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sábado, 5 de setembro de 2020

Segredos da Descolonização de S. Tomé e Príncipe - EUA impediram os desígnios de Spínola, que se opunha à independência de Cabo Verde e STP. - Fui convidado para uma espécie de 007 na Ilhas Verdes do Equador - Recusei a proposta mas foram relevantes as informações que prestei - Os roceiros, com a cumplicidade de Ricardo Durão e Spínola, preparavam-se para afastar Pires e Veloso e travar a independência - Depois de invadirem o Palácio e insultarem o Governador, ainda correram atrás de mim de catanas em punho, tendo-me escondido num telhado, frente à Farmácia Cabral, até que, ao anoitecer, um santomense, o Constantino Bragança, me encaminhou para a sua humilde cubata. .


O Cônsul dos EUA, em Luanda,  deslocou-se a S. Tomé, para  recolher informações: queria saber o o movimento pró-MLSTP, era ali representativo  para enviar relatório urgente à  sua administração. - Eu respondi-lhe se queria guerra ou paz  - Ele optou por seguir o caminho pacifico do Coronel Pires Veloso.     C


JORGE TRABULO MARQUES - Jornalista 

ENCONTRO DE COSTA GOMES E MÁRIO SOARES NA CASA BRANCA - Na imagem: Costa Gomes,Presidente Ford e Henry Kissinger - 18 de Outubro de 1974. Nos anos 80, O Marechal Costa Gomes, recebeu-me em sua casa, concedendo-me uma interessante entrevista – Abordámos a descolonização de STP, confirmou-me as suas preocupações depois do registo gravado  https://canoasdomar.blogspot.com/2019/04/para-historia-do-25-de-abril-adelino.html

O Sr. Everett Ellis Briggs, um dos mais prestigiados e famosos diplomatas dos EUA, nascido em Havana, Cuba, em 6 de Abril de 1934, possuidor de um notável currículo https://peoplepill.com/people/everett-ellis-briggs/
precisava urgentemente de elaborar um relatório sobre a situação  política e económica de S. Tomé e Príncipe. Queria saber se as ilhas dispunham de recursos económicos para serem independentes.  E necessitava de enviar esse relatório  à sua Administração, antes do General Costa Gomes discursar na ONU e ser recebido,  com Mário Soares, na Casa Branca, pelo então Presidente Gerald Ford e  o  Secretário de Estado Henri Kissinger -Veio a S. Tomé propositadamente com esse propósito - Entre as várias pessoas que contactou, eu fui uma delas. Porém, de mim, não pretendia apenas  uma opinião, quis convidar-me para colaborador da "nossa agência" - Recusei a proposta mas, no encontro que tive com ele,  prestei-lhe as informações que achava dever prestar-lhe..  


Por essa altura, o ambiente das roças era de grande inquietação e crispação, quer devido a sucessivas greves de trabalhadores, com as suas reivindicações, paralisando a atividade laboral, quer pelo facto das armas, que existiam nos paióis dos armazém, terem sido levadas por ativistas da Associação Cívica, correndo, por isso, evidentes  sinais de  que poderiam estar a ser preparadas ações de desagrado ou mesmo de força,  vindas dessas grandes propriedades agrícolas, a lembrar o que sucedeu em 1953,  com apoio externo dos spinolistas,.  - Esse era o objetivo do anterior Comandante do CTISTP,  um Tenente Coronel, que, uns dias depois, ali  iria desembarcar: - Só que, para seu azar, foi obrigado a regressar no mesmo avião.  -Pormenores em https://canoasdomar.blogspot.com/2016/04/em-s-tome-revolucao-do-25-de-abril.html


Mesmo assim, dias depois, uma grande manifestação de colonos das roças, acabou por desembocar na cidade e dirigir-se ao Palácio do Governador, com as mais disparadas provocações  - Valeu a calma a e o bom senso de Pires Veloso


Seguir-se-ia outra, a chamada revolta das panelas por parte de mulheres santomenses, com o argumento de que a água  teria sido envenenada,  assim como os alimentos, vendidos nas lojas dos comerciantes portugueses, o que não passava de um boato, tendo grupos de ativistas entrado nalgumas lojas e vertido para a rua alguns sacos desses produtos alimentares, tal como pude tesmunhar, o que viria a provocar, tal como atestam as imagens do artigo que publiquei na revista Semana Ilustrada, de Luanda, a sua escassês.  

ABORDADO, NA AVENIDA DA MARGINAL -  Que queria falar comigo fora da cidade  - Num lugar “onde pudéssemos estar os dois à vontade” - Pormenores mais à frente.

ENCONTRO DE COSTA GOMES E MÁRIO SOARES NA CASA BRANCA - Na imagem: Costa Gomes, Presidente Ford e Henry Kissinger - 18 de Outubro de 1974. Ford, Kissinger, Portuguese President Costa Gomes, Foreign


Tal como já foi referido pela imprensa, em  outubro de 1974, Costa Gomes fez uma visita histórica aos Estados Unidos da América, onde se encontrou com o presidente Gerald Ford e o secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger. Na sua comitiva seguia Mário Soares, então ministro dos Negócios Estrangeiros. Durante a viagem, Costa Gomes foi o primeiro Presidente da República a discursar perante a Assembleia Geral da ONU  - Recorda o Expresso  https://expresso.pt/politica/2015-03-17-Costa-Gomes-nos-EUA

SPINOLA QUERIA CONTRARIAR O PROCESSO DE DESCOLONIZAÇÃO – ESTADOS UNIDOS –  RECUSOU-LHE O APOIO  - Graças ao relatório enviado   pelo diplomata americano, que se deslocou a S. Tomé - E quem prestei importantes informações no sentido de não se deixar influenciar  nos argumentos que havia recolhido  dos dirigentes da  Associação do Comércio, Agricultura e Industria, que lhe disseram que o movimento pró-independência, da Associação Cívica  Pró-MLSTP, não era representativo: não tinha qualquer expressão. 


