
Andava na casa dos trinta, era temerário e aventureiro. Três dias antes partira da praia da Vila das Neves rumo à Baía Ana Chaves para ser transportado naquele pesqueiro, e, numa frágil piroga, tentar atravessar o oceano Atlântico na grande corrente equatorial - Devido a um violento tornado, acabaria por ser arrastado ao longo de 38 dramáticos dias, indo acostar a uma recondida praia da Ilha de Bioko, Guiné Equatorial.
E lá parti de calções e
descalço, sem dinheiro no bolso, sem relógio e despojado de tudo; confiante de
que a canoa seria o meu único soalho e o meu único abrigo e não me deixaria
ficar pelo caminho. Todavia, sem saber por quanto tempo e os trabalhos que haveria
de ter pela frente....Certo, no entanto, de que (à semelhança das duas
anteriores viagens: de São Tomé à Ilha do Príncipe e São Tomé à Nigéria),
haveria de encontrar dias e noites de paz e de calma (momentos maravilhosos!) e
outros dias e noites de sobressalto, de tormento e agitação
Como se não bastasse o tormentoso calvário... Por três vezes onde aportei, fui preso e encarcerado por suspeito e perigoso! - O mar fez-me sofrer imenso mas poupou-me a vida. E, se alguma vez pecara, trazia o coração atormentado mas liberto, os olhos cansados de tanto perscrutar as noites cerradas ou os agitados horizontes mas puros de espaço e maresia, tinha a plena sensação de que o meu sofrimento me reconduzira à idade da inocência e me libertara de toda a mácula. Porém, em terra, foi tal a vil desconfiança que sempre se abateu sobre mim, que cheguei a pensar se não foi um castigo infame e maldito ter chegado vivo a terra.. se não teria sido preferível ficar para sempre - morto ou vivo - sobre as ondas ou no fundo do mar





Em parte, tinha alguma razão - mas apenas pelo facto de ir sozinho e a canoa necessitar de mais braços. Mesmo assim, lutei e sobrevivi durante 38 longos e atribulados dias. Pois, o que há de mais perigoso, mortífero e assustador, não é o mar largo! São as áreas costeiras - Eu sabia, que, afastado dos tornados e calmarias do grande Golfo da Guiné, não teria tantas dificuldades! - Pois lá diz o velho ditado: "o que há de perigoso no mar é a terra" - E foi sempre o que eu mais receei: pois não podia prever onde chegava, em que ponto iria aportar, a que horas da noite ou do dia me poderia aproximar de chão firme. A simples bússola não bastava
Certo que estas ainda não desapareceram, nem tão cedo desaparecerão, tal como nas cidades de outros países, contudo, vê-se a olhos vistos que houve significativos progressos – Há muitas casas novas, restaurantes e cafés, alojamentos turísticos, lojas comercias, propriedade dos filhos da terra em que são pequenos ou médios empresários, bem sucedidos. E o mais curioso é que de noite se ouve cantar o galo, há silêncios e perfumes de clorofila, como se a mesma cidade fosse dominada, não pela floresta do betão mas pelo verde da mesma floresta que reveste toda a ilha.
Neste primeiro contato, ainda
não deu para ver muita coisa, mas deu para me sentir muito feliz, como entre
amigos. Apenas saí da pensão para ir ao restaurante do "Papa-Figo" a apreciar uma posta de “bonito” acompanhado com fruta
pão cozida – Mas que maravilha de peixe, bem assado e condimentado – E não foi
caro. O mau aqui é que se paga em dobras, em que, cada euro vale perto de 25.000
e o salário mínimo não vai além de 40 euros.
Sim, venho matar saudades e dar mais largas ao sentimento,
ao registo de imagens de que às palavras. Estas ficarão para mais tarde. Pois
aqui, às cinco e meia da manhã, nasce o sol e à mesma hora, é quando se põe a
oeste, justamente no meio do mundo e não
há tempo a perder. O dia começa cedo e eu venho habituado a escrever de noite (rotina
que nesta primeira noite ainda não corregi)e há que harmonizar os hábitos para extrair do dia o melhor que ele aqui
oferece: o da luz que empresta ao seu verde luxuriante uma sublime sinfonia
Pelo menos se há miséria na capital do principal produtor mundial de cacau, esta não se distingue pela altura de arranhacéus ou pelo luxo das mansões. Que o diga o José Carvalho, o português que ali é técnico de informática, companheiro de viagem e que ali desembarcou, confiante e descontraído, em ameno convívio como santomense Osvaldo Viegas, este vindo de Londres para quinze dias de férias na sua querida terra, ambos sem se importarem muito dos riscos da Ébola, que grassa noutros países vizinhos. De resto, em São Tomé o controlo sanitário passa até pela elaboração de um questionário para se saber donde provém o visitante e por onde passou.
COMOVIDO, AJOELHEI-ME E BEIJEI O CHÃO DA PISTA DO AEROPORTO DESTA MARAVILHOSA ILHA
Agora, quando um dia Deus me
quiser chamar, Ele que me poupou naquele tão penoso como longo rosário de
tormentos, já o pode fazer porque cumpri finalmente o sonho de me ajoelhar e
beijar aquele chão firme que no mar não encontrava.
4 comentários :
Adoro histórias onde o sonho se transforma em realidade. Assim, passados 39 anos, seu coração cheio de sensações fortes, brotou tamanha emoção, pois, voltar à Terra tão querida, é acalentar a alma e dar mais motivos para continuar por este mundo fora.
Um abraço cá do Algarve com http://umraiodeluzefezseluz.blogspot.com - Algarve.
Obrigado pelas suas amáveis Palavras - Têm sido dias intensos, emocionantes, que nem sei por onde começar - e o mais provável é adiar a sua publicação para quando regressar a Portugal - Desde o reencontro com antigos pescadores a antigos trabalhadores nas roças onde trabalhei. Tenho feito muitas imagens e gravado alguns vídeos, que vou ter muito prazer em editar neste site – Um grande abarço
Boa estadia Jorge. Que regresse com vontade de lá voltar novamente.
Obrigado pelas palavras amigas - Estou tão encantado que mal tenho tido tempo de vir à net - Sim, espero cá voltar Um abraço amigo
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