Jorge Trabulo Marques - Jornalista e investigador
Completam-se
hoje cem anos sobre o nascimento da rainha do fado - Amália Rodrigues, uma das
personalidades mais importantes da história da música do século XX, nasceu a 23 de Junho de 1920, em Lisboa, faleceu aos 79, a 6 de Outubro de 1999. A
sua carreira internacional foi das mais longas e globais de todo o século XX.
Telefonara-lhe na véspera e ela havia manifestado a sua concordância. Mas, às tantas da gravação, arrependeu-se e quis ficar-me com o gravador e a cassete. Ainda procurei sugerir-lhe uma segunda entrevista mas a Maluda, veio complicar mais o diálogo Eu não tive outro remédio senão precipitar-me numa corrida apressada pelas escadas abaixo, à frente dela e do grupo de amigas, que se encontravam em sua casa.
Foi no principio da década 80, num período em que, certos tabus, acerca da sexualidade, se rompiam graças aos ventos da revolução de Abril - Entre as figuras entrevistadas, contam-se: Carlos Botelho, Graça Lobo, Simone de Oliveira, Raul Solnado, Vitoriano Almeida, Ary dos Santos, Narana Coixoró, Raúl Calado, Ivone Silva, Afonso Moura Guedes, entre outras figuras - A Amália aceitou o desafio mas, a dada altura do momento da entrevista, arrependeu-se
Tal como se poderá ver na gravação, tentei fazer uma segunda gravação, com perguntas da sua concordância e respostas mais ponderadas: Mesmo assim, estava hesitante.
CLIKE E OUÇA ESTE VÍDEO - PARTE DA ENTREVISTA E O REGISTO DA DISCUSSÃO, QUANDO A ENTREVISTA FOI ABRUPTAMENTE INTERROMPIDA - AS IMAGENS FORAM RETIRADAS DE FOTOS DOS SEUS ÁLBUNS
Ouça o Vídeo, dividido em duas partes - separadas por um breve separador musical - excertos da entrevista e a discussão As outras confissões ficam no segredo dos deuses
Divulgo apenas uma parte da entrevista, não pelo facto que considere as revelações escandalosas, longe disso, mas pelo respeito à sua vontade e à sua memória -Andei dois anos sem aparecer à sua frente..Até que, por fim, fizemos as pazes, com uma troca de beijinhos e uma pose fotográfica à frente do retrato da Severa, na Adega Machado no final do lançamento do álbum biográfico: "UMA ESTRANHA FORMA DE VIDA" -
A MALUDA - SUA AMIGA - ARMADA EM MATRONA - COMPLICOU O DIÃLOGO
A pintora moçambicana era a mais danada e inconformada. Estava um pouco afastada e junto `a janela com o Vicente, a Celeste e outra amiga, onde, aliás, também estive a participar em animada tertúlia e uma boa parte da tarde - Nisto, quando se apercebe das hesitações da Amália, deixa o grupo e vem interromper, abruptamente, o nosso diálogo - Quando lhe sugeria uma segunda gravação com respostas mais ponderadas
"És mais parva do que ele!... Foste logo a falar da tua vida pessoal!..." A sua ira dava em recriminar a Amália .Já nem sequer eu era o mau da fita, mas a sua amiga.


