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sábado, 28 de dezembro de 2013

Olinda Beja – Da poesia à ficção – Cantou e encantou com “Um Grão de Café” até às lágrimas – Livro dedicado “ às crianças do mundo, mas, muito em especial, às de São Tomé e Príncipe” – Metáfora à linguagem da verdade e do trabalho persistente e honesto - Centro Intercultura Cidade, em noites da roça, em Lisboa, acolheu a revelação de um conto à ilha mais bela do mundo, que, muito antes dos portugueses a acharem, se chamava Sanam - Deliciosa história para todas as idades ao passado longínquo de um povo de audaciosos navegadores de canoas

O conto que fala do Príncipe, a ilha que tinha um rei e se chamava Sanam, antes dos portugueses ali terem aportado




No anterior post deste site, anunciávamos o lançamento de “Um Grão de Café (a mais recente obra literária de Olinda Beja), dizendo que a poeta e a escritora, nascida em São Tomé, continua a surpreender-nos com a sua produção literária – Mais de que uma bela surpresa, foram momentos de muita alegria e emoção.  Partilhados, creio, por todas as pessoas que responderam ao convite da Associação Centro Intercultura Cidade, em Noites da roça”, ali ao fundo da Calçada do Combro,   na Travessa do Convento de Jesus – Foi uma noite com sons e poesia e muitas palavras santomenses. Pois, a anteceder a apresentação do referido livro  pela pela sua amiga Maria Helena Albuquerque Veiga, leram-se lindos poemas da autora. E também ditos  pela própria Olinda Beja, que cantou e encantou, com a musica dedilhada pela viola de Filipe Santos.










“UM GRÃO DE CAFÉ” - Uma metáfora à linguagem da verdade e do trabalho persistente e honesto


“A melhor maneira de tornar as crianças boas é torná-las felizes “ Expressão de Oscar Wilde, citada por Olinda Beja, um livro com ilustrações de Teresa Bondoso, que  a autora começa por dedicar  “para as crianças do mundo, mas, muito em especial, para as de S. Tomé e Príncipe”

E qual a melhor maneira de construir a felicidade? Olinda Beja responde lembrando  um provérbio popular das ilhas “Tlabá só ká dá tê” (Só o trabalho é que dá o ter). –“ Não é herança, não é mais nada – frisou no momento em que folheava, uma por uma, as sugestivas páginas, com  excelentes desenhos e pinturas de ambientes e rostos de muita africanidade: de crianças e de um velho muito velho, de seu nome  Caxipembe, que vivia na Ilha do Príncipe e contava sempre a mesma história – A história do grão de café – “Havia outros, dizia ele, que também a contavam, mas nenhum se comparava a ele, ninguém lhe dava a beleza e o tempo que a história precisava. Sim, porque as histórias precisam de tempo para serem contadas, ouvidas e imaginadas”

E, naturalmente, de sensibilidade, de arte e de imaginação de quem as passa da oralidade à escrita – Sim, é um lindo conto,  um trabalho de ficção de Olinda Beja, mas, pelos vistos, também com o seu fundo de realidade e de verdade e de preocupação pelos bons exemplos didáticos e de incursão ou de viagem ao maravilhoso fundo da história das ilhas.


“Conta, Caxipembe. Conta história – pediam-lhe as crianças.
Ele ria muito , depois sentava-se num velho tronco de “mapyan”, ficava pensativo  por instantes e arrematava:



 Caxipembe só sabe história do grão de café, sabe mais não….

E assim, como que por magia, as palavras iam desfilando  suaves   e cansadas com os seus olhos negros, sempre famintos de longos horizontes. Com um ar entre o sério e o cómico, estendia, no chão húmido e perfumado dos muitos aromas que a terra tem o longo pau que se amparava e iniciava a sua história.




Olinda Beja pegou no antigo nome do Príncipe, Sanam, que se diz constar num antigo mapa, antes dos navegadores portugueses, terem aportado às ilhas verdes (a cujo assunto me referi neste blogue e procurou e associar  várias lições - https://canoasdomar.blogspot.com/2011/12/sao-tome-e-principe-ilhas-asben-e-sanam.html

https://canoasdomar.blogspot.com/2011/07/2-sao-tome-e-principe-as-antigas-ilhas.html