 O Cônsul dos EUA, em Luanda, Everett Ellis Briggs, que, mais tarde (entre 90-93, haveria de ser Embaixador em Portugal) deslocou-se a S. Tomé no período mais conturbado que antecedeu a independência do arquipélago. Eu era o delegado da revista angolana Semana Ilustrada e, entre as pessoas com quem falou, fui uma delas. 


O governo americano desconhecia o que ali se passava e, pressionado pelo General Spínola, que se opunha à independência daquela antiga colónia, deu instruções ao diplomata, acreditado em Angola, para se deslocar imediatamente com duas missões: recolher o máximo de informações possíveis do movimento pró-independentista e arregimentar um  colaborador para a CIA - Colocando à sua disposição todos os meios técnicos e pagando-lhe o que fosse preciso: essa proposta foi-me apresentada pessoalmente mas recusei trair a confiança nos meus amigos da Associação Cívica e colocar-me ao lado dos colonos, que só não me mataram porque não puderam

A Heroicidade e humanismo de um valoroso companheiro na dificílima escalada ao Pico Cão Grande  - Que chegou a trocar a sua roupa com a minha para me defender de agressores.


Recordações do santomense Constantino Bragança- Atualmente Pai de sete filhos e um dos dirigentes da Associação Viver no Mundo, para defesa dos emigrantes  - Um dos meus corajosos companheiros, com o Pires dos Santos, além dos meus guias,  do Sebastião e do Chico,  na dificílima escalada do  Pico Cão Grande, em Outubro de 1975  – Era também ele que me distribuía a revista Semana Ilustrada, de Luanda, de que era correspondente, em STP,  
Chegou a trocar a sua roupa com a minha para me ajudar a sair de casa e a defender dos ataques de alguns colonos tendo sido também ele agredido – E, mais tarde, quando tive de precipitar, clandestinamente,  a minha travessia de canoa de S. Tomé para a Nigéria, por via das sucessivas agressões de que estava sendo alvo,  a ser inquerido pela policia, visto se desconhecer onde me  encontrava   Pormenores em http://www.odisseiasnosmares.com/2020/08/pico-cao-grande-em-s-tome-epica.html

Em S. Tomé e Príncipe, não houve luta armada, porque as ilhas são pequenas  e o Povo é tradicionalmente pacífico. Não obstante os sofrimentos infligidos por vários aspetos da dureza e domínio colonial, que, de resto, estiveram na esteira de algumas violentas revoltas ao longo dos séculos.

No entanto, existia um movimento, que pugnava pela libertação e independência – Esse movimento, denominado MLSTP, foi fundado por um grupo de estudantes nacionalistas, no exterior, que procurava, sob várias formas (umas públicas, através de um programa de rádio, no Gabão) e outras clandestinas, consciencializar a população.

Quando se deu o 25 de Abril, a maioria dos colonos foi apanhada de surpresa, pensando que a luta pela independência, dizia apenas respeito aos movimentos armados  da Guiné, Angola e Moçambique e dificilmente admitiriam que o futuro de S. Tomé e Príncipe, ia justamente depender do que viesse acontecer naquelas colónias -  Mas depressa se enganaram, porque, entretanto, mal a liberdade de expressão, foi instaurada, com o desencadear da revolução, não tardou a que, grupos de jovens nacionalistas, liderados pela Associação Cívica Pró-MLSTP, viessem para as ruas reclamar – através de várias manifestações populares - a “independência total e imediata”

Pois isso, tais factos, acabaram por provocar alguma insegurança e perturbação, no até então ambiente  de paz e de tranquilidade (diga-se, imposto pela opressão) que acabaria por ser restaurado, alguns anos depois do brutal massacre de 3 de Fevereiro de 1953, infligido por um Governador que queria obrigar a população nativa a trabalhar à força nas   brigadas das obras públicas – Isto porque, os  serviçais contratados, a mão-de-obra proveniente  de Cabo Verde, Guiné, Angola e Moçambique, revelar-se-ia insuficiente  para as grandes plantações nas Roças. 

O que se passou, em 1953, é do domínio público  e deixou feridas e ressentimentos na alma,, não fácies de apagar- Quando se deu o 25 de Abril, a memória ainda estava muito fresca  e terá sido essa a principal razão   pela qual, os ideais nacionalistas, tiveram ponta e significativa adesão, com greves, reivindicações  e manifestações populares, que se sucediam dia a dia,  embora de forma agitada e acalorada, mas  não pautada por atos de violência física.