A Amália, às tantas, arrependeu-se e quis tirar-me a cassete e o gravador... "Sou uma figura pública!...Mas que tonta estou eu!... Que disparates estou eu para aqui a dizer?!..." Ainda tenho estes desabafos gravados. Ora, mas que culpa tinha eu de dizer aquilo que não lhe convinha dizer?!... Era adulta e crescida. De resto, até achava que não havia dito nada especial ou de escandaloso... Mas ela subitamente muda de opinião.
POEMA DEDICADO A AMÁLIA PELO POETA E DECLAMADOR EUCLIDES CAVACO - LOGO APÓS A SUA MORTE
A MALDUA - MAIS DE QUE SUA AMIGA - PARECEU-ME QUERER FAZER O PAPEL DE GOVERNANTA DE CASA DA AMÁLIA - Se não fosse a sua prepotência , creio que o desfecho teria sido outro. Aliás, nas horas que ali passei E até no sentarmos numa mesinha, ao cimo das escadas e começarmos o registo do diálogo, notei que era a mobilizadora das anedotas e a mais palavrosa, onde não faltavam expressões bem vernáculas e apimentadas - Enquanto, da Amália, se esboçavam apenas gracejos e sorrisos: ouvindo mais de que intervindo Quando me perguntou: "Então que o o tráz por cá?" - Respondi-lhe que era para falarmos de sexo e de amor: - Tendo acrescentadoo: "Então vá ali para junto delas,
Logo que transpus o último degrau, cumprimentou-me com um beijinho, levando-me de seguida para junto de um grupo de amigas, que estavam lá mais à frente, a um canto da casa do lado esquerdo e junto à janela, que corresponderam simpaticamente. E lá passei um grande bocado da tarde. Curiosamente, não se falava de outra coisa senão de sexo. Claro, de uma forma trivial: de fofoquices. Sem qualquer carácter obsceno. E foi com estas palavras que me apresentou às suas amigas: "Você também gosta de falar de sexo?!... Elas são marotas!... Não faça caso que elas sabem muito mais do que eu!..." - "Estejam à vontade"- respondi. "Eu também gosto de conversar sobre essas coisas...
Logo que transpus o último degrau, cumprimentou-me com um beijinho, levando-me de seguida para junto de um grupo de amigas, que estavam lá mais à frente, a um canto da casa do lado esquerdo e junto à janela, que corresponderam simpaticamente. E lá passei um grande bocado da tarde. Curiosamente, não se falava de outra coisa senão de sexo. Claro, de uma forma trivial: de fofoquices. Sem qualquer carácter obsceno. E foi com estas palavras que me apresentou às suas amigas: "Você também gosta de falar de sexo?!... Elas são marotas!... Não faça caso que elas sabem muito mais do que eu!..." - "Estejam à vontade"- respondi. "Eu também gosto de conversar sobre essas coisas...
Eu já havia passado por uma experiência, com quase idênticos contornos, com as confissões de um elemento da ETA, em Las Palmas. Deu-me a entrevista à noite (contando-me como ele e o seu grupo haviam assassinado um general em Madrid - olhos vendados e de cano de pistola apontado aos ouvidos , jogando à roleta russa ), mas, o diabo do sujeito, pouco depois, arrependeu-se e foi bater ao meu quarto para que lhe devolvesse a cassete. Disse-lhe que lha entregaria de manha. Só que eu levantei-me mais cedo e mudei de pensão. Era das mais modestas da cidade onde não eram pedidos elementos de identificação pessoais.
EM VEZ DE UM REGISTO, PASSEI A DISPÔR DE DOIS
Vendo a ameaça iminente da presença da Maluda, seguida pelo grupo, e quando ela lhe responde. "Eu disse umas coisas parvas e não quero que ele leve o gravador!.. Ele não vai levar o gravador!...Não vai levar o gravador!... quero que ele se vá já embora!" Pois bem, aproveitando então o instante em que ela olha em direcção à Maluda, sim, apanhando-a distraída, tiro-lho o gravador e desato a fugir escada abaixo.
Numa grande noite do fado, ao passar frente ao camarim, nos bastidores do Coliseu dos Recreios, ela viu-me: "Mas o que é que você anda para aqui a fazer?!!..." - Tive que me escapar imediatamente dali, antes que fizesse algum escândalo. Mais tarde fizemos as pazes: foi no lançamento do livro de Victor Pavão - "Uma Estranha forma de vida", que decorreu na Adega Machado. Autografou-me o livro e deu-me um beijinho muito querido. Depois pousou expressamente para mim, à frente do retrato da Severa – Obrigado Amália Rodrigues por tão belo momento, cuja foto guardo como um relicário. Também fazia anos em Julho e era do signo Leão, tal como a Bethe. Já vi que cada biógrafo apresenta a sua data, mas creio que você me disse que fazia anos no dia 26 de Julho. Mas também já não estou bem certo...