 Até porque, conquanto a maioria dos historiadores, que se debruçaram sobre as descobertas portuguesas, afirmem que as ilhas se encontravam desabitadas, outros, porém, pelo menos já admitiam  "que é questionável entre os sábios o facto da descoberta das Ilhas de S. Tomé e Príncipe, Ano Bom e Fernando Pó,  por antigos navegantes Egípcios, Fenícios, Gregos e Cartaginses”  - O que faltou dizer é que, muito antes de ali terem chegado, os árabes ou europeus,  já as ilhas haviam sido abordadas e povoadas por audaciosos marinheiros das pirogas, provindos  do continente africano. Ou será que, situadas tão próximas das costas do Golfo da Guiné,  estavam ali  mesmo à espera que, tal dádiva, privilegiasse somente os descendentes "brancos de Adão e Eva"? - Claro, mais tarde, a juntar aos povos autótenes das ilhas, vieram as levadas dos escravos - E com contratos "vantajosos" vejam só o desplante: "Toda  a mão-de-obra aqui é fornecida  por Moçambique, Angola e, também, não raro, por cabo Verde. Não se trata de imigração feita à toa! É evidente que os Angolanos, os Moçambicanos e os próprios Cabo-Verdianos vêm para a Província de S. Tomé e Príncipe com um contrato vantajoso que pode ser renovado se os interessados o quiserem" 

BREVES EXCERTOS DE UM CONTO MARAVILHOSO COM FANTÁSTICOS EXEMPLOS E EXTRAORDINÁRIAS INTERPRETAÇÕES 



A  reprodução das breves passagens, que tomámos a liberdade de transcrever, não dispensa, porém, a  leitura integral das 42 magnificas páginas da obra, uma vez tratar-se de uma forma encantadora de chegar aos leitores de todas as idades- Há livros que só são compreensíveis   pelos adultos e as crianças não lhe pegam mas "Um Grão de café" pode mesmo ser uma excelente xícara para os mais amplos paladares - E até para os que mentem - Que é, no fundo,  aqueles que não olham a meios para atingir os seus fins. Veja, pois, a lição que se pode extrair de uma  antiga lenda,  sim, imagine  do que um antigo rei da  Ilha do Príncipe, se haveria de lembrar para testar a criança a quem devia deixar o seu trono. Pois, naquele tempo, ainda não imperava o absurdo da consanguinidade ou do "sangue azul": o rei era escolhido entre  os mais corajosos, honestos, fortes e capazes.


Ciente, o monarca, de que  lhe competia fazer essa escolha, antes de morrer, vai de distribuir bagos de café torrados, com a promessa de que, um ano depois, a criança que lhe levasse  o melhor pé de café, a essa lhe deixaria o trono - Claro, que,  à excepção de uma delas, no que pensaram foi na lei do menor esforço: ou seja, de não se darem a nenhum trabalho, e, na data prevista, irem buscar ao mato a melhor planta, esquecendo-se de que o teste não era esse. Sem dúvida, maravilhosa lição!  E da qual    lhe deixo aqui alguns excertos para reflexão  e lhe aguçarem ainda mais o apetite


"Há muitos, muitos anos, tantos que nem se podem contar,  muito antes dos portugueses acharem a ilha mais bela do mundo, vivia aqui um rei, uma rainha, um povo trabalhador e todos se entendiam às mil maravilhas.

 Dizem que, nesse tempo, a ilha se chamava Sanam, que pertencia a um rei bonito e bondoso e que estava coberta de flores que, em mais nenhuma outra parte do mundo, existiam.

E tinha árvores, muitas árvores de porte elegante que sombreavam casas e caminhos.
As árvores eram muito úteis, pois, além da sombra, dava lenha para o fogo, canoas, cordas, frutos… E tinha também animais que conviviam pacificamente com homens, mulheres e crianças.

A floresta era de uma rara beleza, pois os tons de verde que nela eram variados e os barulhinhos que nela se ouviam  encantavam qualquer um que os escutasse. Macacos e cobras, “lagaias” e falcões, tartarugas e papagaios entediam-se tão bem que, quando havia nascimentos, cada um à sua maneira festejava a chegada do novo habitante."




Por  instantes, cachipembe parava, olhava as crianças, talvez para ver se estavam com ar de cansaço ou de enfado, mas nada! De olhitos bem abertos, esperavam do velho contador tudo sobre a tão badalada história do grão de café. Então, feliz, continuava.