Todos os sectores de atividade são afetados   mas é nas roças que mais se fazem sentir os efeitos  - E é também donde começam a partir alguns sinais alarmantes – Os roceiros, aos quais já lhe foram retiradas as armas dos paióis milicianos, é onde a crispação e a insegurança é maior  - Por seu turno, em Lisboa, os patrões pressionam   Spínola, a contrariar, nestas ilhas, a descolonização, alegando que as ilhas estavam desertas e pertenciam a Portugal, que envia  o coronel Ricardo Durão, anterior comandante da CTSTP - pessoa muito grada dos recreios, dadas as jantaradas, com que o brindavam - , e, sem dar prévio conhecimento, ao Governador Coronel Pires Veloso, manda-o para S. Tomé – Mas vai ter de regressar no mesmo avião – Este é um dos episódios que,  me recordou, o oficial que o conduziu de regresso ao aeroporto para partir no mesmo avião - 


Foi o Coronel Pires Veloso que expulsou Ricardo Durão   -  Fui eu que o levei ao aeroporto


2015 - banco onde nos sentámos 
Vivia-se, por aquela altura, um clima de grande instabilidade. A cidade à noite ficava deserta. Muitos dos colonos haviam-se refugiado num quartel da tropa portuguesa. Mais por precipitação de que por as suas vidas correrem perigo. Mas sentia-se que havia realmente receio e uma tensão generalizada de parte a  parte. Já não me recordo do dia ou do mês em que o cônsul me contactou. Mas sei (dito por ele) que  foi a três dias da deslocação de Costa Gomes a Nova Iorque, onde ia discursar  perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, sobre  o andamento da descolonização.  - Aliás, foi com essa a explicação com que se justificou para pedir a minha opinião


Encontrou-me no passeio da marginal, frente à praia de São Pedro, da Baía de Ana Chaves, olhando as canoas que ali se perfilam na fina língua de areia. Onde andava já a congeminar a travessia de canoa de .Tomé à Nigéria – Nisto, apercebo-me que um táxi pára junto de mim, ao mesmo tempo que vejo sair  de lá um sujeito, alto, ainda meio curvado - talvez  pelo incómodo das várias andanças à minha procura – Pois, ao abordar-me confessava-me que já tinha percorrido toda a cidade:  “Oh! Finalmente, encontro o Sr. Jorge Marques!”..

Traz consigo uma pasta preta na mão (cheia de dólares e um emissor) . Veste calça de tireline tropical.  Camisa de meia manga, sem gravata, mas, pelo aspecto, dificilmente disfarçava a sua condição de “camone”.  E,  para  meu espanto,  trata-me  logo pelo nome. “Conheço o Sr. Jorge Marques através dos artigos que escreve na revista Semana Ilustra. Tenho muito prazer em falar pessoalmente consigo. Chamo-me Everett Briggs. Sou o cônsul dos EUA, em Luanda e estou aqui para me inteirar da descolonização. Já falei com algumas pessoas da Associação Comercial e Industrial (com os principais cabecilhas das forças vivas colonialistas) e gostava muito de saber a sua opinião e de contar com a sua disponibilidade! Não se importa?”

– A seguir passa-me o seu cartão-de-visita (deixei-o em São Tomé, entre outras coisas). E, simultaneamente, dispara: “Sabe!.. O assunto é para nós muito importante!!... Se não se importasse, para estarmos mais à-vontade,   sugeria-lhe que me acompanhasse no táxi para fora da cidade, num local mais discreto!”. Mas eu respondi-lhe, imediatamente, que mandasse o táxi embora, porque que eu não aceitava sair dali: “Tenho muito gosto em falar com o Sr. Cônsul, mas tem que ser aqui! Eu não vou consigo para lado nenhum! –  As opiniões que lhe possa transmitir,  não  vejo que tenha  de as esconder, seja de quem for!” 

COMPREENDI IMEDIATAMENTE ONDE ELE PRETENDIA  CHEGAR – Não lhe virei as costas porque pressentia que estava perante uma personalidade com um poder de influência muito grande - E eu não queria que ele se deixasse embalar  no coro dos colonialistas, com os quais havia conversado , pois calculava que as suas expressões não teriam sido as mais favoráveis ao processo da descolonização.  

Recusada a propostalá teve que se resignar ao banco voltado para a baía, sob a sombra de uma das acácias  um dos castanheiros da índia, que por ali havia: - lá nos sentámos os dois, num dos bancos, ali existentes, voltados para a tranquilidade do azul  que estendia à nossa frente da Baía de Ana Chaves. Pois logo me apercebi, onde  o cônsul queria chegar. E  não estava minimamente interessado em fazer jogo duplo. Por mais tentadora que fosse a oferta.    

QUEM NÃO DEVE NÃO TEME – IR PARA O MATO  A FAZER O QUÊ?..

Ainda assim, depois de ver que a abordagem começava a ser incómoda, nem sei como é que me expus ali tanto tempo, junto dele  - quase duas horas. Mas, tal como diz o velho ditado, quem não deve não teme, e, como estávamos sentados de costas para o trânsito da marginal (que era escasso), nem dei que o tempo passasse. Além disso, não podia desperdiçar a oportunidade de me opor às teses dos colonos.