ENTREVISTA OCORRE NUM PERIODO DA MINHA VIDA, EM QUE EU ERA CLASSIFICADO, COMO O RASPUTINI, PELA ESPOSA DO DIRETOR DO RITEZ, DE NACONALIDADE RUSSA

Curiosamente esta entrevista coincidiu
num tempo da minha vida em que (paralelamente à minha vida profissional) eu fazia o papel de Rasputin e vida de luxo, dando conselhos astrológicos, confortos às "tias ricas mas frustradas do Estoril e Cascais", por força dos muitos relacionamentos sociais da minha ex-companheira Elizabeth -A que me referi em "Sexo amor e bruxaria de Rasputin II, com Damas, Marquesas, Tias, Lésbicas e Depiladoras http://www.vida-e-tempos.com/2011/03/sexoamor-e-bruxaria-de-raspustin-ii-o.html



AMÁLIA a voz eterna e uma
vida em construção – Escreve Nuno Pacheco, hoje o Público - No
centenário de Amália Rodrigues, nascida oficialmente no dia 23 de Julho de
1920, a par da voz eterna que jamais deixámos de escutar, vai-se estudando cada
vez melhor a sua vida e obra, num longo caminho a percorrer “Sei que a minha
história vai ser aquela que escolherem, aquela que é mais interessante, aquela
que não é a minha.” Isto disse Amália ao seu biógrafo, Vítor Pavão dos Santos,
e foi com estas palavras que ele encerrou a narrativa do livro Amália — Uma
Biografia (Contexto, 1987). Mas não só durante a sua vida essa história foi
sendo construída com entrevistas, gravações, filmes, depoimentos, como depois
de ela se tornar uma unanimidade nacional esse material foi dando origem a
narrativas e sínteses” – Penso que também posso dar o meu testemunho https://www.publico.pt/2020/07/23/culturaipsilon/noticia/amalia-voz-eterna-vida-construcao-1925314



Como um gesto da minha singela homenagem à grande Diva do Fado, que, por três vezes me deu a honra de me receber em sua casa - vou aqui dedicar-lhe esta postagem em sua memória - Com uma particularidade muito especial - A de que, a entrevista inédita, que, parcialmente, aqui reproduzo, em vídeo, possa também constituir-se como mais um interessante contributo para estudiosos e admiradores da mítica personalidade da Rainha do Fado
AR - Se a pessoa não morre por amar alguém, é porque precisa de viver!... Por vezes, há amores, que complicam de tal maneira a vida das pessoas, quase que não é viver!

JTM – Começou amar muito nova?
AR – Comecei amar muito nova!... Estava convencida que amava!... Como toda a gente!... Tinha eu os 13 anos, 14 anos!... Como todas as raparigas!... Estava convencida, que era amor!... Era, como a gente chama agora, e chamava naquela altura – olhar para a sombra!
JTM – Eram namoricos!
AR – Era olhar para a sombra: a gente a pensar que já é mulherzinha!... E não sei quê!
JTM – E fazia isso, em segredo, sem a sua família saber ou, de facto, os seus pais não se opunham ao namoro?
AR – Os meus pais?!... Era de tal maneira segredo!... Que os meus pais! E nem eu própria estava convencida!... Tal era a ideia! O criticável! Uma rapariga, com 13 anos, , dizer que gostava de alguém!... A minha família era da Beira-baixa! O meu avô e a minha avô, foram casados, setenta e tal anos!... Eu, aos 18 anos, quase 19, apanhei uma sova de toda a gente!... Porque, houve uma tia que me viu atravessar a rua com um namorado! Tocou-me no braço!... E apanhei, em casa, uma sova de toda a gente!.. Se eu me atrevesse a dizer que eu gostava de alguém?!... Matavam-me!" - Excerto da gravação.
Tal como já havia referido noutra postagem deste site, Naturalmente que não se tratou de uma fuga por agressão ou assalto. Mas de preservar um instrumento de trabalho.
AS PAZES...E A HOMENAGEM DE UMA FOTO EXCLUSIVA

