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terça-feira, 21 de outubro de 2014

São Tomé – 39 anos depois o náufrago volta ao paraíso perdido – Desembarquei quase ao pôr-do-sol, num voo da TAP, o crepúsculo aqui é rápido quando cheguei à cidade era já noite mas deu para ver que já não é a capital de uma ilha Colonial – Os dias em que só o colono tinha chalé, já lá vão


Foi no dia 20 de Outubro de 1975, ao nascer do sol, que fui largado pelo pesqueiro americano, Hornet, escassas duas milhas a norte da Ilha de Ano Bom mas a 180 Km a sul da Pérola do Equador e  a duas cntenas de quilómetros da costa afriacana- Faz precisamente hoje 39 anos – Estou em São Tomé e trouxe comigo a única recordação material que me resta: a camisola que então enverguei com a bandeira nacional de S. Tomé e Principe, que gostaria de oferecer ao Museu de São Tomé

Andava na casa dos trinta, era temerário e aventureiro. Três dias antes partira da praia da Vila das Neves rumo à Baía Ana Chaves para ser transportado naquele pesqueiro, e,  numa frágil piroga, tentar atravessar o oceano Atlântico na grande corrente equatorial - Devido a um violento tornado, acabaria por ser arrastado ao longo de 38 dramáticos dias, indo acostar a uma recondida praia da Ilha de Bioko,  Guiné Equatorial.


E lá parti de calções e descalço, sem dinheiro no bolso, sem relógio e despojado de tudo; confiante de que a canoa seria o meu único soalho e o meu único abrigo e não me deixaria ficar pelo caminho. Todavia, sem saber por quanto tempo e os trabalhos que haveria de ter pela frente....Certo, no entanto, de que (à semelhança das duas anteriores viagens: de São Tomé à Ilha do Príncipe e São Tomé à Nigéria), haveria de encontrar dias e noites de paz e de calma (momentos maravilhosos!) e outros dias e noites de sobressalto, de tormento e agitação

Como se não bastasse o tormentoso calvário... Por três vezes onde aportei, fui preso e encarcerado por suspeito e perigoso! - O mar fez-me sofrer imenso mas poupou-me a vida. E, se alguma vez pecara, trazia o coração atormentado mas liberto, os olhos cansados de tanto perscrutar as noites cerradas ou os agitados horizontes mas puros de espaço e maresia, tinha a plena sensação de que o meu sofrimento me reconduzira à idade da inocência e me libertara de toda a mácula. Porém, em terra, foi tal a vil desconfiança que sempre se abateu sobre mim, que cheguei a pensar se não foi um castigo infame e maldito ter chegado vivo a terra.. se não teria sido preferível ficar para sempre - morto ou vivo - sobre as ondas ou no fundo do mar



Diário de Bordo  - "Encontro-me, neste momento, algures ... Pelo imenso Golfo da Guiné.. Não tenho leme para orientar a minha canoa, no meio do mar muito agitado, bastante ameaçador!... Não sei para onde vou ... Possivelmente para o Gabão... Pois para São Tomé não há qualquer hipótese. Governar uma canoa, sem leme ou sem rumo é impossível!... Estou à mercê de todas as contingências!... Espero, todavia, chegar a lugar seguro."



 
Meu objetivo era evocar a  antiga rota dos escravos  e ao mesmo tempo reforçar a minha teoria de que as Ilhas podiam ter sido ligadas por povos da costa africana, muito antes da colonização – Já tinha navegado de São Tomé à Nigéria e de S. Tomé ao Príncipe, faltava-me agora uma demonstração anda mais arrojada. Estava confiante de que a poderia realizar, caso o comandante do pesqueiro não tivesse faltado à palavra – Procurara demover-me da minha ousada aventura, oferecendo-me trabalho a bordo,  alegando que o frágil madeiro escavado, não podia suportar as violentas investidas das vagas..

E, na verdade,  as três noites que passei  a bordo foram  horríveis, escotilhas fechadas, ninguém podia ir ao convés, ondas a varrerem-no de ponta a ponta ! - "Você vai morrer!... Fique connosco a trabalhar!"..Diziam-me alguns dos marinheiros, que vinham a espreitar ao meu lado o vendaval da noite cerrada!.. .Estava-se em plena época das chuvas, o mesmo cenário iria repetir-se na noite seguinte.

Em parte, tinha alguma razão - mas apenas pelo facto de ir sozinho e  a canoa necessitar de mais braços. Mesmo assim, lutei e sobrevivi durante 38 longos e atribulados dias. Pois, o que há de mais perigoso, mortífero  e assustador, não é o mar largo! São as áreas costeiras -  Eu sabia, que, afastado dos tornados e calmarias do grande Golfo da Guiné, não teria tantas dificuldades!  - Pois lá diz o velho ditado: "o que há de perigoso no mar é a terra" - E foi sempre o que eu mais receei: pois não podia prever onde chegava, em que ponto iria aportar,  a que horas da noite ou do dia me poderia aproximar de chão firme. A simples bússola não bastava


Sim, estou de novo nesta maravilhosa Ilha – Desembarquei, quase sobre o pôr do sol, o crepúsculo, nestas paragens é rápido e, quando percorria a distância que separa o aeroporto  da cidade,  era já noite. No entanto, mesmo assim, o bastante para me surpreender – E no bom sentido do termo. 