Começou então por  me explicar que tinha recebido instruções do seu governo para se deslocar a São Tomé. Que o general  António de Spínola aconselhara   a sua administração para vetar os movimentos que visavam a independência das Ilhas de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe, por entender que, quando foram descobertas, estavam desabitadas; que  os seus povos queriam ficar ligados a Portugal – Referindo que Spínola argumentava que o programa do MFA se desviara dos  princípios iniciais e que os autoproclamados movimentos  de libertação, destas ilhas, apareceram depois   do 25 de Abril para destabilizar a vida das duas colónias, não tendo qualquer influência local ou representatividade –

 SÃO TOMÉ E CABO VERDE. NA VISÃO NEO-COLONIAL SPÍNOLISTA ERAM FUNDAMENTAIS DA DEFESA DA NATO –  - E tinham de permanecer sob o domínio colonial  - Certo que ainda existem muitas ilhas nessas circunstâncias  

Briggs, confidenciava-me que, António Spínola, considerava os arquipélagos de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, fundamentais para  a defesa da Aliança Atlântica (a NATO) no atlântico Sul.  Por esse facto, a administração americana, tinha dúvidas se deveria ou não exercer o direito de veto na Assembleia das Nações Unidas, pelo que  lhe solicitara o envio, com urgência, de um relatório nos próximos três dias, antes de Costa Gomes, lá ir discursar. Precisava de se inteirar, pessoalmente, de como estava aqui a decorrer o processo de descolonização:  se as ilhas tinham ou não possibilidades económicas para se tornarem independentes e também de saber o que é que eu pensava sobre  a  representatividade e de credibilidade  dos dirigentes da Associação Cívica pró-MLSTP. – a frente activista do  movimento de libertação de São Tomé e Príncipe, já que as informações que, até então, havia  recolhido eram extremamente negativas a respeito do comportamento da referida Associação 

MEMBROS DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE SÃO TOMÉ, - EXTREMAMENTE SEVEROS PARA COM A ASSOCIAÇÃO CÍVICA

Briggs, informava-me que já havia conversado  com alguns membros da Associação Comercial e Industrial  de S.T.P., mas  todos lhe responderam que, em S. Tomé,  "a associação cívica  estava muito mal vista e não tinha nenhuma credibilidade!"  Tendo havido mesmo .quem lhe afirmasse que nem sequer se deveria “preocupar com essa garotada de arruaceiros do Riboque”    Pois,  segundo lhe haviam transmitido,  tratava-se de “um pequeno grupo  de  racistas e agitadores, que odeiam os brancos e querem ficar com o seu património”. 

A MINHA RESPOSTA ERA DIFERENTE – E JULGO QUE O TERÁ SIDO PREPONDERANTE

Falei-lhe da minha experiência nas Roças e de como os negros eram ali tratados. Que não se deixasse influenciar por preconceitos racistas – que os racistas eram  os brancos, que não aceitavam que os negros pudessem ser livres e independentes.  E que a população não concebia outra ideia que não fosse o direito à Independência de S. Tomé e Príncipe.  Caso contrário, poderia “haver  um banho de sangue”.Repeti-lhe isso várias vezes.  Mas também lhe disse que, se quisesse uma opinião mais fundamentada, que devia dirigir-se à sede da Associação Cívica.  Ali teria oportunidade de ouvir os membros da referida  Associação: - “Se quer ouvir todas as partesacho que deve  lá ir falar com eles!...É gente civilizada!... Acredito que o vão receber cordialmente  e que lhe prestarão  os esclarecimentos de que precisa! 

Agradeceu-me e pareceu-me que as minhas palavras o teriam feito mudar da opinião que trazia dos colonos. “Muito obrigado, Senhor Jorge Marques!.. Gostei muito de ouvir a sua opinião. O senhor está muito bem informado! Vou ver se me recebem e  falo ainda hoje com alguém da Associação Cívica

Não cheguei a saber se o fez. Soube, pelo General Pires Veloso, na altura do lançamento do seu livro “Pires Veloso – Vice-Rei do Norte – Memórias e Recordações”, que o referido diplomata, chegara também a conferenciar com ele.  Porém, só o facto,  de naquela altura, este alto funcionário americano, me ter abordado na rua, deixava-me bastante embaraçado! - Estava de consciência tranquila, é certo – Mas, num momento tão agitado e tenso como aquele, falar como alto diplomata americano, era algo arriscado.

Tudo quanto lhe transmitira,  era verdade e poderia ter sido dito numa palestra. Mas aquela sua proposta – e logo a propor-me para falarmos num lugar mais isolado – perturbar-me-ia, pois era  feita  de rajada; deixou-me bastante incomodado - Contudo, também  não pensei mais no assunto. Tinha outras preocupações. Um grande desafio no mar, sozinho, esperava-me e era para mim a grande obsessão.

SAI-SE ENTÃO COM ESTA: “GOSTARÍAMOS QUE FOSSE COLABORADOR DA NOSSA AGÊNCIA! POMOS-LHES TODOS OS MEIOS À SUA DISPOSIÇÃO!..” – DIZ-ME DESCARADAMENTE, DEPOIS DE TER PERCORRIDO DE TÁXI  A CIDADE INTEIRA À MINHA PROCURA.

Quando me abordou, presumo que  já soubesse que eu era dos poucos brancos (senão o único) que acompanhava de perto as manifestações e algumas reuniões, promovidas pelos activistas afectos ao MLSTP, que se haviam agrupado na Associação Cívica, para se ocuparem das acções de luta e de mobilização, até ao regresso dos membros, daquele movimento de libertação, ainda exilados no Gabão.. Mas a minha participação era jornalística e não interventiva. 

Vinha, pois, com dois objectivos :  recolher o máximo de  informações da Associação Cívica e  engajar-me para espião da CIA. – Obviamente,  dinheiro fazia-me falta, mas o dinheiro não paga a tranquilidade. Apercebi-me  que  oferta poderia ser muito tentadora, mas a minha consciência  era ainda mais forte.