Ali lha era tão pequenina e desconhecida do resto do mundo que, quando algum navio de piratas passava ao longe, lá onde o mar é mais azul, não conseguia perceber que aquele tufo de verdura era um pedaço de paraíso com algumas almas lá dentro e, assim, prosseguia viagem, pois imaginava  que aquilo não passava de um rochedo que, em épocas remotas, o mar expelira e ali deixara à mercê de ventos e marés"



(...) Havia homens que se dedicavam à pesca, pois no mar abundavam o "gandu" o atum, o agulha sombra, o voador e, no rio, camarão e charroco ofereciam-se a olhos vistos. Outros homens, designados pelo rei, tratavam apenas dos muitos pés de café que ele tinha no quintal, que era o maior da ilha. De tudo quanto ali havia, só os arbustos do café encantavam o rei

(...) Dizia ele ao seu povo que fora o avô do seu avô, grande navegador, o plantador de tal riqueza e, por isso, lha tinha deixado por herança. Donde tinham vindo aquelas plantas, nem o rei sabia. Seus antepassados contaram-lhe apenas que tinham navegado por outras terras, mais a norte da sua ilha, e que uns homens de nomes estranhos lhe tinham oferecido aqueles arbustos em recompensa de favores prestados.

(...) Em dias de festa grande na ilha de Sanam, o rei mandava distribuir uma caneca de café a todos os seus habitantes. 
E, assim, o povo ia vivendo com o coração cheio de alegria.
Mas nem tudo era felicidade na ilha"

(....) Um a um, o rei foi chamando pelos sus nomes, meninos e meninas, Lukala, Tiarina, Quipinge, Kakiuma, Paguê, Bino, Nakubuta, Fiô, Andulo, Nhunga, Miala... e pediu-lhes que tirassem, de dentro do saco, um grão de café. Apenas um. Boquiabertas, as crianças obedeceram.

(...)  - Aquele que daqui a um ano me trouxer o melhor pé de café, o mais forte, o mais robusto, o mais vigoroso, com flor e com grão, esse será o meu príncipe, esse será o meu herdeiro, pois só demonstrará que soube tratar com amor e carinho o melhor fruto do mundo"





(...)De entre todas as crianças, Paguê era o menino certinho, atento e cumpridor e foi, talvez, o primeiro a começar os preparativos, na esperança de que o seu grão de café germinasse e de desenvolvesse rapidamente. Procurou boa terra e, com ela, encheu um grande pote de barro, para que o arbusto se pudesse desenvolver à vontade. E, é claro, todos os meninos e meninas fizeram o mesmo. Todos queriam que, dali a um ano, o rei lhes desse o título mais cobiçado da ilha, o título de príncipe.


Durante um ano, foi um delírio. Um barulho ensurdecedor de crianças gritando, barafustando, falando, discutindo, quase guerreando… E, assim, se chegou à data marcada, em que o rei iria decidir quem seria o herdeiro."

(...) Um a um mostravam com certo orgulho as flores, os grãos, a robustez das folhas, o vigor do caule... algum haveria de ser o escolhido, algum haveria de ser o príncipe da ilha de Sanam


(...) "Eu fiz tudo para que o meu grão de café germinasse, tudo. Mal o levei, cheguei a casa, pedia à minha mãe um pote de barro, fui à floresta em busca da terra boa  e nela plantei o meu grão de café" (...) Mas nada. Tal como na primeira vez, o grão não germinara" (...)Todos os outros meninos trouxeram lindos pés de café, mas eu nada tenho para vos mostrar. Só vim, porque a minha mãe me disse que devia contar-vos a verdade"

(...) Eles esperavam ansiosos que o rei se pronunciasse a favor de um deles, mas não foi isso que ouviram 



"Finalmente, encontrei o meu herdeiro!Paguê será, para sempre, o príncipe desta ilha.
(...) 
"Paguê, será, sim, o meu herdeiro. Ele foi o único que se esforçou, que trabalhou, que se sacrificou para tentar que o grão germinasse. Mas... como podia o grão germinar, se eu próprio torrei todos os grãos que estavam na bolsa?!"

O rei parou um pouco. Viu os rostos das crianças crispados, as lágrimas a correr, os soluços a fazerem-se  ouvir. Por isso, deixou um conselho:

Pela vossa vida fora, nunca mintam, assumam sempre as consequências dos vossos atos. Digam sempre a verdade. Tal como fez Paguê. Foi honesto, contou a verdade e, além disso, trabalhou muito, para que o grão germinasse. Por tudo isso, eu lhe entrego a ilha"



(...) Caximpembe levatou-se seguido das crianças. Em silêncio, primeiro. Ainda a pensarem, talvez, no grão de café. Depois começaram numa algazarra tremenda, própria de quem está feliz com o final da história. É que, agora, já sabem por que o rio mais belo da sua ilha se chama Paguê. E também a montanha mais alta. Homenagem ao rei é sempre homenagem!

Se forem à Ilha do Príncipe, talvez encontrem , ainda, o velho Cachipembe que, melhor do que eu, vos voltará a contara a maravilhosa história do grão de café.

Jorge Trabulo Marques
jornalista

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