Creio que houve mais uma pessoa que terá aproveitado a oportunidade para registar a mesma pose. Mas ela voltou-se, foi para mim e perguntou-me: "Você está aqui?!..." Eu respondi-lhe: "
Sim, estou aqui porque não hei-de estar aqui?!... Quem não deve não teme!... Amália, sabe dizer-me se alguma vez eu usei as suas palavras da entrevista? .. As transmiti ou as publiquei nalgum jornal?!...Desculpe não ter-lhe dado a cassete e tê-la deixado se calhar preocupada mas Amália também queria o gravador e eu não podia ficar sem ele"
Porém, embora nesse reencontro, com o repórter, reconhecesse que não havia razões para ficar preocupada, me autorizasse a divulga-la, mesmo assim decidi por enquanto não o fazer
-
Isto passou-se já na ponta final da cerimónia, quando os repórteres fotográficos e a maioria das pessoas, haviam saído. Eu fizera outras fotografias mas andara por ali discretamente. Aguardei para o fim, cauteloso, pois não sabia como ela ia reagir à minha presença: surpreendentemente foi amistosa: "Vá... então dê cá um beijinho e tire-me aí uma fotografia!"....
Não cabia em mim de contente.... Até já parecia que estávamos mais à vontade que o resto da sua comitiva...Finalmente acabou-se o pesadelo.. Autografou-me a obra (a que se juntou o autógrafo de Victor Pavão) e parti dali como se fosse um velho amigo....
Amália sempre foi um coração de oiro, expansivo, alegre e frontal; muito generosa e soube perdoar. Mas o nosso país pequeno demais para a sua grandeza mas uma grande quinta para os invejosos. Tinha muitas razões para se acautelar....Não foi a queda do regime que a magoou mas certos extremismos e oportunismos . Aliás, foi até depois do 25 de Abril, que Amália recebeu as maiores homenagens e distinções. .Foi condecorada com o grau de oficial da Ordem do Infante D. Henrique, pelo então presidente da República, Mário Soares. Ao mesmo tempo, atravessa dissabores financeiros que a obrigam a desfazer-se de algum do seu património - In..Amália Rodrigues – Wikipédia,

Não cabia em mim de contente.... Até já parecia que estávamos mais à vontade que o resto da sua comitiva...Finalmente acabou-se o pesadelo.. Autografou-me a obra (a que se juntou o autógrafo de Victor Pavão) e parti dali como se fosse um velho amigo....
Amália sempre foi um coração de oiro, expansivo, alegre e frontal; muito generosa e soube perdoar. Mas o nosso país pequeno demais para a sua grandeza mas uma grande quinta para os invejosos. Tinha muitas razões para se acautelar....Não foi a queda do regime que a magoou mas certos extremismos e oportunismos . Aliás, foi até depois do 25 de Abril, que Amália recebeu as maiores homenagens e distinções. .Foi condecorada com o grau de oficial da Ordem do Infante D. Henrique, pelo então presidente da República, Mário Soares. Ao mesmo tempo, atravessa dissabores financeiros que a obrigam a desfazer-se de algum do seu património - In..Amália Rodrigues – Wikipédia,
Curiosamente as farpas vieram dos que se notabilizaram em boa parte à sua custa.. Foi alvo de boatos pelos jornais e por algumas pessoas de uma certa esquerda oportunista e extremista que se meteram na sua vida íntima e a acusaram de gatos e lagartos. .
A ENTREVISTA FOI-LHE SOLICITADA POR TELEFONEMA DIRETAMENTE DO BOTEQUIM DE NATÁLIA CORREIA