Tinha sido maltratado nas roças, enquanto empregado de mato. E agora estava a ser vítima de espancamentos e de perseguições de colonos. Eu estava ao lado do Movimento de 25 de Abril e ao lado da independência daquele povo e, por isso,  de forma alguma poderia trair as minhas convicções. Houve, porém, quem acedesse – aliás, que continuasse a fazê-lo, pois presumo que já era colaborador da RFA, antes do 25 de Abril. Teve sorte!.. Noutro país, tinha-se tramado: teria sido fuzilado. Mas as gentes de São Tomé são por natureza pacíficas e ordeiras - Ele também não perdeu pela demora e raspou-se. 

Por fim, depois de  me ouvir atentamente, avançou-me então com a proposta,   que, logo de  início, me deu a perceber:

 “Sabe, meu caro senhor! Nós gostaríamos de ter na Ilha alguém que  pudesse prestar, informações, regularmente,   à nossa Agência; o governo americano está muito empenhado com a descolonização das colónias portuguesas. Há todo nosso interesse que o processo decorra com normalidade. E convinha-nos que nos informasse sobre as actividades da  Associação Cívica e de outros acontecimentos que considerasse importantes”:  

Se o Sr. Jorge aceitar  a nossa proposta,   damos-lhe os meios indispensáveis… E, como quem não quer a coisa,  abria a pasta cheia de notas de cem dólares e ostentava numa das mãos um pequeno emissor. Garanto-lhe  que ninguém tomará conhecimento da sua colaboração: só ficarei eu a saber, o Sr. Jorge e um elemento da nossa Agência....Diga-me de quanto  precisa?...” – Curiosamente nunca prenunciou a palavra CIA – Só falava da “nossa agência”. E aquele “paquete” de notas de 100 dólares –Creio que algumas até as deixou cair propositadamente ao chão para mostrar que era dinheiro.
 ...
 - EU?!...COLABORADOR DA VOSSA AGÊNCIA?!...   NEM ME FALE NISSO, SENHOR CÔNSUL!... “ - FOI A MINHA RESPOSTA

Por favor, não  me volte a abordar para tais assuntos!... Procure outro!!...Já me bastam os problemas que tenho com os colonos!... As  agressões e ameaças que  me fazem!... Já deverá saber – através da Semana Ilustrada.

E era verdade! – Em breve ia abandonar a ilha: já o havia tentado ao sul, na companhia de um santomense e de um natural do Príncipe, que andava fugido na mata, mas, ao largamos da praia, surgiu uma enorme onda, desequilibrámo-nos e fomos deitados borda fora - Ainda pensei ir no dia seguinte, mas roubaram-me todas as coisas (escasseavam conservas e alimentos importados, e houve quem se aproveitasse), além de   já ninguém me queria acompanhar. A minha vida corria perigo e eu não podia adiar por mais tempo o meu projecto da travessia São Tomé à Nigéria, que andava na minha cabeça há quatro anos.  Se fosse para fugir, teria ido mais para nordeste.  Os colonos faziam de mim o bode expiatório da sua revolta. Não aceitavam que se falasse de descolonização. E, a ter que morrer selvaticamente nas suas mãos, ao menos morresse no mar por uma causa nobre. Mesmo que fosse na barriga de um tubarão!...

Obviamente que me recusei colaborar no  perigosíssimo papel de espião.  O dinheiro é importante mas não pode nem deve ser a troco de convicções ou da nossa consciência. Lá foi à sua vida e eu fiquei na minha.   

Levantei-me para me despedir dele, mas logo a seguir  me voltei a sentar no mesmo banco, algo embaraçado e receoso de  que alguém me tivesse visto a falar com aquela inesperada criatura. Ao fim da tarde dei conhecimento a um elemento da Associação Cívica, que me disse que já sabiam da sua presença.

UM JORNALISTA DA EX-UNIÃO SOVIÉTICA HAVIA-ME ABORDADO, QUASE COM IDÊNTICA INTENÇÃO   - DEPOIS DA KGB, SÓ ME FALTAVA AGORA SER ARREGIMENTADO PELOS AMERICANOS

Antes do americano, já um jornalista russo (que trabalhava para a principal agência soviética, nos Camarões, na qualidade de correspondente para a África Central) , viera com uma certa cantilena. Era mais um (aliás, o primeiro) que queria aproveitar-se de mim: - Não pretendia informações mas doutrinar-me. Parecia um mestre de jornalismo revolucionário. Só faltava entregar-me  uma cartilha! Entretanto, nunca mais voltei a vê-lo  na cidade, pelo que tudo não passou de um mero encontro cordial –– Numa ilha onde a informação era escassa, a minha revista não passava despercebida. Mas quem lhe deu ainda mais popularidade, foram as reacções agressivas de alguns colonos –  pois eu não fazia mais de que relatar o que observava ou de procurar ouvir os vários intervenientes -  Pessoas anónimas, colonos, dirigentes das associações, governador e elementos da Junta de Salvação Nacional. E, é claro, também aproveitei para denunciar algumas prepotências do velho regime que até então eram proibidas na imprensa. Mas, é tal coisa, os artigos não podem agradar a gregos e a troianos! – Sobretudo àqueles que nem sequer toleram outras opiniões.

