várias lições - https://canoasdomar.blogspot.com/2011/12/sao-tome-e-principe-ilhas-asben-e-sanam.html
https://canoasdomar.blogspot.com/2011/07/2-sao-tome-e-principe-as-antigas-ilhas.html
Até porque, conquanto a maioria dos historiadores, que se debruçaram sobre as descobertas portuguesas, afirmem que as ilhas se encontravam desabitadas, outros, porém, pelo menos já admitiam "que é questionável entre os sábios o facto da descoberta das Ilhas de S. Tomé e Príncipe, Ano Bom e Fernando Pó, por antigos navegantes Egípcios, Fenícios, Gregos e Cartaginses” - O que faltou dizer é que, muito antes de ali terem chegado, os árabes ou europeus, já as ilhas haviam sido abordadas e povoadas por audaciosos marinheiros das pirogas, provindos do continente africano. Ou será que, situadas tão próximas das costas do Golfo da Guiné, estavam ali mesmo à espera que, tal dádiva, privilegiasse somente os descendentes "brancos de Adão e Eva"? - Claro, mais tarde, a juntar aos povos autótenes das ilhas, vieram as levadas dos escravos - E com contratos "vantajosos" vejam só o desplante: "Toda a mão-de-obra aqui é fornecida por Moçambique, Angola e, também, não raro, por cabo Verde. Não se trata de imigração feita à toa! É evidente que os Angolanos, os Moçambicanos e os próprios Cabo-Verdianos vêm para a Província de S. Tomé e Príncipe com um contrato vantajoso que pode ser renovado se os interessados o quiserem"
A reprodução das breves passagens, que tomámos a liberdade de transcrever, não dispensa, porém, a leitura integral das 42 magnificas páginas da obra, uma vez tratar-se de uma forma encantadora de chegar aos leitores de todas as idades- Há livros que só são compreensíveis pelos adultos e as crianças não lhe pegam mas "Um Grão de café" pode mesmo ser uma excelente xícara para os mais amplos paladares - E até para os que mentem - Que é, no fundo, aqueles que não olham a meios para atingir os seus fins. Veja, pois, a lição que se pode extrair de uma antiga lenda, sim, imagine do que um antigo rei da Ilha do Príncipe, se haveria de lembrar para testar a criança a quem devia deixar o seu trono. Pois, naquele tempo, ainda não imperava o absurdo da consanguinidade ou do "sangue azul": o rei era escolhido entre os mais corajosos, honestos, fortes e capazes.
Ciente, o monarca, de que lhe competia fazer essa escolha, antes de morrer, vai de distribuir bagos de café torrados, com a promessa de que, um ano depois, a criança que lhe levasse o melhor pé de café, a essa lhe deixaria o trono - Claro, que, à excepção de uma delas, no que pensaram foi na lei do menor esforço: ou seja, de não se darem a nenhum trabalho, e, na data prevista, irem buscar ao mato a melhor planta, esquecendo-se de que o teste não era esse. Sem dúvida, maravilhosa lição! E da qual lhe deixo aqui alguns excertos para reflexão e lhe aguçarem ainda mais o apetite
Por instantes, cachipembe parava, olhava as crianças, talvez para ver se estavam com ar de cansaço ou de enfado, mas nada! De olhitos bem abertos, esperavam do velho contador tudo sobre a tão badalada história do grão de café. Então, feliz, continuava.
Ali lha era tão pequenina e desconhecida do resto do mundo que, quando algum navio de piratas passava ao longe, lá onde o mar é mais azul, não conseguia perceber que aquele tufo de verdura era um pedaço de paraíso com algumas almas lá dentro e, assim, prosseguia viagem, pois imaginava que aquilo não passava de um rochedo que, em épocas remotas, o mar expelira e ali deixara à mercê de ventos e marés"
(...) Havia homens que se dedicavam à pesca, pois no mar abundavam o "gandu" o atum, o agulha sombra, o voador e, no rio, camarão e charroco ofereciam-se a olhos vistos. Outros homens, designados pelo rei, tratavam apenas dos muitos pés de café que ele tinha no quintal, que era o maior da ilha. De tudo quanto ali havia, só os arbustos do café encantavam o rei
(...) Em dias de festa grande na ilha de Sanam, o rei mandava distribuir uma caneca de café a todos os seus habitantes.