"Então porque não entrevista a Amália?!... Seria interessante sabermos como a nossa diva do fado se desvirginou!..." - A sugestão foi secundada por uma gargalhada geral. Pois a voz da Natália (mesmo que o Botequim estivesse cheio), distinguia-se perfeitamente entre a música do piano ou o barulho de outras vozes. Ainda conservo alguns registos gravados do ambiente e de ela a cantar: "Morte que Mataste Lira" - Em sua homenagem, aqui vai uma das canções que tanto gostava.
Nem mais um instante hesitei. Estava sentado junto ao balcão do bar. Fui à minha agenda, peguei no telefone, que estava mesmo ali à mão e disquei diretamente para casa de Amália. Era já um pouco tarde, pedi-lhe desculpa pelo adiantado da hora e disse-lhe que gostaria de lhe fazer uma pequena entrevista para o Tal & Qual - Acedeu “Já está combinada!... Vou lá amanhã!" - disse imediatamente à Natália "Parabéns!... Estou cheia de curiosidade" - remata a autora da Mátria

Logo que transpus o último degrau, cumprimentou-me com um beijinho, levando-me de seguida para junto de um grupo de amigas, que estavam lá mais à frente, a um canto da casa do lado esquerdo e junto à janela, que corresponderam simpaticamente. E lá passei um grande bocado da tarde. Curiosamente, não se falava de outra coisa senão de sexo. Claro, de uma forma trivial: de fofoquices. Sem qualquer carácter obsceno. E foi com estas palavras que me apresentou às suas amigas: "Você também gosta de falar de sexo?!... Elas são marotas!... Não faça caso que elas sabem muito mais do que eu!..." - "Estejam à vontade"- respondi. "Eu também gosto de conversar sobre essas coisas...


Não manifestei a menor pressa em fazer qualquer registo no gravador. Por algum tempo, quase me ia esquecendo que estava ali para entrevistar Amália. Direi que não fui um participante activo nos diversos diálogos mas um ouvinte muito atento - Pois, embora bem recebido, não fazia parte do seu núcleo íntimo das suas amizades . Mesmo, perante um ambiente, tão descontraído, tinha de saber ocupar o meu lugar - E, quando se está perante alguém que diz coisas engraçadas, que nos dão prazer, é preferível falar menos e ouvir mais. Foi esse o meu papel
De resto, Amália, até nem era das pessoas que mais falava. Gracejava, divertia-se dando umas piadas para apimentar a conversa.
Maluda era de complexão forte - a saúde é que acabou por ser fraca e a levou cedo. Fazia parte do restrito grupo das pessoas íntimas de Amália - Também se promoveu à sua custa. Se não fosse essa relação estreita, estou convencida que as famosas janelas, pintadas pela artista moçambicana, teriam ficado no anonimato.

Amália, mesmo não sendo a que puxava pelas histórias, era a voz que mais sobressaía. Sempre bem disposta. E com os seus apartes. Mas não falava dela. Se, no pequeno grupo, imaginássemos, em vez de pessoas, instrumentos ou uma sessão de fados, dir-se-ia que, as demais presenças, eram simplesmente instrumento de cordas, as guitarras que acompanhavam, e, Amália, a eterna cantadeira - Amália denotava uma grande sensibilidade e curiosidade em ouvir as pessoas que faziam parte do seu núcleo de amizade e gostava de as pôr a falar. As pessoas inteligentes não gostam de perder tempo a expandir-se em trivialidades. Mas sabem ser socáveis. E gostam de ouvir.
Deixava falar as amigas . Mas não se distanciava do diálogo. Era participativa. E as suas palavras (mesmo não cantadas) soavam com a sonoridade, que lhe é própria, tal como só ela as sabia dizer: soavam à voz inconfundível da grande fadista - A voz da Amália era sonoramente bela, falada ou cantada. O falar de Amália era tão agradável como os fados cantados - Como ela, dificilmente surgirá algum dia quem a imite.Já ali havia estado por duas vezes, em sua casa, mas apenas durante o tempo tomado para as entrevistas - Agora, de forma algo inesperada, passava ali uma tarde. - Sentia-me como se fosse uma visita habitual da casa da Amália - Até que, por fim, e vendo-a tão bem disposta, achei estarem reunidas as condições para lhe colocar algumas questões(delicadas) sobre a sua vida pessoal - "Como havia sido a sua primeira relação sexual"
E, não querendo que o barulho das outras vozes, pudesse afectar a qualidade gravação (mas sobretudo para estarmos mais à vontade) - perguntei-lhe se não se importava de nos sentarmos nutro sítio - Fui então que me conduziu para o lado oposto da sala, próximo do último degrau da escadaria, onde nos sentámos junto a uma pequena mesa, com o gravador sobre a superfície da mesma.