 Tal como já tive ocasião de referir, neste site, se há um governante, do período colonial, que não pode ser esquecido, em S. Tomé e Príncipe, ele é o General Pires Veloso, que, mais tarde, em Portugal, passaria a ser conhecido por Vice-Rei do Norte – Igualmente pelas mesmas razões: por ter evitado uma guerra civil, quer, quando ali foi colocado como Governador e Alto Comissário, quer, após o seu regresso a Portugal, na qualidade de Comandante da Região Militar do Norte, como um dos protagonistas do 25 de Novembro de 1975, 

Após o 25 de Abril de 1974, Pires Veloso foi nomeado governador de São Tomé e Príncipe, passando, a 18 de dezembro do mesmo ano, a alto comissário, função que manteve até à independência do território, a 12 de julho de 1975.António Elísio Capelo Pires Veloso

Sem a sua intervenção, sensata, ponderada e inteligente, dificilmente teria deixado de haver um segundo banho de sangue naquela Ilha – Já o disse numa postagem, publicada aqui neste site, de que não retiro uma linha, da qual transcrevo alguns excertos.

GENERAL PIRES VELOSO (ENTÃO TENENTE-CORONEL) AGIU BEM, AO OBRIGAR, RICARDO DURÃO (DA MESMA PATENTE E ATUAL  GENERAL) A NÃO SAIR DO AEROPORTO E A VOLTAR NO MESMO AVIÃO A PORTUGAL


Após o 25 de Abril de 1974, Pires Veloso foi nomeado governador de São Tomé e Príncipe, passando, a 18 de dezembro do mesmo ano, a alto comissário, função que manteve até à independência do território, a 12 de julho de 1975.António Elísio Capelo Pires Veloso

 – Sem a sua intervenção, sensata, ponderada e inteligente, dificilmente teria deixado de haver um segundo banho de sangue naquela Ilha – Já o disse numa postagem, publicada aqui neste site, de que não retiro uma linha, da qual transcrevo alguns excertos.

GENERAL PIRES VELOSO (ENTÃO TENENTE-CORONEL) AGIU BEM, AO OBRIGAR, RICARDO DURÃO (DA MESMA PATENTE E ATUAL  GENERAL) A NÃO SAIR DO AEROPORTO E A VOLTAR NO MESMO AVIÃO A PORTUGAL - 

ATITUDE SENSATA E INTELIGENTE  – – Talvez mais grave que o massacre de 3 a 7 de Fevereiro de 1953 (muito antes da guerra colonial), levado a cabo por milícias, fortemente armadas, dirigidas pelo próprio governador, Carlos Gorgulho, constituídas por colonos, militares e alguns serviçais, que os roceiros e governo, atiraram contra os naturais da Ilha. Só pelo facto de se recusarem ao trabalho forçado nas obras públicas e nas grandes plantações do cacau e café. Houve quem reagisse e, não tardou, que um caso isolado, fosse tomado por  "rebeldes" de uma "revolta comunista"




PIRES VELOSO, EVITOU UM BANHO DE SANGUE – E reforçou a confiança nos dirigentes nacionalistas

Faltou-lhes lá o Tenente-coronel Ricardo Durão a liderar a revoltaque, uns dias antes, desembarcara no aeroporto de São Tomé. Se o Tenente-Coronel Pires Veloso (mais tarde também promovido  a General), não o obrigasse a voltar no mesmo avião, estou certo de que, as águas que correm nas pacíficas Ilhas de São Tomé e Príncipe, ter-se-iam toldado por muitas manchas de sangue. E, sobretudo, se o Governador, não apelasse à calma dos manifestantes: os quais se rebelaram por motivos absolutamente injustificáveis, pois ninguém os molestou - Seguiram, depois, para  o quartel da Polícia Militar e Cinema Império. Porventura, na perspectiva de que, Ricardo Durão, os viesse comandar -  Já que,  o episódio do seu regresso forçado, não fora tornado público.



Mal me apercebi da sua presença, e, vendo-o de camuflado, semblante  sisudo, pressenti imediatamente que não vinha para fazer coisa boa.     Não chegara a passar para o exterior do aeroporto: estava sozinho, junto a uma porta fechada, do lado direito do edifício, voltada a sul  e nos limites ainda da área reservada.

 Eu costumava ali ter  acesso para ir buscar o volume das revistas que  a redação me enviava semanalmente, de Luanda.. E, ao regressar, foi quando me apercebi da sua presença - Estava nitidamente com olhar de caso:  “Passa-se alguma coisa, Sr. Tenente-Coronel?!  -  Esboça uma sorriso amarelo e diz: Não, obrigado!..Não há problema nenhum!!... Vim cá só a passear!.. E não estou autorizado, não sei porquê!.... Que eu saiba, a Ilha ainda não é dos pretos." – Vi logo que havia por ali  tentativa de golpaça e não insisti.   Pires Veloso Governador de S. Tomé e Príncipe, alertado  para a sua presença, trocou-lhe as voltas. Obrigando-o a regressar no mesmo avião. E lá foi de volta  o  grandalhão oficial com uma verdadeira chapada sem dor, mas com muita humilhação e muito bem dada!

No seu livro de memórias ( “Vice-Rei do Norte - Memórias e Revelações) o agora General Pires Veloso, faz uma breve referência, mas é omisso em apontar o nome do oficial - Diz apenas o seguinte“Sentindo que a minha atitude em recusar receber um oficial superior, enviado especial do Presidente da República, general Spínola – que fiz regressar no mesmo avião que havia trazido, sem o ouvir – havia obtido a aprovação entre os meus adversários, sabia ter conseguido com isso algum crédito.” 