E, assim, o povo ia vivendo com o coração cheio de alegria.
Mas nem tudo era felicidade na ilha"
(....) Um a um, o rei foi chamando pelos sus nomes, meninos e meninas, Lukala, Tiarina, Quipinge, Kakiuma, Paguê, Bino, Nakubuta, Fiô, Andulo, Nhunga, Miala... e pediu-lhes que tirassem, de dentro do saco, um grão de café. Apenas um. Boquiabertas, as crianças obedeceram.
(...) - Aquele que daqui a um ano me trouxer o melhor pé de café, o mais forte, o mais robusto, o mais vigoroso, com flor e com grão, esse será o meu príncipe, esse será o meu herdeiro, pois só demonstrará que soube tratar com amor e carinho o melhor fruto do mundo"
(...)De entre todas as crianças, Paguê era o menino certinho, atento e cumpridor e foi, talvez, o primeiro a começar os preparativos, na esperança de que o seu grão de café germinasse e de desenvolvesse rapidamente. Procurou boa terra e, com ela, encheu um grande pote de barro, para que o arbusto se pudesse desenvolver à vontade. E, é claro, todos os meninos e meninas fizeram o mesmo. Todos queriam que, dali a um ano, o rei lhes desse o título mais cobiçado da ilha, o título de príncipe.
(...) Um a um mostravam com certo orgulho as flores, os grãos, a robustez das folhas, o vigor do caule... algum haveria de ser o escolhido, algum haveria de ser o príncipe da ilha de Sanam
(...) "Eu fiz tudo para que o meu grão de café germinasse, tudo. Mal o levei, cheguei a casa, pedia à minha mãe um pote de barro, fui à floresta em busca da terra boa e nela plantei o meu grão de café" (...) Mas nada. Tal como na primeira vez, o grão não germinara" (...)Todos os outros meninos trouxeram lindos pés de café, mas eu nada tenho para vos mostrar. Só vim, porque a minha mãe me disse que devia contar-vos a verdade"
(...) Eles esperavam ansiosos que o rei se pronunciasse a favor de um deles, mas não foi isso que ouviram
"Finalmente, encontrei o meu herdeiro!Paguê será, para sempre, o príncipe desta ilha.
(...)
"Paguê, será, sim, o meu herdeiro. Ele foi o único que se esforçou, que trabalhou, que se sacrificou para tentar que o grão germinasse. Mas... como podia o grão germinar, se eu próprio torrei todos os grãos que estavam na bolsa?!"
O rei parou um pouco. Viu os rostos das crianças crispados, as lágrimas a correr, os soluços a fazerem-se ouvir. Por isso, deixou um conselho:
Pela vossa vida fora, nunca mintam, assumam sempre as consequências dos vossos atos. Digam sempre a verdade. Tal como fez Paguê. Foi honesto, contou a verdade e, além disso, trabalhou muito, para que o grão germinasse. Por tudo isso, eu lhe entrego a ilha"
(...) Caximpembe levatou-se seguido das crianças. Em silêncio, primeiro. Ainda a pensarem, talvez, no grão de café. Depois começaram numa algazarra tremenda, própria de quem está feliz com o final da história. É que, agora, já sabem por que o rio mais belo da sua ilha se chama Paguê. E também a montanha mais alta. Homenagem ao rei é sempre homenagem!
Se forem à Ilha do Príncipe, talvez encontrem , ainda, o velho Cachipembe que, melhor do que eu, vos voltará a contara a maravilhosa história do grão de café.
Jorge Trabulo Marques
jornalista
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