Sem dúvida, deram-me muito prazer aqueles momentos de convívio- No entanto, o meu objectivo principal era a entrevista, que eu não queria perder. Não tirava da mente esse desejo porfiado. Diria que agi (sem falsa modéstia) um pouco como o prestigiador. E, antes de contar o resto da história, vou explicar de seguida - talvez as razões de algumas dessas propensões
A Maluda era a mais danada e inconformada...Mal eu dei ares de desandar, correu logo atrás de mim, como uma cavalona... "És mais parva do que ele!... Foste logo a falar da tua vida pessoal!..." A sua ira dava em recriminar a Amália .Já nem sequer eu era o mau da fita, mas a sua amiga.


Ela ainda chegou a concordar... Só que depois apercebeu-se que eu não estava a desgravar a entrevista ... Amália tinha um sexto sentido muito apurado.... Só era enganada se queria... Era muito inteligente e muito sensível. Ela quase adivinhava o que ia na cabeça das pessoas com quem falava... Fiquei com essa impressão... Tive esse eco... Ela captou os meus pensamentos como se fosse um radar a captar as mensagens do inimigo... Eu não queria perder o primeiro registo...Até para não ficar sem nada... Sobretudo à medida que ela própria valorizava a entrevista, a que eu até aí não atribuía nada de especial E Amália apanhou-me a vibração... Grande mulher!...Tinha essa ideia fisgada e ela pressentiu-a.. Não tive a menor dúvida. E já não havia nada a fazer senão procurar recuperar ao menos o gravador. E mais se convenceu da marosca, quando eu lhe disse: "Bom mas temos que nos calar senão vai ficar tudo o que agora estamos a dizer..."
Já havia passado por uma experiência, com quase idênticos contornos, com as confissões de um elemento da ETA, em Las Palmas. Deu-me a entrevista à noite (contando-me como ele e o seu grupo haviam assassinado um general em Madrid - olhos vendados e de cano de pistola apontado aos ouvidos , jogando à roleta russa ), mas, o diabo do sujeito, pouco depois, arrependeu-se e foi bater ao meu quarto para que lhe devolvesse a cassete. Disse-lhe que lha entregaria de manha. Só que eu levantei-me mais cedo e mudei de pensão. Era das mais modestas da cidade onde não eram pedidos elementos de identificação pessoais.
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Vendo a ameaça iminente da presença da Maluda, seguida pelo grupo, e quando ela lhe responde. "Eu disse umas coisas parvas e não quero que ele leve o gravador!.. Ele não vai levar o gravador!...Não vai levar o gravador!... quero que ele se vá já embora!" Pois bem, aproveitando então o instante em que ela olha em direcção à Maluda, sim, apanhando-a distraída, tiro-lho o gravador e desato a fugir escada abaixo.
Adorava ter sido seu conselheiro. Vi que tinha um fraquinho pela astrologia. E eu também sou um curioso dessas questões. Pois ainda falámos sobre o assunto. Fui o Rasputin de várias damas que me foram apresentadas pela bethe - a russa Ludmila, no Ritz, é que me catalogou desse alcunha. Elas queriam mais alguma coisa: que eu fizesse feitiços aos maridos... pelas mais diversas razões. Mas era consigo que eu me teria sentido um príncipe numa corte real. E olhe que gostaria apenas de ter estado no papel de um mero pajem ou animador de convívios. Marimbar-me-ia para o resto. Mesmo já com a idade que tinha. Sim, não era o sexo... Mas a presença fascinante da sua personalidade!... Nunca mais no mundo vai aparecer figura igual!.