Sem dúvida, um  procedimento sensato e inteligente de Pires Veloso; de outro modo, dificilmente apaziguaria as tensões existentes entre colonos e os dirigentes da Associação Cívica. Porque, o mais certo, era que os colonos (sentindo-se encorajados e comandados) passassem deliberadamente ao ataque, podendo desencadear a contra-revolução, de imprevisíveis consequências. 

então Tenente-Coronel Ricardo Durão (hoje general) –   homem forte do Comando Militar  de S. Tomé e Príncipe  não esperava que, o brioso oficial Pires Veloso, lhe desse uma grande tapona. 
Peão de confiança de Spínola (não entrara na aventura contra-revolucionária spinolista de11 de Março de 1975 , porque não calhou, tal como outros, que viram o tapete sair-lhes dos pés .

O ex-comandante do Comando   Territorial Independente de São Tomé e Príncipe  (CTISTP), conhecia bem o arquipélago, as roças e  os roceiros, com os quais convivera em altas jantaradas e almoçaradas, nas sedes das administrações: pois era já um costume enraizado que a elite económica, há muito, mantinha com a tropa. Mas, agora, de certeza que não vinha com esse propósito – Os tempos eram de revolução. E os roceiros opunham-se ostensivamente! Já tinham invadido o Palácio do Governo e dir-se-ia que só faltava pegarem nas armas que possuíam nas arrecadações. O que não dispunham era de quem os apoiasse ou de um comando operacional. Supõe-se que deveria ser a missão que trazia na manga o velho amigo das altas comezanas e das festanças.de fatiota branca. Só que nem sequer chegou a sair da gare do aeroporto.. Saiu-lhe o tiro pela culatra - E ainda bem: 

bom senso de Pires Veloso, uma vez mais esteve  à altura das suas responsabilidades, evitando mais uma enorme confusão - Ah, sim, não tenho a menor dúvida, teria havido muitas mortes em São Tomé: de parte a parte, eu seria uma delas. - Fui  tomado pelos colonos como o bode expiatório de todos os problemas.  E a  única arma que dispunha era a máquina de escrever, que ma escaqueiraram por completo,  - Tive de pedir  uma emprestada a pessoa amiga. Sabe Deus as adversidades por que então passei para poder continuar a enviar os meus trabalhos jornalísticos para a revista Semana Ilustrada, em Luanda.

“Sentindo que  a minha altitude em recusar receber um oficial superior, enviado especial do Presidente da República, general Spínola – que fiz regressar no mesmo avião que o havia trazido, sem o ouvir -  havia obtido a aprovação entre os meus adversários, sabia ter conseguido  com isso algum crédito"


"Aproveitando esse crédito, organizei uma reunião, no Palácio do Governo, com dirigentes da Associação Cívica para tratar  do assunto das armas da Organização Provincial dos Voluntários"

Tentei convencê-los  a serem eles próprios  fazerem a entrega dessas armas no Quartel-General, o que fizeram, nesse mesmo dia.

Poderá imaginar a sensação de alívio e bem-estar quando, ao cair da tarde, o coronel Cardoso do Amaral, me comunicou que tudo tinha corrido muito bem e que o armamento havia sido recebido!

Foi uma fase no processo da descolonização, decisiva e marcante, fundamentalmente porque havia conseguido, além do controlo de grande quantidade de armas dispersas pelo Território, ter as Forças Armadas disciplinadas, para além de um entendimento com respeito e confiança mútos entre autoridades portuguesas, dirigentes do MLSTP, Associação Cívica e população em geral”

(...) nós tudo procurámos fazer para que a passagem de S. Tomé e Príncipe, de colónia a pais independente, se fizesse com suavidade, tolerância, compreensão, ora criando um mínimo de estruturas que ajudassem ao funcionamento de uma nova Democracia, ora denunciando erros e, na medida do possível, corrigindo-os do passado.

“Porém, esta minha atitude de tolerância” – refere o agora General Pires Veloso - , “compreendendo o estado de uma larguíssima maioria  do povo (que não pensava noutra coisa          que não fosse a Independência Imediata), fechando os olhos, por vezes, a pequenos incidentes provocatórios e procurando o diálogo, não foi bem aceite por algumas centenas de brancos ainda no Território.

Confusos, não tendo entendido bem quão profunda havia sido a revolução de 25 de Abril, um dia invadiram o Palácio querendo falar comigo.

Em tom de crítica, acusaram-me de actuar como um verdadeiro Governador, ser mole demais, sem capacidade de decisão e pedindo protecção para essa noite, pois tinham informações de que os pretos iam massacrá-los.

Tranquilizei-os na medida do possível, garantindo-lhes que eu, nessa noite, pessoalmente, iria patrulhar a cidade, o que fiz, conduzindo um VW, por vezes acompanhado com o meu ajudante de campo.

Nas casas dos portugueses não apagaram as luzes e, quando ouviam o motor do meu carro (era o único a circular), abriam a janela. Eu dava-lhes a Boa-Noite e eles correspondiam.

Preservar o nome e a presença de Portugal

Viveu-se então a fase final do processo, em ambiente de boas relações entre autoridades portuguesas e são-tomenses, num clima de tranquilidade e compreensão, que culminou, a 12 de Julho, com uma festa de dignidade ímpar, com um respeito total entre todos”.