Ainda não sei o que vai lá pelo mato, nas antigas roças,  mas constatei que São Tomé, nome da ilha e da sua principal cidade, já não é a pequena povoação colonial em que  só os colonos tinham direito a chalé e, a quase generalidade dos santomenses, a ter que cingir-se às cubatas do Riboque e de outros bairros periféricos. 

Certo que estas ainda não desapareceram, nem tão cedo desaparecerão, tal como nas cidades de outros países, contudo, vê-se a olhos vistos que houve significativos progressos – Há muitas casas novas, restaurantes e cafés, alojamentos turísticos, lojas comercias, propriedade dos filhos da terra em que são  pequenos ou médios empresários, bem sucedidos. E o mais curioso é que de noite se ouve cantar o galo, há silêncios e perfumes  de clorofila, como se a mesma cidade fosse dominada, não pela floresta do betão mas pelo verde da mesma  floresta que reveste toda a ilha. 

Neste primeiro contato, ainda não deu para ver muita coisa, mas deu para me sentir muito feliz, como entre amigos. Apenas saí da pensão para ir ao restaurante do "Papa-Figo" a apreciar  uma posta de “bonito” acompanhado com fruta pão cozida – Mas que maravilha de peixe, bem assado e condimentado – E não foi caro. O mau aqui é que se paga em dobras, em que, cada euro vale perto de 25.000 e o salário mínimo não vai além de 40 euros.

Sim, venho matar saudades e dar mais largas ao sentimento, ao registo de imagens de que às palavras. Estas ficarão para mais tarde. Pois aqui, às cinco e meia da manhã, nasce o sol e à mesma hora, é quando se põe a oeste, justamente no  meio do mundo e não há tempo a perder. O dia começa cedo e eu venho habituado a escrever de noite (rotina que nesta primeira noite ainda não corregi)e há que harmonizar os hábitos  para extrair do dia o melhor que ele aqui oferece: o da luz que empresta ao seu verde luxuriante uma sublime sinfonia

Quis o destino que aqui   regressasse, sobre  tão distante data, que parecia como que esquecida no tempo. Mas constato que continua ainda bem presente.  É inexprimivel a emoção que senti, quando aqui desembarquei num voo da TAP, ontem, pouco depois das cinco da tarde, hora esta que aqui já raia com a noite. 


Receoso que um  voo não direto fosse uma estopada, mas, pelo contrário, a  escala ténica pelo Gana, foi também a oportunidade de  ver, por entre o rasgar das nuvens, uma vastíssima cidade onde só há quase habitações rasteiras e apenas as grandes ruas são asfaltadas. 

Pelo menos se há miséria na capital do principal produtor mundial de cacau, esta não se distingue pela altura de arranhacéus ou pelo luxo das mansões. Que o diga o José Carvalho, o português que ali é técnico de informática, companheiro de viagem e que ali desembarcou, confiante e descontraído, em ameno convívio como santomense Osvaldo Viegas, este vindo de Londres para quinze dias de férias na sua querida terra, ambos sem se importarem muito dos riscos da Ébola, que grassa noutros países vizinhos.  De resto, em São Tomé o controlo sanitário passa até pela elaboração de um questionário para se saber donde provém o visitante e por onde passou.

 COMOVIDO, AJOELHEI-ME E BEIJEI O CHÃO DA PISTA DO AEROPORTO DESTA MARAVILHOSA ILHA

Escusado será dizer que foi um reencontro emocionante, em que as lágrimas foram mais fortes de que eu.  Mas tinha mesmo que ser assim: não se pode contrariar o coração, quando ele cede aos momentos que mais o fizeram vibrar ou sofrer. E, na verdade, nesta ilha, nos 12 anos em que aqui vivi, o meu coração, os meus olhos, viveram as mais díspares emoções. Sobretudo nas atribuladas aventuras solitárias em frágeis pirogas. Aqui aprendi a arte de navegar com os pescadores santomenses, exímios  sua arte milenar. E daqui parti, por três vezes, sozinho, disposto a enfrentar as ondas do mar alto, rumo a toda a sorte de contingências e de perigos. Certo de que a temeridade é o caminho para a morte mas também pode ser o ponto de partida para o mais lindo sonho

Agora, quando um dia Deus me quiser chamar, Ele que me poupou naquele tão penoso como longo rosário de tormentos, já o pode fazer porque cumpri finalmente o sonho de me ajoelhar e beijar aquele chão firme que no mar não encontrava.

4 comentários :

António Manuel Santos disse...

Adoro histórias onde o sonho se transforma em realidade. Assim, passados 39 anos, seu coração cheio de sensações fortes, brotou tamanha emoção, pois, voltar à Terra tão querida, é acalentar a alma e dar mais motivos para continuar por este mundo fora.
Um abraço cá do Algarve com http://umraiodeluzefezseluz.blogspot.com - Algarve.

canoasdomar disse...

Obrigado pelas suas amáveis Palavras - Têm sido dias intensos, emocionantes, que nem sei por onde começar - e o mais provável é adiar a sua publicação para quando regressar a Portugal - Desde o reencontro com antigos pescadores a antigos trabalhadores nas roças onde trabalhei. Tenho feito muitas imagens e gravado alguns vídeos, que vou ter muito prazer em editar neste site – Um grande abarço

Antonio Lourenco disse...

Boa estadia Jorge. Que regresse com vontade de lá voltar novamente.

canoasdomar disse...

Obrigado pelas palavras amigas - Estou tão encantado que mal tenho tido tempo de vir à net - Sim, espero cá voltar Um abraço amigo