Muito determinada e senhora do seu querer e das suas ideias. Era forte como uma padeira de Aljubarrota mas ao mesmo tempo tão frágil como a flor mais bela de um maravilhoso jardim. Esse é o tipo de mulheres que eu sempre mais admirei. Paradoxalmente, em vez de serem os seus namorados a perderem a cabeça por ela, afinal foi a Amália que chegou quase a suicidar-se por um deles...- E tanta vida ainda à sua frente!... - E logo num primeiro embeiçado!...Ele não merecia tão alto suplício, como, de resto, ela reconheceu. Que desastre, mais fatídico, não teria sido para ela, para o fado e para todos quantos ainda hoje a veneram e admiram!... Espero, todavia, que, quando reencarnar e decida cá voltar à companhia dos terrenos, para uma nova fase evolutiva, tenha aprendido melhor a lição...

Os milhões que a adoram e a continuam a idolatrar têm razão, porque ela era inimitável.. O seu nome e a sua voz, agora continuam ligados a uma estação de Rádio – A Rádio Amália, em tão boa hora, lhe dedicaram. Ela partiu mas a sua voz é eterna. Não está connosco fisicamente mas eu estou receptivo às comunicações do seu espírito, quando ela quiser....Quando me apanhar, naquelas noites, lá pelos penhascos da minha aldeia, dialogue comigo, minha alma querida!
Repito o que disse: conservo a gravação mas até hoje nunca a divulguei e, por enquanto, não o tenciono fazer, por respeito à sua memória. Pessoalmente não vejo que me declarasse algo de especial ou de escandaloso. Ela mudou, porém, de opinião, que eu respeitei. Se um dia revelar alguma coisa - parcial ou totalmente, será todavia neste site - Mas nunca aquilo que eu considero que ela não gostaria que fosse além da sua intimidade.
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Foto do autor deste site
David Mourão-Ferreira E O SEU FILHO JOÃO DAVID - LANÇAMENTO DO LIVRO "UMA ESTRANHA FORMA DE VIDA"
O POETA E ESCRITOR FEZ APRESENTAÇÃO DA OBRA E DISSE PALAVRAS MUITO BONITAS SOBRE O SORRISO E A VOZ DA AMÁLIA - EXISTE UM VÍDEO EDITADO NO YOUTUBE Amália Lançamento do livro estranha forma de vida
AMÁLIA É O HETERÓNIMO DE PORTUGAL - DISSE O POETA
"Este é o livro do sorriso da Amália. Eu creio que se podia fazer um estudo sobre o sorriso da Amália. Porque, o sorriso de Amália exprime, simultaneamente, o que em nós há de sorridente e de triste. Porque, mesmo por baixo do não sorriso, vislumbramos dentro, o sorriso que tem sido como a voz , evidentemente, e com todo o fascínio da sua presença, um dos grande segredos do mito que é a Amália, do milagre que é a Amália e da grande sorte de todos nós sermos seus contemporâneos"
"Este livro leva-nos até à infância de Amália. Revive os lugares, as pessoas e, sobretudo, é um documento indispensável para compreendermos precisamente o seu extraordinário percurso"
"Falar de Portugal ou dizer português em qualquer parte do mundo é imediatamente ouvirmos como um eco o nome de Amália. Eu já disse uma vez que Amália é um heterónimo de Portugal" - David Mourão Ferreira
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