O ex-comandante do C
omando   Territorial Independente de São Tomé e Príncipe  (CTISTP), conhecia bem o arquipélago, as roças e  os roceiros, com os quais convivera em 
em opíparas comezanas,  na Casa Grande, nas residências dos administradores. -  Spínola, não queria a independência desta ex-colónia, alegando que as ilhas estavam desertas, quando foram descobertas pelos portugueses (estafado argumento para justificar o domínio sobre  as populações autóctones), tendo-o enviado com a missão de se juntar aos roceiros e liderar um golpe contra-revolucionário.
Mas não chegou sequer a transpor a alfândega do aeroporto. Teve de aguardar, junto à aerogare, mas do lado voltado para a pista e fora das vistas do público,  até que fosse recambiado no mesmo aviãoHumilhação bem feita e à altura das circunstâncias.
Desta vez não vinha de farda branca, como era costume  pavonear-se pelas  roças nos jipes dos patrões. E nas suas jantaradas. Envergava o camuflado de operacional. Vinha pronto para liderar a revolta.  Cumprimentei-o e perguntei-lhe o que se passava  - pois vi logo, pela sua cara e  traje, que havia ali sinais de golpada à vista. 

 Ele conhecia-me, sabia bem que eu não estava do lado da sua barricada e foi parco de palavras.  Que eu saiba, até hoje, o caso nunca chegou a ser notícia. E tão pouco a informação foi conhecida naquele momento pelos nacionalistas (mas foram informados, ainda nesse dia)  pois,  se o vissem por lá, teria havido, logo ali,  uma grande confusão...E talvez tivesse sido ele a primeira vítima. A aerogare estava cheia de gente,  era dia de "São Avião!".  Da maneira que andavam os ânimos tensos, de certeza que não se safava de um valente aperto.

Simpático com a burguesia roceira, que o obsequiara, na  sede das administrações, na "Casa  do Patrão" ao pomposo velho estilo colonial - cínico com quem lhe conviesse, e, nos meios do exército, era tido como  um  duro...  Amedalhado por "altos feitos" pela sua manifesta lealdade ao império colonial, via-se que era dos tais que não deixava os seus créditos entregues por mãos alheias. Os roceiros, haviam-no obsequiado com lautos banquetes e ele não lhes queria ser ingrato. O que não toleravam é que os defensores do 25 de Abril, lhes falassem em independência e em liberdades democráticas. Certamente que eu teria sido um dos que fazia parte das suas listas, dos traidores e indesejáveis brancos a abater.  Já em Lisboa, não podia passar frente ao  Bar PIC NIC no Rossio. - Ponto de encontro dos colonos mais reacionários.

Um dia, uma dúzia deles, apanharam-me no Metro e voltaram agredir-me traiçoeiramente, como se estivessem na selva em São Tomé. Tal como fizeram na então chamada "Praça de Portugal", quando me dirigia a minha casa, por volta das oito da noite. Aguardavam-me emboscados no interior de um carro estacionado. Não havia luz na cidade, e, mal me viram, encadearam-me com os faróis e atiraram-se a mim como lobos. Tendo-me deixado, quase morto e prostrado no asfalto

Não me mataram, porque, entretanto, viram os faróis de outro carro e puseram-se na alheta. Noutra ocasião, arrombaram-me a casa, escaqueiraram com todas as minhas coisas e puseram-me uma forca pendurada à entrada da porta.  Por duas vezes, furaram-me à navalhada os pneus dos meu carro. Entre outras patifarias.

SORTE PARA O POVO SANTOMENSE E PARA O PRÓPRIO LÍDER DO ABORTADO GOLPE CONTRA-REVOLUCIONÁRIO

Se, Ricardo Durão (agora general) ou algum militar aceitasse comandar os roceiros, como aconteceu no Batepá, teria sido uma  mortandade, talvez ainda maior!... Milhares de santomenses teriam sido baleados!... Até porque muitos dos implicados naquele massacre, ainda por lá por lá se passeavam à vontade...

Pessoalmente, também achei prudente não lançar o alerta, sobre a presença de Ricardo Durão, uma vez que  ia ser recambiado. Não havia interesse em gerar mais tensões das que já existiam. Teve sorte.. E também o povo de santomense, que se livrou de uma séria ameaça à sua integridade. Teria havido muitos mártires!...E já bastava de sangue derramado por séculos de colonização.  

Pirou-se, quase da mesma forma que o  Zé Mulato, o capataz do sinistro campo da morte de Fernão Dias, outro dos grandes assassinos no massacre do Batepá, que, para não se expor a eventuais represálias,  teve de embarcar para a terra do seu pai (antigo colono, natural da região de Viseu),  tendo entrado no aeroporto pela porta do "cavalo" disfarçado com a sua fatiota azul de carpinteiro.   

Quando alertei Pires Veloso, da presença do inesperado oficial, ele já lhe tinha dado instruções para regressar no mesmo voo. "Já sei que ele aí está: vai já no mesmo avião. Não se preocupe".  

O movimento pró-independentista apreciou atitude do Governador, que até então não acreditava nas boas intenções de Pires Veloso, pois via-o com desconfiança - Os santomenses olhavam os militares portugueses, como tropa de domínio colonial. Porém, a partir daquela altura, o Governador passou a ser visto como um dos seus e  com outros olhos. No seu livro  “Vice-Rei do Norte - Memórias e Revelações, o agora General Pires Veloso, faz uma breve referência, mas, como atrás referi,  é omisso em apontar o nome do oficial  - E alude também à  inesperada invasão dos colonos ao Palácio do Governo -


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